LARA MARINA FERREIRA
(Orientadora)[1]
RESUMO: O presente trabalho trata da pornografia de vingança, que nada mais é do que a conduta de quem divulga, sem autorização, fotos e vídeos íntimos de outra pessoa. A pesquisa investiga em que medida a ausência de tipificação legal e específica da referida conduta, que hoje é enquadrada nos crimes contra a honra, compromete a tutela do direito à intimidade. Para tanto, a ausência de norma específica é analisada a partir do princípio da proibição a proteção deficiente, a fim de frisar a necessidade de uma lei específica tanto para punição do agente quanto para a proteção eficaz da vítima. Através da análise de Projetos de Lei tramitando perante o Congresso Nacional, mostra-se a importância de uma norma regulamentadora própria. Conclui-se que a necessidade de norma específica reside especialmente no reconhecimento de que a pornografia de vingança é um crime que envolve a discriminação do gênero feminino, razão pela qual precisa ser enquadrado em tipo penal que englobe essa perspectiva.
Palavras-chave: Pornografia de Vingança. Princípio da Proibição a Proteção Deficiente. Discriminação de gênero. Violência contra a mulher.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 PORNOGRAFIA DE VINGANÇA: SUA CARACTERIZAÇÃO JURÍDICA ATUAL A PARTIR DE UMA TUTELA GENÉRICA. 3 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO EFICIENTE NO DIREITO. 3.1 O caso da Lei Maria da Penha. 3.2 Pornografia de Vingança, questões de gênero e proibição da proteção deficiente. 4 TUTELA ESPECÍFICA DA PORNOGRAFIA DE REVANCHE: PROJETOS DE LEI EM DISCUSSÃO NO CONGRESSO NACIONAL E CASOS NO DIREITO COMPARADO. 4.1 Projeto de Lei 5.555 de maio de 2013. 4.2 Projeto de Lei nº6.630 de outubro de 2013. 4.3 A tutela da pornografia de revanche no Direito Comparado. 4.4 Os projetos de lei em trâmite no Congresso cumprem com o princípio da proteção eficiente. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
As expressões ‘’pornografia de vingança’’(BUZZI, ano 2015, p. 11 ), ‘’revenge porn’’ (BUZZI, ano 2015, p. 11) ou, ainda de maneira mais genérica ‘’exposição pornográfica não consentida’’ (SYDOW e DE CASTRO, ano 2017, p. 35), são usadas para nomear a atitude daquele que divulga, especialmente por redes sociais, fotos, montagem e vídeos íntimos sem o consentimento e a autorização da pessoa, como forma de denegrir sua imagem.
A conduta, de acordo com dados da ONG SAFERNET (2016), é praticada, em sua maioria, por ex-companheiros que não aceitam o fim do relacionamento e, como forma de vingança, acabam por expor suas ex-companheiras com a exposição de fotos e vídeos íntimos. É certo que em relacionamentos os parceiros estabelecem um vínculo de confiança, vínculo esse que abarca a exposição do próprio corpo ao outro em contextos de intimidade. Assim, a exposição desse material configura confronta direta a um dos fundamentos base do direito constitucional, qual seja, a dignidade da pessoa humana, no que toca ao seu direito à privacidade.
Trata-se de um tema recente, intimamente ligado ao avanço tecnológico que proporciona cada vez mais acessibilidade aos meios de comunicação. Essa acessibilidade implica maior velocidade na disseminação das informações e também maior dificuldade no controle da veiculação de conteúdos. É difícil que um provedor tenha acesso a todo conteúdo que é disponibilizado em seus sites e redes sociais, tendo em vista o número de usuários e a difícil identificação de todos que diariamente fazem uso das tecnologias. Ainda assim, apesar da dificuldade indicada, é preciso avançar para desenvolver meios que garantam a identificação e a punição de autores de crimes cibernéticos, modalidade que acaba por abarcar a pornografia de vingança.
Em um primeiro momento, cumpre destacar que no Brasil não há uma legislação específica que tutele a vítima e puna o autor da prática denominada como pornografia de vingança. A referida conduta, hoje, além de gerar a responsabilidade civil, é enquadrada nos tipos genéricos dos crimes contra a honra. Entretanto, argumenta-se que pela gravidade específica atrelada à exposição da intimidade na internet, esses tipos genéricos não seriam capazes tutelar de maneira eficiente as vítimas da ação, já que não oferecem punição adequada ao autor da conduta criminosa ou prevenção específica à prática da conduta.
Atualmente, há projetos de leis no Congresso Nacional que enquadram a conduta de maneira específica, prevendo, inclusive, majorantes para determinadas hipóteses. Esses projetos de lei foram analisados na presente pesquisa para que fosse possível verificar se a adoção das normas proposta seriam suficientes para coibir e sancionar a conduta. Além dos projetos de lei brasileiros, usando a ferramenta do Direito Comparado, constatou-se que em alguns países já existem legislações específicas. Como exemplo, analisamos a legislação da Inglaterra e a legislação da Dinamarca, países que tratam a conduta como crime específico.
É importante destacar que na doutrina e na jurisprudência tem-se adotado a aplicação do princípio da proibição deficiente, que comumente está associado ao fato do Estado não tutelar de maneira eficaz determinado direito fundamental. Quando se trata da pornografia de revanche, notamos uma serie de direitos fundamentais que acabam por serem violados, como a vida privada, a intimidade, a imagem, a honra e, até mesmo, a dignidade da pessoa humana.
Além disso, afirma-se que para o combate e a proteção suficiente do crime de pornografia de vingança, é necessário compreender esse fenômeno como desdobramento da questão de gênero, já que, de acordo com a ONG SAFERNET (2016) 81% das vítimas são mulheres. Ainda, segundo a Ministra Nancy Andrighi (2015) , as vítimas mais frequentes são mulheres, em notória posição de vulnerabilidade. Muito se debate, por exemplo, acerca da conduta de quem se expõe de forma íntima ao outro e permite a captação das imagens. Nessa dinâmica, muitas vezes, as vítimas – que são frequentemente mulheres – são acusadas de descuidadas ou ingênuas. Ocorre que essa conclusão, que culpabiliza a vítima ao invés de punir o agressor, é muito própria dos crimes relacionados à questão de gênero. Também no caso do estupro, é muito comum o questionamento sobre o comportamento da vítima para aferir em que medida ela teria “contribuído” para a prática criminosa.
Assim, a presente pesquisa pretende demonstrar que a legislação brasileira atual não tem sido efetiva na busca dos seus objetivos quanto à aplicação nos casos da pornografia de vingança, seja como forma de punir o autor, seja como forma de repelir outros interessados e fazer com que esses se abstenham de praticar a referida conduta e o motivo pelo qual as referidas condutas hoje são vistas como crimes contra gênero.
2. PORNOGRAFIA DE VINGANÇA: SUA CARACTERIZAÇÃO JURÍDICA ATUAL A PARTIR DE UMA TUTELA GENÉRICA
A pornografia de vingança ou pornografia de revanche consiste na conduta de divulgar, sem consentimento da outra parte, fotos, vídeos, montagens, que contenham conteúdo sexualmente íntimo. O intuito da conduta, característico do próprio nome, é a vingança, seja pelo fim de um relacionamento amoroso, seja por qualquer outro motivo que torne a prática característica de uma revanche.
De acordo com Danielle Citron e Mary Anne Franks, citadas por Spencer Toth e Ana Lara Camargos (2017, p. 28), a ‘’revenge porn’’ ‘’[...] é, em outras palavras, a disseminação não autorizada de imagem ou nudez total, parcial ou em ato sexual [...]’’. Nota-se, assim, que para caracterizar a pornografia de vingança é necessário que a exposição e disseminação de fotos, vídeos ou outros meios de divulgação da intimidade da vítima, não seja consentida, seja no ato de captação, ou divulgação da privacidade e vida íntima de outrem.
Pode-se dizer, ainda, que a pornografia de vingança é um gênero que abarca várias espécies. Uma delas é denominada ‘’sextortion’’ que nada mais é do que uma atitude do agente que busca receber uma vantagem da vítima, porém, essa vantagem não possui cunho patrimonial e sim sexual. Sobre o tema:
A sextorsão é uma modalidade especial de extorsão cibernética, uma vez que não envolve valores econômicos. Ocorre quando o perpetrador exige que a vítima envie imagens ou preste favores sexuais, sob ameaça de distribuir informações pessoais e/ou imagens pornográficas ou sexualmente explícitas. (TOTH; CAMARGOS, 2017, p. 34)
É um problema relativamente recente, não encontrando amparo específico, ainda, no ordenamento jurídico brasileiro, mas que vem se desdobrando em algumas condutas como no caso da ‘’sextorsão’’.
No Brasil não há legislação específica que tutele as vítimas da denominada ‘’pornografia de vingança’’. Os casos, até então, são enquadrados nos crimes contra a honra, especialmente na injúria e difamação, previstas, respectivamente, nos artigos 139 e 140 do Código Penal Brasileiro. Gisele Truzzi (2016), advogada especializada em direito digital, argumenta que ‘’se a pessoa quiser levar isso para a esfera judicial ela tem que ter em mente que é um trâmite trabalhoso, demorado e desgastante, mas é essencial para conseguir a punição e a identificação do responsável’’.
Acerca do enquadramento da referida conduta nos crimes contra a honra, interessante se faz a jurisprudência a seguir:
PENAL. APELAÇÃO. CRIMES DE INJÚRIA E DE DIFAMAÇÃO. ARTS. 139 E 140 DO CÓDIGO PENAL. AGENTE QUE POSTA E DIVULGA FOTOS ÍNTIMAS DA EX-NAMORADA NA INTERNET. IMAGENS E TEXTOS POSTADOS DE MODO A RETRATÁ-LA COMO PROSTITUTA EXPONDO- SE PARA ANGARIAR CLIENTES E PROGRAMAS. PROVA PERICIAL QUE COMPROVOU A GUARDA NO COMPUTADOR DO AGENTE, DO MATERIAL FOTOGRÁFICO E A ORIGEM DAS POSTAGENS, BEM COMO A CRIAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO DE BLOG COM O NOME DA VÍTIMA. CONDUTA QUE VISAVA A DESTRUIR A REPUTAÇÃO E DENEGRIR A DIGNIDADE DA VÍTIMA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONDENAÇÃO CONFIRMADA. RECURSO NÃO
PROVIDO. [...] 318 Idem. 319 Idem. 320 Idem. 93 3. Comete os crimes de difamação e de injúria qualificadas pelo emprego de meio que facilita a sua propagação - arts. 139 e 140, c.c. 141, II do CP - o agente que posta na Internet imagens eróticas e não autorizadas de ex-namorada, bem como textos fazendo-a passar por prostituta.321 (grifo nosso) (TJPR, 2011, online)
Em síntese, trata-se de uma apelação em que o réu, ex-namorado da vítima, após o termino da relação por parte da mesma, passou a divulgar fotos e vídeos sexualmente íntimos da ex-companheira, em sites e e-mails que inclusive eram endereçados a ela. Veja- se que a conduta de divulgação da vida íntima sexual de uma pessoa foi enquadrada em delitos gerais, como hipótese de difamação ou injúria, tipos penais que apresentam a seguinte caracterização no Código Penal:
Difamação
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
(...)
Injúria
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. (grifo nosso)
Destaque-se, portanto, que tanto na hipótese da injúria quanto na hipótese de difamação, a ofensa à reputação ou à dignidade é considerada de forma geral, sem um enquadramento específico para a tutela da reputação ou dignidade sexual. Importante observar que o próprio Código Penal estabelece qualificadora, caso a injúria esteja relacionada aos seguinte elementos: a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Nesses casos, a sanção poderá ser agravada, com pena de reclusão de um a três anos e multa. Entre os elementos, entretanto, não se encontra a condição de mulher – cuja exposição da privacidade em contextos sexuais opera danos mais graves do que aqueles observados no caso dos homens.
Necessário destacar ainda que o artigo 141 do Código Penal estabelece majorante, que autoriza o aumento da pena em um terço, se qualquer dos crimes é cometido: contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro; contra funcionário público, em razão de suas funções; na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria; contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria. Já se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro.
Assim, em relação às majorantes, a legislação atual oferece proteção diferenciada em relação à disseminação da informação – “meio que facilite a divulgação”. Entretanto, é necessário registrar que na época em que o Código Penal foi publicado, não vivíamos um contexto de multiplicidade de autores de informações e dados, marca dos tempos atuais. Com a fácil acessibilidade a sites, redes sociais e afins, a divulgação de material íntimo sem o consentimento da parte que está sendo exposta se torna muito célere.
A Lei 12.965/2014 – Lei do Marco Civil da Internet, passou a prever, em seu art.21, a responsabilidade do provedor de internet quando este, após receber uma ordem jurídica específica, não retirar de seu site ou similares, o conteúdo apontado como infringente. Há um caminho para percorrer, pois o provedor só estará juridicamente obrigado a retirar o conteúdo de seu site após uma ordem jurídica, que precisa necessariamente conter a identificação clara e específica do conteúdo a ser retirado.
Ainda, pode-se dizer que a busca por uma tutela jurídica específica está ligada ao fato dos crescentes números de vítimas da pornografia de vingança, prática que se torna comum a cada dia. De acordo com a ONG SAFERNET (2016) recebeu mais de 300 denúncias de exposição íntima on-line.
O primeiro caso registrado no Brasil, em 2006, foi o caso Rose Leonel, no qual a vítima deu ensejo a uma mobilização em prol da punição da conduta e da proteção eficaz as vítimas. Em 2005, a jornalista Rose Leonel, 41 anos, jornalista e apresentadora de um programa de televisão em Maringá/PR, terminou um relacionamento amoroso que durou 4 anos, com o noivo e empresário Eduardo Gomes Dias. O término se deu após Rose constatar que o companheiro não se dava bem com seus dois filhos, o que dificultaria um possível casamento.
Em meados de janeiro/2006, o noivo e empresário divulgou, através de seu e-mail, fotos e vídeos íntimos da jornalista. Em entrevista ao G1 – GLOBO, Rose Leonel contou também que descobriu a intenção do ex-namorado através do e-mail dele:
“como eu ainda tinha a senha dele, acessava o e-mail quase todos os dias só pra ver como ele estava. Em um desses acessos descobri uma negociação com um técnico de informática, onde ele perguntava como deveria proceder para publicar fotos minhas e quanto custava. Depois de 15 dias de negociação, ele pagou R$ 1 mil em aparelhos, que facilitariam a publicação das fotos”.
Em 2010, 4 anos após seu caso ser amplamente divulgado, Rose teve a causa ganha na esfera cível. O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná condenou o empresário e ex- noivo a pagar à sua ex-esposa uma indenização arbitrada em R$ 30.000. De acordo com o Jornal Estadão, Rose impetrou recurso a fim de majorar a indenização, porém, sem êxito, a sentença o juiz a quo foi mantida e não houve majoração da indenização.
Na esfera penal, de acordo com o site JusBrasil, o empresário Eduardo Gonçalves Dias foi condenado a 1 ano, 11 meses e 20 dias de detenção por injúria e difamação, porém, a pena foi substituída pela prestação de serviços comunitários e o pagamento a vítima no valor de R$1,2 mil ao mês, pelo prazo correspondente à duração da pena de detenção. Após o incidente, em 2013, Rose fundou a ONG MARIAS DA INTERNET, que se dedica à orientação jurídica e apoio psicológico às vítimas da pornografia de vingança. Além disso, o PL. 5.555/13, que será analisado adiante, recebe seu nome.
Em outro caso, ocorrido em 2013 no município de Veranópolis/RS, uma adolescente de 16 anos cometeu suicídio após ter suas fotos íntimas divulgadas na internet. A hipótese levantada pela polícia é de que a imagem teria sido obtida através do webcam, na época em que a garota e o rapaz indicado como autor do ato delitivo mantinham um relacionamento.
Em entrevista ao Jornal da Globo (2013), o delegado que cuidou do caso informou que o ''rapaz teria divulgado as imagens, captadas, pelo Twitter e pelo Facebook no início da semana passada depois de terminar o relacionamento com a garota. Os dois eram colegas no segundo ano do ensino médio e terminaram o namoro há cerca de um mês. De acordo com as primeiras informações da polícia, a adolescente foi avisada por uma amiga sobre as fotografias e encontrada morta em casa poucas horas depois''. No mesmo dia, a adolescente publicou em uma das suas redes sociais a sua última frase: ‘’hoje mesmo acabo com isso, não vou servir de estorvo para ninguém’’.
Um terceiro caso, ocorrido, em 2016, na cidade de Recife, teve como vítima a garota Saori Teixeira, que tinha 12 anos na época dos fatos. O rapaz que divulgou seus vídeos e fotos íntimas tinha 17 anos. A vítima conta que quando chegou na escola, seus colegas a olhavam com uma expressão de ultraje, e ela, até então, não sabia o porquê dos olhares. Saori entendeu os olhares quando se deparou com suas fotos pregadas na parede da escola, além de vários colegas com seus vídeos e fotos íntimas em seus aparelhos telefônicos.
Em entrevista ao Jornal Época, a vítima relata: ''Eram retratos íntimos, que havia compartilhado ao confiar em um garoto com quem tinha se envolvido. Ela tinha 12 anos. Não demorou muito para que fosse chamada à diretoria, com seus pais, acionados pela escola. ''Fui expulsa e apanhei muito dos meus pais, que são religiosos.''
Os casos destacados ilustram que a prática da pornografia de revanche, tratada atualmente como modalidade de injúria ou difamação, apresenta elementos específicos – como a questão de gênero – que demanda enquadramento específico. Há projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional que têm o objetivo de tratar de maneira específica a conduta que, hoje, é enquadrada nos crimes contra a honra previstos no Código Penal. Para analisarmos em que medida esses projetos representariam um avanço ou não em relação à tutela genérica, é necessário verificarmos, antes, o que se entende como princípio da proteção eficiente no Direito, já que é esse princípio que constituirá paradigma de análise.
3. O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO EFICIENTE NO DIREITO
A presente pesquisa pretende demonstrar que a atual ausência de enquadramento normativo para a pornografia de revanche viola o princípio jurídico da proibição à proteção deficiente. Para confirmar essa hipótese, é necessário, antes de mais nada, analisar a incidência do princípio da proteção eficiente no Direito.
O princípio da proteção eficiente está diretamente relacionado ao princípio da proporcionalidade, que apresenta dois aspectos: um aspecto negativo e outro aspecto positivo. O pressuposto negativo, que é o mais frequentemente estudado, determina que as restrições aos direitos fundamentais devem ser proporcionais, adequadas e necessárias. Já o aspecto positivo exige do Estado uma proteção eficiente que garanta a tutela dos direitos fundamentais. De acordo com José Afonso da Silva (2014, p. 300), é essa segunda dimensão que é denominada comumente pela doutrina como princípio da proibição de proteção deficiente.
Ainda sobre o tema, Eduardo Gonçalves, citando Ingo Sarlet, aduz que:
"A noção de proporcionalidade não se esgota na categoria da proibição de excesso, já que abrange, (...), um dever de proteção por parte do Estado, inclusive quanto a agressões contra direitos fundamentais provenientes de terceiros, de tal sorte que se está diante de dimensões que reclamam maior densificação, notadamente no que diz com os desdobramentos da assim chamada proibição de insuficiência no campo jurídico-penal e, por conseguinte, na esfera da política criminal, onde encontramos um elenco significativo de exemplos a serem explorados."(Sarlet, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre a proibição de excesso e de insuficiência. (Eduardo Gonçalves apoud Ingo Sarlet, 2005, p. 107.) (grifo nosso)
Assim, o princípio da proibição de proteção deficiente demanda do Estado uma conduta positiva na busca de uma proteção eficiente dos direitos fundamentais. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Habeas Corpus 102.087, que tinha como relator o Ministro Gilmar Mendes, fez menção ao aspecto positivo do princípio da proporcionalidade, aduzindo que:
Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), como também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote). (HABEAS CORPUS 102.087 MINAS GERAIS) (grifo nosso)
Ainda, o jurista Luiz Flávio Gomes, em artigo publicado on-line acerca do referido princípio, aduz que:
“Por força do princípio da proibição de proteção deficiente nem a lei nem o Estado pode apresentar insuficiência em relação à tutela dos direitos fundamentais, ou seja, ele cria um dever de proteção para o Estado (ou seja: para o legislador e para o juiz) que não pode abrir mão dos mecanismos de tutela, incluindo-se os de natureza penal, para assegurar a proteção de um direito fundamental1 ”. (GOMES, 2009)
Da análise das citações trazidas, podemos compreender o princípio em comento como sendo um instrumento pelo qual, no papel do garantismo positivo, tem o Estado um poder-dever de atuar frente a violações aos direitos humanos, e essa atuação demanda uma conduta positiva do Estado frente aos indivíduos que tiveram algum de seus direitos fundamentais violados. A atuação positiva do Estado pode se concretizar por via legislativa, inclusive na esfera penal, na construção de tipos mais específicos e adequados para a tutela de determinada situação, no caso, a tutela adequada da pornografia de revanche para compreendê-la como desdobramento da vulnerabilidade de gênero.
Ainda sobre o princípio, analisando-se a jurisprudência pátria, foi identificado um caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA), com uso do princípio da proibição a proteção deficiente, sendo uma apelação interposta pelo Estado da Bahia contra sentença que julgou procedente o pedido da ação civil pública, determinando que o Município de Salvador fornecesse à criança M.S.A o suplemento alimentar essencial de que o mesmo necessitava. De acordo com o município, apelante na demanda, não seria de sua responsabilidade fornecer ou custear medicamentos que estejam fora da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME).
Entretanto, contrariamente ao entendimento do município, o TJBA, em sua decisão, fez menção ao princípio da proibição da proteção deficiente frente ao direito fundamental à saúde:
APELAÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CRIANÇA SUBMETIDA A TRATAMENTO DE RADIO E QUIMIOTERAPIA. NECESSIDADE DE FORNECIMENTO DE SUPLEMENTO ALIMENTAR ESPECIAL (FORTICARE) PARA A MELHORIA DO QUADRO CLÍNICO. DEVER DO MUNICÍPIO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES POLÍTICOS. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. APELAÇÃO
IMPROVIDA. 1. A lógica da responsabilidade solidária é exatamente possibilitar que o autor demande de qualquer um dos corresponsáveis pelo cumprimento da obrigação, isoladamente e por todo o objeto vindicado. Assim, como no âmbito do SUS a União, os Estados e os Municípios são responsáveis solidários, não há que se falar na impossibilidade de cumprimento do comando judicial por parte do apelante, não podendo o jurisdicionado ficar à mercê da divisão interna de atribuições feita pelos entes políticos de acordo com os seus próprios critérios. 2. A proteção do direito à saúde deve ser abordada de forma ampla, pois de nada adianta garanti-lo sem que, ao mesmo tempo, seja promovida a sua rápida efetivação, nos moldes do que se convencionou chamar de princípio da proibição de proteção deficiente (Untermassverbot). 3. Assim, constatada nos autos a necessidade de fornecer ao menor o suplemento alimentar especial (Forticare) sob risco de agravamento de sua condição clínica, independentemente de se tratar de "medicamento" em termos técnicos ou de integrar a listagem oficial, cabe ao apelante providenciar todos os instrumentos necessários para que cumpra com o seu dever de prestar assistência integral à saúde dos cidadãos; caso contrário, estar-se-ia violando o próprio contrato social que legitima a existência do Estado. 4. Apelação improvida. (Classe: Apelação,Número do Processo: 0506504- 59.2014.8.05.0001, Relator (a): Maurício Kertzman Szporer, Segunda Câmara Cível, Publicado em: 25/10/2016 ) (TJ-BA - APL: 05065045920148050001,
Relator: Maurício Kertzman Szporer, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 25/10/2016) (grifo nosso)
Nota-se, portanto, que a proibição de proteção deficiente vem sendo aplicada na doutrina e jurisprudência pátria. Com base nos mesmos fundamentos, vislumbra-se a necessidade de aplicação do referido princípio às hipóteses de pornografia de vingança, exigindo-se do Estado-Legislador uma conduta positiva na busca de uma tutela eficaz aos indivíduos que são lesados por afronta aos seus direitos básicos e fundamentais, tutela essa que se dará, de início, com a tipificação específica da conduta.
Como estudo de caso pertinente, indica-se o caso da Lei Maria da Penha, já que se trata de um exemplo de legislação específica que, de forma adequada, ampliou o espectro de proteção às mulheres ao reconhecer que os casos de violência doméstica estão frequentemente relacionados à uma questão de desigualdade e discriminação de gênero
3.1 O caso da Lei Maria da Penha
A aprovação da Lei Maria da Penha oferece interessante estudo de caso que ratifica as conclusões feitas sobre o princípio da proibição deficiente e sua atuação quando da criação de uma lei específica.
A Lei 11.340/06 recebeu o nome de Lei Maria da Penha em homenagem à biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes. Maria da penha sofreu dupla tentativa de homicídio por parte de seu até então marido, sofreu uma tentativa enquanto dormir, quando seu marido atirou contra suas costas, causando-lhe paraplegia irreversível. Após essa tentativa, seu marido tentou eletrocutá-la no banho. De acordo com o site Compromisso e Atitude (referência), foram mais de 15 anos esperando uma decisão definitiva no processo e o agressor permanecia em liberdade.
Diante dessa omissão, Maria da Penha, junto com o CEJIL-BRASIL (Centro para Justiça e o Direito Internacional) e o CLADEM-BRASIL (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) enviaram o caso à CIDH/OEA (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos) que, em 2001, responsabilizou o Estado por omissão, negligência e tolerância.
Como se observa, referida lei foi criada como forma de proteção específica às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, após um caso de omissão do Estado frente a essas situações. Antes de ser criada, os casos de violência contra a mulher eram enquadrados como crimes de menor potencial ofensivo e seu julgamento ficavam a cargo dos Juizados Especiais, que não tinham o condão de tutelar de forma eficaz os crimes de violência doméstica e familiar, como comprovado no caso da vítima Maria da Penha.
Foi necessária, assim, a criação de uma lei específica, com majorantes próprias e situações intrínsecas ao contexto da proteção as mulheres em situações de vulnerabilidade para que a tutela dos direitos das mulheres fosse garantida. De acordo com Thiago Andre Pierobom Ávila:
A lei, respaldada por forte movimento social de defesa dos direitos da mulher, é bem-vinda, pois reflete a necessidade premente de repensar as relações de gênero como uma relação construída sobre uma cultura secular de poder simbólico de dominação machista, cuja perversa marca tem sido a violência doméstica. Segundo estudo do IBGE, do final da década de 80, 63% das agressões físicas sofridas por mulheres são cometidas dentro de casa por pessoas com afinidade pessoal e afetiva [01]. Segundo estudo da fundação Perseu Abramo, a cada minuto quatro mulheres são agredidas no Brasil [02]. Uma sociedade justa e democrática apenas pode ser construída com superação destas desigualdades fáticas, mediante políticas públicas que assegurem o pleno desenvolvimento da potencialidade humana de todos, independente de gênero, idade, raça e credo. (ÁVILA, 2007, p. 01)
O contexto social em que as mulheres se encontram, com violações frequentes e cotidianas aos seus direitos fundamentais, foi crucial para a criação de uma tutela específica, a fim de proporcionar maior segurança jurídica, bem como de atuação do Estado com base no princípio da proporcionalidade em sua vertente positiva, qual seja, a proibição a proteção deficiente.
O Instituto de Pesquisa Econômica (IPEA) realizou em 2015 um levantamento sobe o impacto da Lei Maria da Penha nas taxas de homicídio de mulheres. O referido levantamento feito pelo IPEA mostrou que desde a criação da lei, em 2006, os homicídios contra as mulheres caíram em 10%. A redução da violência é o primeiro passo em busca da igualdade de gênero, portanto, é certo que a lei tem cumprido sua finalidade na proteção às mulheres.
Dessa forma, nota-se que a Lei Maria da Penha tem cumprido seu propósito na luta contra a violência doméstica e familiar em suas diversas vertentes, sendo que sua criação se deu através de um ato positivo do Estado em busca de salvaguardar os direitos fundamentais inerentes a todas as mulheres, e essa atuação do Estado pode ser relacionada ao princípio da proibição da proteção deficiente.
3.2. Pornografia de Vingança, questões de gênero e proibição da proteção deficiente
Quanto à pornografia de revanche, sabe-se que a mesma, hoje, não possui tutela específica. Do contrário, é enquadrada nos crimes contra a honra, que por sua vez, tendo em vista a gravidade do ato de divulgar material gráfico íntimo de outrem sem sua autorização, não é capaz de dar a vítima a segurança jurídica que a mesma espera. A tutela geral dos crimes contra a honra também não consegue tratar adequadamente as questões de gênero que estão associadas à pornografia de revanche.
Segundo dados da ONG SAFERNET (2016), apenas em 2016 foram recebidas mais de 300 denúncias referente à conduta da pornografia de revanche. Após a exposição na internet, as vítimas são submetidas a diversas situações vexatórias, desde piadas a agressões físicas. De acordo com o site CONJUR, ao julgar um caso envolvendo a pornografia de vingança, a Ministra Nancy Andrighi, da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ressaltou que: “Não são raras as ocorrências de suicídio ou de depressão severa em mulheres jovens e adultas, no Brasil e no mundo, após serem vítimas dessa prática violenta”.
Os danos causados às vítimas são de difícil mensuração, já que extrapolam a mera esfera patrimonial: as vítimas experimentam danos psicológicos que apresentam contornos subjetivos em cada caso concreto. Exatamente em razão dessa complexidade, a proteção jurídica a ser oferecida pelo direito deve levar em consideração os aspectos subjetivos envolvidos para oferecer proteção suficiente e tais aspectos subjetivos devem levar em consideração a discriminação de gênero em sua análise.
A jornalista Rose Leonel (2015), vítima da pornografia de vingança em 2006, contou um pouco sobre os danos emocionais, psicológicos e patrimoniais advindos da prática. Segundo a jornalista:
"Foi a partir daí que o pesadelo começou. Ele disse que não tinha medo da Justiça e além de publicar minhas fotos, informava que eu era garota de programa e ainda divulgou o telefone da minha casa, do meu trabalho e o celular do meu filho. Eu comecei a receber ligações do Brasil inteiro perguntando 'se eu estava disponível', me senti muito mal, decepcionada, não tenho nem palavras pra descrever os péssimos momentos que passei (...) além de me sentir excluída da sociedade, perdi amigos, emprego e pedi para que o filho mais velho fosse morar em outro país junto com o pai para que ele se afastasse dos boatos’’, relatou.
No caso de Rose, somente depois de 4 (quatro) da ocorrência do fato o agressor foi devidamente condenando, demora que acabou gerando maior aflição à vítima, que já se encontrava emocionalmente abalada e buscava no Poder Judiciário o primeiro passo para a sua proteção, qual seja, a punição do agressor.
Nota-se que a ausência de uma norma regulamentadora específica quando se trata da pornografia de vingança obsta uma tutela mais eficiente às vítimas e a punição dos agentes que praticam a referida conduta. A forma como hoje a conduta da pornografia de revanche é tutelada não tem sido suficiente para a repressão efetiva de quem a prática, nem mesmo para a proteção da vítima.
Portanto, pela gravidade da conduta e da mesma forma que se considerou o contexto social em que as mulheres estão inseridas para a criação da Lei Maria da Penha, entende-se que deve ser considerado o contexto social em que a prática da pornografia de vingança se realiza, levando em consideração que as vítimas em sua maioria são mulheres.
O tratamento diferenciado que a lei deve conferir à mulher, assim como ocorre na Lei Maria da Penha, deve-se ao fato de que existe uma sociedade estruturada em enxergar o homem exercendo poder sob a mulher, o que denota a desigualdade de gênero, não só em âmbito doméstico, mas repercutindo em todos os papéis que a mulher deveria ter o direito de exercer sem ser questionada. Nesse sentido:
Existe um papel social artificialmente atribuído à mulher, caracterizado pela subordinação familiar, não-independência econômica, de ser a responsável pelas atividades de casa e criação dos filhos enquanto o homem é o responsável pelo sustento, de ser a responsável pela manutenção da unidade familiar, de lealdade ao "chefe do lar" mesmo nas dificuldades (leia-se agressão), de ausência de voz ativa na gestão da família, de necessidade de manter o matrimônio a qualquer custo sob pena de se tornar uma pecadora, de aceitação da violência como um problema normal de casal e sua denúncia como atitude desleal, afora os mitos construídos de que "mulher gosta de apanhar" ou que "é necessário domar a mulher"(ÁVILA, 2007, p.02)
A desigualdade de gênero, a partir da cultura patriarcal, atribui a mulher papéis únicos e preestabelecidos, os quais pregam que ‘’a mulher nasceu para fazer’’, como a responsabilidade de cuidar dos filhos, a responsabilidade de cuidar da casa, a responsabilidade de cuidar do marido. São responsabilidades que, hoje, o feminismo busca incumbir tanto ao homem, quanto a mulher. Busca o feminismo e os movimentos sociais em prol da mulher, retirar da mesma o papel de ser submissa, passando a ter a liberdade de exercer seu papel na sociedade da forma que optar, seja como mãe, seja como esposa, seja se qualificando para o mercado de trabalho. O papel que ela optar por exercer deve ser respeitado.
Assim, a desigualdade de gênero e a cultura patriarcal, tentam ditar o que é ou não aceitável vindo do comportamento feminino. Nesse sentido, ao se expor intimamente para outrem, ainda que seja movido por um laço de confiança em um relacionamento, não é aceito para a mulher, vide os casos concretos aqui já expostos, os quais as vítimas lidam com os olhares de desprezo e julgamento, mas, o homem, aquele que divulga o material íntimo sem autorização, é livre dos julgamentos sociais morais, pois é visto como apenas um reprodutor do que seria o ‘’erro’’ de uma mulher.
Ainda no julgamento envolvendo a Pornografia de Vingança, a Ministra Nancy Andrighi, da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, classificou como violência de gênero a exposição pornográfica não consentida. O pronunciamento se deu durante o julgamento de recurso do Google num caso envolvendo uma adolescente que teve fotos íntimas vazadas, depois que o cartão de memória do seu celular foi furtado. De acordo com Nancy:
"A 'exposição pornográfica não consentida', da qual a 'pornografia de vingança' é uma espécie, constitui uma grave lesão aos direitos de personalidade da pessoa exposta indevidamente, além de configurar uma grave forma de violência de gênero que deve ser combatida de forma contundente pelos meios jurídicos disponíveis", afirmou
Apesar de as mulheres não serem as únicas vítimas da Pornografia de Vingança, dados da ONG SAFERNET confirmam que 81% das vítimas da referida prática são mulheres, prevalecendo o pronunciamento feito pela Ministra Nancy, de que se trata de uma grave forma de violência de gênero.
Por todo o exposto, faz-se necessário a criação de legislação específica, a fim de garantir as vítimas da conduta supracitada, uma proteção eficiente frente a violação de um direito fundamental, qual seja, o direito a intimidade e vida privada, e uma segurança jurídica maior, pois, sabendo que existe um enquadramento específico para seu direito violado, a vítima tende a se sentir segura frente a punição do agente pelo Estado. E se espera, igualmente como foi com a Lei Maria da Penha, a redução da prática da pornografia de vingança.
4. TUTELA ESPECÍFICA DA PORNOGRAFIA DE REVANCHE: PROJETOS DE LEI EM DISCUSSÃO NO CONGRESSO NACIONAL E CASOS NO DIREITO COMPARADO
Nesta seção, serão analisadas as propostas de tutela específica da pornografia de revanche a partir de dois enquadramentos: primeiro, serão expostos os projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional que pretendem tratar de forma específica a conduta. Em seguida, serão apresentados casos paradigmáticos do direito comparado.
4.1 Projeto de Lei 5.555 de maio de 2013
De autoria do então Deputado Federal João Arruda (PMDB/PR), o referido projeto de lei altera a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) e Código Penal (Decreto Lei 2.848/40), para incluir a prática da denominada Pornografia de Vingança como uma forma de violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como para incluir um tipo penal novo com penas mais rigorosas para o agente que praticar a referida conduta.
A ementa do referido projeto, possui a seguinte redação:
Inclui a comunicação no rol de direitos assegurados à mulher pela Lei Maria da Penha, bem como reconhece que a violação da sua intimidade consiste em uma das formas de violência doméstica e familiar; tipifica a exposição pública da intimidade sexual; e altera a Lei n° 11.340 de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e o Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). (Brasil, 2013).
O Projeto de Lei 5.555/13 visa incluir ao art. 7º da lei 11.340, o inciso IV com a seguinte redação:
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
VI – violação da sua intimidade, entendida como a divulgação por meio da Internet, ou em qualquer outro 2 meio de propagação da informação, sem o seu expresso consentimento, de imagens, informações, dados pessoais, vídeos, áudios, montagens ou fotocomposições da mulher, obtidos no âmbito de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. (BRASIL, 2013).
Nota-se que a conduta descrita pelo dispositivo destacado tipifica a prática denominada de Pornografia de Vingança que hoje, no Brasil, não possui legislação específica, sendo a conduta enquadrada nos crimes contra a honra previstos no Código Penal.
Quanto a modificação no Código Penal, o referido Projeto de Lei visa incluir os artigos 216 – B e 216 – C, com a seguinte redação:
Registro não autorizado da intimidade sexual
Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo. (Brasil, 2013).
Divulgação não autorizada da intimidade sexual
Art. 216 - C. Disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar, divulgar ou exibir, por qualquer meio, fotografia, vídeo, áudio ou outro registro contendo cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§1º A pena é aumentada de I/3 (um terço) até a metade se o crime é cometido: I -por motivo torpe;
II - contra pessoa que, no momento do registro do conteúdo de que trata o caput, não podia oferecer resistência ou não tinha o necessário discernimento; III - contra pessoa com deficiência;
IV - com violência contra a mulher, na forma da lei específica;
V - por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exerce- las;
VI - por quem teve acesso ao conteúdo no exercício de profissão, emprego ou atividade ou por quem deva manter o conteúdo em segredo.
§2º Na mesma pena incorre quem permite ou facilita, por qualquer meio, o acesso de pessoa não autorizada ao conteúdo de que trata o caput. (Brasil, 2013). (grifo nosso)
Verifica-se que, quando se trata da divulgação não autorizada da intimidade sexual, o que chamamos de pornografia de vingança, o projeto de lei apresenta pena mais rigorosa ao que recebe hoje o agente. Enquanto a pena trazida pelo Projeto de Lei é de reclusão de 2 a 4 anos, com majorantes específicas e importantes dentro do contexto da violência de gênero e da pornografia de revanche, a injúria e a difamação possuem penas inferiores à prevista no Projeto de Lei, bem como não abarcam situações voltadas para a questão de gênero que deve ser observada nos casos de Pornografia de Vingança. Veja-se os artigos 139 e 149 do Código Penal de 1940:
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. (grifo nosso)
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena - reclusão de um a três anos e multa. (grifo nosso)
Assim, é possível notar que, quanto à tentativa de punição do agente que pratica a pornografia de vingança, o Projeto de Lei 5.555/13 tende a ser mais eficiente, não apenas pelas penas mais rigorosas, mas também por prever de maneira clara antijuridicidade da Pornografia de Vingança, bem como por trazer causas específicas do aumento de pena, com previsões de situações próprias da conduta de divulgação não consensual.
Tratando de maneira própria a pornografia de revanche, teremos uma conduta positiva do Estado, como forma de resguardar os direitos fundamentais à vida íntima e privada da vítima, que como visto, é frequentemente mulher. Nessa conduta positiva, o Estado passa a superar a proteção deficiente, proporcionando as vítimas maior segurança jurídica, ao ver seu caso sendo tratado de maneira objetiva e clara.
Ainda, a redação do Projeto de Lei em comento inclui, ainda, ao art. 22 o §5º, que a passa a disciplinar:
Art.22.
§5º Na hipótese de aplicação do inciso VI do artigo 7º desta Lei, o juiz ordenará ao provedor de serviço de e-mail, perfil de rede social, de hospedagem de site, de hospedagem de blog, de telefonia móvel ou qualquer outro prestador do serviço de propagação de informação, que remova, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, o conteúdo que viola a intimidade da mulher. (BRASIL, 2013).
Além da punição ao agente que divulga material íntimo sem consentimento da outra parte, o projeto de lei visa responsabilizar também o provedor de serviço da internet. Assim, atribuiu ao provedor de e-mail, site, redes sociais, em que as imagens ou vídeos íntimos foram divulgados a obrigação de, após identificado o material, retirá-lo do ar dentro do prazo máximo de 24 horas. Após a identificação do agente e do material exposto, tal medida torna-se necessária, em vista de uma maior proteção a vítima
A Lei do Marco Civil – Lei 12.965, prevê também, em seu artigo 21, a responsabilização do provedor de internet. Porém, tal responsabilização é subsidiária e, o prazo para retirada do material exposto sem autorização é discricionário, devendo o mesmo ser disposto na notificação feita ao provedor. Veja - se:
Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.
Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido.
Pela leitura do referido artigo comparado com o artigo do Projeto de Lei em análise, é possível vislumbrar que a redação do Projeto de Lei é mais precisa e segura por garantir que, após a identificação do agente e do provedor de internet, o conteúdo deverá ser retirado em no máximo 24 horas.
Por fim, interessante redação se encontra na justificativa do Projeto de Lei 5.555/13, a qual aduz que:
Entretanto, há uma dimensão da violência doméstica contra a mulher que ainda não foi abordada por nenhuma política pública ou legislação, que é a violação da intimidade da mulher na forma da divulgação na Internet de vídeos, áudios, imagens, dados e informações pessoais da mulher sem o seu expresso consentimento. Essa conduta é praticada por cônjuges ou ex-cônjuges que se valem da condição de coabitação ou de hospitalidade para obter tais registros, divulgando-os em redes sociais como forma de constrangimento à mulher. Esse tipo de violência se torna progressivamente mais danoso quanto mais disseminado e universalizado, do ponto de vista social e geográfico, está o acesso à Internet no Brasil. (BRASIL, 2013).
Assim, pela justificativa do projeto de lei, conclui-se que ele já parte da premissa de que a pornografia de revanche constitui um desdobramento da discriminação de gênero, razão pela qual sugere a alteração da Lei Maria da Penha para incluir mais essa violência que apresenta como vítima frequente a mulher.
4.2. Projeto de Lei nº6.630 de outubro de 2013
De autoria do Deputado Federal Romário (PSB/RJ), o referido projeto de lei, diferente do Projeto de Lei 5.555/13, visa criar um tipo penal novo, com a possibilidade de modificar, assim, o Decreto Lei 848/40 (Código Penal).
A ementa do projeto apresenta a seguinte descrição: “acrescenta artigo ao Código Penal, tipificando a conduta de divulgar fotos ou vídeos com cena de nudez ou ato sexual sem autorização da vítima e dá outras providências” (referência).
Em 2017, o PL 6.630/13 foi declarado prejudicado em face da aprovação do Substitutivo adotado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania ao PL 5.555/2013, principal. Porém, a análise do referido projeto ainda se faz necessária para que se possa entender a necessidade de uma norma específica quando o assunto é Pornografia de Vingança.
O PL 6.630/13 propõe que seja acrescido ao Código Penal o art.216-A, no título VI que trata dos Crimes Contra a Dignidade Sexual, passando a prever o novo tipo penal, denominado como ‘’Divulgação Indevida de Material Íntimo’’.
O caput do referido projeto possui a seguinte redação:
Art. 216-B. Divulgar, por qualquer meio, fotografia, imagem, som, vídeo ou qualquer outro material, contendo cena de nudez, ato sexual ou obsceno sem autorização da vítima.
Pena – detenção, de um a três anos, e multa. (BRASIL, 2013).
Nota-se que a descrição do que seria então um novo tipo penal, traz consigo a definição do que se denomina Pornografia de Vingança, que nada mais é, de acordo com Danielle Citron e Mary Anne Franks, citados por Spencer Toth e Ana Lara Camargos (2017, p. 28), a ‘’revenge porn’’ pode ser definida como sendo ‘’[...] a exposição pornográfica não consentida é, em outras palavras, a disseminação não autorizada de imagem ounudez total, parcial ou em ato sexual [...]’’.
Trazendo em seu texto a previsão exata da Pornografia de Vingança, o novo tipo penal também traz consigo a possibilidade de uma tutela mais eficiente, visto que a especificidade da norma penal ajuda na atuação tanto da prevenção geral quanto da prevenção especial. Além disso, o enquadramento de uma conduta a uma norma penal específica, se amoldando aquela conduta por completo à norma, traz consigo uma segurança jurídica maior, ao levarmos em conta que as vítimas da pornografia de revanche terão a possibilidade de enxergar seu caso com uma tutela específica, não mais como apenas um crime contra a honra. Pelo caput do referido projeto, a pena aplicada quando se tratar da Pornografia de Vingança também é maior do que aquela aplicada nos crimes contra a honra, como já analisado anteriormente, quando da análise do PL. 5.555/2013.
O §1º do PL 6.630/13 aduz que: ‘’Está sujeito à mesma pena quem realiza montagens ou qualquer artifício com imagens de pessoas’’. Assim, nota-se que não apenas quem divulga material íntimo sem consentimento incorreria em sanção penal, mas também quem faz montagens de cunho íntimo e vexatório com imagens de pessoas também estaria sujeito a sanção penal.
Importante redação possui o § 2º do PL ora analisado. Ao prever as majorantes do que seria denominado como ‘’Divulgação Indevida de Material Íntimo’’, o novo tipo penal traria consigo importantes especificidades. Veja-se:
§2º A pena é aumentada de um terço se o crime é cometido: I - com o fim de vingança ou humilhação;
II – por agente que era cônjuge, companheiro, noivo, namorado ou manteve relacionamento amoroso com a vítima com ou sem habitualidade; (BRASIL, 2013).
O inciso I traz uma das características encontradas no conceito de Pornografia de Vingança, qual seja, se o crime é cometido com o fim de vingança ou humilhação. Como já dito anteriormente, ao divulgar qualquer material gráfico de cunho íntimo sem o consentimento da outra parte, fica evidente a configuração da Pornografia de Revanche.
O inciso II, por sua vez, majora a pena se o agente causador do dano tenha tido algum relacionamento amoroso com a vítima, seja com ou sem habitualidade. Nesse caso, cumpre ressaltar que, de acordo com a ONG SAFERNET (2016) a pornografia de vingança é cometida, em sua maioria, por ex-parceiros que, não satisfeitos com o fim do relacionamento, decidem expor a vítima como forma de vingança ou humilhação.
O parágrafo terceiro prevê o aumento de pena em razão de a vítima ser menor de 18 anos ou pessoa com deficiência.
§3º A pena é aumentada da metade se o crime é cometido contra vítima menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa com deficiência.
Interessante redação, ainda, se encontra no art. 3º do PL. 6.630/13, o qual aduz que:
Art. 3º O agente fica sujeito a indenizar a vítima por todas as despesas decorrentes de mudança de domicílio, de instituição de ensino, tratamentos médicos e psicológicos e perda de emprego. (BRASIL, 2013)
A responsabilização civil do agente causador do ano torna-se necessária, condenando este a arcar com os prejuízos de cunho financeiro advindos da conduta de expor uma pessoa sem seu consentimento. Além disso, a garantia de indenização material advinda da violação da intimidade de uma pessoa, é garantia fundamental prevista no art. 5º, X da Constituição Federal, que assim disciplina:
São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
É difícil aferir os danos advindos da conduta de expor intimamente alguém sem seu consentimento. Tais danos não causam prejuízo apenas a vítima, envolvem também sua família, amigos próximos, contexto profissional e social e sua perspectiva de futuro. Assim, penalizar o agente causador do dano, inclusive quanto a questões de cunho econômico, é um avanço na busca de uma penalização efetiva a pratica da pornografia de vingança.
4.3. A tutela da pornografia de revanche no Direito Comparado
A pornografia de vingança pode ser associada com o avanço tecnológico que se faz presente em diversos povos. Ainda com a proliferação dos smarthphones, a disseminação de qualquer conteúdo se torna mais fácil. Assim, com o intuito de tutelar de maneira mais eficaz a ação denominada como pornografia de vingança, alguns países passaram a ter leis específicas para tentar combater a prática referida.
Na Dinamarca há legislação específica quando o assunto é ‘’revenge porn’’. Até 2017, a conduta era punida com apenas 6 meses de prisão. Porém, o Governo Dinamarquês, através dos Ministros da Justiça, apresentou projeto de lei com o intuito de endurecer a pena do agente que prática a conduta referida e de direcionar a vítima aos procedimentos que deve seguir. O Projeto de Lei, foi aprovado na Dinamarca, e agora a punição passa a ser de até 2 anos de prisão.
O referido projeto do governo dinarmaquês, apresentado pelos ministros da Justiça, da Igualdade de Gênero e da Educação, busca informar as vítimas sobre o procedimento que devem seguir quando apresentam denúncias.
Já o Reino Unido sancionou uma lei específica para os casos da pornografia de vingança. Em 2015, a Rainha Elizabeth II assinou a lei que proibe a divulgação de conteúdo íntimo por qualquer meio, sem o consentimento da outra parte e como forma de denegrir sua imagem. Quem pratica a referida conduta, agora, incorre nas penas de multa e até dois anos de reclusão.
De acordo com o Jornal Estadão (2016), na Inglaterra e em Wales, foram protocoladas 149 denúncias de pornografia de vingança entre janeiro de 2012 e julho de 2014, sendo que apenas seis tiveram resposta policial. A maioria das vítimas era mulheres.
4.4 Os projetos de lei em trâmite no Congresso cumprem com o princípio da proteção eficiente?
Da análise dos Projetos ora apresentados e traçando um paralelo com as legislações estrangeiras indicadas, verifica-se que a aprovação do Projeto de Lei 5.555/13 é o primeiro passo na prevenção e repressão efetiva da pornografia de vingança, conduta que fere um dos direitos fundamentais consagrados em nossa Constituição Federal, qual seja, o direito a intimidade e vida privada.
Ao ferir um preceito básico fundamental, a vítima tem a necessidade de ver o agressor efetivamente punido, como uma forma de alívio emocional. Porém, sem uma lei específica, ainda não há uma punição efetiva do agente, visto que a pornografia de vingança, como já dito, é tratada como um crime contra honra, mais especificamente, nas modalidades difamação e injúria que possuem pena inferior a prevista no projeto de lei já detalhado anteriormente.
A pena imposta presente no projeto de lei, como visto, excede aquela prevista atualmente nos crimes contra a honra, tipos genéricos nos quais a pornografia de revanche é hoje enquadrada.
Além disso, o projeto de lei traz, ainda, causas de aumento de pena significativas ao contexto da pornografia de vingança. Uma dessas causas volta-se a mulher, em contexto de violência, conforme se infere do §1º, IV do Projeto de Lei em comento. Tal causa de aumento não é prevista nos Crimes Contra a Honra, já se denota uma maior preocupação com a mulher e o contexto em que ela é inserida.
Quanto ao Projeto de Lei 6.630/13, o mesmo traz importantes causas de aumento de pena, inclusive com a atenção especial a mulher, ao prever, por exemplo, no seu art. 2º que a pena será aumentada em pôr agente que era cônjuge, companheiro, noivo, namorado ou manteve relacionamento amoroso com a vítima com ou sem habitualidade. Tal causa de aumento de pena denota uma real preocupação com a questão do gênero.
Ainda quanto ao PL. 6.630/13, já estudado detalhadamente, em seu art. 3º, prevê a obrigação do agente de indenizar a vítima por todas as despesas decorrentes de mudança de domicílio, de instituições de ensino e de tratamentos médicos e psicológicos. Nota-se, assim, uma real preocupação da vítima e com os danos causados a mesma.
Ademais, tratando de maneira singular a prática da exposição pornográfica não consentida, tem-se a real possibilidade de uma tutela preventiva, partindo do pressuposto de que existe uma norma regulamentadora tutelando situações específicas, capazes de se amoldar de forma mais precisa nas condutas que hoje são tidas como atípicas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A necessidade de norma jurídica específica em busca da prevenção e repressão da pornografia de vingança se dá em razão da gravidade da violação a um direito fundamental, qual seja, o direito a vida a intimidade e vida privada.
A Constituição Federal declara, em seu artigo 5º, X, a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas. De acordo com José Afonso da Silva (2014, p. 208), o direito à privacidade tem sido entendido de modo amplo, englobando todos os elementos previstos no artigo e inciso supracitado. Assim, o direito à privacidade e, de forma mais específica, o direito à vida privada, trata-se de uma tutela inalienável, é o lugar onde o indivíduo vive sua liberdade na maneira que se sentir confortável. Ainda de acordo com o professor José Afonso da Silva (2014, p. 210), a vida privada significa o direito do indivíduo de ser e viver a própria vida, relacionando-se com quem bem entender
Dentro desse conceito de vida privada, é possível vislumbrar que a Pornografia de Vingança se enquadra como uma violação do direito à privacidade, confrontando diretamente preceito constitucional. Nesse sentido, frisa-se mais uma vez, a necessidade de uma norma específica reguladora, levando-se em conta a gravidade do direito violado.
A ausência de norma regulamentadora específica gera, de certa forma, uma insegurança jurídica, posto que não há nenhum tipo penal específico capaz de demonstrar que, ao violar um direito fundamental, o agressor será condenado de forma correta e eficaz. Com a aprovação de uma Lei específica, as vítimas poderão vislumbrar a importância do seu direito que foi violado, juntamente a isso a segurança jurídica nos casos da Pornografia de Vingança se tornaria evidente, posto que seus casos não mais seriam tratados como sendo, tão somente, um crime contra a honra.
Por fim, ao analisar os casos envolvendo a exposição pornográfica não consentida, tanto o Poder Judiciário como a sociedade, devem considerar o porquê de a imagem ter sido divulgada sem autorização e não os motivos pelos quais a vítima, outrora, se expôs para alguém. Nesse sentido, já se pronunciou o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, através do relator Desembargador Wagner Wilson Ferreira: ‘’o fato de a embargante ter tido vontade em se mostrar nua ao embargado pela internet não lhe diminui a moral, absolutamente. A sexualidade faz parte de qualquer tipo de relacionamento amoroso e não existe nada de
amoral ou indigno na conduta da autora, que lhe pudesse tornar uma pessoa moralmente menor”.
Não há justificativa para o ato de denegrir a imagem de alguém, nem mesmo de ferir um direito fundamental, a personalidade de uma pessoa não é formada pelo que ela faz em sua intimidade e vida privada, a vítima é apenas uma vítima, e o agente que traz a luz a os conteúdos sexualmente íntimo de uma pessoa sem o seu consentimento precisa, de fato, ser efetivamente punido.
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[1] Trabalho de conclusão apresentado ao programa de Graduação em Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.
Graduação em Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Natalia Alves. Pornografia de vingança no direito brasileiro: a ausência de norma específica e a proteção deficiente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 mar 2019, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52731/pornografia-de-vinganca-no-direito-brasileiro-a-ausencia-de-norma-especifica-e-a-protecao-deficiente. Acesso em: 23 dez 2024.
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