VINÍCIUS PINHEIRO MARQUES
(Orientador)[1]
RESUMO: O contrato de arrendamento rural é utilizado para inúmeras finalidades tanto para aquele que loca a terra quanto para quem esta cedendo à propriedade. O acordo formulado entre as partes estabelece de que forma esse uso e gozo da propriedade rural se processará. A prática possui regulamentação através do Estatuto da Terra e seu Decreto 59.566/66 fixando direitos e deveres do arrendador e arrendatário. O costume de se estabelecer o preço do arrendamento tem o tornado um dos meios que mais apresenta complexidades por desconhecimento da legislação por parte dos contratantes, podendo resultar no inadimplemento do contrato de arrendamento e gerar um processo judicial, pois a nulidade de tal cláusula torna ilíquido o débito. É necessário que haja cautela e orientação jurídica no momento de se redigir um contrato de arrendamento rural evitando constrangimentos e prejuízos futuros. Desse modo, torna-se imprescindível explanar o dirigismo contratual e as possíveis vedações em confronto com o princípio da autonomia da vontade.
Palavras-chave: Arrendamento. Contrato. Propriedade.
ABSTRACT: The rural lease is used for innumerable purposes for both the landowner and the landlord. The agreement between the parties establishes how such use and enjoyment of rural property will take place. The practice is regulated by the Land Statute and its Decree 59.566/66, establishing rights and duties of the lessor and lessee. The custom of establishing the lease price has made it one of the means that most presents complexities for lack of knowledge of the legislation by the contractors, which can result in the default of the lease and generate a legal process, since the nullity of such a clause makes illiquid the debt. There is a need for caution and legal guidance when drafting a rural lease, avoiding future constraints and losses. In this way, it is essential to explain the contractual dirigism and the possible prohibitions against the principle of autonomy of the will.
Keywords: Rental. Contract. Property
1 INTRODUÇÃO
Este artigo tem como principal objetivo apresentar um estudo acerca do contrato de arrendamento rural e suas particularidades dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
O artigo 5º, inciso XXII, e art. 186 da Constituição Federal de 1988, dispuseram a respeito do Direito de propriedade e o princípio da função social da terra, estabelecendo que ambos não devem ser considerados como direitos limitados e indiferentes à sociedade. Partindo desse pressuposto, surge o Direito Agrário como ramo autônomo do direito que por sua vez tratou de classificar as espécies de contratos rurais.
O arrendamento rural é uma espécie de contrato agrário justamente por tratar de relações pertinentes ao Direito Agrário e possui previsão no Estatuto da Terra e pelo Decreto nº 59.566/66 e dispõe em seu artigo 3º que o arrendamento rural é aquele pelo qual o proprietário (arrendante) cede ao arrendatário, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de seu imóvel rural (no todo ou em parte, com ou sem benfeitorias e outros bens), para que o arrendatário exerça atividade extrativa, agropecuária, agroindustrial ou mista, mediante retribuição certa ou aluguel.
Importante ressaltar que por se tratar de norma de direito público, as condições máximas do arrendamento rural devem ser observadas, por disposição contratual. Além disso, “o arrendatário tem resguardado o seu direito de preferência quanto a renovação do contrato ou aquisição da propriedade arrendada em igualdade de condições com terceiros” (SCOTON, 2014, p. 231/248).
Para melhor desenvolvimento serão apresentados os pontos de maior complexidade e analisado a responsabilidade civil do arrendador e do arrendante no que diz respeito à utilização indevida da terra.
Os principais tópicos explanados nesse trabalho serão divididos em seções e subseções. Na seção um serão explanados os contratos agrários. Na seção dois será abordado o contrato de arrendamento rural e suas peculiaridades. Por fim na seção três serão examinadas as cláusulas nulas e os casos de nulidade do contrato de arrendamento e responsabilidade civil do arrendador e do arrendatário no contrato de arrendamento rural. A metodologia utilizada para a realização deste projeto será à dedutiva, com método auxiliar jurisprudencial, doutrinária e histórica, nos limites do objetivo proposto.
O artigo utilizará de métodos científicos para melhor compreensão do tema. Sempre nos limites dos objetivos propostos, a pesquisa se desenvolverá da seguinte forma: será utilizado o método dedutivo, na medida em que será observado o estudo do contrato de arrendamento rural e suas particularidades.
A pesquisa bibliográfica será essencial e de maior destaque, uma vez que fornecerá subsídios fáticos e jurídicos capazes de analisar o tema proposto. Serão realizados vários procedimentos metodológicos, a partir da pesquisa bibliográfica, a saber: levantamento bibliográfico referente ao estudo sobre os contratos agrários, o contrato de arrendamento rural e suas particularidades e por fim a responsabilidade civil do arrendatário e do arrendador.
Ademais, haverá a seleção de artigos publicados em revistas especializadas, textos publicados na internet,exame de teses de mestrado e doutoramento acerca da temática visada; tudo com o propósito de elucidar e estudar com maior grau de detalhe e precisão os objetivos aqui propostos.
Por fim, uma vez coletados e organizados os dados, será verificado se as hipóteses são verdadeiras ou não, e com esses dados serão desenvolvidos os aspectos teóricos da pesquisa.
2 CONTRATOS AGRÁRIOS E DISPOSIÇÕES COMUNS
Contrato é o negócio jurídico bilateral formado pela convergência de duas ou mais vontades, que cria, modifica ou extingue relações jurídicas de natureza patrimonial.
É um negócio jurídico, pois é uma atuação humana em que as partes escolhem os efeitos que serão produzidos ao praticarem o ato. É bilateral, pois é formado pelo acordo de vontades, ou seja, são necessárias pelo menos duas vontades. O testamento é um negócio jurídico, pois é atuação humana em que se escolhem os efeitos que dele serão produzidos, mas não é um contrato, pois é um negócio jurídico unilateral (GONÇALVES, 2012).
Os contratos presentes no Direito Agrário brasileiro constituem relações jurídicas de natureza privada e tem como principal objetivo a exploração da terra mantendo sua função social. Os contratos agrários se destinam aos imóveis rurais e são orientados por legislação especial embasada no princípio da supremacia do interesse público sobre o particular.
Os contratos agrários têm condições em comum. Por este motivo, há condições obrigatórias que precisam ser observadas nas relações jurídicas com base no dirigismo estatal. Um dos cuidados do Legislador ao redigir o Estatuto da Terra concerne ao alcance à propriedade pelos trabalhadores agrícolas, para garantir que estes explorem práticas rurais. Segundo se verifica do seguinte texto, da apresentação de motivos do Estatuto da Terra, houve grande valor atribuído a esta discussão, atribuindo-se o acesso a terra pelos trabalhadores como forma de melhorar o país e assegurar a proteção da população da zona rural.
Os contratos agrários, portanto, possuem essas disposições em comum e por esse motivo essas clausulas obrigatórias devem ser observadas. Opitz, (2007, p. 274), faz referência aos contratos atípicos:
A posse ou uso da terra sob a forma de arrendamento rural ou parceria, são legalmente as únicas formas típicas para essas atividades. No entanto outros contratos agrários existem em que se usa e goza a terra fora desses parâmetros legais sem deixarem de ser atividade agrícola ou pecuária, tais como o pastoreio, a pastagem, o uso da água, das florestas, sociedade rural etc.
Existem cláusulas irrevogáveis que devem ser obrigatoriamente aplicadas nos contratos agrários que são direcionadas aos recursos naturais e sua conservação, assegurando a proteção dos contratantes economicamente. O artigo 13 do Decreto 59.566/66 traz a proteção dos contratantes hipossuficientes ao vedar a renúncia de direitos e benefícios pelos contratantes.
O Estatuto da Terra traz os contratos rurais como meio de garantir o alcance a terra, sendo possível verificar essa objetividade do legislador no artigo 1º do Decreto nº 59.566/66, onde aduz que o arrendamento é contrato agrário reconhecido para uso da terra, sendo este temporário. Não obstante, o artigo 92 do Estatuto prevê que a posse temporária será exercida sob forma de arrendamento.
Dentre as características inerentes aos contratos agrários a principal delas diz respeito às suas normas especiais. São normas de caráter projetivo e direcionadas para o contratante hipossuficiente. Possuem liberdade de forma podendo ser verbal ou escrito, contudo essa dispensa de formalismo acarreta para o legislador maior atenção, uma vez que impera o analfabetismo nessas relações contratuais.
Deverão ser aplicados os princípios de direito quando se tratar de contratos agrários não especificados na lei, uma vez que o Decreto 59.566/66 aplicar-se-á aos contratos de arrendamento e parceria rural.
Sobre os princípios contratuais, cumpre destacar algumas considerações gerais. O primeiro deles, Princípio da autonomia da vontade, indica que as partes são livres para contratar, ou seja, contratam se quiserem, com quem quiserem e sobre o que quiserem. Isso decorre de simples razão: contrato é um acordo de vontades. O limite para suas atuações é a lei e, como veremos mais à frente, o interesse social e a boa-fé.
Quanto ao princípio da obrigatoriedade e a teoria da imprevisão (pacta sunt servanda x cláusula rebus sic stantibus) vale dizer que as partes contratam se quiserem, mas, se contratarem, são obrigadas a cumprir o contrato. O contrato faz lei entre as partes, o que traduz o conhecido pacta sunt servanda, ou seja, os pactos devem ser cumpridos. Essa é a noção básica do princípio, mas o seu estudo pode e deve ser aprofundado. O atual CC adotou o princípio do pacta sunt servanda, mas não de forma absoluta, pois foi mitigado pela previsão da chamada cláusula rebus sic stantibus.
Para entender essa cláusula, é necessária uma breve análise histórica. Desde a origem dos contratos, vigora o princípio do pacta sunt servanda, ou seja, o contrato sempre fez lei entre as partes. No entanto, a Idade Média foi uma época que ameaçou a sobrevivência desse princípio, pois foi um período marcado por constantes guerras e conflitos feudais, o que inviabilizava o cumprimento de um contrato. Por isso, naquela época, tornou-se comum vir nos contratos com prestação que se prolongava no tempo uma cláusula liberando o contratante em caso de ocorrer uma guerra ou conflito feudal, permitindo-lhe pedir o fim do contrato (SCOTON, 2014).
Rebus sic stantibus significa “coisa assim ficar”, ou seja, o contratante é obrigado a cumprir o contrato, mas apenas se a coisa assim ficar.
A inovação do atual Código Civil foi tornar a cláusula rebus sic stantibus implícita aos contratos, quando passou a prever a teoria da imprevisão ou da onerosidade excessiva. Se um contrato for assinado e sobrevier fato imprevisível que o desequilibre, tornando-o excessivamente oneroso para uma das partes e com extrema vantagem para a outra, poderá aquela pedir a resolução do contrato (art. 478 do CC).
No que se refere ao princípio da relatividade dos efeitos dos contratos pode-se entender que o contrato só produz efeitos em relação às partes. É por isso que dizemos que o direito contratual é inter parte (entre as partes), diferente dos direitos reais, que são direitos oponíveis erga omnes (contra todos). Significa que o contratante só pode opor seu direito contratual ao outro contratante e não a pessoas estranhas à relação contratual, pois só as partes podem ter direitos e deveres frutos do contrato que celebraram.
Quanto ao princípio da função social do contrato vale mencionar que o contrato não interessa apenas às partes contratantes, mas sim a toda sociedade, porque ele repercute no meio social. Essa é a ideia do princípio da função social do contrato, que reflete a atual tendência de sociabilidade do direito, ou seja, de subordinação da liberdade individual em função do interesse social. Assim sendo, se o contrato repercute negativamente para a sociedade, o juiz pode nele intervir para preservação do interesse coletivo. Como exemplo, podemos pensar em um contrato com juros excessivamente elevados. Não é ruim apenas para a parte devedora, mas para toda a sociedade, pois aumenta o risco de inadimplemento, o que aumenta ainda mais os juros, o que dificulta a circulação do crédito, diminuindo os investimentos produtivos e fazendo com que o Estado não se desenvolva. O juiz, sob o fundamento da função social do contrato, poderá intervir nessa relação entre particulares, trazendo os juros para valor de mercado (GONÇALVES, 2012).
O Código Civil, em várias oportunidades, tem regras que refletem essa tendência da sociabilidade do direito. É o caso, por exemplo, da teoria da imprevisão, podendo o juiz pôr fim ao contrato em razão do seu desequilíbrio econômico pela superveniência de um fato imprevisível. O mesmo ocorre no caso de lesão e estado de perigo, podendo o juiz invalidar o contrato, por uma das partes ter assumido obrigação excessivamente onerosa em razão de determinadas circunstâncias que forçam a contratação. Isso demonstra a preocupação socializante do atual CC, pois, mesmo preenchidos os requisitos formais de validade do negócio jurídico, a lei pretende amparar um dos contratantes da esperteza ou ganância do outro ou do prejuízo econômico imprevisível com extrema vantagem para o outro contratante. Qual a razão disso? O Poder Judiciário só pode chancelar contratos que respeitem não só regras formais de validade jurídica, mas, sobretudo, normas superiores de cunho moral e social.
Essa concepção social do contrato chega ao seu ápice quando o CC, já em seu primeiro artigo sobre contratos, diz que a função social do contrato representa uma limitação na liberdade de contratar (art. 421 do CC). As partes são livres para, dentro dos limites legais, colocarem no contrato as cláusulas que quiserem, mas a limitação à autonomia da vontade não se dá apenas pela lei, mas também pelo interesse social. Com efeito, o princípio da função social do contrato possibilita uma nova tendência de controle dos contratos inaugurada pelo atual CC: o dirigismo judicial dos contratos. O que significa isso? O contrato sempre sofreu controle externo, limitando a atuação dos contratantes. Até então, prevalecia o controle feito pela lei, razão pela qual esse controle é chamado de dirigismo legal dos contratos (GONÇALVES, 2012).
O que torna isso possível é a utilização das chamadas cláusulas gerais ou conceitos jurídicos indeterminados, que tem como exemplo a função social dos contratos. São expressões vagas em seu conteúdo, exigindo do aplicador do direito uma análise do caso concreto para suprir a vacância. A lei diz que o contrato deve atender a função social, ou seja, não pode ir contra o interesse social.
Sobre o princípio da boa-fé objetiva tem-se por necessário observar que este princípio vem consagrado no art. 422 do CC, que obriga as partes contratantes a agirem de boa-fé quando da celebração de um contrato. A palavra chave do princípio é confiança, que significa parceria contratual. A ideia é que os contratantes não são lutadores, um querendo prejudicar o seu adversário, mas sim parceiros, porque um confia no outro, uma vez que são obrigados a agir conforme os ditames da boa-fé.
O princípio que rege os contratos é o princípio da boa-fé objetiva, mas, em realidade, existem dois tipos: a objetiva ou a subjetiva. A subjetiva, como o nome sinaliza, é a boa-fé interior, psicológica, ou seja, o que o contratante acredita ser correto. Já a objetiva lhe é exterior, ou seja, é agir de forma correta, segundo um padrão normal de conduta. A boa- fé que rege os contratos é a objetiva, pois é mais segura, uma vez que não depende do que pensa o outro contratante, mas sim em verificar se o contratante agiu seguindo um comportamento normal das pessoas.
Conforme o art. 422 do CC, a boa-fé deve nortear o comportamento dos contratantes não só no momento da conclusão do contrato, mas também durante a sua execução. É o fundamento da chamada responsabilidade civil pós-contratual. Às vezes, um contrato produz efeitos após a sua celebração, devendo a boa-fé perdurar enquanto durarem esses efeitos.
3. ARRENDAMENTO RURAL
O arrendamento rural possui conceito legal no artigo 92, do Estatuto da Terra e no artigo 13, da Lei n. 4.947/66, bem como do artigo 1°, do Decreto n. 59.566/66. Segundo dispõe o artigo 3º do Decreto n. 59.566/66:
O arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo extrativa ou mista, mediante certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da Lei.
Pode ser entendido como uma espécie de locação do estabelecimento rural, no qual um dos polos contratantes se obriga a ceder ao outro a terra, por tempo determinado mediante uma contraprestação, ou seja, é um contrato de uso e gozo de um prédio rústico com fins de exploração agrícola ou pecuária (BORGES, 2013).
Importante ressaltar que o contrato de arrendamento rural, encontra-se introduzido no Estatuto da Terra como um mecanismo que assegura e garante um maior uso da terra, uma vez que essa terra particular não esteja cumprindo a sua função social. Ramos, (2012, p. 50-51), dispõe que:
O arrendamento rural é um contrato agrário que a lei reconhece para o fim de posse ou uso temporário da terra, entre o proprietário, que detenha a posse ou que tenha a livre administração de um imóvel rural, e aquele que nela exerça qualquer atividade agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista. Regulará a posse ou uso temporário da terra.
O Legislador deixou evidente que as partes possuem liberdade na forma de contrato, buscando proteger direitos de modo que venha facilitar a situação considerando a residência dos contratantes. O artigo 92 do Estatuto da Terra que estabelece eu poderá ser de forma expressa ou tácita. Em conrcordância, o artigo 11 do Decreto traz que os contratos não possuem forma específica, sendo possível a forma escrita e verbal. A informalidade do contrato não retira a obrigatoriedade das cláusulas previstas em lei, devendo os contratos escritos serem regidos conforme o artigo 12 do Decreto 59.566/66. Arnaldo Rizzardo assim leciona:
Admitidas, pois, as formas escrita e verbal. A escrita é obrigatória se a exigir uma das partes, segundo o mesmo artigo, §2º: ‘Cada parte contratante poderá exigir da outra a celebração do ajuste por escrito, correndo as despesas pelo modo que convencionarem’. Mas, permite o art. 14, qualquer que seja o seu valor ou a forma, é autorizada a prova testemunhal. O Estatuto da Terra, no art. 92, §8º, firma que a ausência de contrato não impede a aplicação da lei: ‘A ausência de contrato não poderá elidir a aplicação dos princípios estabelecidos neste Capítulo e nas normas regulamentares’. (2014, p. 430-431)
Se a proposta obriga apenas o proponente, a aceitação vincula também o aceitante, pois ela faz o contrato se formar, passando a existir no mundo jurídico, estando ambas as partes obrigadas ao seu cumprimento nos termos da responsabilidade civil contratual.
3.1.PREÇO E PAGAMENTO DO ARRENDAMENTO
Como discorre os artigos 95, XI, “a”, do Estatuto da Terra e artigo 18, em seu parágrafo único, Decreto 59.66/66, não é autorizado estabelecer como valor do arrendamento parte de produtos e frutos ou semelhantes como se dinheiro fosse. É motivo de nulidade, sendo considerada inexistente a cláusula contratual, uma vez que atinge o Estatuto da Terra e o Decreto regularizador prejudicando os direitos e garantias do arrendatário, por se tratar de ordem pública, conforme se verifica no aresto do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL. ARRENDAMENTO RURAL. PREÇO. FIXAÇÃO EM QUANTIDADE DE PRODUTOS. NULIDADE DA CLÁUSULA. ARTS. 95, INC. XI, "A", DO ESTATUTO DA TERRA E 18, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DECRETO Nº 59.566/1966. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência desta Corte Superior, ao interpretar os arts. 95, inc. XI, alínea "a", da Lei nº 4.504, de 30/11/1964 (Estatuto da Terra), e 18, parágrafo único, do Decreto nº 59.566, de 14/11/1966, firmou o entendimento de que é nula a cláusula que fixa o preço do arrendamento rural em quantidades de produtos. 2. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1397715/MT. Terceira Turma. Rel. Min. Ricardo villas Bôas Cuevas. Dje: 21/09/2017)
Prevalece o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quando se trata de questionamentos infraconstitucionais, sendo a Corte que traz a igualdade na interpretação da lei alertando que é nulo o preço do arrendamento em frutos ou produtos, sendo devido quantia em dinheiro (CASSETARI, 2014).
Observa-se que esta vedação deveria ser objeto de alteração na legislação, de modo que possibilite a mudança do Estatuto da Terra e o Decreto 59.66/66 para autorizar o contrato de arrendamento rural com preço em produtos e frutos em um período inferior a três anos.
Ressalta-se que se permite com a proteção aos pequenos agrários e grupo de trabalhadores rurais, a qual poderia manter-se, porém, agricultores que tem conhecimento técnico suficiente para analisar seus empenhos e direitos por ocasião da celebração do contrato, precisam ter a comodidade de tratar sob o princípio da autonomia da vontade, sem limitações ao que melhor considerarem, não estimulando o dirigismo contratual nesses casos (BORGES, 2013).
3.2. VEDAÇÕES
O Decreto nº 59.566/66 em seu artigo 32 tratou de elencar as hipóteses que o arrendatário é obrigado a desocupar a propriedade sob pena de incorrer nas sanções impostar pela ação de despejo, são elas:Término do prazo do contrato ou de sua renovação; Se o arrendatário subarrendar, ceder ou emprestar o imóvel rural, integralmente ou em parte, sem prévio e expresso consentimento do arrendador, conforme já mencionado;Se o arrendatário não pagar o aluguel ou a renda estipulada no prazo determinado;Dano causado à parte da terra arrendada ou às colheitas, provado o dolo ou culpa do arrendatário; Abandono total ou parcial de cultivo, nas cumprindo as obrigações que lhe são devidas;Mudança na destinação do imóvel rural; Inobservância das normas obrigatórias fixadas no artigo 13 do Decreto n.° 59.566/66;Nos casos de pedido de retomada, permitidos e previstos em lei e no Regulamento, comprovada em Juízo a sinceridade do pedido;Infração a obrigação legal e contratual grave pelo arrendatário (RAMOS, 2012).
Essa vedação imposta legalmente na alínea "b", do inciso XI, do art. 95 e da alínea "b", do inciso V, do art. 96 do Estatuto da Terra deve ser objeto de alteração normativa, modificando o Estatuto e o Decreto nº 59.566/66, proporcionando a possibilidade de se efetuar contratações de arrendamento rural com período superior a três anos. Vale ressaltar que não se discute a questão da proteção especial atribuída ao pequeno agricultor e trabalhador rural, mas sim a possibilidade dos produtores com amplo entendimento técnico após analisar custos, riscos e benefícios decorrentes da celebração do contrato, terem a oportunidade de estabelecerem um contrato embasado no princípio da autonomia da vontade, sem restrições.“O princípio da autonomia da vontade se alicerça exatamente na ampla liberdade contratual, no poder dos contratantes disciplinar os seus interesses mediante acordo de vontades, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica. (GONÇALVES, 2012, pág. 20).
No que diz respeito ao subarrendamento rural, este é possível e se constitui no processo de alienação que o arrendatário estabelece com outra pessoa, ou seja, um terceiro envolvido da relação contratual. Para que haja a possibilidade de subarrendamento no ordenamento jurídico brasileiro é necessário o consentimento prévio e de forma expressa do arrendador. Havendo descumprimento deste preceito abre-se a possibilidade de ajuizar ação de despejo de acordo com o artigo 32 do Decreto 59.566/66. O parágrafo único do artigo 31 do referido diploma legal menciona desde logo, que uma vez resolvido o contrato principal, isto é, o de arrendamento, extingue-se automaticamente o subarrendamento (segue a regra: o acessório segue o principal).
Pode as partes, contudo, estabelecer entre elas, que a extinção do contrato principal não ocasionará a do acessório (subarrendamento). Neste caso, deverá tal cláusula contratual prevalecer (RIZZARDO, 2008, p. 1.460).
3.3 CLAÚSULAS DE EXTINÇÃO
Extinção do contrato é o fim de sua existência, é a sua morte, é o seu desaparecimento do mundo jurídico. Extinção é o gênero, que contempla várias espécies, pois é a expressão mais ampla para o fim do contrato, seja pela causa que for. Quando falamos em extinção do contrato, esta pode se dar, em princípio, por duas formas diferentes: por causa anterior ou superveniente à formação do contrato.
Se a causa de extinção do contrato é anterior ou até concomitante à sua formação, temos um caso de imperfeição do contrato, pois ele já nasceu viciado. Nesse caso, o contrato é inválido, podendo ele ser nulo ou anulável, a depender do vício. Não é tema para aqui ser visto, pois é assunto da parte geral do direito civil, para onde remetemos sua leitura.
Se a causa de extinção do contrato é superveniente à sua formação, estamos tratando de um contrato perfeito, ou seja, que se formou de forma válida, não sendo caso de nulidade nem de anulabilidade. O contrato perfeito pode ser extinto de duas formas diferentes: por execução ou por inexecução do contrato (GONÇALVES, 2012).
O negócio jurídico nulo corresponde a suporte fático que, nulamente embora, entrou no mundo jurídico como ato jurídico de suporte fático gravemente deficitário não nasceu morto, o que não seria nascer; nasceu de modo impróprio à vida, por sua extrema debilidade.
No que diz respeito às causas que extinguem os contratos é necessário registrar a visão de Rizzardo, (2011 p. 194):
O negócio jurídico nulo ou o ato strictosensu nulo corresponde a suporte fático que, nulamente embora, entrou no mundo jurídico [...] como ato jurídico de suporte fático gravemente deficitário [...] Não nasceu morto, o que não seria nascer; nasceu de modo impróprio à vida, por sua extrema debilidade
Inúmeras são as causas de nulidade contratual como, por exemplo: contrato celebrado por incapaz, contrato ilícito, indeterminável ou impossível, contratos não revestidos de forma especial prevista em lei, contratos com o objetivo de fraudar o imperativo da lei, contratos nulos por simulação, contratos que a lei considera nulo ou proíbe a pratica sem cominar sanção, contratos nulos por preterição de alguma solenidade considerada essencial pela lei, etc (RAMOS, 2012).
Quanto aos contratos anuláveis sua anulação decorre da imperfeição da vontade que de uma forma geral encontram-se embasados de anulabilidade quando resultantes de um incapaz ou de uma vontade regada de vícios. Esses contratos diferem-se dos negócios nulos no que diz respeito a sua validade, pois estes estão embasados na menor gravidade da problemática contida no seu conteúdo (GONÇALVES, 2012).
A Constituição Federal de 1988 nos assegura que o Meio Ambiente é um bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida. A atual geração portanto, possui o ônus de preservar, garantindo a continuidade dos recursos ambientais de forma equilibrada, não apenas para esta, mas para as futuras gerações. Por esse motivo é que se adota no direito ambiental o brocardo “in dúbio por ambiente”, “in dúbio pro natura”. O bem que está sendo tutelado é precioso e a dúvida dever ser interpretada em seu favor.
O tema está contido no rol dos direitos fundamentais da nossa Constituição da Republica Federativa do Brasil e prevê em seu texto mecanismos de defesa com o objetivo de dar eficácia à proteção do meio ambiente
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Essa proteção encontrada no artigo supracitado, da Constituição Federal, se concretiza por meio do ramo do direito chamado Direito Ambiental.
É evidente que a grandeza do Direito Ambiental não está limitada a um determinado ordenamento jurídico específico, pois suas normas e princípios estão difundidos pelo ordenamento jurídico pátrio de modo geral, porém é importante destacar que a única Constituição brasileira que trouxe um capítulo reservado para tratar do meio ambiente foi a nossa atual Constituição Federal. Milaré (2001, p. 113) acrescenta que:
Por conseguinte, a partir desta constatação, a proteção do meio ambiente não pode ser mais considerada um luxo ou uma utopia, pois o reconhecimento deste interesse geral permitirá um novo controle de legalidade e estabelecerá instrumentos aptos a fazer respeitar o novo objetivo do Estado.
O dano ambiental gera três espécies de responsabilidades: penal, administrativa e civil. Responderá penalmente apenas aquele que praticou o delito, no caso do contrato de arrendamento rural, via de regra será o arrendatário, uma vez que ele detinha a posse direta do local quando o crime ocorreu, salvo prova em contrário, o que vale dizer que a pena não passará da pessoa do autor.
Na via administrativa, o proprietário poderá ser exonerado dos encargos desde que comprove culpa exclusiva do arrendatário. Vale ressaltar que caso a coprovação da culpa exclusiva não se dê a tempo, nada impede que o arrendador busque a cobrança do valor da multa regressivamente do autor do crime.
Civilmente ocorre o inverso, pois a responsabilidade é objetiva e solidária, independe de culpa, portanto, irá responder o arrendador e o arrendatário respondendo por indenizações de ordem material e moral que vier a ocasionar. O proprietário apenas estará isento de responsabilidade nos casos de situação alheia à sua vontade.
O meio ambiente proporciona a todos as condições necessárias para a sua sobrevivência e evolução. Essas condições influem sobre a saúde humana podendo provocar consequências danosas, para a qualidade de vida e para o desenvolvimento de todos. Ou seja, um meio ambiente desequilibrado põe em risco, a vida e a saúde individual e coletiva, bem como coloca em risco a própria perpetuação da espécie humana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escolha do tema deste artigo de pesquisa se justificou pelo grau de importância que representa a análise aprofundada e sistemática dos contratos de arrendamento rural no ordenamento jurídico pátrio, uma vez que o acesso a terra é um direito de todos os cidadãos e de extrema importância para a plena realização de uma série de outros direitos.
O objetivo dessa pesquisa é abordar um estudo doutrinário, legislativo e jurisprudencial apresentando alguns princípios norteadores do direito agrário, os requisitos constitutivos dos contratos agrários em especial o contrato de arrendamento rural que por sua vez apresenta determinadas peculiaridades.
Contudo apesar do contrato de arrendamento rural ser o instrumento mais comum pelo qual um indivíduo se obriga a ceder à outra pessoa, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de uma propriedade rural, para exercer atividades agrícolas, pecuárias, agroindustrial extrativista ou mista, ele é um
Acontecendo isso, a via judicial para se solucionar será o ajuizamento de uma ação de cobrança e como consequência da morosidade do rito desta ação o proprietário poderá ficar um longo período de tempo sem receber o que lhe é devido e sem poder retomar o imóvel rural.
É importante que os contratantes estejam alertados da possibilidade deste problema ocorrer no momento do acordo, em especial os proprietários arrendadores, pois as hipóteses de inadimplemento pelos arrendatários poderá acarretar diverso riscos.
Além disso, o arrendatário precisa estar atento no momento de assinar o contrato, tomando o devido cuidado de fazer constar cláusulas de cunho ambiental e o estado em que se encontra a propriedade no momento da transmissão da posse, evitando assim uma futura responsabilização por aquilo que efetivamente não deu causa.
Ao analisar os pontos relevantes que deram corpo à problematização deste artigo, fez-se necessário estudar as vedações que o Estatuto da Terra trouxe quando se trata dos contratos de arrendamento rural, como a definição do custo em objetos rurais e a contratação em tempo inferior a três anos. O paternalismo estatal trouxe essas condições, uma vez que o Estado ao conhecer determinado conjunto de pessoas, buscou fornecer atenção especial por meio do dirigismo contratual.
A atual condição socioeconômica difere daquela à época do Estatuto da Terra, sendo notório o desenvolvimento no campo agrícola, reduzindo a população, mas em contrapartida colaborando com a produção do agricultor. Importantes instituições multinacionais amparam da atenção dada pelo Estado, o que é vedado pelos princípios do Estatuto da Terra, que os trazem como meio de proteção àqueles que podem sofrer abusos pelos possuidores de terras.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 22/10/2018.
_____. Decreto nº 59.566, de 14 de novembro de 1966. Disponível em: . Acesso em: 22/10/2018.
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[1] Doutor em Direito pela Pontifícia Universiade Católica de Minas Gerais. Professor do Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins. Advogado. E-mail: [email protected]
Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Ana Paula Freitas. Análise das particularidades do contrato de arrendamento rural Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 out 2018, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52353/analise-das-particularidades-do-contrato-de-arrendamento-rural. Acesso em: 23 dez 2024.
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