RESUMO: O presente trabalho visa analisar o instituto da intervenção federal, conceituando-o e enumerando os pré-requisitos para que seja instituído, analisar-se-á a possibilidade da sumarização e a pluralização de legitimados no caso de conspurcação de direitos humanos do rito intervencionista, averiguando se a celeridade confabula com os ditames republicanos. Em especial, analisar-se-á se a não-intervenção na Penitenciária de Pedrinhas no Maranhão está em conformidade com os anseios do constituinte originário. Analisar-se-á, ainda, a eficácia da medida, e quais seriam as ações executórias capazes de sanar os casos de conspurcação a direitos fundamentais. Buscar-se-á, assim, elucidar esse instituto tão necessário na rotina Republicana que apesar de ser utilizado apenas em casos de excepcional urgência, está sendo negligenciado em casos que clamam pela intervenção federal. Palavras-chave: Intervenção Federal, Penitenciária, Direitos Fundamentais.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito de intervenção federal. 3. Caso Penitenciária Pedrinha/MA. 6. Conclusão. 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Propedeuticamente, faz-se necessário conceituar o instituto da intervenção federal, o qual representa a ruptura temporária da autonomia dos entes federativos em virtude da incidência de alguma das hipóteses estabelecidas pela Constituição da República Federativa do Brasil em seu artigo 34. Dentre elas se encontra: assegurar a observância do princípio constitucional dos direitos da pessoa humana, aduzindo que caso os Estados não sejam bem sucedidos no seu papel institucional de conter atos de menoscabo aos direitos humanos, a União tem a prerrogativa de intervir e restaurar esses direitos. Ou seja, a própria Constituição da República relativiza o princípio federativo, obtemperando que há a necessidade de um ente federativo intervir em outro para assegurar determinados valores necessários para a preservação da dignidade humana.
O princípio da autonomia é o responsável pela manutenção da federação, garantindo, assim, que cada ente federativo possa atuar dentro dos limites adstritos pela Constituição da República Federativa do Brasil, mas sem que um intervenha no outro, sendo a intervenção federal a exceção a esse princípio.
Dentre as características do instituto em comento encontram-se a sua natureza política, uma vez que a sua decretação depende de uma análise de conveniência e oportunidade dos agentes responsáveis pela aferição de sua incidência, além do caráter provisório, visto que não se pode prolongá-lo indefinidamente no tempo sob pena de incontornável estiolamento do sistema federativo, podendo, inclusive, causar uma ruptura institucional.
Há muito, a violência dentro dos presídios vem estiolando de maneira contundente o núcleo dos direitos fundamentais dos presos. Chacinas, coações e outros tipos de atrocidades vem sendo cometidos dentro dos presídios brasileiros. Dentre os casos mais notórios da atualidade, encontra-se o da Penitenciária de Pedrinhas no Maranhão, no qual facções criminosas tem dominado dentro e fora dos muros do ergástulo, trazendo a insegurança para a população e para os próprios encarcerados, os quais ficam extremamente vulneráveis tornando-se presas das facções rivais. Impensável admitir que o preso, o qual representa um ser humano destituído de sua liberdade ambulatorial, estando sob custódia do Estado, tenha a sua incolumidade física vulnerada, e sua vida ceifada de uma forma inaceitável e sórdida, por intermédio de torturas, decapitação e esquartejamento.
É, pois, notório que o Estado do Maranhão não tem conseguido conter os tentáculos das organizações e a mídia veicula essa total falta de controle. Em busca de respostas, os olhos do público se voltam para a Intervenção Federal, a qual tem de ter o gatilho do processo administrativo detonado pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, uma vez que a Lex Mater consigna ser atribuição do Procurador-Geral da República o pedido de Intervenção no caso da conspurcação dos direitos humanos ao Supremo Tribunal Federal.
Inobstante a necessidade premente da decretação da intervenção federal, as autoridades continuam inertes ante tal estado das coisas. Nenhuma petição endereçada ao Supremo foi impetrada, ressaltando que o processo é duradouro, visto que além de esperar a pauta para julgamento do Supremo Tribunal Federal, ainda precisa ser direcionado ao Presidente da República para a elaboração do decreto de intervenção dimensionando cada medida que será tomada no caso em tablado, ou seja, demanda estudos estratégicos e a elaboração de um plano de ação, além de poder conter a nomeação de um interventor para aquela unidade. Não bastasse esse trâmite, já muito atribulado, após a elaboração do decreto, esse ainda deve ser direcionado para aprovação do Congresso Nacional no qual se sabe que a celeridade não é ordem do dia.
É, pois, frustrante a existência de um instituto que possui tamanho peso institucional ser desacreditado em virtude da burocracia excessiva, da existência de um único legitimado, fato esse que estreita as possibilidades de análise plúrima para a aferição da urgência e necessidade, além do total descaso com casos que comovem e escandalizam a opinião pública tal qual o da Penitenciária de Pedrinhas no Estado do Maranhão.
Percebe-se que não é o primeiro caso de um presídio que estando completamente fora de controle institucional clama pela intervenção federal, visualize-se o caso do presídio Urso Branco, conforme matéria jornalística(online, BORGES):
Urso Branco – Em 2008, o então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, pediu intervenção federal em Rondônia após novas denúncias de tortura e mortes em série de detentos no presídio Urso Branco, em Porto Velho. “Nos últimos oito anos contabilizaram-se mais de cem mortes e dezenas de lesões corporais [contra presos], fruto de motins, rebeliões entre presos e torturas eventualmente perpetradas por agentes penitenciários”, disse o chefe do Ministério Público na época. O caso, porém, nunca foi julgado pelo STF.
Ressalte-se que casos como o do Presídio Urso Branco, caso não contidos no âmbito nacional, são alvo de processos nas cortes internacionais na busca pela contenção do menoscabo aos direitos humanos, vulnerabilizando, dessa forma, a soberania brasileira e atestando o despreparo nacional na contenção de problemas domésticos que reverberam a nível universal, não é admissível que um ser humano objeto de uma reprimenda penal como o cárcere seja vítima de esquartejamento dentro de um presídio, conforme matéria jornalística que aduz ter sido o Brasil sujeito passivo de um processo na Comissão Interamericana de Direitos Humanos – OEA, in verbis:
Em 2002, uma rebelião de detentos terminou com 27 mortes em Urso Branco. Foi o pior massacre em um presídio desde o Carandiru, em 1992. O episódio rendeu ao Brasil um processo na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, que ainda monitora o local. Na época, a rebelião ocorreu após confronto de facções criminosas rivais. Detentos foram decapitados e tiveram os corpos mutilados e esquartejados.
Faz-se, pois, necessário o debate sobre o tema em comento em busca de uma maior participação popular na decisão de intervenção, evitando, assim, que reine o caos sobre os presídios e que processos contra o Brasil proliferem em cortes internacionais, as quais apuram violação a direitos humanos.
2. CONCEITO DE INTERVENÇÃO FEDERAL
O Sistema Federativo brasileiro foi instituído há mais de cem anos, tendo sido proclamado pela Constituição Republicana de 1891. Inobstante a sua instituição, fez-se necessário operacionalizar mecanismos para que permaneça inabalável e livre de ameaças que possam fragilizá-lo ou destruí-lo, oferecendo, assim, a segurança necessária à estrutura federativa.
Da necessidade de proteção desse sistema contra ingerências deletérias decorre o instituto da Intervenção que, dentre outros objetivos, foi delineado pela norma constitucional para assegurar a permanência dos fundamentos federativos, erguidos há mais de um século, diante de situações adversas e que ponham em risco o seu cerne.
A intervenção federal é uma medida excepcionalíssima, uma vez que mitiga a autonomia dos Estados, Distrito Federal e Municípios contidos em território federal, sendo, pois, de parca utilização, somando-se ao fato do Supremo Tribunal Federal ser extremamente cauteloso para deferi-la, fato esse que a torna um instituto raramente executado no território nacional.
Abaixo conceito de intervenção federal exposto por Marcelo Novelino (pág.726, 2014), o qual alega que tal instituto é a exceção ao princípio da autonomia:
A intervenção pode ser definida como uma medida excepcional, de natureza política, consistente na possibilidade de afastamento temporário da autonomia política de um ente federativo quando verificadas as hipóteses taxativamente previstas na Constituição. O princípio da autonomia das entidades componentes é uma das notas características do Estado Federal. A intervenção federal, enquanto mecanismo constitucional de intromissão do ente central em assuntos dos Estados-membros é a antítese da autonomia, por suprimi-la temporariamente, a fim de preservar outros valores constitucionalmente protegidos.
Existem, hoje, duas modalidades principais de intervenção. A uma, a intervenção federal nos Estados-membros, no DF (Distrito Federal) e nos Municípios que localizados em territórios federais. E, a dois, a intervenção estadual em seus respectivos Municípios.
Nessa linha, a doutrina explica que a intervenção federal nos Estados pressupõe, sempre, a existência de situação de risco à segurança do Estado, ao equilíbrio federativo, às finanças estaduais ou, por fim, à estabilidade da ordem constitucional. Assim, tem como finalidade precípua a preservação do vínculo federativo, da unidade do Estado Federal e da integridade das unidades federadas.
A Constituição da República Federativa do Brasil elenca as hipóteses nas quais o Presidente da República pode dar início à intervenção, quais sejam: a manutenção da integridade nacional, nos casos em que uma unidade federativa queira separar-se na tentativa de criação de um novo ente soberano dentro do território nacional, repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da federação em outra, evitando, assim, que qualquer parcela do território nacional seja dominado, fazendo com que o poder político central perca sua ingerência político-econômica sobre a localidade, pôr termo a grave comprometimento na ordem pública – “black blocks”, rolezinhos e quaisquer outros tipos de manifestações as quais causem depredação do patrimônio público e partículas ou que representem um abuso do direito de expressão, garantia do livre exercício dos poderes em qualquer unidade da federação (ressalte-se que o presidente nessa hipótese só pode intervir para garantir o livre exercício do Executivo e do Legislativo, uma vez que é o Supremo Tribunal Federal quem representa a favor do livre exercício do Judiciário) e reorganização das finanças da unidade da federação, visto que em virtude da repartição do saldo tributário os entes federativos precisam prestar contas quanto á aplicação das verbas repassadas, evitando, assim, deturpações do intuito legal.
Insta, pois, citar o entendimento do indigitado doutrinador José Afonso da Silva (SILVA, pág. 323), o qual aduz serem as hipóteses de intervenção realmente excepcionais, visto que redundam em uma ruptura do sistema federativos, hipertrofiando o poder da União nos casos em que esta intervém nos estados, conforme abaixo se transcreve:
Os pressupostos de fundo da intervenção federal nos Estados constituem situações críticas que põem em risco a segurança do Estado, o equilíbrio federativo, as finanças estaduais e a estabilidade da ordem constitucional. Trata-se de um instituto típico da estrutura do Estado federal.
Já nos casos em que o livre exercício do Poder Judiciário estiver sob ataque ou quando houver a necessidade de prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial, o Supremo Tribunal Federal no primeiro caso e os tribunais superiores além do STF no segundo caso terão a prerrogativa de instaurar o processo interventivo, tal legitimação se faz necessária para evitar que tribunais, os quais não tiveram sua decisão desobedecida intervenham na iniciativa do processo interventivo.
3. CASO PEDRINHAS
O Complexo Penitenciário de Pedrinhas, originalmente Penitenciária de Pedrinhas, é uma prisão brasileira, situada no 15 km da BR-135, Bairro Pedrinhas, na Cidade de São Luís, Maranhão, integrando Presídio feminino, Centro de Custódia de Presos de Justiça (CCPJ), Casa de Detenção (Cadet), Presídio São Luís I e II, Triagem, o Centro de Detenção Provisória (CDP).
Sua inauguração foi em 12 de dezembro de 1965 durante a gestão do governador maranhense Newton de Barros Belo. Edificando-se em um terreno acidentado de natureza árida, quase imprópria para a agricultura, ou seja, cenário profícuo para o encarceramento. Seu funcionamento começou de forma precária e improvisada. A cozinha, por exemplo, era localizada numa pequena casa feita de taipa, coberta de telhas; o fogão, uma pequena caldeira funcionando a lenha; a luz era fornecida por um motor a óleo e a água era de poço.
Hodiernamente, três facções criminosas atuam no presídio de Pedrinhas/MA, as quais atendem pelos nomes que seguem: Anjos da Morte, Primeiro Comando do Maranhão e Bonde dos 40. As duas primeiras são compostas por detentos do interior do Estado, cujos apelidos são “baixadeiros”, e a última pelos da capital. Ressalte-se que o detento é forçado a aderir a um grupo logo quando chega ao presídio, assim traçando o seu destino não apenas enquanto estiver sob o teto do presídio, mas também no momento de sua soltura, visto que tais facções não restringem os seus tentáculos aos muros do ergástulo. A disputa de poder entre as gangues deixou dez mortos em uma rebelião ocorrida em outubro de 2014.
No que tange aos motins, esses são frequentes desde 2002. As maiores rebeliões ocorreram em novembro de 2010, quando dezoito presos morreram, e em outubro de 2013, o qual terminou com dez vítimas. As rebeliões são sucedidas por retaliações das facções. Pelo menos sessenta e dois presos foram exterminados desde janeiro de 2013.
Insta consignar que o presídio fora construído para albergar 1.700 presos, entretanto os dados oficiais relatam que 2.200 encontram-se sob custódia, já dados extraoficiais garantem que a população presidiária é de mais de 2.500 detentos. Segundo o relatório do CNJ, as condições sanitárias e de sobrevivência são mínimas e duzentos a trezentos presos chegam a dividir o mesmo pavilhão sem a observância do principio da individualização da pena. Até os enfermos mentais, os quais deveriam ser custodiados em manicômio judicial ou hospital psiquiátrico, encontram-se imiscuídos em celas comuns.
Em outubro de 2013, fora decretada situação de emergência pelo governo do estado do Maranhão, conforme se aduz abaixo (online, rodrigues):
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 60 presos foram mortos no interior de estabelecimentos prisionais maranhenses ao longo do ano passado. Há casos de violência extrema, em que os detentos mortos foram decapitados. A situação levou o próprio governo estadual a decretar, em outubro, situação de emergência no sistema prisional e a pedir a presença da Força Nacional para garantir a segurança no Complexo de Pedrinhas.
Inobstante tal estado das coisas, o Supremo Tribunal Federal indeferiu a representação do Procurador-Geral da República para a intervenção federal se operacionalizar no Presídio de Pedrinhas. Difícil, pois, compreender o porquê de tal indeferimento, uma vez que é flagrante para qualquer cidadão a insuficiência das possibilidades estatais em coibir tal estado das coisas.
Esse fato provoca uma reflexão sobre qual calamidade deve se abater em solo brasileiro para que o Supremo Tribunal Federal considere cabível a mitigação da Federação. De qualquer forma, mesmo quando o STF não defere tal medida interventiva, os Tribunais Internacionais aquiescem a necessidade de ingerência nos assuntos domésticos brasileiros. É, pois, inaceitável que a resistência do STF em deferir tal medida, aguardando uma hipótese tão extirpada de dúvidas que pode talvez jamais existir no mundo fático, aceitando, assim, que a soberania nacional seja afetada pela influência de tribunais internacionais, os quais se veem no papel de guardiões dos direitos e garantias fundamentais.
O jornalista Felipe Frazão (FRAZÃO, online) narra as atrocidades que vem sendo cometidas dentro do Presídio de Pedrinhas, afirmando existir, inclusive, vídeos, os quais mostram a vituperação da dignidade humana, transcreve-se a passagem abaixo:
Imagens fortes de um vídeo citado no relatório do CNJ mostram um preso ainda vivo com a perna dissecada, com os músculos, tendões e ossos à mostra. Em outros vídeos e fotos aparecem presos com as cabeças cortadas e os corpos esquartejados. Um outro detento morto foi encontrado pelos policiais na área de descarte do presídio com os membros distribuídos em sacos de lixo. Em outros registros, um preso teve a cabeça arrancada e inserida no próprio abdômen.
Como aceitar que as autoridades internacionais constatem a necessidade da intervenção, enquanto o STF continua recalcitrante no que tange ao deferimento da intervenção federal? Casos como o de Pedrinhas demonstram o total menoscabo aos direitos e garantias constitucionais, se o Estado do Maranhão não consegue conter os impulsos atávicos de seus encarcerados, qual o motivo para o Supremo Tribunal não permitir que a União busque sanar os danos? Tais questões precisam de contornos jurisprudenciais claros, não se pode mais olvidar a necessidade de impor contornos mais fortes ao instituto em comento, sob pena da sua completa subutilização.
A incapacidade do Estado do Maranhão de conter a barbárie foi exposta por matéria publicada no sítio do Conselho Nacional de Justiça (VASCONCELLOS, online) o qual se reporta ao Relatório do CNJ:
“A precariedade do sistema prisional maranhense já foi constatada em momentos anteriores, em especial por este Conselho Nacional de Justiça”, destacou o juiz no diagnóstico encaminhado ao ministro Joaquim Barbosa. “O Governo do Estado do Maranhão já recebeu várias indicações da necessidade de estruturar o sistema com o preenchimento dos cargos na administração penitenciária, construção de pequenas unidades prisionais no interior do Estado, além de outras medidas estruturantes que possibilitem ao Estado o enfrentamento das facções do crime organizado”, acrescentou.[...] O diagnóstico encaminhado ao presidente do CNJ também traz críticas à postura do governo do Maranhão diante de indícios de atos de tortura que teriam sido praticados por agentes públicos contra presos. Segundo escreveu o juiz Douglas Martins, “o Estado tem se mostrado incapaz de apurar, com o rigor necessário, todos os desvios por abuso de autoridade, tortura, outras formas de violência e corrupção praticadas por agentes públicos”.
Outrossim, os crimes perpetrados dentro dos muros do ergástulo não se resumem aos contra vida, os crimes sexuais contra as companheiras e as esposas dos detentos acontecem em profusão, em virtude da ausência de grades em muitas celas, conforme se visualiza abaixo (VASCONCELLOS, online):
O magistrado relata também a ocorrência de abuso sexual contra mulheres que visitam presos no Complexo Penitenciário de Pedrinhas. Segundo ele, detentos sem poder de comando, para não morrerem, são obrigados a entregar suas mulheres a outros internos, e a violência sexual é favorecida pela falta de grades nas celas, retiradas durante as diversas rebeliões ocorridas no complexo. Dessa forma, as visitas íntimas acontecem sem qualquer privacidade e segurança, uma vez que os presos circulam por diferentes celas, sem restrição.
Corroborando com o clima de total descontrole dentro e fora dos muros de Pedrinhas, no dia 10 de setembro de 2014, um caminhão bateu contra o muro da penitenciária, ato esse orquestrado pelas facções criminosas para libertar os presos, conforme se visualiza em reportagem do Imirante ( IMIRANTE, online):
A Secretaria de Estado de Justiça e Administração Penitenciária (Sejap) informa que foi confirmada a fuga de 6 detentos do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, logo após um caminhão caçamba ter derrubado, criminalmente, o muro dos fundos do Centro de Detenção Provisória (CDP), na noite desta quinta-feira (10). Um detento foi recapturado e quatro ficaram feridos durante a ação de contenção de fugas.
Em reportagem de Aliny Gama (GAMA, online) para o sítio UOL, é exposto o nível de descrédito da segurança no presídio de Pedrinhas, o qual é taxado de sem condições de manter a integridade física dos presos, conforme se depreende do abaixo exposto:
O complexo penitenciário de Pedrinhas foi classificado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) como "extremamente violento" e "sem condições de manter a integridade física dos presos". Sessenta presos foram assassinados em 2013 no complexo. Neste ano já são 13 mortes ocorridas em Pedrinhas e 22 assassinatos em todo o sistema penitenciário do Estado.
O cenário presidiário está tão periclitante que em menos de duas semanas uma nova tentativa de fuga perpassou os muros do ergástulo, expondo ao Brasil e ao mundo o completo despreparo tanto das autoridades estaduais quanto das federais na contenção dos intentos criminosos. Conforme se depreende de matéria jornalística (GLOBO, online):
Uma nova tentativa de fuga de presos foi registrada na Casa de Detenção ( Cadet) do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, nesta quarta-feira (17). As imagens foram mostradas pelo repórter Alex Barbosa e o cinegrafista Miguel Nery, da TV Mirante, ao vivo, pela GloboNews. Presos pularam o muro da unidade e foram cercados por policiais. Nesta semana, o então diretor da unidade, Cláudio Barcelos, foi preso por suspeita de facilitação de fugas, e o Pastor Noleto Gomes da Silva foi nomeado para o cargo, segundo a Superintendência Estadual de Investigações Criminais (Seic).Durante a madrugada desta quarta-feira, um grupo de detentos fugiu por meio de um túnel do Presídio São Luís I (PSL I), que também faz parte do Complexo Penitenciário. De acordo com Secretaria de Justiça e Administração Penitenciária, 13 presos fugiram do PSL I.
Continua a sua narração mencionando a fuga perpetrada em menos de uma semana e relatando a superlotação do presídio, fato esse que indubitavelmente vem causando o infortúnio do sistema prisional, não apenas pela facilitação das fugas, visto que há uma desproporção entre o número de agentes prisionais e o número de detentos, mas pela completa indiferença quanto ao bem-estar dos seres humanos encarcerados, relevando, assim, que a maturação dos direitos humanos ainda tem muitos obstáculos para se fazer ecoar de forma retumbante na vida de todos os seres dotados de dignidade humana formal, mas não material in verbis:
A fuga registrada no túnel do do Presídio São Luís I (PSL I) é aa segunda registrada em Pedrinhas neste mês. No dia 10 de setembro, 36 presos fugiram do Centro de Detenção Provisória (CDP) da penitenciária depois que quatro homens roubaram uma caçamba, fizeram o motorista refém e o obrigaram a atingir e abrir um buraco no muro da unidade. De acordo com levantamento do Sindicato dos Servidores do Sistema Pentenciário do Maranhão (Sindspem-MA), 92 presos já fugiram dos presídios de Pedrinhas este ano. Segundo cadastro de inspeção da 1ª Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA), a capacidade total do Complexo Penitenciário seria de 2.104 presos, excluído o Centro de Triagem, mas a lotação é de 2.497 detentos. O Presídio São Luís I, onde ocorreu a fuga nesta madrugada, tem capacidade para abrigar 144 presos em regime fechado. Até antes do ocorrido, 270 homens estavam presos na casa, sendo 50 presos provisórios, 44 em regime semi aberto e 176 em regime fechado. No Centro de Triagem, que não possui cadastro de capacidade porque não faz parte do relatório de inspeção, atualmente há 200 homens.
Tais fugas em sequência, com o interregno de uma semana entre elas, confabulam em profusão com a necessidade de intervenção federal no sobredito presídio, visto que não se pode entender que tal situação se encontra sob controle das autoridades do Estado do Maranhão. O Supremo Tribunal Federal não está vinculado à requisição do Procurador-Geral da República, nem à imprensa nacional, mas está, sim, vinculado à moralidade, sendo uma atitude contrária à moral a omissão no deferimento do decreto interventivo. Entender o contrário é decidir teratologicamente, demonstrando, assim, não observar os ditames constitucionais.
Obtempera-se que a corrupção e o despreparo na cúpula da administração prisional são fatores decisivos para o descontrole constatado por intermédio das várias matérias jornalísticas colacionadas no presente trabalho. As repercussões deletérias não apenas a nível carcerário, mas social são imensuráveis, iniciando pelo descrédito interno das instituições brasileiras e finalizando pela desmoralização internacional de um país incapaz de conter a iniquidade dentro de um ambiente teoricamente controlado com maior rigor pelo Estado.
Corroborando com o acima exposto, verifica-se que o diretor do Presídio de Pedrinhas fora preso no dia 15-9-14 com suspeita de ter auxiliado os detentos nas fugas, tal fato demonstra o total despreparo do Estado do Maranhão em fiscalizar os detentores do poder prisional, conforme se depreende do texto transcrito abaixo (COISSI, online):
A Polícia Civil do Maranhão prendeu na manhã desta segunda-feira (15) o diretor do CADET (Casa de Detenção), um dois oito presídios do Complexo de Pedrinhas, palco de mortes violentas desde 2013.Ele é suspeito de ter facilitado a fuga de detentos. Claudio Henrique Bezerra Barcelos é investigado por facilitação de fuga, corrupção passiva e prevaricação. Em sua casa e em seu gabinete foram apreendidos documentos e computadores. Os detentos que teriam saído da cadeia por intermédio de Barcelos são todos de alta periculosidade e envolvidos com facções criminosas, de acordo com Augusto Barros, delegado-geral adjunto da SSP (Secretaria de Estado da Segurança Pública). Eles ainda estão foragidos .
A jornalista continua a sua análise o modus operandi do diretor do presídio, o qual planejava deixar os detentos saírem sem tirá-los do sistema eletrônico, o qual controla a localização dos presos, fazendo, assim, com que formalmente os presos continuassem encarcerados, mas livres de fato, conforme se depreende do texto abaixo colacionado (COISSI, online):
A estratégia do diretor, segundo a linha de investigação, era deixa-los sair, mas manter no sistema eletrônico, ao qual ele tinha acesso, a informação de que aqueles presos continuariam encarcerados. Segundo a apuração, Barcelos soltava presos alegando que eles participariam de audiências da Justiça ou que tinham direito à saída temporária, quando não havia nenhuma decisão judicial concedendo o benefício.
Em seu depoimento à polícia, o diretor alegou em sua defesa que facilitou a fuga de apenas quatro dos sete detentos e que não houve pagamento por tal comodidade, tendo cometido tal ato criminoso apenas por amizade, conforme se depreende da continuação da matéria em análise (COISSI, online):
As investigações começaram há três meses. Entre as provas colhidas pela polícia, estão as mensagens de texto trocadas entre o diretor do CADET e os fugitivos. Em depoimento, segundo o delegado, Barcelos admitiu ter facilitado a fuga de quatro dos sete detentos , e disse que tomou a atitude apenas por amizade, sem cobrar propina. Mas, na casa do diretor, no momento da apreensão de documentos, policiais se surpreenderam com a quantidade de eletrônicos, móveis e equipamentos caros e aparentemente novos.
É evidente, pois, que um decreto interventivo faz-se necessário, nomeando-se um interventor para expurgar os elos putrefatos da administração presidiária, evitando, assim, que os direitos humanos sejam estiolados sem o menor pudor. A existência de agentes estatais com tais desvios éticos e morais corroem a tessitura estatal e social, fazendo com que haja um diuturno estiolamento de direitos fundamentais.
Com relevantes considerações, Luiz Flávio Gomes (2014, on line) afirma que o problema penitenciário não é a falta de verba, revelando que o Penitenciário Nacional tem mais de 2 bilhões de reais de saldo, ademais, aduz que o problema de Pedrinhas não se circunda à falha administração, mas, sim, passa pelo problema de desumanização, da coisificação do homem – reificação -, senão vejamos:
Os horrendos espetáculos promovidos em Pedrinhas (MA) decorrem da falta de dinheiro? Aparentemente não. É um problema de gestão? Sim, mas não apenas isso. Aqui entra o fenômeno da desumanização do “outro”, que se perfaz (a) considerando os outros (outros grupos) como diferentes, distantes e (b) tendo-os como indesejáveis, sub-humanos e extermináveis. Precisamente o que os criminosos fazem com suas vítimas, o Estado faz com aqueles. A vingança, já dizia Nietzsche, para além de pré-histórica, é uma festa (é um prazer). O que nos informa a ONG Contas Abertas? Que a verba do Fundo Penitenciario Nacional (Funpen), criado pela LC 79/94, está sobrando. Isso, evidentemente, agrava ainda mais a crise já aguda do sistema penitenciário. Existe solução? Albert Einstein dizia: “É na crise onde nascem as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise se supera a si mesmo sem ficar superado”. Que o prognóstico de Einstein seja verdadeiro! De acordo com a ONG citada, em 2014, o orçamento previsto para o Fundo é de R$ 494 milhões, mas já passados quase dez meses do ano, apenas R$ 183,3 milhões foram realmente executados (37%). Ela aponta que o saldo acumulado e não investido pode chegar a R$ 2 bilhões em 2014. Em 2000, o saldo disponível e não aplicado atingiu apenas R$ 175,2 milhões. A partir de 2004, as disponibilidades do fundo superaram os R$ 300 milhões. Em 2008, 2009 e 2010, os valores foram de R$ 514,7 milhões, R$ 610,3 milhões e R$ 795,6 milhões. Desde 2011, o saldo ultrapassou a barreira dos milhões e em 2012, o valor das disponibilidades alcançou R$ 1,4 bilhão, passando para R$ 1,8 bilhão em 2013. Para a ONG, a elevação do saldo é consequência direta das dotações orçamentárias anuais não saírem do papel.
Prossegue seu solilóquio afirmando que o único fator motivacional para um preso, o qual já tem em virtude da sentença penal condenatória o seu núcleo de direitos fundamentais estiolado, não desistir da vida e da possibilidade de ressocialização é a esperança de que terá um futuro, visto que se a esperança for perdida e o estigma de presidiário solidificar em seu ser, não há mais nenhuma pena que possa ter caráter profilático ou ressocializador, uma vez que é certo a reincidência delitiva, conforme se visualiza abaixo:
Sabe-se que a única coisa que mantêm vivos os prisioneiros (prisioneiros de um sequestrador, prisioneiros do trabalho escravo, prisioneiros dos pais carrascos, prisioneiros dos campos de concentração, em que se transformaram nossos presídios) é a crença no futuro. Sem esse futuro, a pessoa (privada da liberdade) perde o apoio espiritual, sucumbe interiormente e decai física e psiquicamente. Geralmente isso acontece de forma até bastante repentina, numa espécie de crise, cujos sintomas o recluso relativamente experiente conhece muito bem (veja Viktor Frankl, Em busca de sentido). “A crise se torna aguda quando nada mais surte efeito em relação ao preso. Ele se deita e nada mais o anima. Entrega os pontos! Fica deitado até nas próprias fezes e urina, pois nada mais lhe interessa”. Seja por falta de gestão, seja como consequência da aberrante desumanização, os presos no Brasil, tal como as vítimas dos crimes, são transformados em objetos, em coisas desprezíveis, ou seja, em homo sacers (humanos que podemos exterminar impunemente e sem nenhum sentimento de culpa). Como se vê, para se chegar no sobre-humano de Nietzsche (humano altamente civilizado) a caminhada ainda será muito longa (resta saber se haverá tempo para isso, porque a Terra desaparece em 5 bilhões de anos).
As denúncias contra o Presídio de Pedrinhas proliferam como bactéria, no dia 2 de outubro foi registrada a 17ª morte, conforme reportagem do jornal EXAME.COM (2014, online), o qual relata a total inocuidade das medidas de contenção da violência no presídio de Pedrinhas no Maranhão, instando, assim, as autoridades a tomarem medidas enérgicas e urgentes para impedir um verdadeiro genocídio carcerário, senão vejamos:
No mesmo dia em que o Ministério da Justiça prorrogou por mais 90 dias a permanência da Força Nacional de Segurança nos presídios maranhenses, o estado registrou a 17ª morte, este ano, de detentos no Complexo Penitenciário de Pedrinhas. A morte de Douglas Ferreira Coelho, 25 anos, ocorreu na tarde de ontem (2) e foi confirmada pelo governo no início da tarde de hoje (3). As autoridades da área de segurança do estado não informaram em que circunstâncias o fato ocorreu. "A Secretaria de Estado de Justiça e a Administração Penitenciária informa que a Polícia Civil fez a perícia e está investigando as circunstâncias da morte", diz a nota divulgada pelo governo do estado. Mesmo com tropas federais há quase um ano atuando no sistema prisional do Maranhão, há três semanas, 49 presos fugiram de Pedrinhas. No último dia 15, o então diretor da Casa de Detenção de São Luís, Cláudio Barcelos, foi detido preventivamente por suspeita de facilitar a fuga de presos e também autorizar, mediante pagamento, que detentos deixassem a unidade irregularmente e retornassem após cometerem crimes. Na última quarta-feira (1º) o Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) concedeu alvará de soltura para que Barcelos responda as acusações em liberdade. Maior estabelecimento prisional do Maranhão, Pedrinhas tem sido palco de rebeliões, brigas e assassinatos. Em 2013, conforme o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), houve 60 mortes. Também partiram do interior do complexo ordens para que bandidos atacassem delegacias da região metropolitana da capital maranhense e ateassem fogo a ônibus.
No dia 22 de outubro de 2014, um preso fora encontrado enforcado dentro do ergástulo, há alguma possibilidade do presídio em análise estar sob o domínio estatal? A banalização de decepações, esquartejamentos, homicídios e torturas está fazendo das penitenciárias brasileiras território árido à implementação dos direitos humanos, cabendo, assim, aos entes internacionais pressionarem as autoridades locais para tomarem providências. Abaixo reportagem do sítio G1 que relata a barbárie intramuros e a apatia estatal em conter tal estado das coisas (2014, online):
O preso identificado como Welisson Queiroz da Silva foi encontrado enforcado na madrugada desta quarta-feira (22), na cela 7, do Bloco D, da Casa de Detenção (Cadet) do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís. A Secretaria de Justiça e Administração Penitenciária (Sejap) irá instaurar inquérito para apurar as circunstâncias da morte do preso. Com o registro, sobe para 18 o número de mortes de detentos no Complexo Penitenciário de Pedrinhas em 2014.
Dessa forma, resta, pois, demonstrada a necessidade de intervenção federal no presídio supramencionado, uma vez que é conspícua a total falta de preparo das autoridades do Estado do Maranhão na contenção da barbárie intramuros. Não sendo plausível que o Supremo Tribunal Federal permita que entes internacionais tomem providências em relação à tétrica situação dos presídios enquanto o guardião da constituição queda-se inerte apenas balbuciando e repetindo que não se deve quebrar o pacto federativo sob nenhuma circunstância. Admitir tal estado das coisas é demonstrar aos outros entes soberanos o despreparo doméstico na solução de problemas globais, tais como o da conspurcação de direitos humanos.
5. CONCLUSÃO
O federalismo tem o seu núcleo indelével no princípio da autonomia dos entes os quais compõem um Estado federal. Autonomia é a capacidade de agir dentro de limites previamente estabelecidos. Ela é determinada pelas atribuições feitas pela Constituição. A ideia da intervenção é justamente o contrário da autonomia, a sua negação. É a interferência de uma entidade federativa em outra, a invasão da esfera de competências constitucionais atribuídas aos estados-membros ou aos municípios.
A intervenção federal trata-se de uma medida excepcional, ou seja, só pode ser tomada em situações extraordinárias, as quais estão expressas na Constituição da República Federativa do Brasil, suprimindo temporariamente a autonomia assegurada aos Estados, Distrito Federal e Municípios pelo constituinte originário, em virtude de uma hipótese de incidência previamente definida na Lex Mater.
Tal instituto visa, pois, resgatar a normalidade institucional que consiste no funcionamento pleno da democracia e das leis, além da observância necessária do princípio constitucional republicano - premissa de que, em qualquer situação jurídica, deve sempre prevalecer o interesse da maioria -, da soberania popular (por meio da apuração da responsabilidade dos eleitos) e da democracia. Ressalte-se que causa a supressão momentânea do princípio da autonomia dos estados membros, fragilizando, assim, o sistema federativo, o qual sofre uma micro ruptura em virtude da imprescindibilidade da intervenção da União para restaurar o estado de normalidade social que no caso em tablado se refere ao fim dos homicídios e torturas intramuros.
Nos casos de conspurcação dos direitos humanos, a competência para a decretação da medida é do presidente da República, após aprovação pelo Supremo Tribunal Federal, tendo o Procurador-Geral da República efetuado a representação interventiva, tal fato demonstra a complexidade do instituto em comento, o qual necessita da junção dos três poderes, além do Ministério Público para operacionalizá-lo, demonstrando, assim, a seriedade com que o constituinte originário lidou com esse tema. Nas situações em que a intervenção não é requisitada pelo Judiciário, o presidente pode agir atendendo a critérios de conveniência e oportunidade, demonstrando uma margem de discricionariedade e nunca arbitrariedade, sob pena de mitigação do sistema federativo.
O decreto interventivo pode suspender a eficácia de atos - retirar os efeitos de atos suspeitos ou ilegais -, afastar autoridades envolvidas e nomear interventor, entre outras medidas. No caso de afastamento de autoridades, estas retornarão ao cargo acaso não exista algum impedimento legal.
Inobstante a Intervenção Federal ser uma medida excepcional, visto que fragiliza o sistema federativo no qual cada ente deve ter a sua autonomia para que haja harmonia, evitando, assim, qualquer discriminação regional, não se pode evitar a sua aplicação por medo de conspurcar o princípio federativo. Tal cautela torna-se negligência, uma vez que o instituto, mesmo sendo de exceção, está previsto para ser utilizado e não para possuir um intuito puramente paisagístico na Constituição da República Federativa do Brasil.
Obstar a sua aplicação, em alguns casos, estiola os direitos humanos, principalmente no que tange à vida prisional, já que tais indivíduos tiveram a sua liberdade ambulatória podada, tendo que se submeter ao alvedrio do Estado. Tornam-se, pois, seriamente vulneráveis, devendo ser alvo da mais arguta proteção para evitar que o menoscabo do seu núcleo já mitigado de direitos resvale em toda a condição de ser humano.
O Estado como depositário de seres humanos deve agir de forma mais incisiva, evitando a necessidade de entes internacionais intervirem nos assuntos domésticos em virtude da incapacidade nacional na averiguação da necessidade de intervenção. Ademais, ao permitir que os detentos sejam executados, torna-se alvo do total descrédito da sociedade, visto que se mesmo em um ambiente restrito e sob alvo de segurança máxima o Estado não detém o controle, entende-se que mais restrito se torna o seu controle sob o âmbito nacional, cujo território é vastíssimo e dotado de maior complexidade geográfica que um prédio projetado como é o caso de um presídio.
Buscou-se com o presente trabalho demonstrar que há, sim, um equívoco no entendimento do Supremo Tribunal Federal na análise no artigo 34 da Constituição Federal, o qual traz as hipóteses de incidência da intervenção. Ao olvidar os ditames do legislador constituinte originário, sendo extremamente cauteloso na decretação da intervenção, conspurca a Constituição Federal e proporciona o descrédito nacional e internacional da capacidade da República Federativa do Brasil em conter atos deletérios aos direitos humanos.
É inadmissível que a Corte Constitucional nunca tenha aprovado nenhum decreto interventivo baseado na conspurcação de direitos humanos, permitindo, assim, a institucionalização da barbárie nos presídios brasileiros. Qual seria, pois, o dano à dignidade que ensejaria a intervenção, visto que esquartejamentos e decapitações ainda não supriram os quesitos inalcançáveis do Supremo Tribunal Federal para a sua decretação.
Ademais, sabe-se que o problema não advém da falta de dinheiro, uma vez que o Fundo Penitenciário possui mais de 2 (dois) bilhões de reais de saldo disponível, saldo esse que poderia estar sendo alvo de investimentos na construção de novos presídios, na segurança dos atuais, na contratação de mais agentes penitenciários, sendo, pois, uma deficiência administrativa a falta de contenção da violência intramuros.
Escândalos como o que denunciou o próprio diretor do Presídio de Pedrinhas, o qual facilitava a saída dos detentos em troca de vantagens econômicas, evidencia que os mecanismos de fiscalização operacionalizados pelo Estado do Maranhão são extremamente falhos na contenção da violência e corrupção presidiárias. Ante tal estado das coisas, tão evidente para qualquer cidadão mediano, como admitir a inércia recalcitrante do Supremo Tribunal Federal em não atender aos apelos da sociedade e do Procurador-Geral de Justiça, o qual, inclusive, já analisou a situação in locco?
Diante do exposto, visualiza-se que a recalcitrância do Supremo Tribunal Federal em deferir a intervenção federal fere, sim, o princípio da dignidade humana, visto que é notório a incapacidade do Estado do Maranhão em conter os desígnios criminosos de seus detentos. Evitar tal decreto em prol de uma suposta unidade federativa e do repudio à interferência de uma unidade da federação em outra acaba destruindo princípios constitucionais muito mais caros ao ser humano.
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Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (2013). Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Escola Superior de Direito (2017). Analista Judiciário Oficial de Justiça Avaliador Federal do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TORRES, Marjorie Brenda Gouveia Rocha. Os entraves da intervenção federal no contexto penitenciário brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 abr 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52817/os-entraves-da-intervencao-federal-no-contexto-penitenciario-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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