RESUMO: neste artigo o autor realizou um estudo sobre a substituição do mandatário do cargo de Chefe do Poder Executivo prevista no parágrafo 5º do artigo 14 da Constituição Federal. Seu objetivo principal foi criticar os critérios excessivamente objetivos aplicados pelos julgadores no enfrentamento dos casos concretos que envolvem a substituição fora dos seis meses antes da eleição. A partir da estratégia de pesquisa qualitativa, o trabalho foi desenvolvido em três capítulos. O primeiro faz uma revisão bibliográfica da temática; o segundo faz uma revisão da jurisprudência, destacando seus aspectos mais relevantes ao presente estudo. O último capítulo traz um posicionamento crítico fundamentado partindo de um recente entendimento firmado pelo Tribunal Superior Eleitoral no Recurso Especial Eleitoral nº 109-75.2016.6.13.0133/MG. Assim, realizadas todas essas etapas de estudo, conclui-se, a despeito de divergências, que os julgadores devem aplicar o exato sentido da atual redação do dispositivo constitucional do parágrafo 5º do artigo 14 que prevê a ocorrência de substituição em qualquer tempo do mandato para fins de reelegibilidade e não somente nos últimos seis meses anteriores à eleição.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Eleitoral. Inelegibilidade Constitucional. Substituição. Terceiro Mandato Consecutivo.
ABSTRACT: in this article the author carried out a study on the substitution of the representative of the position of Head of the Executive Branch provided for in paragraph 5 of article 14 of the Federal Constitution. Its main objective was to criticize the overly objective criteria applied by the judges in facing the concrete cases involving the substitution outside the six months before the election. From the qualitative research strategy, the work was developed in three chapters. The first makes a bibliographical review of the theme; the second makes a review of the jurisprudence, highlighting its aspects more relevant to the present study. The last chapter presents a critical position based on a recent understanding signed by the Superior Electoral Court in Special Electoral Appeal nº 109-75.2016.6.13.0133 / MG. Thus, in spite of differences, judges must apply the exact wording of the current wording of the constitutional provision of paragraph 5 of article 14, which provides for the occurrence of substitution at any time of the mandate for and not only in the last six months prior to the election.
KEY WORDS: Electoral Law. Constitutional Ineligibility. Replacement. Third Consecutive Mandate.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Revisão Bibliográfica. 3. Revisão da Jurisprudência. 4. Posicionamento crítico fundamentado. 5. Conclusão. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O convite da discussão do tema deste artigo cuida de analisar a substituição do mandatário do cargo de Chefe do Poder Executivo ocorrida fora dos seis meses anteriores ao pleito à luz do art. 14, § 5º, da Constituição Federal de 1988 (CF/88). Para o desenvolvimento do tema, nos valemos das obras de renomados autores de nosso direito pátrio, bem como de alguns casos concretos, em especial, o Recurso Especial Eleitoral (REspe) nº 109-75.2016.6.13.0133/MG do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), publicado em sessão de 14 de dezembro de 2016, que findam por servir de esteio a uma importante questão que demanda amplo debate e análise, adiante enfrentada, qual seja: é possível compreender a substituição do mandatário do cargo de Chefe do Executivo ocorrida fora dos seis meses antes do pleito como efetivo exercício de mandato para fins de reeleição, de modo a atrair a vedação do terceiro mandato consecutivo?
É de se notar a relevância e atualidade desse tema, pois se encontra em tramitação no Senado Federal a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 113-A, de 2015, que, dentre outros temas em torno da chamada “reforma política” pretende acabar com o instituto da reeleição para o Chefe do Poder Executivo, buscando restaurar a redação original do § 5º do art. 14 da CF/88. Por sua vez, tramitaram na Câmara dos Deputados a PEC nº 77, de 2003, e a PEC nº 376, de 2009, que, dentre outras finalidades, também buscavam a vedação à reeleição para o Chefe do Executivo.
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Sobre o tratamento dado pela literatura ao tema em estudo, vale relembrar em primeiro ponto, que na história do sistema político brasileiro, desde a primeira Constituição Republicana, de 1891, o instituto da reeleição para os cargos de Chefe do Poder Executivo jamais havia sido instituído. Segundo José Jairo Gomes (2016, p. 242): “A derrubada da monarquia imperial fixou de forma indelével na consciência coletiva brasileira a ideia da necessidade de rotatividade no poder, base do sistema republicano.”
A proibição de reeleição para cargos do Executivo nas Constituições passadas era tão abrangente que atingia, inclusive, os sucessores e substitutos do mandatário. Já aos “ocupantes de cargos do Legislativo, contudo, sempre foi assegurado o direito de recandidatura.” (ALMEIDA, 2017, p. 130). Assim é que, seguindo essa forte tradição da vedação à reeleição em nosso ordenamento pátrio que a Constituição Federal previu no seu texto original de 1988:
Art. 14 […]
§ 5º São inelegíveis para os mesmos cargos, no período subseqüente, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído nos seis meses anteriores ao pleito. (Redação Original da CF/88, grifo nosso)
§ 6º Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito. (Redação Original da CF/88)
§ 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. (Redação Original da CF/88)
Essa regra da vedação à reeleição foi finalmente rompida com a Emenda Constitucional nº 16, de 1997, conhecida como emenda da reeleição, que deu nova redação ao § 5º do artigo 14 da CF, passando a dispor que: “O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente” (BRASIL, 2017, p.17, grifo nosso).
Assim, “quebrantou aquela Emenda uma sólida tradição republicana, a saber, a da mais breve alternância possível dos governantes no exercício dos mandatos eletivos.” (BONAVIDES, 2017, p. 699). Aliás, o instituto da reeleição “constituiu mais uma condição de elegibilidade do cidadão.” (MENDES; BRANCO, 2017, p. 779). Inverteu-se, pois, a regra que de conteúdo de direitos políticos negativos (inelegibilidade) “se transformou em direitos políticos positivos ao assegurar o direito subjetivo de titulares daqueles mandatos executivos de participação no processo eleitoral subsequente para o mesmo cargo, mas uma única vez [...]” (SILVA, 2017, p. 373). Frise-se que o texto constitucional não veda a reeleição para um terceiro mandato não sucessivo.
É de bom alvitre, em se tratando de sucessor ou substituto, fazer uma rápida pincelada acerca da impropriedade do vocábulo “reeleitos” constante no § 5º do artigo 14 da CF, pois, na verdade, nem o sucessor, nem o substituto, foram eleitos para o cargo de titular no período em que assumiram essa condição, seja pela vacância (sucessão), seja pelo impedimento (substituição) (GOMES, 2016, p. 238).
Insta salientar também as possíveis situações de fraude a essa regra constitucional, como nos casos do mandatário reeleito se candidatar, no período imediatamente subsequente, ao cargo de vice, pois isso permitiria a ele ocupar o mesmo cargo por três vezes consecutivas nas hipóteses de substituição ou sucessão do titular do cargo.
Da mesma forma, há o caso que a doutrina convencionou chamar de “prefeito itinerante” ou “prefeito profissional”. Inicialmente, a jurisprudência do TSE aceitava a figura do prefeito itinerante, exigindo apenas que se apresentassem os requisitos para o registro da nova candidatura. Posteriormente, porém, essa orientação foi alterada. Firmou-se o entendimento de que o cidadão que exerceu dois mandatos consecutivos de prefeito no mesmo município, também ficaria inelegível para concorrer na eleição seguinte para prefeito em qualquer outro município da federação. Nas palavras de Mendes e Branco (2017):
A jurisprudência do TSE aceitou por muitos anos a figura do prefeito itinerante, desde que atendidos os requisitos para o registro da nova candidatura, salvo nas hipóteses de município desmembrado, incorporado ou que resultasse de fusão em relação ao município anterior. Em 2008, o TSE ao julgar o Recurso Especial Eleitoral nº 32.507 (Rel. Min. Eros Grau) modificou sua antiga jurisprudência partindo do pressuposto que a figura do prefeito itinerante configura fraude à regra constitucional que proíbe uma segunda reeleição. (MENDES; BRANCO, 2017, p. 782).
Dito isto, tem-se a lição do autor José Jairo Gomes que representa o posicionamento de boa parte dos doutrinadores brasileiros a respeito do que a própria doutrina costuma classificar de inelegibilidade relativa por motivos funcionais para o mesmo cargo decorrente do § 5º do artigo 14 da CF. Sintetiza Gomes (2016), in verbis:
Em síntese, tem-se o seguinte: (a) o titular do Poder Executivo e o vice podem reeleger-se aos mesmos cargos uma só vez; (b) cumprido o segundo mandato, o titular não poderá candidatar-se novamente nem ao cargo de titular nem ao de vice; (c) nesse caso, o titular poderá candidatar-se a outro cargo, devendo, porém, desincompatibilizar-se, renunciando ao mandato até seis meses antes do pleito; (d) se o vice substituir o titular nos seis meses anteriores à eleição ou sucedê-lo em qualquer época, poderá concorrer ao cargo de titular, vedadas, nesse caso, a reeleição e a possibilidade de concorrer novamente ao cargo de vice, pois isso implicaria ocupar o mesmo cargo eletivo por três vezes; (e) se o vice não substituir o titular nos últimos seis meses do mandato nem sucedê-lo, poderá concorrer ao lugar do titular (embora não lhe seja dado concorrer ao mesmo cargo de vice), podendo, nesse caso, candidatar-se à reeleição; assim, poderá cumprir dois mandatos como vice e dois como titular. (GOMES, 2016, p. 215, grifo nosso).
Pois bem. Para José Jairo Gomes se o vice substituir o titular nos seis meses anteriores à eleição poderá concorrer ao cargo de titular, vedadas, nesse caso, a reeleição e a possibilidade de concorrer novamente ao cargo de vice. Nesse mesmo sentido também entendem Ari Ferreira Queiroz (2008, p. 88), Marcos Ramayana (2009, p. 192-193) e Uadi Lammêgo Bulos (2011, p. 859).
Nesse átimo, há também a doutrina de Rodrigo López Zilio (2010):
A teor do texto legal, em princípio, a possibilidade de reeleição alcança todo aquele que, no decorrer do período, tiver substituído ou sucedido o titular do mandato. No entanto, a regra não ostenta interpretação de tamanha amplitude, devendo ser temperada. Com efeito, somente é possível cogitar de reeleição para aquele que, em caráter de substituição, exerceu o mandato de Chefe do Poder Executivo no período de 06 (seis) meses antes do pleito, conforme externalizado pelo TSE. (2010, p. 171, grifo nosso).
De outra face, apresentando um enfoque distinto, o autor Alexandre de Moraes (2013) defende que a interpretação da norma constitucional veda é o exercício “efetivo e definitivo” do cargo de Chefe do Poder Executivo por mais de dois mandatos sucessivos. Moraes defende uma solução que atenda à lógica interpretativa constitucional, in verbis:
Dessa forma, por exemplo, o vice-Presidente que – no exercício de sua missão constitucional – substituir o Presidente da República, independentemente do momento de seu mandato, poderá candidatar-se à Chefia do Poder Executivo normalmente, inclusive, podendo, posteriormente se eleito for, disputar sua própria reeleição à Chefia do Executivo. (MORAES, 2013, p. 254, grifo nosso).
E arremata Moraes dizendo que “se o vice-Chefe do Poder Executivo somente substituiu o titular, não houve exercício efetivo e definitivo do cargo para fins de reeleição, podendo ser candidato à chefia do Executivo e, se eventualmente eleito, poderá disputar sua própria reeleição.” (MORAES, 2013, p. 255).
Nessa vereda, para Moraes (2013, p. 254), independentemente do momento do mandato, se o vice substituiu o mandatário do cargo de Chefe do Poder Executivo, sem haver exercício efetivo e definitivo do cargo, pode normalmente se candidatar à Chefia do Executivo, inclusive podendo, posteriormente se eleito for, disputar sua própria reeleição.
Acresça-se, enfim, que Dirley da Cunha Júnior (2011) também apresenta outro enfoque no sentido de que o vice “não é titular de nada, razão por que não se lhe aplica a inelegibilidade em tela, salvo se assumiu por sucessão, a titularidade no curso de mandato e vem a se eleger como titular para o segundo, hipótese em que tal situação já se qualifica como reeleição”. (CUNHA JÚNIOR, 2011, p. 792).
Apesar do interessante raciocínio dos autores supracitados, percebe-se, ainda, um exame raso pela doutrina do tema da aplicação da regra do art. 14, § 5º, da CF, quanto à substituição do Chefe do Executivo fora dos seis meses anteriores ao pleito, conforme discutido pela Ministra Luciana Lóssio no julgamento do TSE no Respe nº 109-75/MG, adiante analisado.
3. REVISÃO DA JURISPRUDÊNCIA
Os tribunais já tiveram a oportunidade de enfrentar diversos casos em que se colocaram difíceis questões quanto à interpretação do tema em estudo. Já no ano de 2000 o TSE se manifestou no sentido de que “o vice-prefeito que substitui ou sucede o prefeito, nos seis meses anteriores à eleição, pode candidatar-se ao cargo de prefeito”, conforme ementa abaixo:
REGISTRO DE CANDIDATURA. VICE-PREFEITO QUE SUBSTITUI O PREFEITO NOS SEIS MESES ANTERIORES À ELEIÇÃO. CANDIDATURA A PREFEITO. ART. 14, § 5° DA CF.
O vice-prefeito que substitui ou sucede o prefeito, nos seis meses anteriores à eleição, pode candidatar-se ao cargo de prefeito. Recurso provido.
(TSE, REspe nº 17.568/RN, Rel. Min. Fernando Neves, redator designado Min. Nelson Jobim, PSESS de 03.10.2000)
Com efeito, no ano de 2001, em resposta à Consulta nº 689 o TSE afirmou que:
Consulta. Vice candidato ao cargo do titular.
1. Vice-presidente da República, vice-governador de Estado ou do Distrito Federal ou vice-prefeito, reeleito ou não, pode se candidatar ao cargo do titular, mesmo tendo substituído aquele no curso do mandato.
2. Se a substituição ocorrer nos seis meses anteriores ao pleito, o vice, caso eleito para o cargo do titular, não poderá concorrer à reeleição.
3. O mesmo ocorrerá se houver sucessão, em qualquer tempo do mandato.
4. Na hipótese de o vice pretender disputar outro cargo que não o do titular, incidirá a regra do art. 1º, § 2º, da Lei Complementar n° 64, de 1990.
5. Caso o sucessor postule concorrer a cargo diverso, deverá obedecer ao disposto no art. 14, § 6º, da Constituição da República. (TSE. Cta nº 689/DF, Rel. Min. Fernando Neves, DJ de 14.12.01, grifo nosso).
O tema da reeleição já envolveu casos que repercutiram na mídia. A propósito, uma decisão paradigmática foi o “caso Alckmin”, que, na época, como vice, havia substituído diversas vezes o Governador no primeiro mandato e no segundo mandato o sucedeu. O TSE afastou a tese do terceiro mandato consecutivo, conforme ementa seguinte:
REGISTRO DE CANDIDATURA. VICE-GOVERNADOR ELEITO POR DUAS VEZES CONSECUTIVAS, QUE SUCEDE O TITULAR NO SEGUNDO MANDATO. POSSIBILIDADE DE REELEGER-SE AO CARGO DE GOVERNADOR POR SER O ATUAL MANDATO O PRIMEIRO COMO TITULAR DO EXECUTIVO ESTADUAL. PRECEDENTES: RES./TSE NOS 20.889 E 21.026.
Recursos improvidos.
(REspe n° 19.939/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, PSSES de 10.9.2002).
A Segunda Turma do STF manteve essa decisão:
CONSTITUCIONAL, ELEITORAL. VICE-GOVERNADOR ELEITOR DUAS VEZES CONSECUTIVAS. EXERCÍCIO DO CARGO DE GOVERNADOR POR SUCESSÃO DO TITULAR. REELEIÇÃO. POSSIBILIDADE. CF, art. 14, § 5º.
I - Vice-governador eleito duas vezes para o cargo de vice-governador. No segundo mandato de vice, sucedeu o titular. Certo que, no seu primeiro mandato de vice, teria substituído o governador. Possibilidade de reeleger-se ao cargo de governador, porque o exercício da titularidade do cargo dá-se mediante eleição ou por sucessão. Somente quando sucedeu o titular é que passou a exercer o seu primeiro mandato como titular do cargo.
II - Inteligência do disposto no § 5º do art. 14 da Constituição Federal.
III. - RE conhecidos e improvidos.
(STF, RE n° 366.488-3/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 4.10.2005, grifo nosso).
Insta relembrar que, no ano de 2007, o STF teve outra oportunidade de se manifestar sobre o tema, ocasião em que reafirmou que a substituição ocorrida dentro dos seis meses antes do pleito configurava exercício de mandato para fins de reelegibilidade:
CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. VICE-PREFEITO QUE OCUPOU O CARGO DE PREFEITO POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL QUE DETERMINOU O AFASTAMENTO DO TITULAR. REGISTRO DE CANDIDATURA A UMA TERCEIRA ASSUNÇÃO NA CHEFIA DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. IMPOSSIBILIDADE.
Nos termos do § 5º do art. 14 da Constituição Federal, “os Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente”. Agravo regimental desprovido.
(STF, AgR-RE n° 464.277-8/SE, Rel. Min. Ayres Britto, Primeira Turma, julgado em 9.10.2007).
Noutro giro, para mostrar como esse tema ainda é tormentoso, as jurisprudências do TSE e do STF passaram a flexibilizar a própria regra para permitir ao vice, caso eleito, concorrer à reeleição subsequente nas situações em que a substituição, ocorrida dentro dos seis meses antes do pleito, durasse apenas três dias, conforme ementas:
RECURSO ESPECIAL. REELEIÇÃO. VICE-PREFEITO. SUBSTITUIÇÃO. TITULAR. CASSAÇÃO. ATO JURÍDICO. CÂMARA MUNICIPAL. INVALIDAÇÃO.
1- No caso, o recorrente assumiu a titularidade do Poder Executivo apenas por três dias, haja vista que o ato da Câmara Municipal, que cassava o titular, foi invalidado por decisão do Poder Judiciário.
2. Não tendo completado o restante do mandato, não incide no impedimento previsto no art. 14, § 5°, da CF. 3. Recurso Especial provido para deferir o registro de candidatura.
(TSE, REspe nº 31.043/MG, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, PSSES 02.10.2008)
ELEIÇÕES 2008. Agravo regimental no recurso especial. Registro de candidatura ao cargo de prefeito. Inelegibilidade. Art. 14, § 5º, da Constituição Federal. Terceiro mandato. Não-configuração. Ascensão ao cargo por força de decisão judicial, revogada três dias depois. Caráter temporário. Precedentes. Agravos regimentais desprovidos, mantendo-se o deferimento do registro.
(TSE, AgR-REspe nº 34.560/MA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 18.2.2009, p. 49/50)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ELEITORAL. MANDATO EXERCIDO EM CARÁTER TEMPORÁRIO: INAPLICABILIDADE DO ART. 14, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
(STF, AgR-AI n° 782.434/MA, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 08.02.2011)
É importante salientar a jurisprudência pacífica do TSE no sentido de que o exercício do cargo de chefia do Poder Executivo de forma interina e, sucessivamente, em razão de mandato-tampão não constitui dois mandatos sucessivos, mas sim frações de um mesmo mandato:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. ART. 14, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. VIOLAÇÃO. INEXISTÊNCIA. NÃO PROVIMENTO.
1. Conforme jurisprudência do TSE, o exercício do cargo de chefia do Poder Executivo de forma interina e, sucessivamente, em razão de mandato-tampão não constitui dois mandatos sucessivos, mas sim frações de um mesmo mandato. Precedentes.
2. Na espécie, o agravado não exerceu dois mandatos sucessivos, mas sim duas frações de um único mandato, primeiramente de forma interina e, em seguida, em virtude de eleição suplementar. Portanto, é reelegível para a próxima legislatura, não havendo que se falar em violação do art. 14, § 5º, da CF/88.
3. Agravo regimental não provido.
(AgR-REspe n° 146-20/CE, Rel. Min. Nancy Andrighi, PSESS de 27.11.2012)
A fim de se compreender a evolução da jurisprudência, colaciona-se outro aresto do STF, julgado em 2013, por votação unânime da Segunda Turma, que decidiu a fim de se permitir a reeleição, que era improfícua a discussão da ocorrência de substituição ou sucessão:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. VICE-PREFEITO. SUBSTITUIÇÃO OU SUCESSÃO. DISCUSSÃO IMPROFÍCUA NO QUE RESPEITA À APLICAÇÃO DO ART. 14, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REELEIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
I – Os prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso do mandato poderão ser reeleitos para um único período subsequente, nos termos do § 5º do art. 14 da Constituição Federal.
II – No que respeita à aplicação do art. 14, § 5º, para o fim de permitir-se a reeleição, é improfícua a discussão da ocorrência de substituição ou sucessão. Precedentes.
III – Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF, AgR no RE n° 756.073/PI, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado 17.12.2013).
O TSE, em inúmeros casos, já entendeu que eventual substituição do chefe do Poder Executivo pelo respectivo vice ocorrida no curso do mandato e fora do período de seis meses anteriores ao pleito não configuraria o desempenho de mandato autônomo do cargo de prefeito:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TERCEIRO MANDATO CONSECUTIVO. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO.
1. Consoante o disposto no art. 14, § 5°, da CF/88 e o entendimento do TSE e do STF acerca da matéria, eventual substituição do chefe do Poder Executivo pelo respectivo vice ocorrida no curso do mandato e fora do período de seis meses anteriores ao pleito não configura o desempenho de mandato autônomo do cargo de prefeito.
2. Na espécie, o agravado exerceu o cargo de vice-prefeito do Município de Guanambi/BA no interstício 2004-2008 – tendo substituído o então chefe do Poder Executivo em diversas oportunidades, porém fora do período de seis meses anteriores ao pleito – e foi reeleito nas Eleições 2008, vindo a suceder o prefeito em 1º.4.2012. Assim, não há óbice à sua candidatura ao cargo de prefeito nas Eleições 2012.
3. Agravo regimental não provido.
(AgR no REspe n° 70-55/BA, Rel. Min. Nancy Andrighi, PSESS de 11.12.2012).
Já em 2016, ao julgar o caso do REspe nº 109-75/MG, o TSE decidiu pela não configuração de terceiro mandato consecutivo. A ementa foi assim resumida:
Relatora originária Ministra Luciana Lóssio
Redator para o acórdão: Ministro Gilmar Mendes
Recorrente: Coligação Itabirito do Povo
Advogados: Maria Claudia Bucchianeri Pinheiro - OAB n° 25341/DF e outros.
Recorrido: Alexander Silva Salvador de Oliveira
Advogados: Márcio Luiz Silva - OAB n° 12415/DF e outros.
Assistente do recorrido: Wolney Pinto de Oliveira
Advogados: Gabriela Guimarães Peixoto - OAB n° 30789/DF e outro.
ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ART. 14, §§ 5º, 6º E 7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INELEGIBILIDADE CONSTITUCIONAL. PRESIDENTE DA CÂMARA DE VEREADORES. TITULAR. SUBSTITUIÇÃO. ALCANCE. DESPROVIDO.
1. O instituto da reeleição tem fundamento não somente no postulado da continuidade administrativa, mas também no princípio republicano, que impede a perpetuação de uma mesma pessoa na condução do Executivo, razão pela qual a reeleição é permitida por apenas uma única vez. Portanto, ambos os princípios – continuidade administrativa e republicanismo – condicionam a interpretação e a aplicação teleológica do art. 14, § 5°, da Constituição. A reeleição, como condição de elegibilidade, somente estará presente nas hipóteses em que esses princípios forem igualmente contemplados e concretizados. Não se verificando as hipóteses de incidência desses princípios, fica proibida a reeleição. O § 6° do mesmo artigo dispõe que, “para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito”. Portanto, a Constituição Federal de 1988, ao permitir a reeleição do chefe do Executivo, manteve, sem nenhuma alteração redacional, a disposição de que, para concorrer a outro cargo, ele deve renunciar pelo menos seis meses antes do pleito, o que revela a preocupação em evitar possível utilização da máquina administrativa em benefício da sua nova disputa eleitoral – proteção à igualdade de chances. O art. 14, § 7º, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual “são inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito”, resguarda não somente o princípio republicano, ao evitar que grupos familiares se apoderem do poder local, mas também o princípio da igualdade de chances – emquanto decorrência da normalidade e legitimidade do pleito –, pois impede a interferência da campanha do parente, candidato ao Executivo, na disputa pela vereança, “salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição”.
2. A compreensão sistemática das normas constitucionais leva-nos à conclusão de que não podemos tratar de forma igualitária as situações de substituição – exercício temporário em decorrência de impedimento do titular – e de sucessão – assunção definitiva em virtude da vacância do cargo de titular –, para fins de incidência na inelegibilidade do art. 14, § 5°, da Constituição Federal de 1988, pois, enquanto a substituição tem sempre o caráter provisório e pressupõe justamente o retorno do titular, a sucessão tem contornos de definitividade e pressupõe a titularização do mandato pelo vice (único sucessor legal do titular), razão pela qual a sucessão qualifica-se como exercício de um primeiro mandato, sendo facultado ao sucessor pleitear apenas uma nova eleição.
3. O art. 1º, § 2º, da Lei Complementar n° 64/1990 estabelece que o “Vice-Presidente, o Vice-Governador e o Vice-Prefeito poderão candidatar-se a outros cargos, preservando os seus mandatos respectivos, desde que, nos últimos 6 (seis) meses anteriores ao pleito, não tenham sucedido ou substituído o titular”. Sucedendo ou substituindo nos seis meses antes da eleição, poderá candidatar-se, uma única vez, para o cargo de prefeito, sendo certo que, por ficção jurídica, considera-se aquela substituição ou sucessão como se eleição fosse.
4. A evolução histórica da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, com base naquela conclusão de que o vice-prefeito que substitui ou sucede o titular nos seis antes do pleito pode concorrer a uma eleição ao cargo de prefeito, o Tribunal passou a entender que “o vice que não substituiu o titular dentro dos seis meses anteriores ao pleito poderá concorrer ao cargo deste, sendo-lhe facultada, ainda, a reeleição, por um único período” (Cta n° 1.058/DF, rei. Mm. Humberto Gomes de Barros, julgada em 1º.6.2004). Precedentes do TSE nas Eleições de Municipais de 2008 e 2012.
5. Se se conclui que o vice que não substitui o titular nos seis meses antes do pleito poderá candidatar-se ao cargo de prefeito e, se eleito, almejar a reeleição (único substituto legal e potencial sucessor), com maior razão a possibilidade de o presidente da Câmara de Vereadores, substituto meramente eventual e sempre precário em casos de dupla vacância, pleitear a eleição e, se eleito, a reeleição. Para Carlos Maximiliano, “deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter conclusões inconsistentes ou impossíveis”. Seria uma verdadeira contradição jurídica criar para o substituto eventual (presidente de Câmara) uma restrição em sua capacidade eleitoral passiva maior que aquela definida no ordenamento jurídico e na jurisprudência eleitoral para o substituto legal do titular, pois as regras de inelegibilidades, enquanto limitação dos direitos políticos, devem sempre ser interpretadas restritivamente.
6. Recurso desprovido.
(REspe n° 109-75/MG, Min. Redator Acórdão Gilmar Mendes, PSESS de 14.12.2016).
Grosso modo, cumpre dizer em apertada síntese que esse julgado tratou da situação do recorrido, Alexander Silva Salvador de Oliveira, que, no período de 1º.1.2009 a 3.12.2009, se licenciou das suas funções originárias de Presidente da Câmara Municipal para assumir interinamente as funções de Prefeito de Itabirito, no Estado de Minas Gerais, ante a dupla vacância do executivo local. No final de 2009 foram realizadas eleições suplementares que foram vencidas por outra pessoa que completou o período remanescente do mandato em curso (mandato-tampão de 2009-2012). Nas eleições municipais seguintes de 2012 o recorrido, Alexander, foi eleito Prefeito (para o mandato de 2013-2016) e reeleito nas eleições de 2016 (para o mandato de 2017-2020). Portanto, a questão posta no TSE consistia em definir se aquela assunção interina no cargo de Prefeito no ano de 2009 tornou o recorrido inelegível para as eleições de 2016.
Em suma, o TSE negou provimento ao REspe nº 109-75/MG para deferir o registro de candidatura do recorrido para o pleito de 2016. A ratio decidendi que sustentou a decisão foi no sentido de se buscar uma compreensão sistemática das normas constitucionais dos §§ 5°, 6º e 7° do art. 14 da CF, que, segundo o tribunal, leva à conclusão de que não se pode tratar de forma igualitária as situações de substituição e de sucessão para fins de incidência na inelegibilidade do § 5°, pois a substituição tem sempre o caráter provisório e pressupõe justamente o retorno do titular, e a sucessão tem contornos de definitividade e pressupõe a titularização do mandato pelo vice (único sucessor legal do titular).
Segundo o Ministro Gilmar Mendes, autor do voto vencedor, não ocorrendo sucessão no curso do primeiro mandato ou substituição nos últimos seis meses, não há vedação constitucional ou legal para que o vice concorra à eleição para Chefe do Poder Executivo e, sendo eleito, concorrer à reeleição. Enfim, em fevereiro de 2018 houve interposição de recurso extraordinário no REspe nº 109-75, deixando para o egrégio STF a decisão final desse caso.
4. POSICIONAMENTO CRÍTICO FUNDAMENTADO
À vista dos objetivos de nosso estudo, partimos do REspe n° 109-75/MG que representa a posição atual firmada pelo TSE sobre as facetas jurídicas da figura da substituição para fins de interpretação desse regramento constitucional previsto no § 5º do artigo 14.
Nesse julgado o TSE defendeu uma interpretação sistemática dos §§ 5°, 6º e 7° do artigo 14 da CF/88. No nosso modesto sentir, a Corte Eleitoral buscou, tão somente, aplicar um critério objetivo ressuscitando no § 5º o período suspeito que identificava a substituição ocorrida nos seis meses anteriores ao pleito que já foi retirado pelo constituinte reformador. Data venia, não há como se aplicar os §§ 6º e 7º à hipótese tratada no § 5º, uma vez que tanto o § 6º, assim, como o § 7º estabelecem outras espécies de inelegibilidades relativas, que não se confundem e nem podem ser confundidas com a hipótese descrita no § 5º do mesmo artigo.
A necessidade de se estabelecer um critério objetivo para a figura da substituição é tão latente que durante a sessão de julgamento do REspe n° 109-75/MG os ministros debateram sobre o assunto. Segue a transcrição do debate feito à página 41 do julgado (grifo nosso):
O SENHOR MINISTRO HENRIQUE NEVES DA SILVA: Com todo o respeito, faço uma pergunta: qual seria o limite? Uma semana? Um mês? Quinze dias? Três meses? Porque seria um limite subjetivo verificar que numa situação ficou muito tempo e em outra pouco tempo. O que seria muito tempo e o que seria pouco tempo?
A SENHORA MINISTRA LUCIANA LÓSSIO (relatora): A Constituição não estabelece o tempo. Então, a rigor, qualquer tempo é tempo.
O SENHOR MINISTRO HENRIQUE NEVES DA SILVA: Penso que a Constituição estabelece sim. Na comparação com outros dispositivos constitucionais que dispõem que a desincompatibilização deve ser seis meses antes é que trago uma regra absoluta. Se a substituição ocorreu no período de seis meses, não importa a quantidade de tempo. Isso é um fator objetivo. Se for fora dos seis meses, não importa também quanto tempo, porque, senão, ficaremos sempre no subjetivismo.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX: É preciso utilizar um critério objetivo.
O SENHOR MINISTRO HENRIQUE NEVES DA SILVA: Já que estamos em época de reforma, não seria mal se o Congresso pudesse também ajustar…
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (presidente): A substituição nos últimos seis meses faz todo o sentido.
Nessa esteira de argumentos, a criação de um critério objetivo para englobar de forma generalizada todos os casos de substituição (incluindo as substituições efêmeras) ocorridas dentro do período de seis meses antes do pleito, importaria, sem dúvidas, numa interpretação extensiva da norma, o que é vedado às causas de inelegibilidade, porquanto constituem limitação dos direitos políticos. É desprezando esse viés que os tribunais insistem no critério objetivo (ressuscitando o período suspeito) para se analisar a figura da substituição. Nada mais equivocado!
Fato é que esse critério objetivo ainda se faz presente na jurisprudência devido às dificuldades enfrentadas pelos julgadores para se interpretar a nova regra de elegibilidade (§ 5º) que apresenta um aspecto subjetivo da figura da substituição, mas que ainda convive com as regras elaboradas ao tempo do princípio da irreelegibilidade. Tanto o é que Costa (2006) aponta a utilização equivocada do preceito estampado no § 2º do artigo 1º da Lei Complementar nº 64, de 1990, in verbis: “O Vice-Presidente, o Vice-Governador e o Vice-Prefeito poderão candidatar-se a outros cargos, preservando os seus mandatos respectivos, desde que, nos últimos 6 (seis) meses anteriores ao pleito, não tenham sucedido ou substituído o titular”. O autor Adriano Soares da Costa (2006) explica que “esse preceito fora redigido ao tempo do princípio da irreelegibilidade para os cargos do poder executivo. Logo, ele não poderia ser aplicado em consórcio com o novel § 5º do art. 14 da CF/88, sem os devidos cuidados quando da sua interpretação”. (COSTA, 2006, p. 212).
Doutra banda, sobre a questão inicialmente posta neste estudo, o texto constitucional não faz diferença entre as hipóteses de sucessão e de substituição do chefe do Poder Executivo. De modo que a norma constitucional estende a limitação de uma única reeleição subsequente não apenas aos titulares de cargos de chefia do Executivo, mas também aos que vierem a sucedê-los ou substituí-los no curso do respectivo mandato.
Portanto, entendemos pela possibilidade de se compreender a substituição do mandatário do cargo de Chefe do Executivo, ocorrida fora dos seis meses antes do pleito, para fins de irreelegibilidade, de modo a atrair a vedação do terceiro mandato consecutivo, pois o exercício da titularidade do cargo também pode ocorrer por substituição. Ora, é inegável que o comando constitucional do § 5º do art. 14 diz que o eleito, originariamente, ou quem o sucedeu ou substituiu (qualquer dos dois) no curso do mandato (inclusive fora do período suspeito) podem ser reeleitos, porém uma única vez.
Explica-se melhor: a substituição ocorrida fora dos seis meses antes do pleito não cria uma restrição na capacidade eleitoral passiva do substituto maior que aquela definida expressamente no § 5º do artigo 14 da CF/88. Ora, apenas se busca aplicar o exato sentido da norma, que se refere à substituição ocorrida em qualquer momento do mandato.
Insistamos ainda um pouco mais neste ponto. Normalmente a substituição do chefe do Executivo tem um caráter efêmero – decorrente de licenças, férias, viagens ao exterior ou outras causas de exíguo prazo. Nesses casos específicos cabe ao substituto, tão somente, cumprir as diretrizes já traçadas pelo mandatário do cargo, com equipe já escolhida por este. Portanto, age com louvável acerto a jurisprudência do TSE e também do STF em flexibilizar a sua própria regra para não considerar exercício de mandato qualquer tipo de substituição, especialmente as efêmeras.
É por isso que há peculiaridades na substituição. E esta é a grande diferença! Bem por isso defendemos que os tribunais devem analisar a real situação fática da ocorrência da substituição para fins de aplicação da regra que veda o terceiro mandato consecutivo. Nesse trilhar, entendemos que o TSE errou, data venia, ao julgar o REspe nº 109-75/MG devotado num critério objetivo que só se baseia em saber se a substituição ocorreu dentro ou fora do período de seis meses antes do pleito. Segue transcrição de parte do voto-vista do Ministro Luiz Fux feito à página 50 do julgado:
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX: No caso sub examine, o candidato Recorrido, quando Presidente da Câmara Municipal, exerceu provisoriamente o cargo de prefeito de 1°.1.2009 a 3.12.2009, em virtude da cassação da chapa majoritária. Justamente por se tratar de substituição ocorrida fora do período de seis meses anteriores ao pleito, essa assunção interina da gestão municipal não pode ser computada como efetivo exercício de mandato para fins de reeleição, ex vi do regramento constitucional e da jurisprudência perfilhada por este Tribunal Superior.
Salta aos olhos, no julgamento do TSE – REspe nº 109-75/MG, o fato do Presidente da Câmara Municipal ter exercido o cargo de Prefeito por quase todo o ano de 2009 e mesmo assim o tribunal não considerou esse período como exercício de mandato. Fora constatado que ele teve plena autonomia e plenitude de poderes naquela gestão, pois, ao assumir a cadeira de Prefeito em 1º de janeiro do primeiro ano do mandato, pôde fixar suas próprias diretrizes e escolher sua própria equipe, dada a ausência de vínculo ideológico ou político com o ex-prefeito e seu vice que, cassados pela Justiça Eleitoral, não chegaram sequer a assumir os seus cargos.
Sem embargo, o fato do recorrido ter exercido o cargo de Prefeito, de forma interina, era irrelevante para o deslinde da causa. Com acerto, o autor Adriano Soares da Costa, ao falar da substituição (provisória e precária) e da sucessão (definitiva) fez uma observação muito importante:
Por primeiro, diga-se que quem exerce o cargo, ainda mesmo que de maneira débil, está submetido a todas as normas pertinentes ao seu exercício, quer as concessivas de poderes, quer as limitadoras de direitos. Por essa razão, o antigo § 5º do art. 14 da CF/88 vedava ao substituto a possibilidade de concorrer ao cargo no qual estava provisoriamente investido, caracterizando tal impossibilidade como irreelegibilidade. (COSTA, 2006, p. 183, grifo nosso).
Rechaça-se, com a devida venia, a tese firmada nesse julgamento de que essa assunção interina da gestão municipal não pode ser computada como efetivo exercício de mandato para fins de reeleição. Aliás, a Ministra Luciana Lóssio, em seu voto à página 33, ponderou, com brilhantismo, não haver dúvidas que o recorrido, Alexander, “fez o seu secretariado, implementou políticas públicas, enfim, deixou uma marca muito maior do que aquele que fica apenas por seis meses, ou até mesmo por um mês no mandato nos últimos seis meses anteriores ao pleito”.
Os tribunais, em casos tais, devem analisar a real situação fática para identificar os casos de substituição que se enquadram no comando constitucional para evitar a ocorrência de burlas ao sistema da reeleição e das recandidaturas. Seja como for, é razoável o receio de se deixar para os julgadores uma análise subjetiva da figura da substituição, que envolve não somente o direito dos candidatos à eventual recandidatura, mas também dos eleitores em escolher os seus candidatos. O certo é que em virtude da interposição de recurso extraordinário no REspe nº 109-75 em fevereiro de 2018, ficou para o egrégio STF a decisão final desse caso.
Enfim, entendemos que a própria jurisprudência pode criar limites tanto sob o aspecto temporal quanto qualitativo para aplicação da regra da substituição do mandatário do cargo de Chefe do Executivo para fins de irreelegibilidade, de modo a atrair a vedação ao terceiro mandato consecutivo, sem desrespeitar a atual redação do § 5º do art. 14 da CF que prevê a ocorrência da substituição no curso do mandato e não somente nos últimos seis meses anteriores ao pleito.
5. CONCLUSÃO
As observações traçadas no presente trabalho tiveram por desiderato criticar os critérios excessivamente objetivos utilizados pelos julgadores no enfrentamento dos casos concretos que tratam da figura da substituição do titular do cargo de Chefe do Poder Executivo fora dos seis meses antes do pleito.
Isso posto, o escopo primordial foi defender uma interpretação do § 5º do art. 14 da CF que respeite a atual redação do dispositivo constitucional e busque evitar a ocorrência de burlas ao sistema da reeleição e das recandidaturas. Lado outro, pela tradição jurídica brasileira, a melhor solução que se apresenta para o presente problema seria a via legislativa. Entretanto, enquanto nenhuma proposta for aprovada nas Casas Legislativas, caberá a dogmática continuar aprofundando na discussão do tema.
Enfim, no presente estudo, não se buscou esgotar o assunto sobre o qual nos propusemos discorrer, tendo a clara noção de que sua total aplicação ainda está condicionada a uma mudança de paradigma das decisões de nossos órgãos judiciais, de forma ainda a consolidar a jurisprudência e o entendimento em torno dele.
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Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas. Pós-graduado em Ciências Criminais e em Direito Eleitoral pela PUC Minas. Pós-graduado em Direito Urbanístico e Ambiental pela PUC Minas. Oficial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JADER MáXIMO DE ARAúJO, . Compreendendo a substituição do Chefe do Poder Executivo ocorrida fora dos seis meses anteriores ao pleito à luz da Constituição Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 mar 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52739/compreendendo-a-substituicao-do-chefe-do-poder-executivo-ocorrida-fora-dos-seis-meses-anteriores-ao-pleito-a-luz-da-constituicao-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
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