RESUMO: A execução invertida caracteriza-se pela instauração da fase executória pelo devedor por meio da apresentação de planilha de liquidação do julgado com objetivo de garantir a célere satisfação do crédito. A inversão do ônus de apresentar planilha de cálculos subverte a lógica processual e fere o princípio da legalidade, da separação dos poderes, do devido processo legal e da isonomia. Trata-se de procedimento facultativo e que, portanto, os entes públicos devedores poderão resistir à determinação judicial para apresentar os cálculos sem que seja aplicada multa por descumprimento.
Palavras-chave: Fazenda Pública. Juizados especiais federais. Execução invertida.
INTRODUÇÃO
A execução invertida nada mais é do que a instauração da fase executória pelo devedor por meio da apresentação de planilha de liquidação do julgado. Assim, o devedor, antecipando-se ao credor, espontaneamente ou após intimação do juízo, apresenta os cálculos dos valores atrasados que entende devidos em decorrência de decisão condenatória transitada em julgado.
Tal procedimento virou praxe nas ações que tramitam nos juizados especiais federais, nas quais a Fazenda Pública é condenada a pagar quantia certa. Os principais fundamentos utilizados pelas decisões judiciais que determinam a apresentação de cálculos pelo ente público são a celeridade processual e a efetividade da prestação jurisdicional por meio da rápida satisfação do crédito. Outrossim, fundamenta-se que o Poder Público já detém todos os elementos necessários para a elaboração dos cálculos devidos, precipuamente nas ações que envolvem servidores públicos federais.
Ademais, não se pode negar que o fluxo decorrente da execução invertida traz benefícios também aos entes públicos, uma vez que poderão apresentar os valores que entendem devidos com base nos critérios de atualização que entendem corretos e que, na maioria das vezes, é obtida a concordância da parte adversa. Assim, estagna-se a fluência de juros moratórios e evita-se a condenação da Fazenda Pública ao pagamento de honorários advocatícios referentes à fase executiva.
Inobstante as vantagens da execução invertida, a Fazenda Pública muitas vezes em decorrência da ausência de estrutura e da grande demanda a que é submetida não é capaz de promover a apresentação da liquidação do julgado de forma espontânea. O descumprimento de tal rito muitas vezes enseja a fixação de astreintes pelos juízes, o que faz com que seja necessário esclarecer a natureza facultativa da execução invertida a fim de verificar a possibilidade de incidência de multa em caso de descumprimento de tal determinação.
I. DA EXECUÇÃO INVERTIDA COMO FACULDADE DO ENTE PÚBLICO CONDENADO
De início, impende observar que a Lei n. 10.259/2001, que regulamenta os juizados especiais federais, ao dispor acerca do o cumprimento espontâneo pelo devedor limitou-se às obrigações de fazer e não fazer:
Art. 16. O cumprimento do acordo ou da sentença, com trânsito em julgado, que imponham obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa certa, será efetuado mediante ofício do Juiz à autoridade citada para a causa, com cópia da sentença ou do acordo.
Assim, a execução de título judicial que contém obrigação de pagar quantia certa deve observar o procedimento disposto no art. 17 da Lei n. 10.259/2001, e não o do artigo anterior da mesma lei que se refere ao cumprimento apenas de título judicial que estabelece obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa certa. O mencionado dispositivo 17 nada dispõe acerca da obrigação da Fazenda Pública em apresentar cálculos:
Art. 17. Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta dias, contados da entrega da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório.
Por outro lado, o novo Código de Processo Civil preconiza que a obrigação de apresentar os cálculos de liquidação do julgado é do exequente:
Art. 534. No cumprimento de sentença que impuser à Fazenda Pública o dever de pagar quantia certa, o exequente apresentará demonstrativo discriminado e atualizado do crédito contendo:
I – o nome completo e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica do exequente;
II – o índice de correção monetária adotado;
III – os juros aplicados e as respectivas taxas;
IV – o termo inicial e o termo final dos juros e da correção monetária utilizados;
V – a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso;
VI – a especificação dos eventuais descontos obrigatórios realizados. (grifo nosso)
Depreende-se, assim, que o cumprimento de sentença em face da Fazenda Pública que pretende o pagamento de quantia certa deve ser requerido pelo exequente, a quem incumbe apresentar memória de cálculo contendo os elementos relacionados no artigo supramencionado (CUNHA, 2016).
Desse modo, a execução invertida deve ser considerada como uma exceção à regra, uma faculdade do executado que pode ou não ser adotada, a depender de cada caso concreto, pois a obrigação é do exequente.
A natureza de faculdade da execução invertida já era clara mesmo quando era expressamente prevista no antigo Código de Processo Civil:
Art. 570. O devedor pode requerer ao juiz que mande citar o credor a receber em juízo o que Ihe cabe conforme o título executivo judicial; neste caso, o devedor assume, no processo, posição idêntica à do exeqüente. (Revogado pela Lei nº 11.232, de 2005)
Assim, a legislação deixa claro caber à parte exequente indicar o valor a ser executado no cumprimento da obrigação de pagar quantia certa, motivo pelo qual não poderia ser imputada multa por descumprimento à Fazenda Pública quando não puder fazê-lo.
A questão foi submetida ao Supremo Tribunal Federal por meio de recurso extraordinário 729884 interposto pelo INSS. Contudo, a Corte Superior, por maioria, não conheceu do recurso, ao entendimento de que a pretensão deduzida repousa apenas na esfera da legalidade, concluindo pela inexistência de questão constitucional e, por conseguinte, de repercussão geral.
Nesse ensejo, visando o fim da controvérsia e o reconhecimento da inconstitucionalidade da interpretação que impõe à parte ré a obrigação de apresentar os cálculos necessários à execução de decisões judiciais condenatórias produzidas no âmbito dos Juizados Especiais, a Advocacia Geral da União ajuizou no ano de 2013 arguição de descumprimento de preceito fundamental, articulando com a inobservância, pelos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, dos artigos 2º, 5º, cabeça e incisos II, LIV e LV, 22, inciso I, e 37, cabeça, da Carta Federal.
Em suma, na referida ação, ainda pendente de julgamento, defende-se que as decisões que obrigam a apresentação de cálculo pela União nas ações contra ela movidas importam em violação aos princípios do devido processo legal, da isonomia, bem como dos preceitos da legalidade e da separação dos Poderes, uma vez que inovam ao estabelecer obrigação que somente poderia ser criada mediante lei, emanada pelo Poder Legislativo.
Conforme apontado na exordial, verificou-se que apenas no âmbito de atuação da Procuradoria Regional da União da 2ª Região haviam sido proferidas, aproximadamente, oito mil decisões judiciais determinando que a União apresentasse cálculo de liquidação em ações que figurava como executada.
Logo, resta evidente que impor à União, enquanto executada, o dever de apresentar cálculos de liquidação gera, além de uma indevida inversão de um ônus processual legalmente previsto, uma sobrecarga de trabalho à Contadoria da Advocacia Geral da União capaz de comprometer sua atuação.
Deve-se pontuar ainda, conforme bem apontado pela Advocacia Geral da União na ADPF 219, que, face à grande demanda de trabalho, é prioridade da União a utilização de sua contadoria para elaboração de cálculos para defesa em processos cujo prazo de defesa seja peremptório e, ainda, de cálculos referentes às execuções promovidas pela União e que visam o ingresso de valores nos cofres público. Portanto, a adoção indiscriminada do rito da execução invertida pode acarretar, em última instância, prejuízos financeiros à União.
Dessa forma, uma vez demonstrado que se trata de faculdade do ente público e ônus da parte exequente, mostra-se inconstitucional e ilegal a decisão judicial que impõe à parte executada a obrigação de apresentar planilha de cálculos de liquidação do julgado e, portanto, não poderá ser aplicada multa por descumprimento como forma de compelir a Fazenda Pública a cumprir obrigação que não lhe incumbe.
II. DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA EXECUÇÃO INVERTIDA
Outro ponto referente à presente temática e que merece destaque é a impossibilidade de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de honorário advocatícios em caso de execução invertida.
Isso porque quando a Fazenda Pública, de forma proativa, exerce a faculdade de apresentar planilha de liquidação dos valores por ela devido, tem-se o cumprimento espontâneo da obrigação, não se falando sequer em instauração da fase executiva do julgado.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem orientação pacífica quanto ao descabimento de fixação de honorários advocatícios na hipótese em que o devedor apresenta os cálculos para expedição da correspondente requisição de pequeno valor, caso o credor concorde integralmente com o valor apresentado. Confira-se alguns julgados:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR. EXECUÇÃO INVERTIDA. VERBA HONORÁRIA INDEVIDA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.
1. É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual não cabe a fixação de honorários advocatícios na hipótese em que o devedor apresenta os cálculos para expedição da correspondente requisição de pequeno valor, caso o credor concorde com o valor apresentado, o que se denomina execução invertida.
2. O acórdão recorrido não está em sintonia com o atual entendimento do STJ, razão pela qual merece prosperar a irresignação. 3. Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero desprovimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.
4. Recurso Especial provido.
(REsp 1742645/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 26/11/2018)
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE PEQUENO VALOR. EXECUÇÃO INVERTIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO.
I - Na origem, trata-se de agravo de instrumento, objetivando obstar os efeitos de decisão proferida em ação executiva em que busca o recebimento de valores os quais entendem devidos.
II - Esta Corte firmou entendimento no sentido de que o cumprimento espontâneo da obrigação de pequeno valor, pelo ente público devedor, na chamada execução invertida, afasta a condenação em honorários de advogado. Precedentes: REsp 1675990/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/09/2017, DJe 09/10/2017; AgInt no REsp 1473684/SC, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/02/2017, DJe 23/02/2017; AgInt no AREsp 876.956/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/08/2016, DJe 08/09/2016.
III - Agravo interno provido.
(AgInt no REsp 1604229/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/03/2018, DJe 21/03/2018)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE PEQUENO VALOR. EXECUÇÃO INVERTIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. PAGAMENTO VOLUNTÁRIO. INÍCIO DO PRAZO. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DO REPRESENTANTE DO DEVEDOR.
1. Na hipótese de cumprimento espontâneo da obrigação de pequeno valor pelo ente público, descabe a condenação ao pagamento de honorários advocatícios. Precedentes.
2. Conforme a orientação firmada por esta Corte Superior, o cumprimento de sentença não ocorre de forma automática, sendo necessária a intimação do devedor, na pessoa do seu representante, para o pagamento da dívida.
3. "No caso em exame, após o trânsito em julgado e o retorno dos autos à instância de origem, foi determinada a intimação do INSS para implantação no prazo de 45 dias. Intimado o INSS em 10/02/2012, uma sexta-feira (fl. 384), protocolou em 27/03/2012 (fl. 385) petição informando que o benefício já havia sido implantado e que em anexo juntava os cálculos das parcelas em atraso, portanto dentro do prazo estabelecido pelo Juízo."
4. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no REsp 1473684/SC, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/02/2017, DJe 23/02/2017)
Desse modo, caso a Fazenda Pública opte por adotar o rito da execução invertida apenas poderão ser arbitrados honorários em caso de impugnação pelo exequente que seja julgada procedente.
CONCLUSÃO
A execução invertida deve ser considerada uma boa prática processual pelas vantagens que apresenta a ambas as partes e, portanto, ser incentivada a sua adoção no âmbito das ações de execução em face da Fazenda Pública.
Inobstante, a inversão impositiva do ônus de apresentar planilha de cálculos pelo juízo de execução subverte a lógica processual e fere o princípio da legalidade, da separação dos poderes, do devido processo legal e da isonomia.
Desse modo, deve ser considerada como procedimento de adoção facultativa pelo ente público condenado e que, portanto, poderá resistir em apresentar os cálculos de liquidação do julgado sem que seja aplicada multa por descumprimento de eventual decisão judicial que de ofício assim tenha determinado.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Superior Tribunal De Justiça. REsp 1742645/RS. Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 26/11/2018. Disponível em: www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia. Acesso em 14/12/2018.
BRASIL. Superior Tribunal De Justiça. AgInt no REsp 1604229/RS. Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/03/2018, DJe 21/03/2018. Disponível em: www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia. Acesso em 14/12/2018.
BRASIL. Superior Tribunal De Justiça. AgInt no REsp 1473684/SC. Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/02/2017, DJe 23/02/2017. Disponível em: www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia. Acesso em 14/12/2018.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, ADPF 219. Movimentação processual. 2013. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=3974029. Acesso em: 14/12/2018.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13 ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2016.
Advogada da União, lotada na Procuradoria Regional da União da 1ª Região, pós-graduada em Direito do Trabalho e Processual Trabalhista.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REBECA PEIXOTO LEãO ALMEIDA GONZáLEZ, . Da execução invertida no âmbito dos Juizados Especiais Federais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52520/da-execucao-invertida-no-ambito-dos-juizados-especiais-federais. Acesso em: 23 dez 2024.
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