RESUMO: O Sistema punitivo atualmente vigente no âmbito jurídico baseia-se no cárcere como sanção e consequente instrumento hábil a retribuir e restaurar o agente delituoso. Por outro giro, os ideais punitivos vão cedendo lugar aos ideais restaurativos, especialmente no tocante aos crimes de menor gravidade. O presente trabalho apresenta a Justiça Restaurativa como uma opção viável à aplicação da Justiça Retributiva, sistema exclusivamente punitivo que foca na atribuição de uma pena ao agente delituoso. Tenciona-se mostrar a ineficácia da Justiça Convencional no que tange à ressocialização do indivíduo e à satisfação da vítima, esta praticamente excluída do decurso da ação penal.
PALAVRAS-CHAVE: Justiça Retributiva. Justiça Restaurativa. Sistema Carcerário.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. SISTEMA CARCERÁRIO E SUA INFLUÊNCIA NA RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO. 2. COMPARATIVO ENTRE JUSTIÇA RESTAURATIVA E JUSTIÇA RETRIBUTIVA. 3. CONCLUSÃO. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
Analisando a Justiça Penal brasileira, exclusivamente punitiva-retributiva, é de fácil percepção que esta não contribui para a ressocialização do infrator, assim como impede a vítima de participar ativamente no processo. Cumpre ressaltar que esse modelo punitivo desrespeita alguns dos direitos e garantias fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, como a Dignidade da Pessoa Humana, podendo-se incluir a integridade física e moral dos presos.
O alto índice de criminalidade no Brasil aliado a um sistema carcerário sem estrutura para receber o condenado gera um descontrole no âmbito da política criminal vigente. Superlotação das celas de cadeias em todo o país, além da falta de assistência do Estado, como um todo, representado pelo Legislativo, Executivo e Judiciário acentuam o caos que é a segurança pública e demonstra verdadeira ineficácia no que tange à restauração do agente delituoso.
A partir dessa constatação surgiu o interesse pela Justiça Restaurativa, sua origem e aspirações. Este artigo não visa apresentar soluções para a questão da acentuada criminalidade no país, tampouco demonstrar as benesses da Justiça Restaurativa a ponto desta substituir a Justiça Convencional. O que se pretende é comparar ambos os sistemas, apresentando as falhas e necessidades da Justiça Punitiva, assim como a real possibilidade de implementação da Justiça Restaurativa, como mais um meio para garantir o direito de acesso à justiça, princípio fundamental do mandamus constitucional vigente.
1. SISTEMA CARCERÁRIO E SUA INFLUÊNCIA NA RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO
No decorrer do convívio em sociedade, espera-se dos seus indivíduos o mínimo de civilidade e respeito às normas vigentes. Trata-se de uma regra básica para a manutenção da civilidade entre os membros societários. A partir do momento em que ocorre uma transgressão de tais normas, medidas são aplicadas pelo Estado. Entre tais medidas está a privação da liberdade do acusado.
Encarcerar o ofensor juntamente com outros diversos ofensores tem o condão de restaurar, de fazer o encarcerado arrepender-se do ato delituoso que cometeu, cumprindo a pena e retornando para o convívio social sem intenção de voltar a praticar crimes. Contudo, a realidade é completamente diferente. Da forma como está posto o sistema prisional atual, faz-se presente a reincidência e a desigualdade.
Conforme lição de Antonio Baptista Gonçalves, a pena foi criada com o intuito de ter um fim social, um caráter ressocializatório. Todavia, nada mais disso se observa nos presídios atualmente: um condenado hoje tem muito mais chances de continuar a delinquir do que voltar a ser um cidadão honesto e recuperado. [1]
As péssimas condições de sobrevivência nas cadeias, atrelada a superlotação e ao contato com os outros presos incentiva a indústria do crime. O acesso a aparelhos celulares e drogas facilita não somente a criminalidade dentro dos presídios, mas também fora. O caso mais comum engloba poderosos traficantes. Estes conseguem controlar suas facções e o tráfico de drogas, além de execuções, ainda que presos.
Nas palavras de Antonio Baptista Gonçalves: “A prisão se tornou uma verdadeira ‘indústria do crime’, na qual o preso continua a praticar atos danosos à sociedade, pois comanda o crime de dentro, e nada mais pode ser feito, por já estar aprisionado.” [2]
Antonio Baptista Gonçalves afirma ainda que o sistema carcerário atual não cumpre o papel de aplicação da pena:
O preso, em vez de ter espaço para se arrepender, obtém um ‘cursinho’ do crime, no qual tem verdadeiras aulas de aprimoramento em práticas danosas que lhe propiciam uma gama de novas formas delitivas, que podem ser aplicadas quando for posto em liberdade. Perde-se assim o caráter precípuo de aplicação da pena: finalidade social e ressocializante. [3]
A organização dos presídios brasileiros, por exemplo, é representada por celas absurdamente abarrotadas de detentos, demonstrando desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. O nível de lotação das celas é tamanho, que há casos em que os presos precisam revezar a cama durante o período noturno. Os maus tratos e a falta de condições dignas de sobrevivência refletem a revolta dos encarcerados enquanto cumprem suas sentenças e quando são postos em liberdade.
No Brasil as prisões podem ser consideradas como um dos piores lugares em que o ser humano pode viver. Elas estão abarrotadas, sem condições dignas de vida, e menos ainda de aprendizado para o apenado. Os detentos por essas condições se sentem muitas vezes desestimulados a se recuperarem e sem estima para a vida quando de sua volta à sociedade, dessa maneira quando a ela retornam continuam a praticar os diversos tipos de crimes. [4]
Sob o olhar de Drauzio Varella, em seu livro Estação Carandiru, a perda da liberdade e a restrição do espaço físico não conduzem à barbárie, diversamente do que muitos pensam. Os presos agem como os demais primatas, organizando regras de comportamento atinentes ao meio em que se encontram, na tentativa de regularizar as relações e preservar a integridade dos membros do grupo. Trata-se, pois, de um Código Penal não escrito, sendo o conceito de dignidade determinado por atos de lealdade e honestidade, como o pagamento de uma dívida assumida, o altruísmo recíproco, a não delação do companheiro. [5]
Ao conquistar a liberdade, seja porque cumpriu de fato toda a pena, seja por ter alcançado um regime mais brando, o indivíduo continua estigmatizado como delinquente, dificultando a ressocialização no meio. Ao recluso compete aprender a lidar com a sua condição e com as opiniões alheias. Interessante ressaltar que nem todos os condenados aprendem a lidar com a sua condição de recluso marginalizado e com os preconceitos do mundo externo. Cria-se um sentimento de revolta. Vera Raquel Aido Rodrigues ensina:
O tempo que estes indivíduos permanecem na instituição prisional é utilizado para o exercício de uma ação multifacetada que visa transformar o homem num produto final diferente, conforme os padrões comportamentais estabelecidos. Ao transporem os muros que os separam da sociedade livre, são confrontados com uma realidade diferente e desconhecida, com um novo sistema de organização e um modo de funcionamento ao qual tem que se adaptar obrigatoriamente. Quanto a entrada na instituição prisional, os indivíduos passam a fazer parte de um registro e deixam de ter um nome para passar a terem um número. Contudo, se há uns que aprendem a modificar o seu comportamento e a respeitar normas e regras da sociedade, existem outros que saem tal forma revoltados que acabam por algum motivo reincidir. [6]
Estabelecer e manter uma boa organização penitenciária de modo a garantir a sobrevivência dos detentos é de extrema importância. Em 1955, durante o Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Genebra, foram adotadas as regras mínimas para o tratamento de reclusos, sendo estas aprovadas pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, através das suas resoluções 663 C (XXIV), de 31 de Julho de 1957 e 2076 (LXII), de 13 de Maio de 1977.
Tais regras enunciam que presos preventivos devem ser mantidos separados dos condenados, as celas ou locais destinados ao descanso notório não devem ser ocupados por mais de um recluso, as acomodações destinadas aos reclusos, especialmente dormitórios, devem satisfazer todas as exigências de higiene e saúde, tomando-se devidamente em consideração as condições climatéricas e especialmente a cubicagem de ar disponível, o espaço mínimo, a iluminação, o aquecimento e a ventilação, bem como cada estabelecimento penitenciário deve dispor dos serviços de pelo menos um médico qualificado, possuidor de conhecimentos na área psiquiátrica.
Analisando o teor das aludidas determinações, dentre outras mais eleitas durante o Congresso das Nações Unidas, pode-se destacar o princípio da não discriminação dos reclusos e o incentivo à adoção de concepções diferentes àquelas tradicionalmente conhecidas a respeito do tratamento prisional.
Estabelecendo tais regras, a ONU acredita no direito do preso ao provimento de uma estadia digna. A pena deve ser cumprida com todo o rigor estabelecido pela legislação pátria, objetivando-se a proteção da sociedade e o arrependimento, a reflexão do infrator. Sobre o assunto, aponta Vera Raquel Aido Rodrigues:
Neste contexto, as Nações Unidas, embora reconheçam que a pena de prisão ou as medidas de privação da liberdade tenham como finalidade proteger a sociedade contra o crime, têm em conta também que esta finalidade só pode ser atingida se o tempo em que estão privados de liberdade for aproveitado para assegurar que depois do seu regresso à sociedade os mesmos estão aptos a seguirem um modo de vida de acordo com a lei e que estão em condições de se sustentar a si próprio. Desta forma, o tratamento dos indivíduos que foram condenados a pena de prisão deve ter como objetivo criar neles aptidões que os tornem capacitados de viver no respeito da lei e de prover as suas necessidades. [7]
A partir do momento em que o ideal de punição adotado é o de infligir sofrimento ao preso, privá-lo de atendimento médico, de uma alimentação digna, de respeito e de uma acomodação mínima, a intenção de restaurar e ter um preso em plenas condições de abdicar das práticas criminosas, ao ser libertado, será em vão. Como já foi dito, essa rejeição só gera revolta e indignação, tornando o recluso apto à reincidência e a praticar crimes dentro da penitenciária, além de integrar rebeliões, gerando a fuga dos presos, morte destes e de agentes carcerários.
Segundo Michael Foucault, em Vigiar e Punir: “A prisão em seu todo é incompatível com toda essa técnica da pena-efeito, da pena-representação, da pena-função geral, da pena-sinal e discurso. Ela é a escuridão, a violência e a suspeita.” [8]
Ressocializar aquele indivíduo sempre visto com um olhar de descrença dentro e fora do ambiente prisional é tarefa árdua. Cecília Bibiana Martins Silva afirma que o caráter socializador nem sempre é inerente dos detentos e ressalta a importância do apoio incondicional da família para o processo de readaptação:
A nosso ver, esta não é uma realidade que se verifique na população e agente socializador que são alvo da nossa abordagem. Os reclusos, no processo de ressocialização não têm, necessariamente, que se identificar afetivamente com o ‘pessoal socializador’, neste caso, técnicos especializados nos ensinamentos a transmitir quer dentro do estabelecimento prisional quer já fora do mesmo. No entanto, acreditamos seriamente que o estabelecimento de uma relação de maior proximidade e confiança entre os socializadores e os alvos da (re)socialização, pode ser uma mais-valia no sucesso desse mesmo processo, assim como o apoio incondicional dos familiares e aqui sim, pessoas afetivamente próximas, pode desempenhar um papel decisivo no sucesso dos processos em causa. [9]
Logo, entende-se que os estabelecimentos prisionais não atendem seu fim social, dificultando a restauração e a ressocialização. Assim, a reincidência é vista como uma opção pelo recluso discriminado e marginalizado. Se a sociedade em geral não coopera, tampouco esforça-se para encaminhar os ofensores, crimes bárbaros continuarão a ocorrer, levantando uma grande falha da justiça retributiva ou convencional.
2. COMPARATIVO ENTRE JUSTIÇA RESTAURATIVA E JUSTIÇA RETRIBUTIVA
Analisando comparativamente o sistema retributivo e o sistema restaurativo, observam-se várias diferenças entre ambos os sistemas. O ideal de justiça é só um, contudo os valores, procedimentos, objetivos e atribuições dadas aos sujeitos participantes do conflito variam.
Inicialmente convém ressaltar a diferença procedimental entre as práticas punitivas e restaurativas. A justiça convencional vale-se de um ritual público e solene em que pertence ao Estado o monopólio e controle da justiça criminal. Aqui, se visa o interesse público, haja vista a prática do delito não afetar somente a vítima, mas também o Estado, a sociedade e seus interesses. Já a justiça retributiva utiliza-se de um ritual informal, comunitário, totalmente voluntário, envolvendo não só vítima e infrator, mas também demais membros da comunidade.
Para a justiça tradicional, vítima e ofensor são considerados e agem como adversários ou inimigos. Do início ao fim do processo penal, as partes envolvidas enfrentam-se. Cabe aqui à vítima oferecer uma queixa-crime, posto que perante o sistema penal vigente esta é a única forma de resolução do conflito. Para a justiça que tem como condão restaurar, as partes não são adversárias, tampouco inimigas. Acredita-se no diálogo e na exposição dos sentimentos, angústias e necessidades como a melhor forma de sanar o conflito. Corroborando com esse entendimento, Leonardo Ortegal:
Na justiça tradicional, os indivíduos situam-se numa arena como adversários. Já a proposta de justiça restaurativa dá um novo significado ao lócus em que se situam a vítima e o ofensor, como de cooperação para se chegar a um objetivo razoável para ambas as partes. Em outras palavras, na justiça tradicional (retributiva), o indivíduo que se sente lesado por outro entra com uma queixa e assume novamente o papel de vítima. Esta deverá ser sua condição do início ao fim do processo para que alcance seu objetivo: culpar o ofensor. Nesse caso, percebe-se, no entanto, que há uma atuação contraditória por parte da vítima, a qual assume o objetivo de lesar, por sua vez, aquele que lhe havia lesado, assumindo, dessa forma, papel de ofensor, já aquele que havia cometido o delito, passa a ser vítima de seu próprio delito, ou ainda, vítima das ofensivas de seu adversário no processo. [10]
Os papeis, em verdade, invertem-se ao longo do processo penal. Quem inicialmente era vítima passa a assumir outra posição, haja vista querer lesar o ofensor em razão deste ter praticado o delito. Enquanto isso, o dito ofensor é visto como vítima de seu próprio delito.
Nesse contexto punitivo, o delinquente, mesmo na condição de acusado, é agraciado com diversas garantias penais, constitucionais e processuais, tudo isso tendo em vista a supremacia do princípio da dignidade da pessoa humana. No caso da vítima, esta é despersonalizada e age como personagem secundária durante o trâmite processual.
Destacando o pensamento de Edgar Hrycylo Bianchini: No âmbito restaurativo, a vítima é um ser singular, sendo o ente que recebe a agressão a vítima direta do ato delituoso, e não o Estado. A vítima sente-se parte atuante do procedimento, sendo amparada e tendo suas necessidades compreendidas e atendidas. [11]
Logo, para a vítima, o processo restaurativo representa respostas que não são apresentadas pelo sistema convencional. É a passagem para uma nova etapa com o entendimento do ocorrido e com suas necessidades alcançadas. Trata-se de um procedimento em que são esclarecidas as motivações que levaram ao cometimento do crime – não a motivação jurídica, mas sim a motivação pessoal do infrator. [12]
Outra grande diferença entre os sistemas aqui discutidos está no foco, no objetivo e no resultado dessas práticas. De maneira geral, como os próprios nomes já enunciam, a justiça retributiva foca na punição do acusado, enquanto a justiça restaurativa foca na restauração das partes envolvidas.
A abordagem restaurativa tem como premissa maior restaurar as relações entre vítima, acusado e demais membros da comunidade. Acusar e culpar o ofensor não faz parte dessa abordagem. Edgar Hrycylo Bianchini destaca em sua obra Justiça Restaurativa: um desafio à práxis jurídica que esta nova abordagem do crime busca a restauração do status quo ante, mas não de forma absoluta, pois não intenciona apagar o fato. A restauração significa a retomada do equilíbrio abalado pelo crime. [13]
A Justiça Restaurativa visa ao restabelecimento do equilíbrio social, restauração do dano, recuperação da vítima, participação da comunidade e responsabilização do infrator. E para que isso aconteça, a Justiça Restaurativa atua de maneira pessoal e com a possibilidade de diálogo, trazendo os envolvidos para interagirem no processo de responsabilização do delinquente, da retomada do controle pessoal da vítima e, ainda, para desenvolverem de forma participativa o processo de sancionamento com soluções alternativas que possam ser eficazes ao caso – as quais os integrantes se comprometam a realizar. [14]
Enquanto a função do sistema retributivo é julgar, afirmar a responsabilidade do acusado pela prática do ilícito penal e cominar uma pena, o sistema restaurativo auxilia o acusado na restauração e restituição dos prejuízos advindos do ato cometido.
Para a Justiça Convencional, o foco está na intimidação e na punição do infrator, devendo este ser afastado do regular convívio social. Cada parte envolvida no conflito responsabiliza-se, por meio de seu representante judicial, em promover sua defesa ou acusação, através do seu ponto de vista e daquilo que acredita ou tenta impor como verdade. Após esse jogo extremamente competitivo, logra êxito aquele que de fato provou a veridicidade do seu discurso ou, na falta de provas concretas, o que melhor argumentou. Diante disso, o enfoque aqui é o de punir, castigar o acusado, seja encarcerando, seja aplicando medida socioeducativa ou prestações pecuniárias.
A punição é vista como uma forma de ressarcimento à sociedade pelos danos causados pelo infrator, conforme enuncia Antônio Baptista Gonçalves: “A condenação nos dias atuais serve como uma compensação à sociedade pelos danos causados, isto é, uma justificação moral da aplicação da pena e uma forma de retornar ao equilíbrio social existente, antes de o delito ser praticado.” [15]
Vejamos, então, a lição de Howard Zehr:
O sistema de justiça penal se preocupa com responsabilizar os ofensores, mas isto significa garantir que recebam a punição que merecem. O processo dificilmente estimula o ofensor a compreender as consequências de seus atos ou desenvolver empatia em relação à vítima. Pelo contrário, o jogo adversarial exige que o ofensor defenda seus próprios interesses. O ofensor é desestimulado a reconhecer sua responsabilidade e tem poucas oportunidades de agir de modo responsável concretamente. [16]
Com esse enfoque punitivo, almeja-se a restauração do indivíduo, pois, através do castigo, o delinquente refletirá, acarretando, consequentemente, no seu arrependimento. Apesar de não atingir o seu fim de forma ampla, a pena possui sim um fim social, um caráter ressocializatório.
Salienta-se ainda a diferença entre os valores atribuídos pelo dois tipos de justiça aqui enfatizados. A justiça retributiva apega-se a um conceito puramente jurídico de crime, considerando que a prática de um delito caracteriza-se como uma violação da lei penal e como uma agressão ao Estado e a sociedade como um todo. O Estado, aqui, monopoliza a Justiça Criminal, ficando a cargo de julgar e punir os acusados.
A Justiça Restaurativa é flexível, abordando o crime de forma ampla. Não se trata de mais uma transgressão a lei, mas de uma desconfiguração das relações. O próprio infrator pode ser visto como vítima e o crime traz consequências diretas para a vítima, para o acusado e para a comunidade. O diálogo, focado no consenso, prevê uma troca de experiência entre todos que estão envolvidos no conflito.
Com vertentes, perspectivas e focos bem distintos, os sistemas diferem nos mais diversos aspectos. Percebe-se a ineficácia de um sistema convencional e burocrático, centrado nos ofensores e na aplicação de castigos, abrindo caminho para um modelo alternativo e restaurador, centrado nas necessidades das vítimas.
3. CONCLUSÃO
Acredita-se que o sistema retributivo, baseado unicamente na punição, não contribui de forma eficaz para a ressocialização do agente delituoso. As vítimas são vistas como personagens coadjuvantes durante o processo, o que de fato leva a crer que estas também não se sentem totalmente restauradas após a condenação do réu. Ser parte de um processo frio e burocrático que pretende unicamente condenar o ofensor a uma pena não necessariamente implica na satisfação da vítima ou na superação da vítima.
Constata-se também que os ofensores muitas vezes podem ter sido vítimas de delitos semelhantes ao que cometeram, comprovando a necessidade de restauração, diálogo e exposição de angústias e sofrimentos por ambas as partes.
Com uma estrutura carcerária decadente de incentivos à reeducação e à reinserção dos presos, estes sentem-se marginalizados e aptos a praticar crimes novamente. Este retrato fica ainda mais nítido quando se fala nos crimes cometidos por menores infratores
Os presídios tornaram-se “escolas do crime” e determinados presos controlam o tráfico e comandam execuções, ainda que estejam encarcerados e, teoricamente, sem contato com o mundo exterior.
Outra questão levantada neste artigo é a reinserção social do preso quando liberto. O preconceito e a estigmatização da sociedade, dificultam a sua aceitação perante os outros e a confiança para conseguir um emprego, por exemplo. Isso aumenta a revolta do ex-preso.
Implementar práticas restaurativas não significa extinguir as práticas retributivas ou colocá-las em desuso. O que se pretende é manter os dois sistemas atuando em conjunto. Apesar de focar na restauração, a Justiça Restaurativa não descarta a possibilidade de punição e de ressarcimento financeiro.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras.
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[1] GONÇALVES, Antonio Baptista. Justiça Restaurativa: Novas soluções para velhos problemas. Revista da Secção Judiciária do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n.25, p. 292, out. 2009.
[2] GONÇALVES, Antonio Baptista. Justiça Restaurativa: Novas soluções para velhos problemas. Revista da Secção Judiciária do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n.25, p. 292, out. 2009.
[3] GONÇALVES, Antonio Baptista. Justiça Restaurativa: Novas soluções para velhos problemas. Revista da Secção Judiciária do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n.25, p. 291, out. 2009.
[4] NETO, M.V.F. et al. A ressocialização do preso na realidade brasileira: perspectivas para as políticas públicas. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 65, jun/2009. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6301. Acesso em 12 dez 2018.
[5] VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p.10.
[6] RODRIGUES, V.R.A. Construção de identidade por ex-reclusos. 2012. 207 p. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Portugal, 2012. Disponível em: http://run.unl.pt/bitstream/10362/9430/1/vera.pdf. Acesso em: 10 maio 2013.
[7] RODRIGUES, V.R.A. Construção de identidade por ex-reclusos. 2012. 207 p. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Portugal, 2012. Disponível em: http://run.unl.pt/bitstream/10362/9430/1/vera.pdf. Acesso em: 10 dez 2018.
[8] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 35. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, p.95.
[9] SILVA, C.B.M. A vida de ex-reclusos, por suas palavras. Os liames entre a vida na prisão e a (re)inserção social. 2012. 108 p. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, Portugal, 2012. Disponível em http://repositorioaberto.up.pt/bitstream/10216/66006/2/tesemestceciliasilvavida000190557.pdf. Acesso em: 10 maio 2013.
[10] ORTEGAL, Leonardo. Justiça Restaurativa: Um caminho alternativo para a resolução de conflitos. Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Brasília, DF, v. 1, n. 21, p. 121-132, jan- jun. 2008.
[11] BIANCHINI, Edgar Hrycylo. Justiça Restaurativa: Um Desafio à Praxis Jurídica. Campinas-SP: Servanda, 2012.
[12] BIANCHINI, Edgar Hrycylo. Justiça Restaurativa: Um Desafio à Praxis Jurídica. Campinas-SP: Servanda, 2012, p. 148.
[13] BIANCHINI, Edgar Hrycylo. Justiça Restaurativa: Um Desafio à Praxis Jurídica. Campinas-SP: Servanda, 2012, p. 140.
[14] BIANCHINI, Edgar Hrycylo. Justiça Restaurativa: Um Desafio à Praxis Jurídica. Campinas-SP: Servanda, 2012, p. 143.
[15] GONÇALVES, Antonio Baptista. Justiça Restaurativa: Novas soluções para velhos problemas. Revista da Secção Judiciária do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n.25, p. 287-304, out. 2009, p. 249.
[16] ZEHR, Howard. Justiça Restaurativa. São Paulo: Palas Athena, 2012, p.27.
Advogada, Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), especialista em Direito Tributário pelo IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Patrícia Napoleão de. A abordagem restaurativa: um contraponto com a justiça retributiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 fev 2019, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52687/a-abordagem-restaurativa-um-contraponto-com-a-justica-retributiva. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
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