RESUMO: trata-se de artigo que tem por objetivo analisar a rigidez dada ao princípio da presunção de inocência quando do julgamento da ADPF N. 144, antes da Lei da Ficha Limpa (Lei complementar n. 135/2010) e, após a Lei da Ficha Limpa, a sua relativização no julgamento da ADC N. 30, pelo Supremo Tribunal Federal, com vistas a tonar inelegíveis os condenados criminalmente, ainda que sem trânsito em julgado, ocasião e que se discutiu, também a irradiação do princípio da presunção de inocência para o campo do Direito Eleitoral.
Palavras-chave: Direito Constitucional. Presunção de Inocência. Irradiação. Relativização.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. A ADPF N. 144: A RIGIDEZ DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. 3 - A ADC 30: A RELATIVIZAÇÃO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA APÓS A LEI DA FICHA LIMPA. 4. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
O princípio da presunção de inocência expresso na Constituição Federal com a dicção de que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória" (Art. 5, inc. LVII, CF), não encontra resistência doutrinária e jurisprudencial quanto a sua aplicação no âmbito criminal. Em regra, as discussões sobre a presunção de inocência estão relacionadas com a inversão do ônus da prova em matéria penal, as cautelares que podem restringir a liberdade do indivíduo e a execução provisória da pena, institutos que não serão abordados neste artigo, uma vez que o objetivo é analisar a interpretação dada à presunção de inocência nos julgados da ADP n. 154, que ocorreu em 2008, portanto antes da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n. 135/2010)[1] e a sua flexibilização quando do julgamento da ADC 30 junto ao Supremo Tribunal Federal, ocasião em que se discutiu a radiação para o direito extrapenal.
O princípio da presunção de inocência surgiu em favor do indivíduo contra ações do Estado[2], especialmente na esfera penal, em face do seu jus puniendi. Isso porque a partir da ocorrência do delito, o Estado, com sua força soberana, passa a buscar a autoria e materialidade, utilizando-se de todos os recursos legais disponíveis, dentre eles, a busca e apreensão domiciliar, prisões cautelares, quebra de sigilos (fiscal, bancário, telefônico, correspondência), investigações diversas com aparato policial, incluindo a realização de perícias variadas, enfim, tudo que for legal e possível para identificação do autor e a coleta das provas suficientes para desencadear uma condenação, demandando ações no âmbito policial, Ministério Público e Poder Judiciário.
Além disso, o princípio da presunção de inocência configura um direito constitucional fundamental, ou seja, está inserido no rol dos direitos e garantias fundamentais da pessoa (art. 5.º). Do ponto de vista intrínseco é um direito de natureza predominantemente processual, com repercussões claras e inequívocas no campo probatório, das garantias e de tratamento do acusado. No entanto, cuida-se de uma presunção iuris tantum, significando dizer que admite prova em sentido contrário. Assim, uma das consequências imediata da presunção de inocência é a vinculação de todos (poderes públicos e particulares)[3].
A doutrina aponta que o princípio da presunção de inocência surgiu em 1215, com a Magna Carta Libertatum, imposta ao rei inglês João-sem-terra[4], representando uma vitória da liberdade e a valorização da pessoa em relação ao Estado, uma vez que no seu art. 39, reconheceu que os "homens livres devem ser julgados pelos seus pares e de acordo com a lei da terra [distanciando progressivamente da crença de que os homens deveria ser julgados pelo Ser superior, entidade divina], como ditame originário da presunção de inocência, do contraditório, da ampla defesa, e da proibição de provas ilícitas"[5] Mas, também é certo que alguns autores registram que a presunção de inocência remonta ao direito romano.[6]
A presunção de inocência surge em reação a um processo penal de caráter inquisitivo, que vigorou em certo período da história da humanidade, onde o direito penal foi utilizado "como instrumento de perseguição, com prisões com base em boatos, condenações infundadas baseadas em revanchismo ou oportunismo dos que manipulavam o poder"[7], ou seja, época de um direito penal inquisitivo em que vigorava o segredo e o emprego da tortura, contrariando os ditames da dignidade humana, pregado nos ensinamentos de Cesare Beccaria, na sua obra Dos Delitos e das Penas (1764), tempo em que criticou ferrenhamente as acusações secretas, os juramentos, a tortura e a pena de morte, propondo a humanização das penas e a sua proporcionalidade, além de sugerir a introdução de um tratamento humano aos processados[8]. Dizia Beccaria: "um homem não pode ser tido como culpado antes que a sentença do juiz o declare; e a sociedade apenas lhe pode retirar a proteção pública depois que seja decidido que ele tenha violado as normas que tal proteção lhe foi dada".[9]
A Declaração de Direitos do Bom Povo da Virginia, uma das treze colônias inglesas na América e datada de 12 de janeiro de 1776, já contemplava institutos que reforçaram a presunção de inocência, uma vez que abarcava "o direito de defesa nos processos criminais, bem como julgamento célere por júri imparcial, posto que ninguém seria privado de sua liberdade, exceto por lei da terra ou julgamento de seus pares"[10], ou seja, havia um abrandamento da norma, pela presunção de que possivelmente o cidadão poderia ser inocente de imputações feitas em face da sua pessoa.
Com a eclosão da Revolução Francesa, pela primeira vez, o princípio da presunção de inocência foi positivado no art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, com a dicção de que: "Todo o homem presume-se inocente enquanto não houver sido declarado culpado; por isso, se julgar indispensável a sua prisão: todo rigor necessário, empregado a efetuar, deve ser severamente reprimido pela lei"[11]. Neste sentido, "fica evidenciada a clara intenção dos revolucionários iluministas em estabelecer outro eixo para o processo penal, qual seja, a abolição da presunção de culpa e a fixação da presunção de inocência para todos os imputados", conforme afirma Moraes[12]. Assim, a Declaração Francesa acabou por influenciar que o indivíduo investigado pela prática de crime, no decurso do processo ou do inquérito policial deveria ser tratado com o mínimo de dignidade, evitando-se sua submissão a institutos ou condições que o equiparasse como culpado[13].
A partir daí, a tutela normativa da presunção de inocência passa a constar em diversos documentos internacionais[14], sendo que na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), adotada nas Organizações das Nações Unidas (ONU), trouxe em seu artigo 11 que: "todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa". Já O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966, estabeleceu no seu art. 14, item 2, que “toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”. Mas antes disso, na Europa, em 1950, a Convenção Europeia sobre Direitos Humanos[15] trouxe no seu art. 6º, item 2, a regra de que “qualquer pessoa acusada de uma infração presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada”. Por sua vez, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, (Pacto de São José da Costa Rica), carrega consigo que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.
Agora mais recente, o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, ratificado pelo Brasil no Decreto[16] n. 4.388, de 25 de setembro de 2002, criado para julgar os crimes de guerra, agressão, contra a humanidade e de genocídio, assim como os crimes contra o próprio tribunal, também contemplou o princípio da presunção de inocência, na medida em que no seu art. 66, garantiu que:
1. Toda a pessoa se presume inocente até prova da sua culpa perante o Tribunal, de acordo com o direito aplicável.
2. Incumbe ao Procurador o ônus da prova da culpa do acusado.
3. Para proferir sentença condenatória, o Tribunal deve estar convencido de que o acusado é culpado, além de qualquer dúvida razoável.
Como se pode ver, os documentos internacionais apontados utilizam as expressões "delito" ou "infração", gênero da espécie crime, o que justifica a sua utilização na esfera criminal, sem nenhum questionamento, especialmente, com o instituto da prisão que deve ser sempre o último instrumento coercitivo a ser utilizado pelo Estado. E é neste sentido que a nossa Constituição somente autoriza a prisão por ordem judicial, salvo a prisão em flagrante (art. 5º, inc. LXI) e as cautelares, demonstrando que, mesmo antes de uma sentença penal condenatória definitiva, é possível a prisão de alguém, o que em tese, tornam as prisões cautelares (preventiva e temporária) como constitucionais, implicando dizer que o princípio da presunção de inocência é flexibilizado dentro da sua própria esfera de aplicação que é o direito criminal.
Por outro lado, o teor literal do texto constitucional de que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória" (Art. 5, inc. LVII, CF), não dá margem a garanti-lo em áreas extrapenal, uma vez que está ligado à exigência de uma “sentença penal” condenatória definitiva.
Ocorre que no Brasil, o princípio da presunção de inocência acabou por irradiar para outras áreas do direito, especialmente no Direito Administrativo Disciplinar que é muito similar ao Direito Criminal, cabendo ao Estado o ônus da prova, que irá ilidir a presunção de inocência.
Mattos[17] para justificar a aplicação do princípio da presunção de inocência no direito administrativo disciplinar, faz um relato histórico deste princípio desde o seu surgimento com os ideais da Revolução Francesa (1789-1799) até os dias atuais, passando pelos principais documentos internacionais, já mencionados anteriormente. Segundo ele:
O processo disciplinar atinge também um status de realidade permanente, onde o Estado assume a obrigação de estabelecer o princípio da certeza, através da apuração da verdade. Sendo certo, que a verdade está abrigada na prova, pois sem ela, não há plausibilidade para se levar a efeito uma punição disciplinar[18].
A presunção de inocência no Direito Administrativo é tão sólida que foi reconhecida expressamente no art. 20 da Lei n. 8.429/92, que trata da improbidade administrativa, ao dispor que: “a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória”, como bem lembrado por Mattos afirmando ainda que:
[...] O Estado Democrático de Direito não permite a aplicação de graves sanções, com a condenação preliminar do acusado, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, tendo em vista a possibilidade de reversibilidade do que foi determinado: [...] (negritei)[19]
Também na área de concursos públicos, onde se analisa a vida pregressa de candidatos, tem se reconhecido o princípio da presunção de inocência, conforme se vê da ementa de julgado do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. REPROVAÇÃO. SINDICÂNCIA. VIDA PREGRESSA. CANDIDATO. DESCUMPRIMENTO. REQUISITO. BOA CONDUTA. VERIFICAÇÃO. AÇÃO PENAL. RÉU. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. INEXISTÊNCIA. CONDENAÇÃO. ILEGALIDADE. ATO ADMINISTRATIVO. ELIMINAÇÃO. ÓBICE. POSSE. JURISPRUDÊNCIA. STF. STJ. 1. A simples existência de inquérito policial ou de ação penal instaurados contra o candidato aprovado em concurso público não tem aptidão para configurar conduta social desabonadora e impeditiva do seu provimento no cargo público, sob pena de ofensa ao postulado constitucional da presunção de inocência, à míngua de condenação com trânsito em julgado. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no RMS 46.893/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/02/2015, DJe 18/02/2015)[20]
Além disso, simples anotações relacionadas à prática de delitos, sejam em inquéritos policiais, sejam em ações penais, sem condenações com trânsito em julgado, não tem servido para afastar candidatos dos concursos públicos, conforme já manifestou o Supremo Tribunal Federal, nos julgados abaixo:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR. CANDIDATO. ELIMINAÇÃO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. ART. 5º, LVII, DA CF. VIOLAÇÃO. I - Viola o princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, a exclusão de candidato de concurso público que responde a inquérito ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes. II - Agravo regimental improvido. (RE 559135 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 20/05/2008, DJe-107 DIVULG 12-06-2008 PUBLIC 13-06-2008 EMENT VOL-02323-06 PP-01131)[21] No mesmo sentido: ARE 733.957-AgR, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 6-12-2013, DJE de 12-12-2013 e AI 855.448, rel. min. Luiz Fux, decisão monocrática, julgamento em 31-5-2012, DJE de 6-6-2012;
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. MAUS ANTECEDENTES. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. PRECEDENTES. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que a eliminação do candidato de concurso público que esteja respondendo a inquérito ou ação penal, sem pena condenatória transitada em julgado, fere o princípio da presunção de inocência. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 741101 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 28/04/2009, DJe-099 DIVULG 28-05-2009 PUBLIC 29-05-2009 EMENT VOL-02362-12 PP-02281) [22]
No RE 634.224/DF, o STF decidiu que “A exclusão de candidato regularmente inscrito em concurso público, motivada, unicamente, pelo fato de haver sido instaurado, contra ele, procedimento penal, sem que houvesse, no entanto, condenação criminal transitada em julgado, vulnera, de modo frontal, o postulado constitucional do estado de inocência, inscrito no art. 5º, inciso LVII, da Lei Fundamental da República” [23].
Interessante notar que até mesmo a inscrição na OAB, não escapou à observância do princípio da presunção de inocência, conforme decisão do STJ:
ADMINISTRATIVO. INSCRIÇÃO DEFINITIVA NA OAB. INCIDENTE DE INIDONEIDADE MORAL. SUPOSTA PRÁTICA DE CRIME INFAMANTE. AÇÃO PENAL DE COMPETÊNCIA DO JÚRI EM FASE DE INSTRUÇÃO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. INEXISTÊNCIA DE SENTENÇA COM TRÂNSITO EM JULGADO. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. 1. Na origem, o recorrido impetrou mandado de segurança contra o Presidente da Comissão de Seleção e Inscrição da OAB/SP, aduzindo direito líquido e certo à inscrição definitiva nos quadros da OAB/SP. A autarquia indeferiu a inscrição por ser o impetrante corréu em ação penal pública, na qual está incurso, por doze vezes, nas penas do art. 121, § 2º, incs. II, III e IV, do CP (homicídio qualificado decorrente de sua atuação como policial militar no "Caso Castelinho"). 2. A inscrição como advogado requer, entre outros requisitos, idoneidade moral, a qual não será atendida se houver condenação por crime infamante, ressalvada a reabilitação judicial (art. 8º, inc. VI, § 4º, do Estatuto da OAB). 3. Por ora, não há sentença penal condenatória transitada em julgado contra o recorrido, e sim ação penal de competência do júri na fase de instrução, de modo que não se pode predizer sua culpa. 4. No ordenamento jurídico pátrio, tem primazia o princípio da presunção de inocência, segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5º, LVII, da CF/1988). 5. A OAB, dentro da capacidade de autotutela que lhe é conferida, tem autoridade para cancelar, posteriormente, a inscrição do profissional que vier a perder qualquer um dos requisitos para a inscrição (art. 11, inc. V, do Estatuto da OAB). 6. A alteração das conclusões que levaram as instâncias ordinárias a aferir a existência de direito líquido e certo a amparar a ordem mandamental exige revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada pela Súmula 7/STJ. Recurso especial conhecido em parte e improvido. (REsp 1482054/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/11/2014, DJe 14/11/2014)[24]
No entanto, em virtude da independência das instancias (penal e administrativa), o fato de não existir ainda uma sentença penal condenatória, não impede a instauração de processo administrativo disciplinar.
Não há dúvida de que são independentes as instâncias penal e administrativa, só repercutindo aquela nesta quando ela se manifesta pela inexistência material do fato ou pela negativa de sua autoria. Assim, a administração pública, para punir por falta disciplinar que também pode configurar crime, não está obrigada a esperar a decisão judicial, até porque ela não pune pela prática de crime, por não ter competência para impor sanção penal, mas pela ocorrência de infração administrativa que pode, também, ser enquadrada como delito. Por outro lado, e em razão mesmo dessa independência de instâncias, o princípio constitucional de que ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (art. 5º, LVII) não se aplica ao âmbito administrativo para impedir que a infração administrativa que possa também caracterizar crime seja apurada e punida antes do desfecho do processo criminal. (MS 21.545, voto do Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 11-3-1993, Plenário, DJ de 2-4-1993.)[25] No mesmo sentido: AI 747.753-AgR, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 14-9-2010, Segunda Turma, DJE de 28-10-2010.[26]
Assim, podemos afirmar que o princípio da presunção de inocência, apesar de o seu texto literal demonstrar que foi cunhado para a área criminal, observamos que a jurisprudência e a doutrina brasileira, acabaram por entender que ele se irradia para outras esferas do direito, especialmente para o Direito Administrativo, tendo ainda sido prescrito na Lei de Improbidade Administrativa, restando agora analisar o referido princípio a luz do Direito Eleitoral, o que restou bem delineado nos casos a seguir (ADPF 144 e ADC 30).
2 A ADPF N. 144: A RIGIDEZ DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
No dia 06 de agosto de 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, distribuída sob o n. 144[27], proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que, entre várias questões, postulava que fosse declarada, a não recepção de "parte das alíneas "d" "e", "g" e "H" do inciso I, do art. 1º, e parte do art. 15, todos da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990, que dispõe sobre as hipóteses de inelegibilidade no Brasil, argumentando que a emenda constitucional n. 4/94 teria revogado implicitamente os referidos dispositivos, não se exigindo mais o transito em julgado de sentença penal condenatória, para caracterização de vida pregressa desfavorável, para considerar uma pessoa inelegibilidade”. Peticionou ainda que se afastasse a interpretação data pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no sentido de que o §9º do art. 14 da CF não fosse mais autoaplicável, uma vez que exigiria a elaboração de Lei Complementar para estabelecer outros casos de inelegibilidade, conforme se depreende da ementa[28], vez que, segundo a AMB, a exigência do trânsito em julgado impedia que a Justiça Eleitoral reconhecesse a inelegibilidade, tornando-a uma norma inócua.
O julgado resultou em 298 laudas e teve como relator o Ministro Celso de Melo, e, no mérito, o Tribunal, sob a presidência do Ministro Gilmar Mendes, presentes os Ministros Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito, por maioria, entendeu improcedente a ADPF, sendo vencidos os senhores Ministros Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Pela Procuradoria-Geral da República, atuou o Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza.
O voto do relator Ministro Celso de Mello, sinteticamente, trouxe três teses principais, para considerar improcedente a pretensão da autora: a) necessidade de uma Lei Complementar para tipificar as causas de inelegibilidades; b) que não caberia ao Judiciário substituir o legislador, em face do princípio da separação dos poderes; c) que seria perfeitamente constitucional a norma que exige o trânsito em julgado para considerar o candidato inelegível, pois em consonância com o princípio da presunção de inocência que irradia para o campo do direito eleitoral.
Primeiramente o relator discorreu sobre necessidade de submissão de todos os candidatos a cargos eletivos aos princípios que derivam da ética republicana e a integral exposição de seu comportamento individual, profissional e social, incluindo sua vida pregressa, para que os eleitores disponham de elementos de informação necessários à prática responsável do poder-dever de eleger os seus representantes, afirmando ainda que “somente os eleitores dispõem de poder soberano e de legitimidade para rejeitar, pelo exercício do direito de voto, candidatos ímprobos, desonestos e moralmente desqualificados”, ou seja, não se admitindo que a vida pregressa dos candidatos seja mantida em sigilo e inacessíveis aos cidadãos.
Ao enfrentar a questão da irradiação do princípio da presunção de inocência para o direito eleitoral, o relator rememora a Constituição de 1969 (com suas alterações), que dava primazia à probidade administrativa (art. 151, II) e a moralidade para o exercício do mandato (art. 151, IV), noticiando que para regulamentar este preceito constitucional, “foi editada a Lei Complementar n. 05/70, que, dentre as várias hipóteses de inelegibilidade, previu a perda da capacidade eleitoral passiva em decorrência da mera Instauração de processo judicial contra qualquer potencial candidato que houvesse incidido em suposta prática de determinadas infrações penais”, relatando ainda que na época, esta clausula legal provocou amplo debate no TSE, citando o REspe 4.221/RS e o Recurso Ordinário n2 4.189/RJ, que julgou inconstitucional o dispositivo da Lei Complementar n. 05/70, por ferir o princípio da presunção de inocência, invocando o art. 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, do qual o Brasil é signatário. No entanto, rememora que após tal decisão o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 86.297/SP, Rei. Min. Thompson Flores, proclamou a validade constitucional da referida Lei Complementar n. 05/70.
Não obstante, observou que posteriormente, o Supremo Tribunal Federal ao julgar o RE 99.069/BA entendeu por decidir, em face da alteração promovida pela Lei Complementar n. 42/82, que para afastar a capacidade eleitoral passiva, seria exigível o transito em julgado das sentenças penais condenatórias. Prosseguiu citando os fundamentos expostos no RO 1.069/RJ pelos Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso, bem como na Consulta n. 1.621/PB, junto ao TSE, pelo Ministro Eros Grau, direcionando seu voto para o não acolhimento da pretensão deduzida pela Associação da Magistratura Brasileiro (AMB), em homenagem ao princípio da presunção de inocência, o qual, segundo ele, “se dirige ao Estado, para lhe impor limitações ao seu poder, qualificando-se, sob tal perspectiva, como típica garantia de índole constitucional, e que também se destina ao indivíduo, como direito fundamental por este titularizado - representa uma notável conquista histórica dos cidadãos, em sua permanente luta contra a opressão do poder”.
Para demonstrar a sedimentação da presunção de inocência, fez um resgate histórico, voltando ao sec. XVIII, citando Beccaria, assim como São Tomás de Aquino e sua obra “Suma Teleológica”, mencionando a Carta Magna Inglesa de 1215, perpassando pela Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia (1776), tomando rumo à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 e em seguida a Declaração Universal de Direitos da Pessoa Humana, promulgada em 10/12/1948. Prossegue o seu voto fazendo menção a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Bogotá, 1948, Artigo XXVI), a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (São José da Costa Rica, 1969, Artigo 8º, § 2º), a Convenção Europeia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (Roma, 1950, Artigo 6º, § 2B), a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Nice, 2000, Artigo 48, § 1º), a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos /Carta de Banjul (Nairóbi, 1981, Artigo 7º, § 1º, “b") e a Declaração islâmica sobre Direitos Humanos (Cairo, 1990, Artigo 19, "e") e outros, de caráter global, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Artigo 14, § 2a), adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966.
Ressaltou o conflito ideológico entre o valor da presunção de inocência e o desvalor do postulado autocrático que privilegia a onipotência do Estado, que, segundo o relator, se revelou muito nítido na Itália, utilizando os ensinamentos de Antônio Magalhães Gomes Filho, rememorando as três escolas que surgiram a partir do século XIX:
A Escola Clássica, cujos maiores expoentes foram FRANCESCO CARRARA E GIOVANNI CARMIGNANI, que sustentavam, inspirados nas concepções iluministas, o dogma da presunção de inocência, a que se seguiram os adeptos da Escola Positiva, como ENRICO FERRI e RAFFAELE GAROFALO, que preconizavam a ideia de que é mais razoável presumir a culpabilidade das pessoas, e, a refletir o espírito do tempo" (Zeitgeist) que tão perversamente buscou justificar visões e práticas totalitárias de poder, a Escola Técnico-Jurídica, que teve, em EMANUELÉ CARNEVALE e em VINCENZO MANZINI, os seus corifeus, responsáveis, dentre outros aspectos, pela formulação da base doutrinária que deu suporte a uma noção que prevaleceu ao longo do regime totalitário fascista - a noção de que não tem sentido nem é razoável presumir-se a inocência do réu!!!
Relembra que a Constituição brasileira de 1988, fundada em bases democráticas, é contrária ao absolutismo do Estado e a força opressiva do poder, em face do contexto histórico que justificou, em nosso processo político, a ruptura com paradigmas autocráticos do passado que:
[...] baniu, por isso mesmo, no plano das liberdades públicas, qualquer ensaio autoritário de uma inaceitável hermenêutica de submissão, somente justificável numa perspectiva "ex parte principis", cujo efeito mais conspícuo, em face da posição daqueles que presumem a culpabilidade do réu, ainda que para fins extrapenais, será a virtual esterilização de uma das mais expressivas e historicamente significativas conquistas dos cidadãos, que é a de jamais ser tratado, pelo Poder Público, como se culpado fosse!
Afirmou, em seu voto, que presunção de inocência, embora historicamente vinculada ao processo penal, também irradia os seus efeitos, sempre em favor das pessoas, contra o abuso de poder e a prepotência do Estado, demonstrando ainda que a irradiação da presunção de inocência ocorre ainda em outros países, ou seja, que não é criação brasileira, citando a Corte Portuguesa:
[...] o Tribunal Constitucional português, examinando a validade jurídica de certo diploma normativo, declarou-o inconstitucional na parte em que determinava a perda total, pelo servidor, de sua remuneração, em decorrência de suspensão preventiva resultante da mera instauração de processo disciplinar, sequer concluído.
Esse julgamento, realizado em 1990 (Acórdão n. 198/90, Relator Conselheiro Monteiro Diniz, "in" "Acórdãos do Tribunal Constitucional7', vol. 16/473), acha-se consubstanciado em decisão assim ementada: I - O princípio da presunção de inocência do arguido é, no seu núcleo essencial, aplicável ao processo disciplinar. II - Este princípio ilegítima a imposição de qualquer ônus ou restrição de direitos ao arguido que representem a antecipação de condenação. III - é, pois, inconstitucional a norma que consente a perda total de vencimento do funcionário desligado ao serviço em virtude de processo disciplinar, por se traduzir na antecipação de um quadro de efeitos semelhantes ao da pena disciplinar de demissão. [...].
Citou o julgamento do plenário (RE 482.006/MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski), ocasião em que o Supremo Tribunal, interpretando a Constituição da República, reconheceu que a presunção constitucional de inocência também alcança o domínio extrapenal explicitando que “esse postulado constitucional alcança quaisquer medidas restritivas de direitos, independentemente de seu conteúdo ou do bloco que compõe, se de direitos civis ou de direitos políticos”. Afirmou ainda que:
[...] no ordenamento positivo brasileiro, não existe qualquer possibilidade de o Poder Público, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer, sem prévia decisão judicial condenatória irrecorrível, a culpa de alguém, especialmente quando, para além da gravíssima privação da liberdade individual - ou da atribuição da qualidade de "improbus administrator" resultar, ainda, dentre outras sérias consequências, a suspensão temporária da cidadania, em particular do direito de Ser votado.
Alertou sobre a relevância da coisa julgada, uma vez que propicia a estabilidade das relações sociais e a superação dos conflitos, consagrando a segurança jurídica, “que traduz, na concreção de seu alcance, valor de transcendente importância política, jurídica e social, a representar um dos fundamentos estruturantes do próprio Estado democrático de direito”.
Mencionou o art. 20, caput, da Lei de Improbidade Administrativa (8.429/92), que exige o trânsito em julgado nas ações civis, para privar temporariamente os direitos políticos do improbus administrator, aduzindo que:
[...] O legislador, no desempenho dessa verdadeira delegação constitucional, prescreveu, de modo plenamente legítimo, que a suspensão dos direitos políticos, nos processos civis instaurados por improbidade administrativa, efetivar-se-á "com o trânsito em julgado da sentença condenatória" (art. 20, "caput"). A Lei de Improbidade Administrativa, dessa maneira, em atenção ao princípio da segurança jurídica (que tem, na formação da coisa julgada, a causa visível de sua concretização) condicionou a adoção daquela medida restritiva de direitos políticos, à existência de uma situação juridicamente consolidada, que representa - tal a importância de que se revestem os direitos políticos em nosso sistema constitucional - uma garantia de preservação de sua integridade.
Já os votos vencidos, Ministros Carlos Britto e Joaquim Barbosa, optaram por fazer a separação dos direitos individuais, sociais e políticos, no sentido que o objeto da ADPF 144 se restringiria aos direitos políticos e que a presunção de inocência se restringe aos direitos individuais, não alcançando a esfera eleitoral, cujo conteúdo é de direitos políticos, o que foi criticado no voto do Ministro Eros Grau sob o argumento de que “não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços, mas sim na sua totalidade”. Tendo ainda o Ministro Joaquim Barbosa advertido que “não existem direitos fundamentais de caráter absoluto”.
Importa salientar que o a presunção de inocência foi tratada na ADPF n. 144, não como regra, mas como princípio constitucional. Se fosse regra, estaria limitada ao direito penal, o que impediria a sua irradiação para o direito eleitoral. Já os princípios, por serem “mandamentos de otimização”, que segundo Alexy “são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possiblidades jurídicas e fáticas existentes”, ou seja, que podem ser satisfeitos em graus variados, que além de depender de possibilidades fáticas, também dependem das possibilidades jurídicas[29], ou seja, o seu alcance é bem maior do que as regras.
Neste sentido, justifica-se o argumento do relator de que a presunção de inocência “projeta-se para além de uma dimensão estritamente penal, alcançando quaisquer medidas restritivas de direitos, independentemente de seu conteúdo, ainda que em sede administrativa”, o que foi confirmado no voto do Ministro Gilmar Mendes quando afirmou que "a garantia da presunção de não-culpabilidade não se restringe ao âmbito do direito e do processo penais. Sua abrangência é ampla o suficiente para abarcar todo comportamento do poder público tendente à sanção de indivíduos investigados, denunciados ou acusados, com repercussão em diversos âmbitos do direito", sendo que os demais Ministros Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito, acompanharam o voto do relator, trazendo ainda outros fundamentos para reforçar a sua tese, sejam eles de cunho jurisprudencial ou doutrinário, julgando improcedente a pretensão da AMB.
Ocorre que, com o surgimento da Lei Complementar n. 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), o Supremo Tribunal Federal foi novamente acionado a se manifestar sobre o princípio da presunção de inocência, uma vez que a referida Lei Complementar, cumprindo o comando inserto no §9º do art. 14 da CF, criou algumas causas de inelegibilidade, dentre elas, a condenação por órgão colegiado, sem a exigência do trânsito em julgado, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato, conforme passamos a analisar no próximo tópico.
3. A ADC 30: A RELATIVIZAÇÃO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA APÓS A LEI DA FICHA LIMPA
No dia 16 de dezembro de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar a Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 30, proposta pelo Conselho Federal da OAB[30], optou por julgar em conjunto a ADC de nº 29, proposta pelo Partido Popular Socialista e a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4578, de autoria da Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNPL, uma vez que tratavam do mesmo assunto, qual seja, os dispositivos da Lei Complementar n. 135, de 04 de junho de 2010, apelidada de Lei da Ficha Limpa. As ações declaratórias foram julgadas procedentes, considerando-se constitucionais os dispositivos da Lei da Ficha Limpa, enquanto que a ação de inconstitucionalidade foi considerada improcedente. A relatoria foi do Ministro Luiz Fux, tendo a sessão funcionada sob a presidência do Ministro Cezar Peluso, presentes os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, e Rosa Weber. Pela Procuradoria-Geral da República falou o Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.
Registra-se que, em relação ao julgamento da ADPF n. 144, houve uma singela alteração no corpo da corte constitucional, com o ingresso dos novos Ministros Luiz Fux, Dias Toffoli e Rosa Weber, sendo que em virtude da complexidade e dos diversos temas enfrentados nas três ações submetidas ao plenário do STF, em um mesmo contexto fático, a ementa foi redigida em várias laudas, motivo pelo qual optamos por não a colacioná-la neste artigo [31].
Importa mencionar que o julgado resultou em 375 laudas, enfrentando várias questões, dentre elas o princípio da proporcionalidade, o juízo de ponderação, a cumulação entre inelegibilidade e suspensão dos direitos políticos, a retroatividade das inexigibilidades trazidas pela Lei Complementar n. 135/2010, rejeição de contas relativas ao exercício de cargo ou função pública (necessariamente colegiadas, porquanto prolatadas pelo Legislativo ou por Tribunal de Contas, conforme o caso); perda de cargo (eletivo ou de provimento efetivo), incluindo-se as aposentadorias compulsórias de magistrados e membros do Ministério Público e, para os militares, a indignidade ou incompatibilidade para o oficialato; a renúncia a cargo público eletivo diante da iminência da instauração de processo capaz de ocasionar a perda do cargo; exclusão do exercício de profissão regulamentada, por decisão do órgão profissional respectivo, por violação de dever ético-profissional, mas principalmente, as condenações judiciais (eleitorais, criminais ou por improbidade administrativa) proferidas por órgão colegiado, como causa de inexigibilidade, o que em tese, constitui infringência ao princípio da presunção de inocência, alvo de análise neste artigo.
Adentrando ao mérito, no tratamento do princípio da presunção de inocência, o relator Luiz Fux inicia com o seguinte questionamento: “é razoável a expectativa de candidatura de um indivíduo já condenado por decisão colegiada? A resposta há de ser negativa”. Para o relator não seria razoável entender que um indivíduo condenado em segunda instância ou por um colegiado no exercício da competência de foro por prerrogativa de função, por rejeição de contas públicas, perda de cargo público ou impedimento do exercício de profissão por violação de dever ético-profissional possa exercer mandato eletivo, uma vez que contraria a exigência constitucional de moralidade (art. 14, § 9º), afirmando ainda que a presunção constitucional de inocência não poderia figurar como óbice à validade da Lei da Ficha Limpa, alertando que o debate perpassaria pela ADPF n. 144 (Rel. Min. Celso de Mello), além de outros julgados do STF que reconheceu a irradiação da presunção de inocência para o Direito Eleitoral, como foi o caso do RE482.006 (Rel. Min. Ricardo Lewandowski) [32].
Justificou que o caso em julgamento seria diferente do julgado na ADPF n. 144, uma vez naquela época se pretendia a criação de novas hipóteses de inelegibilidade ao arrepio da exigência constitucional de lei complementar, bem como a questão da violação do princípio constitucional da presunção de inocência, dotado de eficácia irradiante para além dos domínios do processo penal, conforme já se havia estabelecido na jurisprudência do STF, o qual, no caso em julgamento, deve ser balizado (ponderado)[33] com os princípios da moralidade e da probidade administrativa, bem como da vedação ao abuso do poder econômico, além a vontade social e o fato de que a inelegibilidade prevista na Lei da Ficha Limpa, em virtude de condenações judiciais recorríveis, decorreria de decisão proferida por órgão colegiado, cujas decisões são atacáveis, via de regra, por recursos que não geram reexame de matéria fática nem possuem efeito suspensivo, como o Recurso Especial e o Extraordinário.
Alertou ainda que após a ADPF 144, a sociedade se organizou com uma mobilização social que culminou na reunião de mais de dois milhões de assinaturas e a apresentação do Projeto de Lei Complementar nº 518/09 que acabo por cunhar a Lei Complementar nº 135/10. Argumentou:
[...] impõe-se considerar que o acórdão prolatado no julgamento da ADPF 144 reproduziu jurisprudência que, se adequada aos albores da redemocratização, tornou-se um excesso neste momento histórico de instituições politicamente amadurecidas, notadamente no âmbito eleitoral. Já é possível, portanto, revolver temas antes intocáveis, sem que se incorra na pecha de atentar contra uma democracia que – louve-se isto sempre e sempre – já está solidamente instalada. A presunção de inocência, sempre tida como absoluta, pode e deve ser relativizada para fins eleitorais ante requisitos qualificados como os exigidos pela Lei Complementar nº 135/10.
Para o Ministro Luiz Fux, em virtude do novo panorama social exigindo probidade no trato com a coisa pública, “em outras palavras, ou bem se realinha a interpretação da presunção de inocência, ao menos em termos de Direito Eleitoral, com o estado espiritual do povo brasileiro, ou se desacredita a Constituição”.
Rememorou que entre o julgamento da ADPF. 144 e a ADC 30, houve o julgamento do RE 633.703 (Rel. Min. Gilmar Mendes)[34], sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa, ao processo eleitoral de 2010, sem aguardar a vigência de um ano da Lei, conforme determina o art. 16 da CF, ocasião em que o STF entendeu pela sua não aplicação, causando uma reação social contrária, fato que foi retratado em “fortes cores pela crítica impressa de todo o país”, advertindo ainda uma crescente e considerável crítica contra as decisões do Judiciário, na resistência da relativização da presunção de inocência, para fins de estabelecer as hipóteses de inelegibilidades. Por conseguinte, reafirmou a condição contramajoritária do STF na proteção dos direitos fundamentais e do regime democrático, mas que “a própria legitimidade democrática da Constituição e da jurisdição constitucional depende(ria), em alguma medida, de sua responsividade à opinião popular”, afirmando que:
[...] não cabe a este Tribunal desconsiderar a existência de um descompasso entre a sua jurisprudência e a hoje fortíssima opinião popular a respeito do tema “ficha limpa”, sobretudo porque o debate se instaurou em interpretações plenamente razoáveis da Constituição e da Lei Complementar nº 135/10 – interpretações essas que ora se adotam. Não se cuida de uma desobediência ou oposição irracional, mas de um movimento intelectualmente embasado, que expõe a concretização do que PABLO LUCAS VERDÚ chamara de sentimento constitucional, fortalecendo a legitimidade democrática do constitucionalismo. A sociedade civil identifica-se na Constituição, mesmo que para reagir negativamente ao pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria.
Sendo assim, a ampliação do seu espectro de alcance operada pela jurisprudência do Supremo significou verdadeira interpretação extensiva da regra, segundo a qual nenhuma espécie de restrição poderia ser imposta a indivíduos condenados por decisões ainda recorríveis em matéria penal ou mesmo administrativa. O que ora se sustenta é o movimento contrário, comparável a uma redução teleológica, mas, que, na verdade, só reaproxima o enunciado normativo da sua própria literalidade, da qual se distanciou em demasia.
[...] não há como sustentar, com as devidas vênias, que a extensão da presunção de inocência para além da esfera criminal tenha atingido o grau de consenso básico a demonstrar sua radicação na consciência jurídica geral. Antes o contrário: a aplicação da presunção constitucional de inocência no âmbito eleitoral não obteve suficiente sedimentação no sentimento jurídico coletivo – daí a reação social antes referida – a ponto de permitir a afirmação de que a sua restrição legal em sede eleitoral (e frise-se novamente, é apenas desta seara que ora se cuida) atentaria contra a vedação de retrocesso.
Assim, apesar do relator ter trazido vários argumentos para relativizar o princípio da presunção de inocência, deixa transparecer que o ponto de maior relevo no seu voto, foi a pressão social que acabou por motivá-lo a criar justificativa jurídica para prestigiar a solução legislativa, que admitiu, para o preenchimento do conceito de vida pregressa do candidato, a consideração da existência de condenação judicial não definitiva, a rejeição de contas, a renúncia abusiva ou perda de cargo.
Acompanhando o relator, o Min. Joaquim Barbosa faz uma defesa da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, trazendo um apanhado histórico dos critérios de probidade, moralidade, normalidade e de legitimidade das eleições, desde a Constituição de 1967, relembrando a mobilização social que reuniu assinaturas para apresentar o projeto da Lei da Ficha Limpa, exigindo-se ilibada vida pregressa dos candidatos. E que tal atitude por parte da sociedade:
[...] revela, sobretudo, um despertar de consciência a respeito do real significado da democracia e de um dos seus elementos constitutivos essenciais que é a representação política. Sem dúvida, há na sociedade brasileira um clamor pela superação do nosso passado clientelista e patrimonialista e pela transição para um futuro de virtude e de coparticipação. O que se busca é o abandono da complacência e da conivência com a falta de moral, de honestidade, que aqui e ali ganham foros de aceitação até mesmo pela via de expressões jocosas que não raro caem no gosto popular, como é o caso da execrável “ROUBA MAS FAZ”. O objetivo é avançar rumo a uma exigência efetiva de ética e transparência no manejo da “coisa pública”, da res pública.
Joaquim Barbosa registrou que mesmo na esfera criminal, o princípio da presunção de inocência sofre restrições, citando o HC 69.964 (rel. min. Ilmar Galvão, DJ 18.12.1992), entre outros, afirmando que na jurisprudência do STF, o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade cedia diante de decisão condenatória proferida por órgão colegiado.
O Ministro Dias Toffoli saiu em defesa do princípio da presunção de inocência, utilizando os fundamentos da ADPF n. 144, inclusive rememorando o voto do Ministro Celso de Melo no referido julgamento, assim como fez o Ministro Gilmar Mendes, o qual resgata os tratados internacionais sobre o princípio da presunção de inocência, dizendo ainda que apesar de a Lei da Ficha Limpa ter iniciativa popular, não teria peso suficiente para minimizar ou restringir o papel contramajoritário da Jurisdição Constitucional, afirmando que:
Não cabe a esta Corte fazer “relativizações” de princípios constitucionais visando atender ao anseio popular. É preciso garantir e efetivar tais princípios, fazendo valer sua força normativa vinculante, dando-lhes aplicação direta e imediata, ainda que isso seja contra a opinião momentânea de uma maioria popular. Certamente, a decisão desta Corte que aplica rigorosamente a Constituição poderá desencadear um frutífero diálogo institucional entre os poderes e um debate público participativo em torno dos temas nela versados. A história nos demonstra que as decisões contramajoritárias das Cortes Constitucionais cumprem esse importante papel, uma função que, em verdade, é eminentemente democrática.
Gilmar Mendes advertiu pela existência de meios de controle para evitar que candidatos fichas sujas pudessem chegar ao poder, dentre eles o voto, que é livre e secreto e obriga o Estado a tomar inúmeras medidas com o objetivo de oferecer as garantias adequadas ao eleitor. Além disso outro controle seria a escolha de candidatos no âmbito interno dos próprios partidos políticos, uma vez que caberia às agremiações políticas a eleição de candidatos cuja vida pregressa os qualifiquem para exercer, com probidade e moralidade, determinada função pública.
Quanto à morosidade do Judiciário para justificar a relativização do princípio da presunção de inocência, afirmou que “as mazelas do Poder Judiciário não podem ser suplantadas com o sacrifício das garantias constitucionais, sob pena de se descumprir duas vezes a Constituição: violando-se o princípio da celeridade e o princípio da presunção de inocência”.
A Ministra Rosa Weber, em síntese, acompanhou o relator. Fez um histórico sobre o princípio da presunção de inocência, mas sob um enfoque no processo penal, entendendo que apesar de irradiar para outras áreas do direito, como o eleitoral, comportaria restrições, uma vez que até no processo penal é flexibilizado. Além disso, a inelegibilidade decorrente de uma condenação proferida por um órgão colegiado oferece maior segurança quanto à correção da decisão, alegando ainda que na seara eleitoral, precisamente no campo das inelegibilidades, deve prevalecer os princípios da proteção do público e da coletividade em detrimento do individual e do privado, motivo pelo qual não afrontaria o princípio da não culpabilidade a dispensa do transito em julgado na hipótese de decisão colegiada, para tornar ilegível, homenageando os princípios da moralidade e da probidade administrativa, assim como ao da soberania, princípio fundamental da República Federativa do Brasil.
Já o Ministro Ricardo Lewandowski, defendeu a Lei da Ficha Limpa, trazendo mais um argumento para o julgado, tendo por referencia o princípio republicano inserido no art. 1º da Constituição Federal, de modo que o interprete forçosamente teria que passar por ele, para interpretar qualquer dispositivo constitucional, reafirmando que a Lei da Ficha Limpa “buscou resguardar a ‘probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato’, valores constitucionais do mais alto quilate”. Fez uma comparação aos casos de exercício da magistratura junto aos Tribunais que exige ficha ilibada, inclusive que nos autos da Reclamação n. 5.413/SP, candidato ao quinto constitucional teve recusado o seu nome porque respondia a processo criminal, ou seja, “se não pode exercer função de magistrado junto aos tribunais, também não poderia exercer cargo eletivo”, julgando procedente a ação para declarar a constitucionalidade da Lei Complementar 135/2010.
O Ministro Carlos Ayres Brito, como já era esperado, pois na ADPF 144 defendeu a flexibilização do princípio da presunção de inocência, acompanhou o relator, afirmando que a Lei da Ficha Limpa tem a “ambição de mudar uma cultura perniciosa, deletéria, de maltrato, de malversação da coisa pública para implantar no país o que se poderia chamar de qualidade de vida política, pela melhor seleção, pela melhor escolha dos candidatos”. Mencionou que na elaboração da Constituição, o deputado Délio Braz (Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher), tentou emenda-la para ampliar ao máximo o princípio da presunção de inocência, no sentido de romper com os “diques do direito penal e processual penal para derramar por todo e qualquer ramo do Direito, retirando a palavra penal”, de forma a “considerar inocente todo cidadão até o trânsito em julgado”, mas tal emenda foi rejeitada e foi colocada a palavra penal para restringir, adstringir, circunscrever, limitar o âmbito da proteção do indivíduo à matéria penal e não à matéria política.
O Ministro Marco Aurélio teve seu voto bastante interrompido pelos demais ministros, no entanto, acompanhou o relator, pela procedência das ADC´s e improcedência da ADI., fazendo uma curta referência à falência das convenções dos partidos políticos, na escolha dos candidatos, que deixaram de implementarem a almejada triagem, a partir do perfil daqueles que se apresentam para concorrer a cargos eletivos. Além disso, reafirmou que o comando constitucional é preservar a coisa pública, quando inseriu a necessidade de Lei Complementar para proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato. Praticamente nada tratou sobre o princípio da presunção de inocência, passando a discutir a opção político-normativa que dilatou o prazo, que era de três anos subsequentes ao término do mandato, alusivo à perda do cargo, para oito anos, o que não é objeto do presente trabalho.
Por fim, o Ministro Cezar Peluso profere o seu voto que inicialmente fez uma defesa do princípio da presunção de inocência, sob um enfoque da dignidade da pessoa, afirmando que “não é por ser réu que o acusado perde sua dignidade de pessoa, e, por isso mesmo, o ordenamento jurídico não está autorizado a impor-lhe medidas gravosas ou lesivas de qualquer natureza, pelo só fato de estar respondendo a um processo penal que ainda não terminou”, não importando que seja sob um enfoque penal ou não criminal. Assim, seguiu a mesma linha de decisão dos Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
Neste segundo julgado, observamos que o STF deixou passar a oportunidade de utilização da técnica de sopesamento (ponderação) de Robert Alexy, especialmente na discussão sobre o princípio da presunção de inocência versus princípio da moralidade administrativa, apesar de o Ministro Ricardo Lewandowski, durante os debates, ter alertado ao pleno que estavam diante de uma hipótese de ponderação de valores de mesma natureza constitucional e do mesmo nível, argumentando que teriam que proteger a Lei Complementar n. 135, para proteger os valores que estavam abrigados no artigo 14, § 9º da Constituição, e, que são, exatamente, os valores da probidade administrativa, da moralidade para o exercício de mandato considerada a vida pregressa do candidato, e que, na visão dele, “são valores de igual dignidade e peso constitucional”, ou seja, estavam diante de um “direito individual a ser sopesado contra um direito coletivo, que também tem abrigo na Constituição, e que se espraia por vários dispositivos da Constituição, a começar do artigo 37, caput, que fala da moralidade”, no entanto, sua voz não foi suficiente para a utilização da técnica do sopesamento de Robert Alexy[35], conforme mencionado anteriormente.
5. CONCLUSÃO
Assim, concluímos o presente trabalho, acreditando ter cumprido o objetivo proposto na introdução, uma vez que após discorrer sobre os antecedentes históricos do princípio constitucional da presunção de inocência e sua sedimentação em documentos internacionais ratificados pelo Brasil e o seu acolhimento no, inc. LVII, do art. 5º da Constituição Federal ("ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória"), foi possível confirmar que mesmo na sua esfera de criação, a presunção de inocência sofre restrições, vez que a Constituição Federal autoriza a decretação de medidas cautelares, antes de uma sentença penal condenatória com transito em julgado.
Ademais, é possível concluir que a flexibilização da presunção de inocência, não impede a sua aplicação nas outras áreas do direito, especialmente porque restou comprovado que o principio da presunção de inocência, apesar de ter sido cunhado para a esfera do direito criminal, como deixa transparecer o texto constitucional (art. 5º, inc. LVII), acabou por irradiar para outros ramos do direito, e isso ocorreu, justamente por se tratar de um princípio e não de uma regra, conforme exaustivamente demonstrado com argumentos doutrinários e jurisprudenciais, identificando ainda que é mais comum a sua utilização no direito administrativo, em sede de processo administrativo disciplinar, bem como na área de concursos públicos.
Também foi possível confirmar a sua irradiação para o campo do direito eleitoral, especialmente no julgamento da ADPF 144, em 2008, pois naquela época, por não existir Lei Complementar que fixasse as regras de caracterização de vida pregressa, para fins de inelegibilidade, conforme comando do §9º, do Art. 14, da Constituição, o Supremo Tribunal Federal entendeu que sem a referida Lei, a presunção de inocência não poderia ser flexibilizada, mesmo que fosse para garantir a moralidade administrativa. Além disso, a flexibilização da presunção de inocência, sob o argumento da morosidade do Judiciário ou a existência de arsenal de recursos, tornando as causas de inelegibilidade inócuas, se mostrava temerária, uma vez que fragilizava uma garantia constitucional, expressa no título dos direitos e garantias fundamentais, sedimentada no ordenamento jurídico brasileiro.
No entanto, a decisão do Supremo Tribunal Federal não foi bem acolhida pela sociedade brasileira, que naquela época (e ainda hoje) clamava pela moralidade no trato com o bem público, surgindo movimentos sociais que culminou com a criação da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n. 135/2010), que acabou por afrontar o princípio da presunção de inocência, quando considerou como causa de inelegibilidade, entre outras, a condenação penal por órgão colegiado, sem exigir o trânsito em julgado.
Assim, mais uma vez o Supremo Tribunal Federal teve de se manifestar sobre o tema da presunção de inocência e sua flexibilização, mas agora com sua composição alterada, diante de uma Lei Complementar recomendada pela Constituição Federal, bem como os reclames sociais pela probidade administrativa, motivando que o resultado final fosse pela Constitucionalidade da Lei, de forma que, pelo menos na área do Direito Eleitoral, o princípio da presunção de inocência restou flexibilizado, para garantir o princípio da moralidade administrativa.
Os fundamentos utilizados na ADPF 144, se mostraram mais consistente em relação aos utilizados na ADC 30, isto porque foram baseados em decisões já sedimentadas na Suprema Corte. No entanto, apesar do papel contramajorítário do STF, os argumentos utilizados por alguns ministros na ADC 30, visando atender os reclames sociais e garantir a moralidade administrativa, além de traçar novos rumos para o enfrentamento de temas que possam flexibilizar as garantias fundamentais, expressas na Constituição Federal, pelo menos por ora, evitará que candidatos fichas sujas não possam mais exercer funções importante em um país que se constitui em um Estado Democrático de Direito.
Por fim, acreditamos que, além dos argumentos utilizados para declarar a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, poderia o Supremo Tribunal, ter seguido a mesma linha do Tribunal Constitucional da Alemanha para dirimir conflitos entre princípios, uma vez que na ADC 30 restou caracterizado o conflito entre os princípios constitucionais (princípio da presunção de inocência versus principio da moralidade administrativa), cuja melhor regra de solução seria a técnica de sopesamento, de forma que no caso concreto, um princípio deveria ceder diante do outro, e, no caso sub examinem, a proteção ao erário e princípios da administração pública (art. 37 da CF), deveria prevalecer sobre a presunção de inocência, porque nenhuma garantia individual pode ser usada como escudo para a prática de crimes ou contra a coletividade, entendimento este já pacificado no STF, primando pela prevalência da supremacia do interesse público sobre o privado.
REFERÊNCIAS
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______, Supremo Tribunal Federal. RE 559135 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 20/05/2008. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000089663&base=baseAcordaos >. Acesso em 03 abr. 2015.
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[1] Brasil, Presidência da República Federativa. Lei Complementar n. 135, de 04 de junho de 2010. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp135.htm >. Acesso em 21 mar. 2015.
[2] Segundo Bento, o princípio da presunção de inocência desdobra-se em três momentos necessários para a investigação científica, quais sejam: [...] primeiro, quanto ao tratamento dispensado ao cidadão submetido a uma investigação policial, onde deve ser preservado o estado inicial em que se encontrava antes do início da persecução penal, qual seja inocente; segundo momento, quanto à utilização das prisões provisórias que, dependendo do caso, pode refletir como uma antecipação de pena; e terceiro momento, quanto à valoração de provas na instrução criminal, implicando até em absolvição plena do que em absolvição por insuficiência de provas, que poderá ser uma ação civil de indenização pelo cometimento do pretenso crime, e reiniciando a fase probatória. BENTO, Ricardo Alves. Presunção de inocência no Direito Processual Penal Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin. 2007. p. 26.
[3] GOMES, Luiz Flávio. Sobre o Conteúdo Processual Tridimensional do Princípio da Presunção de Inocência. Revista dos Tribunais | vol. 729 | p. 377 | Jul / 1996.
[4] RAMOS, Gisela Gondin. O princípio da presunção de inocência. In: Interesse público, v. 15, n. 77, jan./fev. Belo Horizonte: Forum: 2013. p. 173-181
[5] BENTO, Ricardo Alves. Presunção de inocência no Direito Processual Penal Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin. 2007. p. 27.
[6] Merecendo destaque a obra de Maurício Morais, que realizou um profundo estudo a respeito da presunção de inocência com vista à elaboração legislativa e as decisões judiciais, perpassando o período da inexistência da presunção de inocência até a sua inscrição na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. MORAES, Maurício Zanoide de. Presunção de Inocência no Processo Penal Brasileiro: análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 1-94.
[7][7] BATISTI, Leonir. Presunção de inocência. Apreciação dogmática e nos instrumentos internacionais e Constituições do Brasil e Portugal. Curitiba: Juruá, 2009.
[8] BONESANA, Cesare (Beccaria). Dos delitos e das Penas. Trad. Alexis Augusto Couto Brito, São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 22-50.
[9] BECCARIA, Cesare. Op. citatum, p. 63.
[10] BENTO, Ricardo Alves. Presunção de inocência no Direito Processual Penal Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin. 2007. p. 37.
[11] ANTUNES, Flávio Augusto. Presunção de inocência e direito penal do inimigo. Porto Alegre: Núria Fabris, 2013. p. 44.
[12] MORAES, Maurício Zanoide de. Presunção de Inocência no Processo Penal Brasileiro: análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 77.
[13] BENTO, Ricardo Alves. Presunção de inocência no Direito Processual Penal Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin. 2007. p. 39.
[14] ARANTES FILHO, Marcio Geraldo Britto. Notas sobre a tutela jurisdicional da presunção de inocência e sua repercussão na conformação de normas processuais penais à Constituição brasileira. Revista Liberdades - nº 4 - maio-agosto de 2010. Disponível em: <http://revistaliberdades.org.br/_upload/pdf/5/_artigo2.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2015.
[15] GABINETE DE DOCUMENTAÇÃO DE DIREITO COMPARADO (GDDC). Conselho da Europa. Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Disponível em: < http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/conv-tratados-04-11-950-ets-5.html >. Acesso em: 21 mar. 2015.
[16] BRASIL, Presidência da República Federativa. Decreto n. 4.388, de 25 de setembro de 2002. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 maio 2010. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=712.26785>. Acesso em: 21 mar. 2015.
[17] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Tratado de Direito Administrativo Disciplinar. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 77-85.
[18] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Op. cit. p. 79.
[19] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O Limite da Improbidade Administrativa: O Direito dos Administrados dentro da Lei nº 8.429/92. 3ª. ed, Rio de Janeiro: América Jurídica, 2006. p.734-736.
[20] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. AgRg no RMS 46.893/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/02/2015, DJe 18/02/2015. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=44433915&num_registro=201402956266&data=20150218&tipo=5&formato=PDF >. Acesso em: 03 abr. 2015.
[21] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 559135 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 20/05/2008. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000089663&base=baseAcordaos >. Acesso em 03 abr. 2015.
[22] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. AI 741101 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 28/04/2009. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000087982&base=baseAcordaos >. Acesso em 03 abr. 2015.
[23] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ministro Celso de Melo. RE 634.224/DF. Administrativo. Investigação social. Vida pregressa do candidato. Presunção Constitucional de Inocência . Concurso Público. Aplicabilidade, julgado em 14 de março de 2011, decisão publicada no DJe de 21.3.2011. Conteudo Juridico, Brasília-DF: 16 nov. 2011. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=6.34173&seo=1>. Acesso em: 02 fev. 2015.
[24] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1482054/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/11/2014, DJe 14/11/2014 Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201402369626&dt_publicacao=14/11/2014>. Acesso em 03 jan.2015.
[25] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. MS 21.545, voto do Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 11-3-1993, Plenário, DJ de 2-4-1993. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=85545>. Acesso em: 05 jan. 2015.
[26] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. AI 747.753-AgR, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 14-9-2010, Segunda Turma, DJE de 28-10-2010. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=616063 >. Acesso em: 02 jan.2015.
[27] Inteiro teor publicado no DJe n° 35 Divulgação 25/02/2010 Publicação 26/02/2010 Ementário n° 2391 – 2. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=608506. Acesso em: 03 mar. 2015.
[28] Em virtude da sua extensão, optamos por não colacioná-la neste artigo, no entanto encontra-se disponível para consulta no seguinte endereço: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000165287&base=baseAcordaos. Acesso em: 18 abr. 2015.
[29] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2ª ed. 3ª tiragem. São Paulo: Malheiros. 2014, p. 90.
[30] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADC 30. Ementa. Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 16/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127 DIVULG 28-06-2012 PUBLIC 29-06-2012 Inteiro teor disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2243411. Acesso em 17 abr. 2015.
[31] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADC 30. Ementa. Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 16/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127 DIVULG 28-06-2012 PUBLIC 29-06-2012. Ementa Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000189704&base=baseAcordaos> . Acesso em: 17 abr. 2015.
[32] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 482006, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 07/11/2007, DJe-162 DIVULG 13-12-2007 PUBLIC 14-12-2007 DJ 14-12-2007 PP-00050 EMENT VOL-02303-03 PP-00473 RTJ VOL-00204-01 PP-00402. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=500990 >. Acesso em: 30 maio 2015.
[33] Neste ponto, deu a impressão que o relator iria utilizar a técnica do sopesamento, para dirimir o conflito entre o princípio da presunção de inocência versus princípio da moralidade administrativa, técnica esta conhecida da jurisprudência e doutrina alemã, conforme os ensinamentos de Robert Alexy, até porque, o STF vem se utilizando dos ensinamentos deste autor, uma vez que em uma busca no site do STF, foi possível identificar pelo menos 49 documentos fazendo referência ao alemão. (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2ª ed. 3ª tiragem. São Paulo: Malheiros. 2014, p. 91-103).
[34] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 633703, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 23/03/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-219 DIVULG 17-11-2011 PUBLIC 18-11-2011 RTJ VOL-00221- PP-00462 EMENT VOL-02628-01 PP-00065. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=629754>. Acesso em: 30 maio 2015.
[35] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2ª ed. 3ª tiragem. São Paulo: Malheiros. 2014, p. 91-103.
Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada - Espanha. Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo UNICEUB. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo ICAT/UDF. Pós-graduado em Gestão Policial Judiciária pela ACP/PCDF-FORTIUM. Professor Universitário de Direito Penal e Orientação de Monografia. Advogado. Delegado de Polícia da PCDF (aposentado). Já exerceu os cargos de Coordenador da Polícia Legislativa da Câmara Legislativa do Distrito Federal (COPOL/CLDF), Advogado exercendo o cargo de Assessor de Procurador-Geral da CLDF. Chefe de Gabinete da Administração do Varjão-DF. Chefe da Assessoria para Assuntos Especiais da PCDF. Chefe da Assessoria Técnica da Cidade do Varjão - DF; Presidente da CPD/CGP/PCDF. Assessor Institucional da PCDF. Secretário Executivo da PCDF. Diretor da DRCCP/CGP/PCDF. Diretor-adjunto da Divisão de Sequestros. Chefe-adjunto da 1ª Delegacia de Polícia. Assessor do Departamento de Polícia Especializada - DPE/PCDF. Chefe-adjunto da DRR/PCDF. Analista Judiciário do TJDF. Agente de Polícia Civil do DF. Agente Penitenciário do DF. Policial Militar do DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COIMBRA, Valdinei Cordeiro. A rigidez do princípio da presunção de inocência na ADPF 144 versus sua relativização na ADC 30 após a Lei da Ficha Limpa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 fev 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52649/a-rigidez-do-principio-da-presuncao-de-inocencia-na-adpf-144-versus-sua-relativizacao-na-adc-30-apos-a-lei-da-ficha-limpa. Acesso em: 23 dez 2024.
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