Resumo: O presente trabalho busca efetuar pesquisa na área jurídica com o escopo de confrontar os posicionamentos divergentes acerca do direito real de habitação do companheiro, face aos princípios constitucionais e à antinomia verificada entre as normas do Código Civil de 2002 e a Lei 9.278/96. Como resultados alcançados, citamos a verificação da supremacia constitucional, e a desconexão da interpretação apenas conforme o Código Civil com a atual concepção de família trazida pelo texto da Carta Magna de 1988 e pelo próprio código.
Palavras-chave: Constituição. Família. Companheiro. Direito real de habitação.
Abstract: The present work seeks to carry out research in the legal area with the scope of confronting the divergent positions regarding the real right of housing of the companion, in face of the constitutional principles and the antinomy verified between the norms of the Civil Code of 2002 and Law 9.278/96. As results achieved, we cite the verification of constitutional supremacy, and the disconnection of interpretation only according to the Civil Code with the current conception of family brought by the text of the Constitution of 1988 and by the code itself.
Keywords: Constitution. Family. Companion. Real right of housing.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Resultados e Discussão; Conclusões; Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O direito real de habitação do cônjuge é instituto previsto no artigo 1.831 do Código Civil de 2002, e visa, em síntese, garantir ao cônjuge supérstite o direito de continuar a residir no imóvel adquirido na constância do casamento. As disposições do atual Código não conferem referido direito ao companheiro, o que leva a inúmeras discussões acerca da interpretação legal, principalmente sobre a questão de se considerar revogada ou não a Lei 9.278/96, que estendeu a habitação ao companheiro. Formam-se, então, duas correntes de pensamento: a primeira entende que o Código Civil fora omisso, permanecendo vigentes as normas da lei de 1996; a segunda, que o Código exauriu a regulamentação da matéria, não abordando o companheiro como titular do direito real de habitação porque não o quis, e não por omissão.
As discussões ganham ainda maior abrangência quando se leva em consideração a nova concepção de família trazida pela Lex Fundamentalis de 1988 e a proteção conferida à união estável. Isso somado aos princípios da solidariedade, da isonomia, da dignidade da pessoa humana, da assistência social e ao princípio da máxima efetividade da Constituição, o qual orienta o intérprete a atribuir às normas constitucionais o sentido que maior efetividade lhes dê. É o que passamos a expor.
1. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Prima facie, importa trazer à baila a concepção de família à luz da Constituição de 1988. Quando da vigência do Código Civil de 1916, a família era tratada como instituição hierarquizada, devendo necessariamente advir da união matrimonial e sendo percebida como unidade produtiva e reprodutiva.
A Lex Mater de 1988 trouxe, em seu bojo, valores sociais, dentre eles a dignidade humana, a solidariedade social e a igualdade material. Em seu artigo 226, trata da família como a base da sociedade, merecedora de especial proteção do Estado, reconhecendo, ainda, a união estável e a entidade familiar monoparental. Trata, pois, da família como um tipo aberto, plural e indeterminado, baseado essencialmente nos valores do afeto e da ética. Consoante a lição dos ilustres autores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, foi firmada uma verdadeira cláusula geral de inclusão, sendo o cotidiano, as necessidades e os avanços sociais os encarregados da concretização dos tipos.
A família, então, passou a ser tratada como unidade sócio-afetiva, voltada à realização dos interesses existenciais e afetivos de seus integrantes, firmada nos princípios da multiplicidade das entidades familiares, da igualdade entre os filhos e entre homens e mulheres quanto aos direitos e deveres, do planejamento familiar e da paternidade responsável, da facilitação da dissolução do casamento, entre outros.
Outrossim, o exame do regramento jurídico da união estável deve se dar sob o prisma constitucional, focando a especial proteção que o Estado deve conferir à família, seja ela matrimonial ou não. Desta feita, há que se compatibilizar toda norma infraconstitucional com o texto da Lei Fundamental, no sentido de conferir aos componentes da união estável a proteção que lhes é garantida, não se justificando qualquer tratamento desigual e discriminatório.
Ora, se foi reconhecida na união sócio-afetiva a principal base fundadora da entidade familiar, não há que se tratar de forma diferente duas situações semelhantes, quais sejam, a família matrimonial e aquela formada pela união estável. Não se pode, diante da ordem constitucional vigente, lastreada na dignidade da pessoa humana e na isonomia substancial, conferir mais direitos aos componentes da família matrimonial, em virtude apenas de sua opção pela adoção da formalidade do casamento. Se é dever do Estado proteger os componentes da entidade familiar, e se nenhuma das espécies familiares é superior às demais, há que ser garantida a mesma proteção tanto ao cônjuge quanto ao companheiro, visto que ambos encontram-se na mesma situação fática de membros da unidade familiar. Não cabe, pois, ao legislador infraconstitucional distinguir aquilo que foi tratado como igual pelo constituinte.
Dessarte, impende-se submeter toda lei infraconstitucional (inclusive o Código Civil de 2002) ao crivo da Constituição, devendo-se estender toda e qualquer proteção conferida ao cônjuge aos companheiros, considerando como não-escritas as referências que tratem de forma diferente a união estável em relação ao casamento, como muito bem preleciona Maria Berenice Dias.
Isto posto, passemos à análise do direito real de habitação do companheiro, confrontando os dispositivos constitucionais e as divergências entre o Código Civil de 2002 e a Lei Nº 9.278/96.
O direito de habitação é instituto já bastante antigo. No direito romano, era previsto como o direito de residir gratuitamente na casa de outrem. O atual Código, em seu artigo 1.414, trata do direito de habitação como o direito real de usar gratuitamente casa alheia, com fins de garantir a moradia do titular e de sua família. É temporário, perdurando enquanto durar o termo do contrato, ou, se omisso, enquanto viver o titular, não sendo possível sua transmissão. A destinação é exclusivamente para fins de habitação. Pode ser considerado como espécie de direito de uso, salientando que, por ser direito real, ainda que o bem seja alienado, o mesmo não se extingue, acompanhando a mudança de proprietário.
No âmbito do direito sucessório, o direito real de habitação fora previsto no Código Civil de 1916 a partir do advento da Lei 4.121, de 27 de agosto de 1962 - Estatuto da Mulher Casada. Referida previsão legal conferia o direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime de comunhão universal, enquanto vivesse e permanecesse viúvo, desde que o imóvel fosse o único bem dessa natureza a inventariar.
A lei 10.406 de 2002, que instituiu o presente Código Civil, em seu artigo 1831, estendeu a habitação a qualquer cônjuge, independente do regime de bens do casamento. No entanto, tal lei nada tratou a respeito do direito de habitação do companheiro, nem no artigo 1831, nem no artigo 1790, o qual outorga direitos sucessórios aos companheiros.
Ressalte-se que a Lei 9.278, de 10 de maio de 1.996, garantiu aos companheiros o direito real de habitação, por intermédio do parágrafo único de seu artigo 7º, in verbis:
Art. 7° Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos.
Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.
Há que se questionar, portanto, se, à luz do Novo Código Civil, a união estável gera direito real de habitação ao companheiro sobrevivente.
Observa-se que a Lei 9.278/96 reconheceu que os bens imóveis adquiridos na constância da união estável, sem a utilização de economias anteriormente existentes, são frutos do esforço comum, motivo pelo qual entendeu justo garantir ao companheiro o direito cuja finalidade é resguardar a moradia daquele que, ao longo da vida, esforçou-se juntamente com o de cujos para a construção ou aquisição do imóvel residencial. Percebe-se, pois, o caráter eminentemente assistencial do instituto, que pretende evitar que o viúvo/viúva reste desamparado após a morte de seu cônjuge, “sem ter onde morar”.
O grande impasse consiste em averiguar se o novo Código Civil revogou ou não a lei 9.278/96. A corrente doutrinária que defende a manutenção do direito real de habitação do companheiro supérstite baseia-se nos dispositivos da Lei de Introdução ao Código Civil, que regulam a vigência da lei.
Infere-se do artigo 2º da LICC que a revogação da lei pode ser total ou parcial, expressa ou tácita, e que “a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”. No caso em comento, entende-se que o Código Civil, nos pontos que não derrogou as normas da Lei 9.278/96, preservou sua vigência. Como o Código não negou o direito real de habitação do companheiro, apenas omitindo-se a respeito, sustenta-se que a eficácia da regra que conferiu o direito real de habitação ao companheiro encontra-se preservada.
Observando, ainda, os artigos 4º e 5º da LICC, que determinam que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” e que, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, e em face do artigo 6º da Constituição Federal, que aborda sobre a garantia dos direitos sociais e da assistência aos desamparados, torna-se imperioso fazer analogia com o artigo 1831 do CC, o qual confere direito real de habitação ao cônjuge, visto que o companheiro encontra-se na sua mesma situação fática.
Dentre os autores que compõem essa corrente doutrinária estão Maria Helena Diniz; Sílvio Venosa; Giselda Maria Fernandes Hironaka; Zeno Veloso; Euclides de Oliveira e Guilherme Calmon Nogueira da Gama.
Nas Jornadas de Direito Civil de 2002, os doutrinadores corroboraram o entendimento supra, senão vejamos:
117 – Art. 1831: o direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei n. 9.278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1.831, informado pelo art. 6º, caput, da CF/88.
De outro lado, Francisco Cahali defende a não manutenção do direito real de habitação, visto que o art. 1790 do CC regulou inteiramente a sucessão entre companheiros, não tendo havido omissão do legislador, mas sim a intenção de não conferir tal direito ao companheiro.
CONCLUSÃO
Com o presente trabalho, não pretendemos esgotar a matéria nem estabelecer verdades absolutas, visto que não está elucidado o esclarecimento de todas as questões envolvendo o tema. Diante de tantos questionamentos, ficou demonstrado, com esta pesquisa, que há necessidade do legislador suprir a omissão normativa sobre o direito real de habitação, no âmbito do Código Civil vigente, já que, conforme as manifestações doutrinárias e as conclusões extraídas das normas jurídicas contidas no Código Civil revogado com as do Código Civil vigente, houve um retrocesso substancial nos direitos relativos ao companheiro supérstite e um avanço expressivo nos direitos do cônjuge sobrevivente.
Ademais, é de bom alvitre reafirmar que o direito deve se adequar aos novos padrões sociais e evoluir com a sociedade, motivo pelo qual somos de opinião favorável ao reconhecimento do direito real de habitação ao companheiro, por tudo que já foi discorrido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Direito das sucessões. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro-Direito das Coisas. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro-Direito das Sucessões. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
FARIAS, Cristiano Chaves & ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2008.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito das sucessões. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
Advogado, aprovado para Juiz de Direito Substituto no Tribunal de Justiça do Piauí e Tribunal de Justiça do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAES, Danny Rodrigues. Do direito real de habitação do companheiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 mar 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52712/do-direito-real-de-habitacao-do-companheiro. Acesso em: 26 dez 2024.
Por: Benigno Núñez Novo
Por: MARIANA BRITO CASTELO BRANCO
Por: Jorge Hilton Vieira Lima
Por: isabella maria rabelo gontijo
Por: Sandra Karla Silva de Castro
Precisa estar logado para fazer comentários.