RESUMO: Este artigo tem o propósito de avaliar se é possível, com base no princípio da inafastabilidade da jurisdição, que o Poder Judiciário atue como instância revisora das decisões dos Tribunais de Contas. Partindo da análise das diversas teorias sobre a natureza jurídica das deliberações dos órgãos de controle externo, pretende-se demonstrar que essas deliberações estão, sim, sujeitas ao controle jurisdicional, mas que esse controle não é irrestrito. Com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, verifica-se que o Poder Judiciário só pode atuar diante da alegação de vício formal na instrução de processos de controle, hipótese em que a decisão será anulada e o próprio órgão de controle externo será instado a proferir nova decisão, corrigindo o vício declarado judicialmente
Palavras-chave: tribunais de contas, controle jurisdicional, limites.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Natureza jurídica das deliberações dos Tribunais de Contas; 2 Possibilidade de controle jurisdicional das decisões dos Tribunais de Contas; 3 Limites do reexame judicial; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
As Cortes de Contas têm a missão constitucional de realizar o controle externo do todos os entes que integram a Administração Pública, sendo ainda responsáveis por aferir a regularidade de todas as despesas públicas.
São também responsáveis por fiscalizar a aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000), que estabeleceu limites para gastos com pessoal e para o endividamento público, dois dos principais responsáveis pelos deficit fiscais que têm sido registrados pela União e pela maioria dos Estados nos últimos anos. Isso significa que, se essa lei tivesse sido aplicada de modo devido, é muito provável que a crise econômica por que passa o país nem tivesse chegado a ocorrer, ou que não fosse tão grave.
Partindo da premissa de que os Tribunais de Contas não tiveram êxito na fiscalização da aplicação da lei, muitas hipóteses são levantadas quando se investigam as razões desse insucesso: cita-se desde a forma de composição dos tribunais (a maioria dos conselheiros ou ministros chegam ao tribunal por indicação política, razão pela qual evitariam indisposição com o Poder Executivo) até a indiferença com que alguns governantes tratam as recomendações e determinações emanadas dos Conselhos de Contas (por acreditarem que a decisão sempre poderá ser revista pelo Poder Judiciário).
Esse desprestígio das decisões proferidas pelos órgãos de controle externo decorre, muitas vezes, da indiscriminada revisão dessas decisões no âmbito de processos judiciais. O gestor público não costuma encarar a decisão proferida pelo Tribunal de Contas como algo obrigatório, mas como uma recomendação que, na pior das hipóteses, poderá ainda ser discutida no âmbito judicial.
Muitos órgãos do Poder Judiciário, por sua vez, quando deparam com ações judiciais que visam à desconstituição ou à suspensão dessas deliberações, concedem liminares que suspendem processos e autorizam a manutenção de práticas em desconformidade com a boa gestão pública.
Citem-se, por exemplo, as decisões judiciais que suspendem deliberações das Cortes de Contas que determinam que o Poder Executivo ajuste os seus gastos aos limites impostos na Lei de Responsabilidade Fiscal[1]. Por meio dessas decisões, o Poder Judiciário acaba autorizando o descumprimento da LRF, desconstituindo todo o esforço feito pelos técnicos do Tribunal de Contas para identificar as desconformidades e sugerir alternativas para saná-las.
Mas será que é mesmo possível ao Poder Judiciário realizar controle tão abrangente sobre a atuação dos Tribunais de Contas? A Constituição Federal, no art. 71, II, conferiu a esses órgãos o dever-poder de “julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público”.
Assim, salvo em relação às contas do Chefe do Poder Executivo (julgadas pelo Poder Legislativo), o Tribunal de Contas tem a atribuição de julgar a regularidade das despesas realizadas por todos aqueles que administram recursos públicos.
Deve-se lembrar, ainda, que os conselheiros e ministros gozam de todas as garantias atribuídas aos membros da magistratura, de modo a deixá-los imunes a influências outras que não sejam a lei e a consciência de cada um.
É de se destacar, ainda, o desenho institucional do sistema de controle externo no ordenamento jurídico brasileiro: embora seja órgão auxiliar do Poder Legislativo, o Tribunal de Contas não se subordina a ele, como não se subordina a qualquer outro Poder. Está em posição de equidistância em relação aos demais Poderes e autoridades, de modo que possui, ao menos em tese, a necessária independência para desempenhar suas atribuições.
Por fim, deve-se lembrar ainda do nível de especialização que está envolvido no desempenho de parte das atribuições do órgão. O exame da legalidade de um ato de admissão ou de aposentadoria não costuma levantar grandes controvérsias, mas a análise de operações financeiras complexas (assim como a forma como essas operações devem ser registradas contabilmente) enseja grandes debates, que envolvem conhecimentos jurídicos, contábeis e econômicos.
Nesse contexto, deve-se investigar o alcance do controle jurisdicional sobre os atos de controle externo, considerando especialmente a previsão normativa inserta no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, segundo a qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
O objetivo do presente artigo é avaliar a possibilidade de o Poder Judiciário interferir nas decisões dos Tribunais de Contas e, concluindo-se pela possibilidade, investigar em que medida essa interferência poderá ocorrer.
1. NATUREZA JURÍDICA DAS DELIBERAÇÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
Embora sejam órgãos auxiliares do Poder Legislativo, é certo que os Tribunais de Contas não exercem função legislativa, pois não produzem qualquer ato normativo primário (e sequer possuem legitimidade para tanto).
Também não exercem função jurisdicional, pois não integram o Poder Judiciário (não figuram no rol taxativo previsto no art. 92 da Constituição Federal). Ademais, embora possuam a função de julgar contas, não exercem esse mister em caráter contencioso, característica essencial da jurisdição. Ademais, as Cortes de Contas podem exercer suas funções de ofício, enquanto uma das principais características da jurisdição é a inércia.
Assim, seria lógico concluir, ainda que por exclusão, que as Cortes de Contas exercem função administrativa. Régis Fernandes de Oliveira, após destacar que os Tribunais de Contas não compõem o Poder Judiciário e que suas decisões não se caracterizam pela definitividade, defende que esses órgãos possuem função apenas administrativa[2].
Na mesma linha é o magistério de Marçal Justen Filho, que, embora defenda que o controle externo possui natureza administrativa, reconhece que essa atividade não apresenta natureza jurídica idêntica àquela que é objeto de controle.[3]
Isso porque as atividades desses órgãos não se caracterizam como ações administrativas (ações que importam em prestação de serviço público) e suas decisões possuem especificidades que as distinguem das decisões proferidas no âmbito da jurisdição administrativa, como o fato de serem proferidas por órgão que não integra a estrutura do Poder Executivo.
Nesse cenário, será que a função dos Tribunais de Contas, ao menos no contexto jurídico-constitucional brasileiro, não se enquadraria em uma quarta função, diversa das funções legislativa, jurisdicional e executiva? Essa hipótese é defendida por Pedro Roberto Decomain:
O apropriado é que se sustente, portanto, revestirem as decisões dos Tribunais de Contas caráter de efetivos atos de controle. Atos de controle justamente porque se destinam a verificar se a atividade, objeto de exame por parte do Tribunal, guardou efetiva conformação aos parâmetros constitucionais e legais pelos quais haveria que ter sido pautada. Nisso consiste efetivamente o controle. Tomando um paradigma – no caso, princípios constitucionais da Administração Pública – verificar-se-á, quando da análise de cada situação concreta, se esse paradigma foi observado.[4]
Tem razão o autor. As atribuições desenvolvidas pelos Tribunais de Contas não se identificam com a função administrativa, mas como uma função de controle, que se caracteriza por verificar, de ofício ou mediante provocação, a compatibilidade dos atos emanados no exercício da atividade administrativa com o ordenamento jurídico. O simples fato de não se enquadrar na clássica teoria da tripartição de poderes não é suficiente para deixar de reconhecer a existência de uma função típica de controle, que se desenvolveu após a doutrina de Montesquieu.
2. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL DAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
Importa investigar, a seguir, qual o grau de vinculatividade das decisões proferidas no âmbito de processos de controle externo. Nesse ponto, é necessário reconhecer que a maior parte da doutrina e jurisprudência pátrias defendem que os órgãos submetidos à jurisdição das Cortes de Contas são obrigados a acatar suas determinações. Tanto é assim que as leis orgânicas de todos os Tribunais de Contas preveem a possibilidade de aplicação de multa às autoridades que não cumprirem suas determinações, ou mesmo retardarem o seu cumprimento.
Assim, mesmo os órgãos do Poder Judiciário, quando no exercício de atividade administrativa, não podem deixar de cumprir essa espécie de decisão.
A decisão do órgão de controle externo, no entanto, está sujeita ao controle jurisdicional. Ellen Gracie, apoiada no princípio da inafastabilidade da jurisdição, defende a ampla possibilidade de o Poder Judiciário revisar as decisões do Tribunal de Contas:
(...) qualquer ação ou comportamento de pessoa privada ou entidade pública capaz de ameaçar direito ou qualquer deliberação de entidade pública ou privada com o mesmo intuito pode ser discutida em juízo pelo interessado ainda quando tenha sido ou pudesse ser objeto de prévia discussão administrativa ou extrajudicial. Vige assim, entre nós, em qualquer circunstância, o princípio da inafastabilidade do reexame judicial.
Ante tal quadro, o controle externo da atividade contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas (art. 70 da Constituição), a cargo do Congresso Nacional e exercido com o auxílio do tribunal de Contas (art. 71 da Constituição), sujeita-se ordinariamente ao mesmo regime de controle judicial.”[5]
Outros argumentos são suscitados por aqueles que compartilham da opinião da ex-ministra do STF:
1) Os recursos contra as decisões proferidas no âmbito do controle externo são apreciados pela própria Corte de Contas, razão pela qual seria questionável a existência de um efetivo reexame dessas decisões.
2) Existem deliberações em face das quais não cabe sequer recurso, a exemplo do parecer prévio sobre as contas de governo.
3) Não há medidas processuais de exceção (como alegação de suspeição e impedimento), nem órgão externo e superior que possa declarar a ocorrência dessas situações.
4) Os Tribunais de Contas não podem executar suas próprias decisões. Embora suas deliberações que imputem multa ou débito constituam título executivo extrajudicial, a dependência do Judiciário faz com que se abra ao devedor a possibilidade de alegar as matérias de defesa previstas na legislação processual, que incluem a discussão sobre a própria existência do débito.
Não obstante a força de todos esses argumentos, há quem defenda que as deliberações das Cortes de Contas são infensas ao controle jurisdicional. Segundo Seabra Fagundes, conforme citado por Mascarenhas[6], admitir que a manifestação dos órgãos de controle externo sobre a regularidade das contas está submetida ao controle jurisdicional seria transformar o pronunciamento desses órgãos em mero e inútil formalismo.
Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, na mesma linha, sustenta que as Cortes de Contas, embora não integrem o Poder Judiciário, produzem decisões de natureza jurisdicional, ao menos em relação às competências previstas no art. 71, II, da Constituição Federal, que trata do julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta. O autor destaca, entre outras, razões de ordem prática para sustentar sua posição:
O exame feito pelos Tribunais de Contas representa uma poderosa e ampla ação de controle sobre os atos da Administração, que já estão jungidos ao controle interno da própria Administração. Permitir uma ampla revisibilidade pelo Poder Judiciário, no mínimo, constituiria em termos lógicos conceder um espaço tão intenso ao controle judicial que inviabilizaria a própria ação administrativa.[7]
Não obstante a opinião desses autores, considerando a configuração atual do nosso sistema constitucional, e tendo em vista especialmente o que dispõem os incisos XXXV (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”) e XXXVII (não haverá juízo ou tribunal de exceção”) do art. 5º da Constituição Federal, é certo que as deliberações dos Tribunais de Contas podem ser submetidas ao crivo do Poder Judiciário. Isso não significa, entretanto, que o Poder Judiciário tem total liberdade para reformar as decisões adotadas pelos órgãos de controle.
3. LIMITES DO REEXAME JUDICIAL
Entre os que admitem um controle jurisdicional irrestrito e aqueles que consideram as decisões dos órgãos de controle externo imunes ao reexame judicial, há uma terceira corrente doutrinária, que defende uma posição intermediária, no sentido de que é possível o controle, desde que limitado aos aspectos relacionados ao procedimento utilizado pelo Tribunal de Contas. O Poder Judiciário, se instado a tanto, poderia verificar a compatibilidade do procedimento adotado pelo órgão de controle com aquele previsto em lei (devido processo legal em sentido formal), mas jamais substituir esse órgão na apreciação do mérito do processo.
Essa parece ser a posição de Caldas Furtado, que sustenta que, diante de vícios formais, o Poder Judiciário pode declarar a nulidade de decisões das Cortes de Contas, hipótese em que cabe aos Tribunais de Conta refazer o julgamento, corrigindo o vício apontado[8].
Também adotando uma posição intermediária, embora com outros contornos, Carlos Ayres Britto defende que as decisões proferidas pelas Cortes de Contas fazem coisa julgada quanto ao mérito da gestão financeira, orçamentária, patrimonial, contábil e operacional do Poder Público, embora o Poder Judiciário possa revisar questões que digam respeito aos direitos propriamente subjetivos daqueles envolvidos em processos de contas.[9]
A saída sugerida pelo eminente constitucionalista, apesar de engenhosa, é de difícil aplicabilidade prática. Basta imaginar o exemplo, tão comum na rotina das Cortes de Contas, da análise acerca da regularidade de uma licitação. Nesse caso, o tribunal teria a palavra final sobre a (ir)regularidade do procedimento, mas não sobre a responsabilização dos agentes envolvidos, já que essa questão envolveria os direitos subjetivos dos administrados? Essa não parece ser a melhor solução, até porque é muito difícil fazer essa separação. O que indica se houve irregularidade no procedimento licitatório não é o seu resultado, e sim a conduta dos licitantes, pregoeiro e comissão de licitação.
Concordamos, portanto, com a tese de que o mérito das decisões dos Tribunais de Contas não pode ser revisto pelo Poder Judiciário, que está autorizado a controlar apenas o aspecto formal dessas decisões. Essa, aliás, foi a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do MS 7280, assim ementado:
Ao apurar a alcance dos responsáveis pelos dinheiros públicos, o tribunal de contas pratica ato insusceptivel de revisão na via judicial a não ser quanto ao seu aspecto formal ou tisna de ilegalidade manifesta. Mandado de segurança não conhecido.[10]
Parte da doutrina tem afirmado que o Supremo Tribunal Federal relativizou esse entendimento, admitindo o controle do mérito das decisões proferidas pelos Tribunais de Contas. Cita-se, para indicar a mudança de entendimento, o julgamento do pedido liminar formulado no MS 27837, em que o Ministro Gilmar Mendes deferiu medida cautelar para suspender decisão do Tribunal de Contas da União que havia determinado que a PETROBRAS se sujeitasse ao procedimento licitatório previsto na Lei nº 8.666/93.
A decisão do TCU questionada na ação mandamental havia declarado a inconstitucionalidade do art. 67 da Lei nº 9.478/97 (Lei do Petróleo), que autorizava a empresa pública a utilizar um procedimento licitatório simplificado para adquirir bens e serviços. A decisão que deferiu a medida cautelar, por sua vez, consignou o seguinte:
Assim, a declaração de inconstitucionalidade, pelo Tribunal de Contas da União, do art. 67 da Lei n° 9.478/97, e do Decreto n° 2.745/98, obrigando a Petrobrás, conseqüentemente, a cumprir as exigências da Lei n° 8.666/93, parece estar em confronto com normas constitucionais, mormente as que traduzem o princípio da legalidade, as que delimitam as competências do TCU (art. 71), assim como aquelas que conformam o regime de exploração da atividade econômica do petróleo (art. 177).[11]
Como se observa, o principal fundamento da decisão é a suposta incompetência do TCU para declarar a inconstitucionalidade de leis e atos normativos. Não é possível afirmar, portanto, que a decisão admitiu o controle irrestrito do mérito das decisões dos Tribunais de Contas pelo Poder Judiciário. A uma, porque trata-se de decisão liminar, que expressa o posicionamento de apenas um ministro. A duas, porque a decisão se baseou em uma suposta extrapolação da competência constitucionalmente atribuída ao TCU, o que se caracteriza como um vício formal.
Em acórdão mais recente, prolatado em 2013, a 1ª Turma do STF negou seguimento a recurso extraordinário interposto em face de acórdão de Tribunal de Justiça local que havia considerado inadmissível a revisão do mérito da decisão do Tribunal de Contas pelo Poder Judiciário (RE 762323). Partindo da premissa de que a decisão do Tribunal de Contas é ato administrativo, o voto condutor do acórdão registrou que, em respeito ao princípio constitucional da separação dos Poderes, “só cabe exercer o controle de atos administrativos na hipótese de ilegalidade ou de abuso de poder.”[12]
Embora considerando o exercício da função de controle como manifestação de atividade administrativa, entendimento em relação ao qual mantemos ressalva, a decisão reafirmou a jurisprudência no sentido de que o mérito das decisões dos Tribunais de Contas é infenso ao controle jurisdicional.
Essa parece ser a posição mais consentânea com o nosso sistema constitucional. O processo no âmbito dos Tribunais de Contas obedece ao devido processo legal, assegurando aos jurisdicionados o direito ao contraditório e à ampla defesa. As decisões são subsidiadas por manifestações de um corpo técnico altamente especializado e de um ramo do Ministério Público, também especializado, que atua como custos legis em todos os processos de controle.
O fato de não haver duplo grau de jurisdição em todos os seus julgamentos não enfraquece o caráter soberano do julgamento das contas, pois existem diversas outras situações em que a Constituição prevê o julgamento em grau único, como nas causas de competência originária do Supremo Tribunal Federal.
A circunstância de não disporem de competência para executar suas próprias decisões também não justifica o controle do mérito das decisões dos Tribunais de Contas pelo Poder Judiciário. Afinal, as sentenças arbitrais também não podem ser executadas pelos árbitros que as editam, e nem por isso o Poder Judiciário pode revisá-las na fase de execução.
CONCLUSÃO
Em sede conclusiva, é possível afirmar que os Tribunais de Contas não exercem função administrativa, executiva ou jurisdicional. Deve-se superar a tradicional teoria da tripartição dos Poderes (desenvolvida antes do advento das Cortes de Contas) para reconhecer que essas instituições exercem uma função de controle, por meio da qual verificam a compatibilidade dos atos emanados no exercício da atividade administrativa (de todos os Poderes) com o ordenamento jurídico.
Nesse contexto, considerando que as Cortes de Contas funcionam com um conjunto orgânico autônomo em relação aos demais Poderes, e que os julgadores que os integram detêm a independência necessária para apreciar os processos de controle sob critérios técnicos e objetivos, deve-se reconhecer que o mérito das deliberações adotadas nesses processos não está sujeito a revisão pelo Poder Judiciário.
De todo modo, considerando o princípio da inafastabilidade da jurisdição, os administradores e responsáveis por bens públicos poderão acionar o Poder Judiciário diante da alegação de vício formal na instrução de processo de controle (violação ao contraditório ou descumprimento do quórum mínimo de deliberação, por exemplo). Nesse caso, se comprovado o vício e anulada a decisão impugnada, o próprio órgão de controle externo deliberará novamente sobre a questão.
REFERÊNCIAS
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____. Supremo Tribunal Federal, Mandado de segurança nº 7280 – Relator Min. Henrique D’Avilla, Diário da Justiça, 17/08/60. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=83295. Acesso em 04.jan.2019.
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____. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 762323 – Relator Min. Luís Roberto Barroso, Diário da Justiça Eletrônico, 18/12/13. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5059651. Acesso em 05.jan.2019.
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OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
[1] No âmbito do processo nº 0803387-31.2018.8.20.0000, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte concedeu a liminar solicitada pelo Estado do Rio Grande do Norte para suspender decisão da Corte de Contas local que havia determinado a republicação do Relatório de Gestão Fiscal do Poder Executivo, com a correção dos vícios identificados pelos técnicos do Tribunal de Contas. Ao final, a segurança foi denegada e a liminar foi revogada.
[2] OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 873.
[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 1073.
[4] DECOMAIN, Pedro Roberto. Tribunais de Contas no Brasil. São Paulo: Dialética, 2006, p. 168.
[5] GRACIE, Ellen. Notas sobre a revisão judicial das decisões do Tribunal de Contas da União pelo Supremo Tribunal Federal. Revista do TCU, Brasília, n. 110, p. 7-14, set/dez. 2007. Disponível em: https://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/view/413. Acesso em 04.jan.2019.
[6] FAGUNDES, M Seabra. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário, 1957. In: MASCARENHAS, Michel. Tribunais de Contas e Poder Judiciário. São Paulo: Conceito Editorial, 2011. p. 265.
[7] FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Da função jurisdicional pelos Tribunais de Contas. Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Brasília, v. 3, 1997, p. 98-115.
[8] FURTADO, J. R. Caldas. Direito Financeiro. 4. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2014, p. 646.
[9] BRITTO, Carlos Ayres. O regime constitucional dos tribunais de contas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n. 9, dez. 2001. Disponível em: http://www.editoraforum.com.br/noticias/o-regime-constitucional-dos-tribunais-de-contas-ayres-britto/. Acesso em 02.jan.2019.
[10] Brasil. Supremo Tribunal Federal, Mandado de segurança nº 7280 – Relator Min. Henrique D’Avilla, Diário da Justiça, 17/08/60. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=83295. Acesso em 04.jan.2019.
[11] Brasil. Supremo Tribunal Federal, Mandado de segurança nº 27837 – Decisão monocrática proferida pelo Ministro Gilmar Mendes, Diário da Justiça Eletrônico, 04/02/09. Disponível em http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28MS%24%2ESCLA%2E+E+27837%2ENUME%2E%29+E+S%2EPRES%2E&base=basePresidencia&url=http://tinyurl.com/pn2ruvq. Acesso em 05.jan.2019.
[12] Brasil. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 762323 – Relator Min. Luís Roberto Barroso, Diário da Justiça Eletrônico, 18/12/13. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5059651. Acesso em 05.jan.2019.
Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará. Procurador do Ministério Público de Contas - TCE/CE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, José Aécio Vasconcelos. Controle jurisdicional das deliberações dos Tribunais de Contas: necessidade de definição de limites Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jan 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52568/controle-jurisdicional-das-deliberacoes-dos-tribunais-de-contas-necessidade-de-definicao-de-limites. Acesso em: 23 dez 2024.
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