Resumo. Compreendendo a soberania popular como uma ordem de domínio legitimada pelo povo, o presente estudo pretende pontuá-la como um dos alicerces da atuação dos Poderes Públicos quando da implementação das políticas públicas- consideradas uma forma de exercício do poder- no Estado brasileiro, as quais buscam, sobretudo, mitigar ou até mesmo erradicar os problemas sociais determinados, identificados por meio das ações previamente especificadas nas políticas públicas.
Palavras-chave: Soberania popular. Políticas Públicas. Bem-estar-social. Justiça social.
Abstract: This paper aims to vindicate the popular supremacy as one of the foundations of the acting of public administration when implementing public policies in the Brazilian State, which seek to mitigate social inequalities, recognized through the actions previously specified in accurate public policies.
Key-word: Popular Supremacy. Public policies. Social Justice.
Sumário: 1. Introdução.2. Fundamento das políticas públicas. 3.Políticas públicas no Brasil. Conclusão. Referências.
A concepção de políticas públicas foi desenvolvida e aprimorada com o aparecimento do Estado social, preocupado em superar o antagonismo entre igualdade política e a desigualdade social e em atender necessidades de primeira ordem dos indivíduos. Este Estado, ciente do seu papel em promover o bem comum, em nada se assemelhava com o Estado Policial que o precedeu, cuja abstenção no trato das relações sociais era o seu predicado basilar.
De acordo BUCCI[1], as políticas públicas encontram sustentação nos direitos sociais, os quais se caracterizam, em síntese, em '' prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, possibilitando melhores condições de vida aos mais fracos [...]. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade''.[2] E na harmonia do corpo social que compõe o Estado, sendo esta a sustentação imediata das políticas públicas, segundo a autora.
Os direitos sociais e as políticas públicas concorrem, pois, pela busca da igualdade social, aqueles por meio de normas dedicadas a resguardar a melhoria da qualidade de vida dos hipossuficientes em todas as suas concepções, estas por meio de atividades estatais externadas por planos de ação ordenados para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados[3].
Assim sendo, por meio de um plano de ação sistemático voltado para a busca do bem comum as políticas públicas, enquanto uma forma de exercício do poder, se firmam como instrumentos postos à disposição dos Poderes Públicos para melhor atender à sociedade e para a concretização do bem comum. É o que COMPARATO[4] chama de governo das políticas que aprimora o governo das leis.
Refletindo acerca dos pilares de sustentação das políticas públicas e certo de que sua utilidade derradeira é a realização de fins socialmente relevantes, é neste contexto que se insere o questionamento acerca do princípio fundamentador que possibilita a implementação das políticas públicas pelos Poderes Públicos em prol da sociedade.
Ante um Estado democrático de direito experimentado pelo Brasil desde as últimas três décadas, no qual tudo deve ser feito em conformidade com a lei para que se dê validade às ações estatais e diante da forma Republicana de governo adotada, em que se repousa a concepção de que ‘’bem público é nada mais, nada menos que o bem-estar do povo, [...] superando a preponderância de uns poucos déspotas[5], o que legitima a discussão e a implementação das políticas públicas pelos governantes?
Nesta conjuntura, surge a soberania, cujo conceito inicial foi esboçado no século XVI, por Jean Bodin em sua obra Os seis livros da República, para quem ‘’ a soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma República’’[6].
Hoje a República deve ser compreendida como o Estado propriamente. A partir de sua obra, ‘’ soberania passa a significar, na linguagem política e jurídica, um poder absoluto, indivisível e inalienável’’[7] contrapondo-se à concepção de soberania dada pelo direito feudal, na qual o conceito estava intimamente ligado à pessoa do senhor feudal.
Aprimorando o conceito de soberania principiado por Bodin, Jean-Jacques Rousseau atribuiu a sua titularidade ao povo, disseminando a partir daí os ideais fundamentais das democracias modernas.
Em Rousseau, encontramos a concepção de que soberania se funda no exercício da vontade geral capaz de comandar as forças do Estado, possuindo como um de seus atributos a inalienabilidade e indivisibilidade. É inalienável, porque seu alicerce é nada menos do que a vontade geral. Indivisível por ser originária do ‘’corpo do povo’’, nas palavras do filósofo genebrino.
Das lições extraídas da obra ‘’ Do Contrato Social’’, Rousseau pontua que o governo soberano só se legitima quando persegue a consecução da vontade geral e por intermédio desta é que se pode dirigir as forças do Estado segundo o fim de sua instituição, o bem comum’’.[8]
Com efeito, a soberania idealizada por Rousseau é vocacionada a buscar, incessantemente, o bem comum, e o bem-estar social, na medida em que a vontade geral tende à igualdade e aos interesses comuns da sociedade. Diametralmente oposta a esta concepção, a vontade particular é cercada de preferências individuais e casuístas, aproximando-se das injustiças sociais.
Hodiernamente, a soberania popular é revestida da qualidade de fonte de todo e qualquer poder exercido pelo Estado, na medida em que o exercício deste poder só se justifica porque o povo assim aquiesceu. É a ordem de domínio validada pelo povo.
Sendo assim, a produção das políticas públicas é a representação, uma das facetas, de um poder ratificado pelo povo, com o fim de aprimorar as interações sociais em suas diversas ordens, maximizando a atuação do Estado em suas funções integradoras.
Tem-se, pois, que a soberania popular é a pedra de toque apta a nortear a atuação dos poderes públicos que, por meio das políticas públicas, são capazes de ir ao encontro da vontade coletiva sedenta, muitas vezes, de igualdade e melhorias nos diversos setores que a compõe.
Para Pierre Muller e Bruno Jobert, as políticas públicas ‘’têm como objeto específico o estudo de programas governamentais, particularmente suas condições de emergência, seus mecanismos de operação e seus prováveis impactos sobre a ordem social e econômica’’[9]
Segundo esses mesmos autores, responsáveis por desenvolverem as definições de políticas públicas atuais, não é adequado considerar o Estado como responsável isolado nesse processo de formulação e implantação das políticas públicas. A interação e o diálogo com os diversos setores sociais é crucial para a aprendizagem e para a formação de um arcabouço normativo e sistêmico capaz de suportar as demandas em investimentos, equipamentos e suportes sociais para a prestação dos serviços de infraestrutura.
Neste contexto, considerar os Governos, sobretudo o Federal, como protagonistas da estruturação e planejamento das políticas públicas para o bem-estar social em cooperação com a sociedade, é sintoma de uma democracia fortalecida e de um Estado comprometido com a Justiça Social, porque ’é uma sociedade constituída de indivíduos ativos, que designamos como sociedade democrática, entendendo, como tal, não sociedade que possui um regime político denominado de democrático, mas aquela sociedade organizada a partir de parâmetros instituídos por indivíduos participativos e incorporados em todas as instituições dinâmicas da mesma sociedade’’.[10].
Como desdobramento da premissa de que a participação popular importa para a formulação das políticas públicas, há uma explícita negação do Estado como autor único do seu processo de formulação, a despeito da concepção clássica de políticas públicas desenvolvida por Lasswell, para quem o Estado seria o ‘’autor homogêneo e unitário da execução das políticas públicas’’.[11]
Assim sendo, atribuindo aos indivíduos o direito de participar e influenciar na tomada de decisões dos governantes, buscamos nos aproximar do ideal democrático vislumbrado pelos grandes pensadores do direito, dentre eles BOBBIO[12], para quem a sociedade democrática é aquela que atribuiu a um elevado número de cidadãos o direito de participar direta ou indiretamente da tomada de decisões coletivas’’[13]. E de acordo com esse mesmo autor, o direito de participação deve estar alicerçado em normas fundamentais e procedimentos previamente definidos pela Lei Maior de um Estado.
As ideias e opiniões derivadas dos diversos setores sociais, sejam os representantes de organizações em prol da mulher, da comunidade indígena, população negra, da saúde, da defesa das Crianças e Adolescentes, dentre outros setores organizados, auxiliam na formulação de políticas públicas pluralistas, voltadas a transforar a realidade social de um país.
Imbuída deste espírito democrático, nossa Constituição Federal de 1988 forneceu os meios adequados para os Poderes Públicos viabilizarem a participação social na formulação de suas políticas e planos de desenvolvimento político e social.
Segundo ROMÃO[14], um dos documentos mais importantes, e o primeiro passo, para o planejamento das políticas públicas no país é o Plano Plurianual que ‘’ao lado da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária Anual formatam o arcabouço normativo central para o planejamento de médio prazo para o governo federal’’.
Segundo esse mesmo autor, os veículos como conferências, conselhos, audiências públicas, ouvidorias e consultas públicas, são os condutores ideias para a produção de políticas públicas efetivas, pois proporcionam um vasto conhecimento sobre as reais necessidades e reinvindicações da sociedade civil.
E os elementos justificadores da participação do povo no planejamento das políticas públicas são justamente os atributos em que se fundam nossa República, quais sejam, a soberania, cidadania, pluralismo político, dentre outros.
A comunicação entre governo e sociedade é fundamental para o sucesso da formulação das políticas públicas, que irão se transformar em planos de ação com vistas a ampliar a infraestrutura de determinada área, seja na saúde, educação, cultura, assistência social, etc.
Dentre os sistemas e normas que foram concretizados após reivindicações sociais provenientes de amplas discussões entre os atores estatais e representantes da sociedade civil sobre temas sensíveis à sociedade, temos o Sistema Único de Saúde, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Maria da Penha, Plano Nacional de Educação, dentre outros. Todos estes diplomas normativos ‘’dão o suporte à vida cotidiana das pessoas, das famílias e das comunidades, com forte impacto sobre o desenvolvimento econômico país bem como na promoção do bem-estar social garantindo e a garantia dos direitos humanos’’[15].
Nota-se, pois, no desenvolvimento dessas políticas uma interação entre Estado e sociedade, fundada em valores, práticas e ideias, cujo trabalho para a elaboração dessas ações resultou numa resposta a um problema social identificado em cada setor, beneficiando a totalidade da sociedade.
Muito além dos interesses ou objetivos partidários, a idealização e execução das políticas públicas pelos governantes se revelam como meio adequado de se consubstanciar as diretrizes fornecidas pelo Poder Constituinte Originário para alcançarmos o Estado livre, justo e solidário que tanto almejamos.
As políticas públicas devem mirar, portanto, na manutenção do bem-estar social, concretizando a ideia primária buscada pela soberania. A melhoria da qualidade de vida da população hipossuficiente e a harmonia do corpo social que compõe o Estado, pontuadas anteriormente, seriam resultados de uma resposta do Estado a uma demanda social adequadamente pontuada e tratada, por meio do desenvolvimento e execução das políticas públicas.
Ciente da importância das políticas públicas para o desenvolvimento social e fortalecimento da democracia brasileira, a sua implementação como forma de contenção das desigualdades nos diversos níveis setoriais, devem ser pautas prioritárias dos governantes, pois negligenciá-las seria dar oportunidade ao alargamento desmesurado da fenda já existente entre as classes superior e média, e a massa da população, agravando a pobreza e a miséria, rebaixando, perigosamente, o nível de integração social do país.[16]
Esse resultado desastroso no campo social já foi experimentado pela população brasileira na época do regime militar, que segundo JAGUARIBE, ‘’se preocupou com a infraestrutura e com o desenvolvimento de indústrias-chave, mas que teve sua orientação sociocultural comandada por uma visão repressiva das demandas sociais, consideradas subversivas e inspiradas no comunismo’’.[17]
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[1] BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. Saraiva. São Paulo. 2002. p.91.
[2] DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 36 ed. Malheiros. 2013. p.288-289.
[3] BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. Saraiva. São Paulo. 2002. p.91.
[4] COMPARATO, Fábio Konder. Para viver a democracia. Brasiliense. São Paulo. 1989. p. 102
[5] DAHL, Robert. A democracia e seus críticos.1 ed. Martins Fontes. 2012. p.46
[6] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 27 ed. Saraiva. 2007.p.77.
[7] Apud. COMPARATO. Fábio Konder. Ética, direito, moral e religião no mundo moderno. Companhia das Letras. 2006.p.190.
[8] ROUSSEAU, Jean Jacques. Do Contrato Social. São Paulo. Martin Claret. 2005.p.39.
[9] APUD. Marta Arretche.FRONZAGLIA, Maurício Loboda. GUAZZELLI, Afonso. MOURA JÚNIOR, Álvaro, FIGUEIREDO, Manuel Victor Gomes e MACIEL, Vladimir Fernandes.Ferrovia Transnordestina- Da Retomada ao Impasse: Um estudo a partir da interação dos atores segundo a sociologia política da ação pública. As ideias também importam. Curitiba.2013.p.58.
[10] GORCZEVSKI, Clovis. Direitos Sociais e Políticas Públicas: Desafios Contemporâneos. 1ed. Edunisc. Tomo 10.2010.p.3021
[11].FRONZAGLIA, Maurício Loboda. GUAZZELLI, Afonso. MOURA JÚNIOR, Álvaro, FIGUEIREDO, Manoel Victor Gomes e MACIEL, Vladimir Fernandes.Ferrovia Transnordestina- Da Retomada ao Impasse: Um estudo a partir da interação dos atores segundo a sociologia política da ação pública. As ideias também importam. Curitiba.2013.p.59.
[13] BOBBIO, Norberto. . O Futuro da Democracia. 11 ed. Paz e terra. São Paulo.2009.p.33.
[14] ROMÃO, ROMÃO, Wagner de Melo. Estudos em Políticas Públicas. Cidadania, Desenvolvimento e Controle Social. Editora: Cultura Acadêmica.2014.p.303.
[15] MORAIS, Maria da Piedade e COSTA, Marco Aurélio. Infraestrutura Social e Urbana no Brasil.Vol. 02. Livro 06.2010. p.31
[16] JAGUARIBE, Hélio. Brasil em Desenvolvimento.v.02. Rio de Janeiro.2005.p.107.
O desenvolvimento do Brasil. Prazos e condições.
[17] IDEM.
bacharel em Direito pelo Mackenzie. Especialização em Processo Civil pela Escola Paulista da Magistratura. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Lorraine Saldanha Freitas Xavier de. A soberania popular como elemento legitimador das políticas públicas sociais: a busca pelo bem comum Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 mar 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52734/a-soberania-popular-como-elemento-legitimador-das-politicas-publicas-sociais-a-busca-pelo-bem-comum. Acesso em: 23 dez 2024.
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