RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar um princípio basilar da sociedade ocidental, o direito à propriedade, apresentando os seus desmembramentos e suas limitações no campo do direito, no decorrer da história do pensamento jurídico Brasileiro, nos aspectos, constitucional, penal, civil, esmiuçando as atuais limitações desse direito no que tange as restrições ao mesmo como a supremacia do interesse público e a função social da propriedade.
Palavras chave: Direito à propriedade, História, limitações, função social
ABSTRACT: The purpose of this article is to analyze a fundamental principle of Western society, the right to property, presenting its dismemberment and limitations in the field of law, in the course of the history of Brazilian legal thought, in the aspects, constitutional, criminal, civil, the current limitations of this right as regards the restrictions on it as the supremacy of the public interest and the social function of property.
Key words: Right to property, History, limitations, social function
SUMÁRIO: 1.0- Introdução; 2.0- Considerações sobre os avanços no direito à propriedade na legislação brasileira; 3.0- A função social da propriedade; 4.0-Supremacia do interesse público sobre o privado; 5.0- Outras limitações ao exercício da propriedade; 6.0- Considerações finais; 7.0- Referencias Bibliográficas.
1.0- INTRODUÇÃO
A propriedade é em tese uma das construções sociais mais importantes e mais debatidas em toda a história, uma das primeiras invenções sociais humanas a ser submetida a ideia de legislação, sendo essa noção tratada desde os mais remotos códigos até a atualidade, seja no código de Hamurabi, Lei das 12 tabuas ou nas relações jurídicas dos milênios que se seguem o trato sobre esse tema é complexo e bastante conflitivo, sendo as restrições a propriedade elemento crucial em diversos conflitos ao longo da história.
Na idade média a propriedade em todos os séculos que antecederam as revoluções burguesas a noção de propriedade era sinônimo de Patrimônio, do latim: Bens de Família, perdurava assim a hereditariedade e a impossibilidade, até mesmo jurídica, da ideia de propriedade além das mãos dos monarcas, do clero e da nobreza, porem com o iluminismo, o liberalismo e toda a gama de novas percepções acerca do homem, da sociedade, e dos direitos individuais, a propriedade recebe uma nova roupagem, como um dos direitos universais inerentes ao homem.
O direito à propriedade, celebrado no ideário das revoluções modernas estampou-se na declaração de independência dos EUA 1776, na declaração dos direitos do homem e cidadão na França em 1789, e a partir desses celebres tratados, os códigos e constituições das nações ocidentais tomaram como referência, o pensamento liberal burguês da liberdade como um bem absoluto inalienável natural de todo o ser humano.
Tal a importância desse conceito que na declaração Universal dos Direitos Humanos, Assinada em 1948 e recepcionada por centenas de países, ele está presente no artigo XVII em que versa: “1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade. ” Essa referência, no entanto, com o passar do tempo passou a ser vista e interpretada de uma forma mais abrangente, ao passo que o Estado se torna mais atuante em seu papel de mantenedor da ordem social.
Com o tempo e com a influência de novas percepções acerca dos direitos coletivos em detrimento ao interesse individual, a noção de que a propriedade como bem e como um direito fundamental não tem nenhuma limitação ou restrição cai por terra, e os legisladores aos poucos vão restringindo, delimitando, até onde e sob quais critérios esse direito continua a ser absoluto, e assim como em circunstancias extremas, até a liberdade é tirada, a propriedade também passa a se sujeitar a fenômenos como a desapropriação e expropriação.
Tais fenômenos em discussão, em tese, não são uma afronta aos direitos individuais, tendo em vista que a coletividade sob a tutela do estado, os bens históricos e o meio ambiente como algo pertencente a todos, são os principais beneficiados com algumas dessas limitações, e sendo o Brasil um país continental que a Séculos se estabeleceu sobre uma economia fundiária onde propriedade é sinônimo de dominação, advém do direito na atualidade a formula para se quebrar certas amarras.
2.0- CONSIDERAÇOES SOBRE OS AVANÇOS NO DIREITO A PROPRIEDADE NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA.
A ideia de propriedade, e sua principal referência nos primeiros séculos de história do Brasil, que seria a propriedade fundiária, existiu durante muito tempo sem uma expectativa de direito, sendo a primeira forma de colonização e ocupação do território brasileiro uma espécie de relação entre o proprietário, no caso a coroa portuguesa, e os eventuais possuidores, aqueles que receberam os lotes de terra, conhecidos como sesmarias. Tal era a situação que enquanto o Brasil era colônia, seria mais fácil ser proprietário de outro ser humano, através da pratica da escravidão que do território.
Assim prescrevem as ordenações Filipinas, uma das primeiras regulações que podem ser chamadas de legislação aplicada a colônia, a cercado tema relativo a distribuição da propriedade:
“Forais e cartas de povoação. - Não se deve confundir essas duas espécies de documentos que, embora aparentem estreita semelhança divergem profundamente em relação a sua natureza jurídica.
Na verdade, encontram-se diplomas pelos quais o Rei, ou a senhor, concede a um grupo de colonos terra para agricultar com matos e pastos de fruição comum mediante o pagamento periódico de certos encargos ou a prestação de certos serviços. Estes diplomas que estabeleciam relações jurídicas análogas a Enfiteuse chamam-se cartas de povoação”
Embora houvesse através das cartas de doação o repasse da terra aos foreiros e esses obtivessem o controle hereditário sobre as sesmarias, essas ainda pertenciam a coroa, de tal forma que desta partiam as permissões e proibições inclusive em relação ao que poderia ou não ser cultivado em determinado espaço, com o tempo e com o avanço da ocupação do território brasileiro, tal mecanismo de ocupação irá dar lugar a outro fenômeno jurídico, ao passo que o Brasil passara por mudanças absolutas também em seu aspecto político.
Com a independência as terras antes pertencentes a coroa portuguesa, agora pertenciam ao estado, e no ano de 1824 uma nova constituição, a primeira do país, trazia além peculiares contradições, como a manutenção da escravidão e um poder moderador que dava um caráter quase absoluto ao monarca, também trazia em sua égide liberal com visível influência do código napoleônico, uma nova análise acerca da propriedade:
Assim dispunha o art. 179 da Constituição de 1824:
“Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: XXII. É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta unica excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação.”
Aqui é possível observar não somente o olhar liberal da propriedade como um direito individual do Cidadão, ao mesmo tempo que já presenta limitações a esse direito em oposição ao interesse coletivo, tal legislação se amplia com a edição da lei de terras de 1850, tal legislação apresentava a primeira legislação acerca do direito agrário, traçava regras a respeito de temas como posse ou do trato das terras iniciando com o seguinte estatuto: “Art. 1º Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra.”
Nhoque tange a legislações posteriores ao passo que o Brasil tornou-se em1889uma republica, não houve grandes avanços ou mudanças significativa, o brasil que despontava no século XX era um Gigantesco mosaico de latifúndios que contrastava gigantescas propriedades com um vasto número de despossuídos, a constituição que surge com a república, acompanha a mesma visão positivista do texto anterior, o reflexo disso é o código Civil de 1916 que vigorou até 2002 que embora inove na apreciação da propriedade como relação jurídica ratifica o direito à propriedade como absoluto.
As constituições que se seguem apresentam poucas mudanças significativas sendo apenas na constituição de 1946 após a ditadura do estado novo que o texto constitucional vem a inovar, com observações no que tange a ideia de bem-estar social no seu Artigo 141:
Art. 147 - O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.
Os avanços que se seguem na segunda metade do século XX são um divisor de aguas, sendo na constituição de 1967, essa em vários aspectos autoritária instituída em pleno regime militar, a primeira menção a ideia de função social da propriedade em seu artigo 157 nesse particular pela Emenda nº 1, de 1969, veio, pela primeira vez, consagrar a expressão “função social”, ao estabelecer:
Art. 157 – A ordem econômica tem por fim, realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios:
(...)
III função social da propriedade?
(BRASIL, 1967)
Em tese passa a sim a concepção de direito à propriedade ser reconhecida em texto de lei, não só como um instrumento de realização individual, mas como uma ferramenta necessária para ser utilizada em prol da sociedade, em fim em 1988 com a Constituição Cidadã, fruto de um período de estabilização social do país, tem-se a configuração atual e mais abrangente da noção de direito à propriedade, que dentro de um estado social se consagra como um fenômeno jurídico submetido a coletividade como apresenta a CF de 1988 ao apresentar os princípios da ordem econômica em seu Artigo 170 :
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
III - função social da propriedade.
3.0- A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
O artigo 5º da constituição de 1988 consagra o direito à propriedade como um dos direitos fundamentais expressamente apresentados no texto constitucional, porem a carta constitucional nesse mesmo artigo em seu inciso XXIII principia que a propriedade deverá atender a sua função social, que importância tem esse princípio que apresenta um limitador ao exercício do direito à propriedade, o texto constitucional ainda vai além definindo em seus artigos o que o legislador entende como função social da propriedade, tanto para a propriedade rural quanto para a propriedade Urbana.
Apresenta a Constituição federal considerações sobre o desenvolvimento social urbano no artigo 182 trazendo a seguinte redação:
"Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
[...]
§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor."
Esse artigo complementa a redação do Art. 21 que versa sobre a prerrogativa da união de estabelecer diretrizes para o zoneamento urbano de forma a priorizar a coletividade esse artigo em seu inciso XX traz a seguinte redação: “Art. 21. Compete à União: XX - Instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;"
Quanto a propriedade rural, tema bastante debatido e repetitivamente sendo o centro de grandes polemicas, seja no campo legal, seja nas situações fáticas, no que tange os conflitos de acesso à terra, por exemplo. Essa temática também foi abraçada pela constituição, trazendo um mecanismo inovador em relação a essa temática, por apresentar em tese uma tentativa de se apresentar mecanismos para uma efetiva justiça social no que tange a tão debatida reforma agraria, apresentado regras para o que segundo o legislador constitucional, são necessárias para a efetiva realização da função social da propriedade rural, dispostos no Artigo 186, com o seguinte verso:
"Art. 186 da CF/88 – A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - Aproveitamento racional e adequado;
II - Utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - Observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - Exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores."
Para que a propriedade rural se adeque à sua função social, deverá preencher todos os quatro requisitos.
A inovação trazida por esse artigo se complementa no artigo 191 reproduzido integralmente no código civil de 2002 na redação do art. 1.239 ; definindo-se assim o instituto da usucapião constitucional ou especial rural do mesmo modo regulamentado pela Lei 6.969/1981. Dispõe o caput do art. 191 da CF/1988 que:
“Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”.
Com os avanços nas discussões sobre os direitos da coletividade em face do ente privado, o legislador durante a redação do código civil de 2002, em total oposição ao que versava o código civil de 1916, buscou mecanismos para cercear abusos ao direito a propriedade até mesmo pelo proprietário, tais mecanismos possibilitam a efetivação da função social e econômica apresentados pela constituição, tais imposições ao proprietário que desrespeita o princípio da função social estão explicitados no código civil de 2002, no art. 1.228, §§ 03 e 04:
§ 3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.
§ 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
Consagram-se nesse código no título relativo aos direitos reais, como forma de aquisição e de perda de propriedade as várias modalidades de Usucapião, seja ordinário ou extraordinário, especial, urbano, rural, ou até mesmo o usucapião especial de bem móvel, todos esses instrumentos são a síntese da noção construída pelo legislador de que a propriedade ela existe com a finalidade de cumprir determinações que perpassam o indivíduo do proprietário, todas essas inovações trazidas como esse novo código vem em resposta aos anseios coletivos esse que na Perspectiva de Miguel Reale o objetiva da seguinte maneira:
"É constante o objetivo do novo Código no sentido de superar o manifesto caráter individualista da Lei vigente, feita para um país ainda eminentemente agrícola, com cerca de 80% da população no campo. Hoje em dia, vive o povo brasileiro nas cidades, na mesma proporção de 80%, o que representa uma alteração de 180 graus na mentalidade reinante, inclusive em razão dos meios de comunicação, como o rádio e a televisão. Daí o predomínio do social sobre o individual"
4.0- SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO
O princípio da supremacia do interesse público, mesmo estando implícito no nosso ordenamento jurídico, tem importância basilar em toda a estrutura jurídica da administração pública, seu peso equipara aos princípios explícitos no texto constitucional no caput do art.37 sendo esses, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, esse princípio está presente desde a constituição imperial, quando se vislumbra a menção da desapropriação por parte do estado mediante indenização, assim como nas demais constituições que se desdobram ao longo da história republicana. Tal princípio é basilar, nas palavras de Celso Antônio bandeira de Mello:
[...]mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espirito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (Mello 2010)
A partir dessa evolução no campo do direito experimentada por uma nova perspectiva garantista por parte do Estado, são visíveis as mudanças e o peso que a coletividade, o bem comum e o interesse público, em oposição ao interesse particular, passaram a ter, no que tange as relações entre a administração pública e o meio privado, seja nas relações contratuais, concessões, ou mesmo obras públicas, que quase sempre quando necessário, mediante desapropriação e indenização essas adentram a propriedade privada para garantir o prosseguimento de projetos de interesse geral.
Algo que se deve observar é que se fala em um conflito de princípios, quando situações assim ocorrem-no plano fático, um princípio implícito, mas absolutamente reconhecido, e um constitucionalmente apresentado que é o direito à propriedade, assim fazendo uso de pensamentos como o de Robert Alexy, que em seu livro: “Teoria dos direitos fundamentais ”, discorre sobre a regra da ponderação e se tratando de conflito no caso concreto, o estabelecimento do uso da proporcionalidade para dirimir tais conflitos.
O mecanismo que é utilizado para realizar, no caso concreto a imposição do interesse público sobre o privado, no que tange a propriedade está descrito em diversas regulamentações, como no Decreto-Lei nº 3.365/41 e na Lei nº 4.132/62, também estando presente em códigos mais atuais como na própria CF de 1988 em seu (Art. 5°.XXIV):
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;
Além da Constituição também se encontra no Código Civil de 2002 (art. 1.228, §§ 3º e 4º; art. 1.275, inciso V) através desses artigos o legislador buscou definir mais claramente o vocábulo desapropriação, porem além dessas descrições, residem na doutrina, as interpretações mais abrangentes da aplicabilidade ou limitações do estatuto da desapropriação para finalidade pública, sobre a complexidade desse estatuto assim Brilhantemente expressa Hiyoshi Harada ao destacar sua amplitude:
“um instituto de direito público consistente na retirada da propriedade privada pelo Poder Público ou seu delegado, por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, mediante o pagamento prévio da justa indenização em dinheiro (art. 5º, XXIV, da CF), por interesse social para fins de reforma agrária (art. 184 da CF), por contrariedade ao Plano Diretor da cidade (art. 182, § 4º, III da CF), mediante prévio pagamento do justo preço em títulos da dívida pública, com cláusula de preservação de seu valor real, e por uso nocivo da propriedade, hipótese em que não haverá indenização de qualquer espécie (art. 243 da CF) (HARADA, 2012:16).
Como descrito, existem várias regras para que a desapropriação venha a ocorrer e a maioria das hipóteses para tal é mediante indenização ao proprietário, um fato muito comum é a grande quantidade de litígios judiciais relativos a não concordância com os valores de tais indenizações entre o proprietário e o poder público, neste sentido, é o é valido o entendimento de Gasparini (2008, p. 854-855):
A contestação – defesa do expropriado –, nos termos do art. 20 da Lei Geral das Desapropriações, só pode versar sobre os vícios do processo judicial ou impugnação do preço, ou, ainda, incidir sobre ambos. É, como se vê, restrita, portanto, só pode girar em torno desses dois aspectos [...]
Uma outra situação que tem de ser observada é a absoluta necessidade e urgência para se praticar algo tão radical, como a supressão do direito à propriedade, como assim alerta o doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello:
(...) se o expropriado puder demonstrar de modo objetivo e indisputável que a alegação de urgência é inverídica, o juiz deverá negá-la, pois, evidentemente, urgência é um requisito legal para a imissão na posse, e não uma palavra mágica, que, pronunciada, altera a natureza das coisas e produz efeito por si mesma. (MELLO, p381)
Para todos os efeitos o estado que tem por si só um poder de ação desproporcionalmente maior em relação ao interesse privado, não goza desse poder de forma absoluta ou desmedida tendo a sua capacidade de restringir ou dilapidar a propriedade do particular, restrita aos seus requisitos indispensáveis, essa observância se dá na lógica de que o estado não pode suprimir direitos e garantias individuais constitucionalmente expressas, assim o judiciário por vezes toma posições favoráveis ao ente privado, quando identifica abusos de direito por parte da administração pública.
Como por exemplo nessa decisão do tribunal de justiça do estado de São Paulo que acabou por rechaçar a superioridade do interesse público sobre o privado, na revisão da apelação APL1262252720078260000, com voto do relator, Ferraz de Arruda que defendeu que no conflito entre o interesse público contra o privado sofre mitigações ao permitir-se ser aplicada de maneira suplementar a outros dispositivos legais.
5.0- OUTRAS LIMITAÇÕES AO EXERCICIO DA PROPRIEDADE.
Mesmo o princípio do direito à propriedade sendo estabelecido como clausula pétrea e direito fundamental, tal direito é vislumbrado em toda a sua importância tanto na constituição de 1988 quanto no código Civil que em consonância como texto constitucional, estabelece garantias a propriedade e algumas das restrições a esse direito no seu artigo 1228 § 1o:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
Algumas restrições descritas no artigo citado, fazem referência a manutenção e preservação, referenciando legislações especiais especificas no trato de temas, como patrimônio histórico e meio ambiente, essas legislações apresentam não só restrições como eventualmente modalidades, não só de desapropriação mediante pagamento, como também de expropriação da propriedade, caso o proprietário venha a cometer determinados atos tipificados e puníveis em lei, um exemplo consistente desse tipo de legislação está na lei 8.257/91 em seu artigo primeiro que traz a seguinte redação:
Art. 1° As glebas de qualquer região do país onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, conforme o art. 243 da Constituição Federal.
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializado no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias.
Essa lei não só discorre sobre a expropriação da gleba “Imóvel rural”, mas também discorre sobre a expropriação de bens dos mais variados que forem apreendidos em função desse tipo de ato ilícito, uma outra forma de expropriação além da apresentada em tela, foi incluída ao texto constitucional, com a emenda constitucional N? 81, de 05 de junho de 2014, após a sua edição, o artigo 243 da constituição Federal passou a vigorar como seguinte texto:
"Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.
Uma outra restrição ao exercício do direito à propriedade se dá em relação ao meio ambiente, tendo em vista que mesmo em espaços privados a legislação garante a proteção de fauna flora, dos recursos naturais, em resumo, bens pertencentes a coletividade, a constituição trata o meio ambiente como um bem, e um direito inerente a todo o povo tendo um capítulo dedicado exclusivamente a essa temática, apresentando no caput do Art. 225 o seguinte texto:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. ”
Fauna, flora, recursos naturais e patrimônio cultural, são bens indisponíveis, pertencem ao povo como um todo, e não podem ser mitigados em função do direito à propriedade. O desrespeito a esses bens constitucionalmente protegidos, remete a punições, nas esferas penal, cível e administrativa, existindo inclusive uma legislação específica que trata de crimes ligados ao meio ambiente trata-se da Lei n.º 9.605 de 12 de fevereiro de 1998 (Lei de Crimes Ambientais), tipificados por essa lei estão os crimes contra a fauna a flora, crimes que envolvem a poluição, exploração mineral e abusos contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural.
Uma outra inovação em relação a observância da necessidade coletiva em face do interesse privado está na lei de aguas (Política Nacional de Recursos hídricos) LEI Nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que traz a seguinte descrição em seu art. 1°(incisos I e IV): “I - a água é um bem de domínio público; III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais;” Aqui o legislador interpreta que mesmo em reservatórios privados, algo extremamente comum em áreas muito secas do Nordeste, a agua é um recurso que não deve ser desperdiçado e seu acesso não pode ser impedido.
6.0- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consagrado como um direito fundamental, em tese absoluto e previsto em diversas legislações no decorrer do tempo, o direito à propriedade é um dos pilares em que se apoiou o avanço das sociedades até os dias de hoje, porém esse direito em tese absoluto e inalienável ao passo em que se fundamentava, com o avanço da própria sociedade humana se configurava como um instrumento de liberdade individual em detrimento a anseios de outrem.
A sociedade moderna que se firma com as premissas, de liberdade, igualdade e fraternidade, apresentavam o direito à propriedade, sintetizando nesse aspecto o interesse daqueles, que desejavam a proteção da propriedade que possuíam em face do estado, sendo que tal direito não se estendia para aqueles que se quer possuíam propriedades a serem protegidas, tal observação facilmente se aplica a como a propriedade foi tratada na história do Brasil, ao longo de vários séculos, da colonização, império e boa parte da nossa história republicana.
No Brasil, em certo atraso em relação a diversos outros países, no decorrer do Século XX, em especial na suas últimas décadas, o direito à propriedade passou a ser visto, não apenas como instrumento inquestionável da vontade do particular, mas além disso como um bem que perpassa a vontade do indivíduo em detrimento a coletividade, e de certa forma com a Constituição de 1988, fundamenta-se uma nova forma de se interpretar o direito à propriedade, não desrespeitando o princípio que é clausula pétrea desse texto constitucional, mas fazendo a ponderação desse com outros princípios e garantias também constitucionalmente expressos.
A propriedade passa a ser vista como sendo um fenômeno possuidor de prerrogativas, dotado de uma função social, de uma finalidade econômica, de limitações, restrições e de vedações, seja pela preservação de bens valiosos para a coletividade, seja para impedir o uso da propriedade para fins prejudiciais ao bom convívio social, e nesse ínterim, surge a flexibilização desse princípio, a possibilidade de restrição, desapropriação e de forma mais gravosa a expropriação como mecanismo punitivo ao proprietário que descumpre as limitações impostas em lei.
É também a propriedade reconhecida como item fundamental a sobrevivência e subsistência, e através de instrumentos como o Usucapião, inovação descrita tanto na Constituição Federal de 1988, como no código civil de 2002, um método em que se propicia ao mesmo tempo a perda e aquisição da propriedade, perda para aquele que não exercitou efetivamente o uso adequado da propriedade, aquisição para aquele que cumpriu os requisitos para tal, consagra-se assim através desse estatuto um princípio equiparado ao direito a propriedade, a imposição diante desse direito da efetivação da sua função social.
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REALE, Miguel. Visão geral do novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002
Graduado em história Especialista em história contemporânea, acadêmico em Direito e professor.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Antonio Wilton da. Considerações sobre o direito à propriedade, da evolução interpretativa a função social da propriedade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 abr 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52775/consideracoes-sobre-o-direito-a-propriedade-da-evolucao-interpretativa-a-funcao-social-da-propriedade. Acesso em: 23 dez 2024.
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