Resumo: Em um fenômeno que se reconhece como tendência mundial, reconhece-se a intervenção, cada vez maior, do Poder Judiciário na formatação dos direcionamentos estatais. O Judiciário brasileiro, em especial seu órgão de cúpula – o Supremo Tribunal Federal, vem gradualmente aumentando sua importância no cenário institucional nacional, de um Poder apagado e acuado no regime militar, para uma posição de centralidade na vida institucional brasileira atual, após a redemocratização e quase três décadas da Constituição Federal de 1988. O fato é que o espaço simbólico da democracia vem migrando silenciosamente da política para o Judiciário, cujas decisões cada vez mais invadem a esfera de competência dos demais Poderes do Estado. O presente artigo tem por objeto a análise dos fatores institucionais formais e informais a favorecer a expansão de poder do Judiciário brasileiro.
Palavras-chave: Poder Judiciário. Ascensão institucional. Expansão de poder.
SUMÁRIO: 1. Introdução - 2.1 Redemocratização e retorno das garantias institucionais e funcionais de juízes e tribunais - 2.2 O redesenho do sistema judicial de controle de constitucionalidade na Constituição de 1988 e ampliação dos canais de acesso - 2.3 Uma constituição abrangente/analítica – constitucionalização do direito combinada com uma tendência de judicialização e a redemocratização - 3. Aspectos informais de expansão do Judiciário - 3.1 O comportamento estratégico de atores políticos que veem no poder dos tribunais uma oportunidade de reverter decisões majoritárias nas quais foram derrotados - 3.2 Crise de representatividade das instâncias políticas e canalização para os tribunais em geral de expectativas sociais frustradas, em um cenário que o Legislativo e o Executivo são vistos como insuficientemente responsivos em relação às demandas dos cidadãos - 3.3 Constituição e ordenamento jurídico cada vez mais formado por normas abertas – delegação de poder normativo através da promulgação de princípios e cláusulas gerais (transição para um sistema descentralizado) - 3.4 Adoção, muitas vezes acrítica, pela doutrina nacional das teorias “pós-positivistas” - 4. Conclusão.
1.INTRODUÇÃO
Em um fenômeno que se reconhece como tendência mundial, reconhece-se a intervenção, cada vez maior, do Poder Judiciário na formatação dos direcionamentos estatais. O fenômeno cada vez mais presente do ativismo judicial, que se consubstancia na ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento das funções legislativa, administrativa e, até mesmo da função de governo[1], vem demonstrando uma nova repartição dos poderes e funções estatais, assumindo o Poder Judiciário uma parte expressivamente maior, isto é, uma expansão de poder dos juízes.
Em artigo, Oscar Vilhena Vieira cunha a expressão “supremocracia”[2], para simbolizar que a função de árbitro dos conflitos institucionais no Estado brasileiro, que segundo o mesmo já esteve no Poder Moderador, na época do Império; no Exército, na República Velha e nos períodos autoritários; a partir da Constituição de 1988 vem se fixando no Poder Judiciário, em especial no Supremo Tribunal Federal.
Nesse sentido, o presente trabalho não visa à discussão acerca do conceito de ativismo judicial ou mesmo de sua legitimidade democrática, já tão exaustivamente debatido na doutrina pátria. O presente artigo tem por escopo analisar justamente quais as causas, jurídicas e extrajurídicas, que permitiram a ascensão institucional do Poder Judiciário dentro do Estado brasileiro, dando substrato para o início do movimento ativista.
Conforme nos reporta Luís Roberto Barroso, no mundo contemporâneo, as principais discussões políticas, econômicas e sociais dos países ocidentais, que antes tinham seus parâmetros delimitados pelas instâncias políticas do Executivo e Legislativo, agora passam a ser discutidas no âmbito judicial. Nos Estados Unidos, o último capítulo da eleição presidencial de 2000 foi escrito pela Suprema Corte, no julgamento de Bush v. Gore. Em Israel, a Suprema Corte decidiu sobre a compatibilidade, com a Constituição e com atos internacionais, da construção de um muro na fronteira com o território palestino. Na Coréia, a Corte Constitucional restituiu o mandato de um presidente que havia sido destituído por impeachment[3].
No Brasil não é diferente. O Judiciário brasileiro, em especial seu órgão de cúpula – o Supremo Tribunal Federal, vem gradualmente aumentando sua importância no cenário institucional nacional, de um Poder apagado e acuado no regime militar, para uma posição de centralidade na vida institucional brasileira atual, após a redemocratização e quase três décadas da Constituição Federal de 1988.
Somente na presente década, o STF equiparou as uniões homoafetivas às uniões estáveis convencionais, abrindo caminho para o casamento entre pessoas do mesmo sexo[4]; autorizou a interrupção da gestação de fetos anencefálicos[5]; definiu o rito do procedimento de impeachment da ex-Presidente da República Dilma Roussef declarando inconstitucionais dispositivos do Regimento Interno da Câmara dos Deputados[6]; determinou cautelarmente a suspensão do exercício das funções parlamentares do Presidente da Câmara dos Deputados[7]; reconheceu que o sistema penitenciário brasileiro vive um “Estado de Coisas Inconstitucional” com violação generalizando de direitos fundamentais dos presos, atribuindo ao próprio STF o papel de retirar os demais Poderes da inércia, podendo coordenar ações visando resolver o problema e monitorar os resultados alcançados, levando a Corte a assumir um papel atípico, sob a perspectiva do princípio da separação de poderes, que envolve uma intervenção mais ampla sobre o campo das políticas públicas[8].
Mas não só o STF vem assumindo o papel “moderador” da vida institucional brasileira, nas demais instâncias judiciais, cotidianamente são prolatadas decisões obrigando o poder público ao cumprimento das mais variadas políticas públicas, como vagas em creches e escolas, concessão de medicamentos e leitos hospitalares, sem se falar no campo da justiça criminal, como a operação Lava-Jato.
Tudo isso demonstra uma expansão no poder do Judiciário sem precedentes na história brasileira. Todavia, questiona-se: o que pode explicar a transformação do papel do Judiciário, em especial do STF – da periferia para o centro do debate político nacional – nessas três décadas?
Como forma de oferecer uma resposta adequada a esta questão, propõe-se um elenco fatores que, para melhorar a didática do trabalho, serão divididos entre aspectos formais (institucionais-positivos) e informais que conduziram a tal movimento.
Os aspectos formais, tratados no capítulo inicial, são aqueles que estão expressamente previstos no desenho institucional formal do ordenamento jurídico, isto é, estão positivados pela norma jurídica, entre eles serão analisados no capítulo: a) a redemocratização e o retorno das garantias institucionais e funcionais do Poder Judiciário com a CF/88; b) o redesenho do sistema judicial de controle de constitucionalidade na Constituição de 1988, ampliando tanto os poderes e a forma de exercício da jurisdição constitucional, como também os diferentes canais pelos quais esses poderes podem ser acessados pela sociedade; c) a “constitucionalização abrangente” já que o texto constitucional, por ser simultaneamente amplo e detalhado, facilita que debates políticos ou morais sejam considerados judicializáveis; d) a delegação de poder normativo/de decisão ao Poder Judiciário pelo próprio legislador através de textos jurídicos, inclusive a Constituição, eivados de normas abertas, como princípios e cláusulas gerais.
Por outro lado, existem aspectos que não constam do desenho formal das instituições nem positivados pela norma jurídica, mas que consistem em comportamentos dos atores sociais e institucionais, e que são fundamentais para a compreensão do atual papel do judiciário no Estado brasileiro, entre eles, serão apreciados:
a) O comportamento estratégico de atores políticos que enxergam nos tribunais a oportunidade de reverter decisões majoritárias nas quais foram derrotados;
b) A crise de representatividade a consequente canalização, das instituições políticas para os tribunais em geral, de expectativas sociais frustradas – o Judiciário como “guardião das promessas”; c) A adoção, por vezes acrítica e incompleta, de teorias pós-positivistas estrangeiras e o fascínio dos atores jurídicos nacionais com a redescoberta dos princípios.
Para toda consequência existem uma miríade de situações que podem ser indicadas como causa, em uma realidade contemporaneidade tão interligada. Sem embargo desta constatação, nas páginas seguintes pretendo discutir as razões de ordem institucional e mesmo não-institucionais que considero, precipuamente, terem favorecido a expansão dos poderes do Judiciário no Estado brasileiro.
2. FATORES INSTITUCIONAIS/POSITIVADOS DE EXPANSÃO DE PODER DO JUDICIÁRIO
2.1 Redemocratização e retorno das garantias institucionais e funcionais de juízes e tribunais
A redemocratização trouxe consigo o retorno das liberdades democráticas e das garantias institucionais dos Poder Judiciário e funcionais dos magistrados. Garantias e liberdades suprimidas no período do regime de exceção.
O regime militar perdurou de 1º de abril de 1964, com o golpe de estado que destituiu o Presidente João Goulart do poder, até 15 de março de 1985. As pouco mais de duas décadas do regime, foram marcadas por fases de maior ou menor repressão política, a incluir censura, prisões ilegais, tortura e mortes. Período no qual vigoraram as Constituições de 1946 e de 1967, assim como a Emenda Constitucional nº 1, de 1969.
Inobstante tal fato, paralelamente à ordem constitucional foram editados os denominados “atos institucionais”, cujo símbolo maior foi o Ato Institucional nº 5, de 15.12.1968. Com base em tal ato, facultava-se ao Presidente da República decretar o recesso do Congresso Nacional, cassar mandatos parlamentares, suspender direitos políticos, aposentar compulsoriamente juízes e membros do Ministério Público, demitir servidores públicos, entre outras arbitrariedades, estando excluídas de apreciação judicial as ações do Presidente nele fundadas[9]. Nesse cenário, verificou-se uma retração significativa da autonomia e dos poderes do Judiciário, como nos reporta o ilustre advogado Sobral Pinto:
Entra pelos olhos de quem quer ler com isenção que no Brasil destes dias só existe um Poder soberano: o Presidente da República. O Poder Legislativo, quer federal, quer estadual, quer municipal perdeu, de maneira clara, patente e absoluta, a sua soberania. O Presidente da República fecha o Congresso, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais quando bem entender, e passa ele a exercer as funções legislativas atribuídas a estes órgãos eletivos. O Poder Judiciário desapareceu como poder, porque os seus membros, tanto federais quanto estaduais, podem ser demitidos ou aposentados pelo Presidente da República, por simples decreto de sua lavra. A soberania deste Poder foi destruída pelo ATO INSTITUCIONAL N.º 5 que tirou a autonomia e a independência nas funções de seu cargo à vontade soberana do Presidente da República, que os aposentará, demitirá, removerá ou porá em disponibilidade sem prestar contas a ninguém deste seu ato. (…) A Magistratura, provocada pelos lesados em seus direitos, não pode opor-se à vontade arbitrária dos órgãos do Poder Executivo. A correspondência pode ser violada, os jornais, as emissoras de rádio e as câmaras de televisão podem ser censurados sem que a Magistratura tenha meios de evitar estes atentados. Os bens de políticos adversários podem ser confiscados, por simples suspeição, sendo vedado à Magistratura evitar tão brutal confisco. Os Juízes, os militares e os funcionários adversários do Governo podem ser demitidos, aposentados, reformados ou postos em disponibilidade, permanecendo a Magistratura alheia a todas estas lesões, de ordinário injustas. O Presidente da República, substituindo-se ao Congresso Nacional, às Assembléias Legislativas Estaduais, e às Câmaras Municipais promulga leis federais, estaduais e municipais, na qualidade de legislador universal do País, estando todos obrigados a acatar, cumprir e executar semelhantes leis."[10]
O regime militar proporcionou um Judiciário acuado, que não teve força para fazer valer o Direito frente às arbitrariedades cometidas. Entre os juízes que ousaram combatê-las houve prisões e aposentadorias compulsórias, inclusive de ministros do STF que se posicionaram de forma contrária ao regime, como os ministros Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. Por força do próprio Ato Institucional, essas aposentadorias compulsórias estavam excluídas de apreciação judicial. Tudo isso ocorreu durante a vigência da Constituição de 1967 e da emenda constitucional nº 1/69, que formalmente concediam garantias funcionais e institucionais ao Poder Judiciário. Episódios emblemáticos desta relação nos são reportados:
O Supremo Tribunal Federal (STF) não ficou imune aos efeitos do golpe. Nos primeiros anos da ditadura, até a decretação do AI-5, em 1968, ainda era possível conceder habeas-corpus a presos políticos. Com o AI-5, suspenderam-se os habeas-corpus para os crimes políticos e para os crimes contra a segurança nacional, a ordem econômica e social, e a economia popular.
Houve, no entanto, movimentos de resistência de ministros do Supremo durante todo o regime militar. O jornalista e professor de História da Imprensa da Universidade de Brasília (UnB), Carlos Chagas, aponta dois episódios emblemáticos ocorridos na Suprema Corte: o “caso das chaves” e o da “lei da mordaça”.
Logo após ser empossado no cargo, o general Humberto de Alencar Castello Branco, o primeiro presidente do período militar (1964-1967), fez uma visita de cortesia ao STF. Em seu discurso, Castello Branco tentou enquadrar o Supremo no movimento de 64, pedindo que o Tribunal seguisse “as orientações da revolução, que é como eles chamam o golpe”, diz Carlos Chagas.
O jornalista conta que o à época presidente do STF, ministro Álvaro Ribeiro da Costa, respondeu de forma dura, dizendo que o Supremo era o ápice do Poder Judiciário e que não deveria ser enquadrado em nenhuma ideologia revolucionária, sobretudo em um golpe como aquele. Castello Branco retrucou, falando que quem mandava era o Executivo. Desafiado, Ribeiro da Costa deu um recado ao presidente: se cassassem algum ministro do Supremo, ele fecharia o Tribunal e entregaria as chaves ao porteiro do Palácio do Planalto.
Para não cassar ministros do STF, Castello Branco aumentou o número de magistrados do Tribunal de 11 para 16, por meio do AI-2, de 27 de outubro de 1965. Nomeou cinco ministros: Adalício Nogueira, Prado Kelly, Oswaldo Trigueiro, Aliomar Baleeiro e Carlos Medeiros. Mais tarde, em fevereiro de 1967, nomeou o deputado federal Adaucto Lucio Cardoso, da União Democrática Nacional (UDN), para ocupar a vaga deixada pela aposentadoria do ministro Ribeiro da Costa. Foi justamente Adaucto Lucio o protagonista de outro célebre exemplo de resistência do STF, o caso da lei da mordaça.
A lei da mordaça, um decreto-lei que instituía a censura prévia de originais de qualquer livro que se quisesse publicar, foi aprovada pelo Congresso no governo do general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). A oposição entrou com um recurso no STF, dizendo que aquela norma era inconstitucional, por atentar contra a liberdade de expressão, mas o Supremo disse que não poderia se intrometer nos interesses da revolução.
Indignado com o posicionamento do Tribunal, o ministro Adaucto Cardoso, que fora nomeado pelo militares, levantou-se, retirou a toga e disse que nunca mais voltaria ao Supremo, solicitando sua aposentadoria nessa sessão de março de 1971, logo após o julgamento do recurso. Na opinião de Carlos Chagas, esse foi um ato libertário.
O professor de Ciência Política Otaciano Nogueira, da UnB, também considera a atitude de Adaucto Cardoso uma das melhores ilustrações de que havia inconformismo no Judiciário. Nogueira pondera que o Supremo tinha independência formalmente, mas que os Atos Institucionais acabaram com a segurança jurídica no país.[11]
Além da aposentadoria de juízes contrários à ideologia autoritária, o Ato Institucional nº 5 suspendeu a garantia constitucional do habeas corpus para os crimes políticos e para os crimes contra a segurança nacional, a ordem econômica e social, e a economia popular. O que na prática impedia a apreciação judicial da legalidade das prisões políticas realizadas pelo regime.
Com a redemocratização e a Constituição de 1988 as garantias funcionais da inamovibilidade e vitaliciedade efetivamente retornaram. Demais disso, a Carta Cidadã inovou, sendo a primeira a incluir em seu texto a autonomia institucional ao Judiciário, garantindo a autonomia financeira e administrativa dos tribunais, bem como a iniciativa privativa de sua proposta orçamentária, o que tende a fortalecer a independência institucional do Judiciário em relação a possíveis tentativas de retaliação orçamentária pelos demais Poderes.
Em uma demonstração de interação entre o desenho constitucional e a prática institucional, as garantias do Judiciário vêm sendo protegidas não só pelo texto da Constituição, mas pela própria jurisprudência do STF, que vem blindando a ação dos outros Poderes em face dos tribunais.
O primeiro exemplo é a decisão liminar exarada em sede da ADI 2238/DF que questionou dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2001). O STF rejeitou a maioria dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade, todavia, reconhecendo-a para o art. 9º §3º da referida lei[12], que permitia ao Poder Executivo se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, e caso os demais Poderes e Ministério Público não fizessem diretamente a limitação de empenhos, realizá-las diretamente. O STF considerou neste caso hipótese de interferência indevida do Poder Executivo nos demais Poderes e no Ministério Público, a violar a separação de Poderes inscrita no art. 2º da CRFB/88[13]. Com isso, o tribunal, em nome de uma cláusula extremamente geral como o princípio da s”eparação dos poderes” manteve, através de uma interpretação constitucional, seu entendimento do que seria a autonomia financeira do Judiciário e do Ministério Público frente ao Poder Executivo.
O segundo exemplo traduziu-se na apresentação da proposta de emenda à Constituição nº 33/2011 (PEC nº 33/2011). A referida PEC propunha uma modificação nos arts. 97 e 103-A da CF para: 1) aumentar o quórum de declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos pelos tribunais de maioria absoluta para quatro quintos de seus membros ou membros do órgão especial; 2) a necessidade de aprovação do Congresso Nacional para aprovação de súmulas vinculantes; e 3) a possibilidade de o Congresso Nacional, em discordando de decisão do STF que reconheçam a inconstitucionalidade de emendas à Constituição Federal, de submeter a controvérsia à consulta popular[14]. Assim, eventual promulgação da referida proposta teria por efeito ocasionar uma maior dificuldade de tribunais invalidarem atos normativos do poder público bem como a possibilidade de o Legislativo insurgir-se contra uma decisão do Supremo Tribunal Federal, diminuindo os poderes do próprio Poder Judiciário, e aumentando a ingerência do Poder Legislativo. Em razão de pronunciamentos críticos dos próprios ministros da Corte e de uma mobilização da imprensa, a proposta não teve seguimento, o que demonstra uma capacidade de mobilização atual do Poder Judiciário na autopreservação de sua autonomia, poderes e competências frente aos outros Poderes como não visto anteriormente na história institucional brasileira.
Sendo assim, o retorno das liberdades democráticas e do postulado da inafastabilidade da jurisdição, aliado às garantias institucionais e funcionais conferidas ao Judiciário e do Ministério Público, são considerados fatores decisivos no papel de centralidade que estas instituições ocupam no cenário atual, visto que as tornam menos suscetíveis a retaliações de outros atores institucionais, possibilitando sua ação de forma mais independente.
Com a Constituição de 1988 a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, os juízes voltam a possuir a vitaliciedade, isto é, a garantia de que só perderão o cargo por sentença judicial transitada em julgado e inamovibilidade, além de institucionalmente os tribunais passarem a ter a sua iniciativa orçamentária. Isto tudo passa a constituir o Judiciário como um poder com uma face muito mais independente do que o visto no período anterior, e com capacidade de impor suas decisões em face das outras instâncias.
2.2) O redesenho do sistema judicial de controle de constitucionalidade na Constituição de 1988 e ampliação dos canais de acesso
A Constituição de 1988 realizou uma ampliação, sem precedentes na história constitucional brasileira, dos canais de acesso pelos quais se provoca a atuação do STF e das ferramentas conferidas aos tribunais no exercício da jurisdição constitucional.
O controle de constitucionalidade surge no País com a Constituição de 1891, a primeira republicana, trazendo em seu corpo a nítida influência norte-americana, em razão do caráter incidental e de efeitos concretos do controle judicial. Confira-se a lição de Elival da Silva Ramos:
Tratava-se, com efeito, de um controle difuso, quanto ao aspecto orgânico ou competencial; incidental, concreto e subjetivo, quanto ao aspecto modal ou procedimental; gerador de decisões com efeito inter partes, decisões essas de natureza meramente declaratória, com aparência de retroatividade total, no plano da eficácia temporal, indicativas de nulidade ab initio e de pleno direito do ato impugnado.[15]
A Constituição de 1934, por sua vez, inseriu no controle de constitucionalidade brasileiro a regra americana do full bench, ou cláusula de reserva de plenário[16], a possibilidade de o Senado Federal, por provocação do Procurador Geral da República, suspender a execução do ato declarado inconstitucional[17] e a vedação expressa de apreciação judicial de questões de natureza “política”[18].
A Constituição de 1937 por sua vez, autoritária e que ficou conhecida como “polaca”, trouxe a possibilidade de o Presidente da República submeter a decisão judicial que declarasse a inconstitucionalidade de lei ou ato à reapreciação do Parlamento, caso verificasse as abstratas hipóteses de “bem estar do povo” ou a “defesa do interesse nacional de alta monta”[19].
Possibilidade excluída pela Constituição de 1946, resultado da reabertura democrática após o Estado Novo varguista. Demais disso a Carta de 1946 disciplinou hipóteses de cabimento do recurso extraordinário, detalhando em seu corpo o uso deste instrumento do controle concreto de constitucionalidade pelo STF.
A grande alteração no sistema, que dá origem ao singular sistema misto de controle de constitucionalidade visto no Brasil se dá com o advento da emenda constitucional nº 16 de 26 de novembro de 1965. Com ela a alínea “k”, do inciso I, do art. 101 da CF/1946 passa a prever a possibilidade da representação de inconstitucionalidade de lei ou de ato de natureza normativa, federal ou estadual, a ser proposta unicamente pelo Procurador-Geral da República. Dessa forma, é iniciado no Brasil a ação direta de inconstitucionalidade, de viés realmente abstrato, diferentemente da representação interventiva anteriormente prevista. Neste ponto, deve-se ressaltar a diferença substancial entre a representação prevista na EC nº 16/1965, cuja decisão judicial gera efeitos que já nascem erga omnes e ex tunc, dispensando-se da intervenção do Senado Federal para torná-los gerais, da antiga representação interventiva, que não dispensava da participação do Poder Legislativo para o alcance geral dos efeitos.
A Constituição de 1967, promulgada durante o período militar não trouxe grandes alterações no sistema de controle de constitucionalidade, assim como a emenda constitucional nº 1 de 17 de outubro de 1969, outorgada pelos ministros da Marinha, Exército e Aeronáutica.
É importante ressaltar, todavia, que apesar da previsão constitucional de um modelo concentrado de controle de constitucionalidade, sua utilização não tinha grande capacidade de confrontar o sistema político. Isto porque o único legitimado para a propositura da representação de inconstitucionalidade era o Procurador-Geral da República, e este, diferentemente do modelo previsto na CF/88, não precisava ser um membro de carreira do Ministério Público Federal, sendo livremente indicado e demissível ad nutum pelo Presidente da República[20]. Desta feita, a despeito do plano ideal e aproximando-se do mundo real, era o Presidente da República, que tinha poderes para livremente nomear e destituir do Chefe do Ministério Público da União, quem realmente detinha a atribuição de propor a representação de inconstitucionalidade. Dentro de um Congresso Nacional controlado pelo Poder Executivo, que não aprovaria atos normativos contrários à ideologia do regime, o controle abstrato de constitucionalidade trazido pela CF/88 representou, na grande maioria das vezes, um instituto natimorto.
Esse foi o cenário de controle de constitucionalidade que vigeu no período que antecedeu a redemocratização.
A Constituição de 1988 foi responsável por revolucionar o controle abstrato de constitucionalidade, permitindo ao STF se pronunciar sobre a constitucionalidade de qualquer ato normativo, seja em grau de recurso (controle difuso), seja por via principal (controle concentrado). Neste sentido, a Constituição manteve e ampliou a combinação, existente no Brasil desde 1965, entre formas de controle de constitucionalidade típicas do sistema do americano e do sistema Europeu do pós-guerra. Em vez de escolher por um dos sistemas, o constituinte originário manteve e aprofundou o modelo híbrido da tradição brasileira recente.
O resultado dessa escolha é que esse modelo misto proporciona um grau extenso de abertura da jurisdição constitucional à sociedade. A apreciação judicial pode se dar tanto pelo controle abstrato, por via de ações diretas de inconstitucionalidade, que discutem leis em tese, quanto em recursos ou outras ações em que litígios concretos são levados ao STF e lhe permitem anunciar e afirmar suas interpretações da Constituição. Todavia, houve um grande mudança: o rol de legitimados para a propositura de ações de inconstitucionalidade diretamente perante o STF sofreu grande expansão dentro da CF/88. Assim, dentro de uma Constituição extremamente abrangente e analítica, houve uma grande ampliação dos canais acesso direto ao STF[21], e não mais apenas o canal do Procurador-Geral da República demissível ad nutum pelo Presidente da República.
Conforme Arguelhes e Ribeiro[22], nesse sentido, o art. 103 da Constituição de 1988 representa uma mudança revolucionária no papel do STF na vida nacional ao abrir inúmeras portas de entrada para demandas sociais e de minorias políticas na antes restrita agenda daquele tribunal. Essa ampliação de canais de acesso ao controle abstrato foi cumulada à manutenção das já tradicionais competências recursais. O resultado, na prática, é um tribunal com dezenas de portas de acesso diferentes que indivíduos ou instituições podem utilizar para levar uma determinada questão ao conhecimento dos ministros. O 1º relatório do projeto Supremo em Números da FGV identificou 52 espécies processuais distintas dentro do STF logo após 1988.
A CF/88 foi a responsável por criar no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e do mandado de injunção. No tocante à ADI por omissão, o STF diante de sua procedência tem tido um posicionamento de autocontenção até o momento, interpretando o dispositivo à luz da literalidade constitucional, dispondo que declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, tão somente será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias[23].
Por outro lado, o mandado de injunção foi o remédio constitucional que recebeu uma sensível alteração na compreensão dos efeitos de sua procedência pelo STF. A CF/88 apenas prevê que o mandado de injunção será concedido sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (art. 5º, LXXI, CF/88). Inicialmente, a corte constitucional brasileira conferia a este instrumento um caráter não concretista, cuja procedência simplesmente resultaria na comunicação ao Poder ou órgão responsável para que elaborasse a norma regulamentadora ausente, nos moldes da ADI por omissão[24].
O STF nos mandados de injunção nº 712, 708 e 670 restou por alterar o seu entendimento anterior, passando a conferir ao mandado de injunção caráter concretista, com efeito erga omnes. No caso, diante da omissão do legislador em regulamentar o direito de greve dos servidores públicos, o tribunal resolveu, até a cessação da omissão inconstitucional, que se aplicaria analogicamente aos servidores públicos a Lei de Greve aplicável aos trabalhadores da iniciativaprivada[25]. No MI 721, por sua vez, adotou a posição concretista individual, aplicando ao impetrante o direito de aposentadoria especial pelo exercício de trabalho insalubre a servidor público[26].
Com a lei nº 13.300/2016 o próprio Poder Legislativo parece ter apreciado o comportamento mais ativista do Judiciário, visto que a supracitada lei, que disciplina o processo e o julgamento dos mandados de injunção individual e coletivo, permite expressamente ao juiz criar as condições em que se dará o exercício dos direitos, liberdades ou das prerrogativas reclamadas[27], em uma clara delegação de função normativa ao Judiciário. E não é só, a própria lei permite que seja conferida eficácia ultra partes ou erga omnes à decisão, quando for “inerente ou indispensável” ao exercício do direito (art. 9º, § 1o, da lei nº 13.300/2016).
Para além de todos os instrumentos já aqui dispostos, a CF/88 previu também, em seu art. 102, parágrafo único, a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), disciplinada pela lei nº 9.882/1999. A ADPF trata-se de uma ferramenta poderosa do controle de constitucionalidade em razão de sua natureza subsidiária em relação às demais. Assim, permite a conformação em face de preceito fundamental de qualquer lei ou ato normativo federal, estadual ou até mesmo municipal que não caiba nas demais ações diretas. Demais disso, a ADPF permite ainda a análise da recepção de normas pré-constitucionais, o que não se admite nas demais ações diretas do controle abstrato. Em razão do caráter subsidiário da ADPF em combinação com a ação direta de inconstitucionalidade, a ação declaratória de constitucionalidade, e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, virtualmente qualquer ato normativo pode ser levado ao STF para apreciação em sede de controle concentrado.
Soma-se às supramencionadas engrenagens processuais a previsão do art. 11 da lei nº 9.882/1999 e art. 27 da lei nº 9.868/1999, denominada de modulação temporal[28]. A modulação temporal permite que o tribunal manipule os efeitos da decisão de procedência nas ações diretas, “em razão de segurança jurídica ou de excepcional interesse público”. O instituto da modulação temporal representa uma flexibilização da teoria da nulidade absoluta da lei declarada inconstitucional, isto é, que a declaração de inconstitucionalidade teria necessariamente o efeito ex tunc, a lei seria nula ab origine.
A modulação temporal dos efeitos permite ao tribunal considerar válidos e manter atos inconstitucionais de acordo com a interpretação do que o tribunal considerar como “segurança jurídica” e “interesse social”. Inequivocamente, diante da abertura semântica destes conceitos indeterminados, pode-se afirmar que no plano real o legislador autorizou aos tribunais analisar os custos e benefícios advindos de suas decisões, uma espécie de consequencialismo judicial. O tribunal, cujo método de análise deve ser jurídico, poderá fazer um juízo político, econômico e social de “conveniência e oportunidade” da manutenção temporal da norma que compreendeu inconstitucional.
Merece citação, neste ponto, a lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho:
(…) A decisão pode “restringir os seus efeitos… Isto significa, por exemplo que ela poderá considerar válidos atos inconstitucionais, ou dispensar o Estado de devolver o que percebeu em razão do tributo inconstitucionalmente estabelecido e cobrado.
O terceiro, insofismável, mostra que o controle de constitucionalidade assumiu um caráter político e que nele se pretende que o Supremo Tribunal Federal atue como órgão político.
(…)
Disto tudo decorre, em suma, a conclusão de que o Supremo Tribunal Federal se torna (ou tende a se tornar) uma terceira Câmara do Poder Legislativo[29].
Atualmente, a jurisprudência do STF vem, a partir de uma aplicação analógica do art. 27 da lei 9.868/1999, admitindo, inclusive, a modulação temporal no controle difuso de constitucionalidade[30]. Em um claro diálogo de fontes entre os procedimentos de controle concentrado e difuso.
As súmulas vinculantes constituem outra demonstração dessa expansão do judiciário. Estes enunciados criados apenas pelo STF vinculam não só o Poder Judiciário, mas a Administração Pública de todos os entes federados. Seu quorum de alteração ou remoção é de dois terços, superior ao quorum de maioria absoluta para declarar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica emanada pelo Legislativo ou Executivo.
O efeito que se pode observar dessa ampliação do acesso e engrenagens processuais introduzidas pela Constituição de 1988 e leis regulamentadoras é o aumento significativo das oportunidades para que o tribunal possa exercer o poder. O Poder Judiciário em sua função precípua é guiado pelos postulados normativos da inércia e da adstrição como forma de controle ao seu poder de dar a palavra final. Assim, ao contrário dos demais poderes do estado, o Judiciário só pode atuar se e quando provocado, e na medida do que foi pedido. A conclusão é lógica: quanto maior for o leque de atores que podem provocar a jurisdição do tribunal e meios processuais para tanto, mais favoráveis serão as condições para que essa instituição exerça o poder de que dispõe. Assim, a expressiva ampliação do acesso ao STF por meio das ações diretas faz com que os vários atores sociais possam acessá-lo. Como vivemos em uma ordem plural e dialética, a insatisfação de um qualquer desses atores pode levá-lo a questionar a norma promulgada diretamente perante o STF, fazendo com que este tribunal possa dar analisar a constitucionalidade de uma forma amplíssima, em uma Constituição deveras abrangente. O “se e quando provocado” converte-se em uma situação de “sempre provocado”, o que nos faz questionar a efetividade real do postulado da inércia e parece transformar o Supremo em uma Assembleia Constituinte Permanente.
2.3 Uma constituição abrangente/analítica – constitucionalização do direito combinada com uma tendência de judicialização e a redemocratização
Ao lado das questões anteriormente pontuadas, outro ponto fundamental é a feição nitidamente analítica/abrangente da Constituição de 1988 combinada com uma tendência de judicialização. O ambiente democrático reavivou a cidadania, dando maior nível de informação e de consciência de direitos a amplos segmentos da população, que passaram a buscar a proteção de seus interesses perante os juízes.
A constitucionalização abrangente, termo utilizado por Luís Roberto Barroso[31], consiste no movimento que trouxe para a Constituição de 1988 inúmeras matérias que antes eram deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária. Trata-se de uma tendência iniciada com a redemocratização e as Constituições de Portugal (1976) e Espanha (1978), que foi potencializada entre nós com a Constituição de 1988.
Trata-se de um texto analítico e ambicioso, que elenca uma série de direitos fundamentais, remédios constitucionais para garantia desses direitos, organização e garantias institucionais dos Poderes e funcionais de seus membros, repartição de competências tributárias e suas receitas, organização dos entes federados, servidores públicos e suas garantias, limites de remuneração e acumulação, finanças públicas, ordem econômica e financeira, até normas de seguridade social, esportes, cultura, ciência e tecnologia, da família, da criança, do idoso e dos índios[32]. Confira-se a lição do professor Luís Roberto Barroso:
A Carta de 1988, como já consignado, tem a virtude suprema de simbolizar a travessia democrática brasileira e de ter contribuído decisivamente para a consolidação do mais longo período de estabilidade política do país. Não é pouco. Mas não se trata da Constituição da nossa maturidade institucional. É a Constituição das nossas circunstâncias. Por vício e virtude, seu texto final expressa uma heterogênea mistura de interesses legítimos de trabalhadores, classes econômicas e categorias funcionais, cumulados com paternalismos, reservas de mercado e privilégios. A euforia constituinte – saudável e inevitável após tantos anos de exclusão da sociedade civil – levou a uma Carta que, mais do que analítica, é prolixa e corporativa[33].
A extensão do texto de 1988 é compreensível, em razão de o da travessia do período ditatorial para a democracia, é natural o desejo de colocar na norma fundamental do Estado o maior número de direitos e garantias possíveis, como forma de evitar um novo autoritarismo estatal. Todavia, tal movimento de constitucionalização abrangente possui consequências diretas.
Constitucionalizar uma matéria significa retirá-la do campo da discricionariedade política para transformá-la em Direito. Na medida em que uma questão – seja um direito individual, uma prestação estatal ou um fim público – é disciplinada em uma norma constitucional, ela se transforma, potencialmente, em uma pretensão jurídica, que pode ser formulada sob a forma de ação judicial. Por exemplo: se a Constituição assegura o direito de acesso ao ensino fundamental ou ao meio ambiente equilibrado, é possível judicializar a exigência desses dois direitos, levando ao Judiciário o debate sobre ações concretas ou políticas públicas praticadas nessas duas áreas.
Uma Constituição abrangente, então, retira parte da discricionariedade política do Legislativo e do Executivo, de forma negativa visto que a validade de leis e até mesmo de emendas constitucionais será aferida à luz da Constituição originária, limitando os caminhos políticos do legislador à visão constitucional, e de forma positiva, visto que a omissão inconstitucional do legislador e do administrador também poderá ser controlada pelo Judiciário. O resultado direto de constitucionalizar é retirar a escolha fundamental do campo da política e transferi-la para o campo do Direito posto, o que ocasiona uma expansão de poder do Judiciário enquanto guardião da Constituição e das leis.
3. Aspectos informais de expansão do Judiciário
São aspectos que resultaram na expansão do Judiciário mas que não decorrem diretamente do desenho institucional formal ou do ordenamento jurídico posto, mas sim de mudanças teóricas e da postura dos agentes estatais, até mesmo inconscientes, que ocasionaram este resultado.
3.1 O comportamento estratégico de atores políticos que veem no poder dos tribunais uma oportunidade de reverter decisões majoritárias nas quais foram derrotados
O Judiciário pode atuar não apenas após a aprovação de uma política pelo Legislativo, por meio dos recursos de controle de constitucionalidade, como também antes, por meio de sinalizações em pronunciamentos públicos, reuniões formais com o Executivo ou Legislativo, ou ainda por meio do uso de mandado de segurança por parlamentares. A observação dos recursos de partidos políticos no STF desde 1988 parece corroborar o uso estratégico da Corte como ponto de veto: o PT ingressa com mais ações no STF durante o governo PSDB e vice-versa.
Isto sinaliza que o uso estratégico do Judiciário por atores políticos de oposição diante de uma derrota no processo legislativo, transformando o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais de Justiça em um verdadeiro terceiro turno do processo legislativo diante de uma derrota.
Demais disso, em inúmeras situações, o custo político da tomada da decisão pelo Legislativo é encarado como muito alto por membros do seu corpo, cujo objetivo principal em algumas situações é a manutenção do mandato nas eleições seguintes. Sendo assim, decidir acerca de temas polêmicos, que polarizam a sociedade, como casamento homoafetivo, aborto, redução da maioridade penal, pode significar uma redução de votos no pleito seguinte, e, inclusive, a não reeleição.
Não aceitando correr o supracitado risco, o Parlamento se omite, canalizando o anseio social, que deve ser respondido, para o âmbito dos tribunais. Mais uma vez, o comportamento estratégico-eleitoral dos próprios agentes políticos fomenta o poder dos juízes.
3.2 Crise de representatividade das instâncias políticas e canalização para os tribunais em geral de expectativas sociais frustradas, em um cenário que o Legislativo e o Executivo são vistos como insuficientemente responsivos em relação às demandas dos cidadãos
A crise de representatividade da política atual é fenômeno mundial. Há um descolamento da classe política e da sociedade civil, em uma relação marcada cada vez mais pela indiferença e ceticismo. A relação muitas vezes não clara entre partidos políticos e grupos empresariais ligada diretamente ao alto custo das campanhas políticas, e consequentemente de alto custo de acesso a uma cadeira no Parlamento, faz com que só possa ter acesso a uma vaga parlamentar, ou quem tem dinheiro suficiente para arcar com o alto custo da campanha, ou quem é financiado por um grupo empresarial que possua tal possibilidade, todavia, esse financiamento nunca parece ser gratuito.
Fato é que a relação entre a classe política e grupos empresariais com interesse em favores estatais, sejam empreiteiras, sejam grupos interessados em financiamento a baixo custo por bancos públicos, subsídios ou benefícios fiscais, vem gerando um olhar da sociedade civil cada vez mais desconfiado em relação à classe política. O que é algo compreensível, mas que deve ser analisado com cuidado, afinal a política é gênero de primeira necessidade em uma democracia, e o discurso de sua criminalização muitas vezes está ligado a tendências autoritárias, como muitas vezes nos ensinou a história. O próprio regime militar brasileiro iniciou-se a pretexto de uma “reconstrução moral da Nação”.
Por outro lado, em comparação com as demais instâncias, vem se assistindo um aumento de prestígio das categorias jurídicas, como juízes, advogados públicos e membros do Ministério Público. Neste ponto, Manoel Gonçalves Ferreira Filho compreende a expansão da atividade judicial como sintomática a este fenômeno:
Várias são as causas (ou talvez melhor se dissesse os fatores) desse fenômeno.
(…)
Outra, de ordem sócio-política, reflete o desprestígio dos "políticos", em face do prestígio dos magistrados como uma "aristocracia togada", quer dizer, o contraste entre uma "plebe" despreparada e ávida e uma elite instruída, preocupada com o justo. Justo este confundido com o interesse geral.
Uma terceira, também de ordem sociopolítica, intimamente ligada à anterior, é a auto-percepção dos magistrados como elite, com responsabilidade de trabalhar para o bem comum.[34]
O aumento de prestígio frente ao desprestígio atual da classe política pode ser facilmente aferida à luz de pesquisas eleitorais, que colocam ex-membros ou atuais do Judiciário com percentagem de votos bem acima dos demais colocados para eventual candidatura à Presidência da República.
O aumento desse prestígio, todavia, não pode ser enxergado de maneira positiva. Afinal, ele representa um efeito colateral, um sintoma da deficiência do nosso sistema democrático-eleitoral de produzir naturalmente lideranças políticas capazes de capitanear o Estado sem se descolar dos valores que devem conduzir a sociedade.
Deve-se pontuar, todavia, que não se trata de um fenômeno apenas da classe política brasileira, mas mundial. Ceticismo e insatisfação são adjetivos que vem caracterizando a relação da sociedade civil com a classe política. Disfuncionalidade, corrupção e captura por interesses privados são temas internacionalmente ligados à atividade política. Todavia, apesar de as insuficiências da democracia representativa serem excessivamente óbvias para serem ignoradas, a política e a discussão pública constituem o pilar fundamental da democracia, um pilar que não pode ser solapado por instâncias jurídicas. Nesse sentido, merece transcrição a lição de Antoine Garapon:
“Em face da decomposição do político, é então ao juiz que se recorre para a salvação. Os juízes são os últimos a preencher uma função de autoridade – clerical, quase que parental – abandonada pelos antigo titulares.
(…)
Quanto mais a democracia – sob sua dupla forma de organização política e social – se emancipa, mais ela procura na justiça uma espécie de salvaguarda, o que traduz a profunda unidade no fenômeno do aumento de poder da justiça.(…) O juiz passa a ser o último guardião de promessas tanto para o sujeito quanto para a comunidade política. Por não conservarem a memória viva dos valores que os formam, eles confiam à justiça a guarda de seus juramentos.
A justiça é guardiã do direito, quer dizer, dos pactos anteriores aos quais somos ligados. Ela garante a identidade da democracia, entendida como uma forma que não permanece a mesma através dos tempos, mas que “se mantém como uma promessa feita”. Quer se trate de crime contra a humanidade, do sujeito de direito ou da Constituição, o juiz exerce sua autoridade ao proteger a memória dessa promessa inicial por tudo e contra tudo, inclusive contra a vontade do titular da soberania nacional. A vontade individual expressa nos direitos subjetivos é tão frágil quanto a vontade coletiva encarnada no soberano: as duas podem se afundar na servidão voluntária. O juiz, seja constitucional ou judiciário, nada mais é do que o avalista dessa promessa de liberdade feita por cada um. A autoridade assegura a continuidade do sujeito de direito e, portanto, da democracia. Ela liga o presente ao passado[35].
O fato é que o espaço simbólico da democracia vem emigrando silenciosamente da política para o Judiciário. O sucesso da justiça é inversamente proporcional ao descrédito que afeta as instituições políticas clássicas, causado pela crise de desinteresse e pela perda do espírito público. A posição de um terceiro imparcial compensa o “déficit democrático” de uma decisão política agora voltada para a gestão e fornece à sociedade à referência simbólica que a representação nacional lhe oferece cada vez menos. O contexto geral é de um Legislativo e um Executivo enfraquecidos, ocupados apenas com questões de curto prazo, reféns do receio e seduzidos pela mídia, esforçam-se em governar, no dia-a-dia, cidadãos indiferentes e exigentes, preocupados com suas vidas particulares, mas esperando do político aquilo que ele mesmo não sabe dar: uma moral, um grande projeto[36].
Nesse sentido, a Justiça torna-se um espaço de exigibilidade da democracia. Ela oferece potencialmente a todos os cidadãos a capacidade de interpelar seus governantes, de tomá-los ao pé da letra e de intimá-los a respeitarem as promessas contidas na lei. Em um cenário de descrédito da Política, o Judiciário vem a ocupar o espaço de último protetor do direito, o guardião das promessas[37].
A expansão do Judiciário é acompanhado de um deslocamento das expectativas sociais com o Estado, da decepção com o administrativo e da busca do judicial como forma de solucionar a sede do direito que o cidadão imagina possuir.
3.3 Constituição e ordenamento jurídico cada vez mais formado por normas abertas – delegação de poder normativo através da promulgação de princípios e cláusulas gerais (transição para um sistema descentralizado)
Além da possibilidade de acesso cada vez maior ao próprio STF e a inafastabilidade da jurisdição enquanto mandamento constitucional, que faz com que todo tipo de controvérsia possa ser apreciada por um juiz, e do supracitado fenômeno de uma constitucionalização abrangente, a dispor uma direção constitucional para (quase) todos os ramos do ordenamento jurídico, retirando a discricionariedade da política e trazendo para o âmbito do Direito, fato é que a Constituição Federal de 1988 e textos legais que a seguiram são frutíferos em princípios e cláusulas gerais, isto é, normas de alto grau de abstração/baixo grau de especificidade, o que, em um sistema de amplo acesso jurisdicional permite que a criação de direito seja feita em larga medida pelos tribunais.
Para compreensão deste fenômeno, recorre-se ao instrumental teórico da análise econômica do direito como ferramenta metodológica para compreender a escolha legislativa entre a promulgação de princípios e cláusulas abertas, ou de regras altamente específicas.
Neste ponto, os teóricos Richard Posner e Isaac Ehrlich estudaram inicialmente a relação entre o grau de especificidade e a eficiência do comando normativo. No seu trabalho, a técnica legislativa de produção das normas jurídicas é compreendida à luz da eficiência, com enfoque consequencialista, isto é, discutindo em que condições a escolha por um comando normativo mais preciso ou geral é mais eficiente em termos de custo e benefício para a sociedade.
Para os dois teóricos, a escolha legislativa de se a promulgar uma norma aberta[38] ou um conjunto de regras precisas é implicitamente uma escolha entre a regulamentação legislativa ou judicial. O tipo aberto cria uma demanda por especificação. Esta demanda é exercida sobre os tribunais através do processo judicial, que respondem criando regras que particularizam e especificam o tipo aberto promulgado. Assim, uma decisão legislativa de promulgar uma norma aberta exige uma avaliação da eficiência entre os custos e benefícios entre a especificação legislativa ou judicial (judge-made rules) da norma[39]. Confira-se, in verbis, a definição, por Richard Posner, da dicotomia rule-standard:
1. Para facilitar a exposição nós trataremos a especificidade-generalidade, como se fosse uma dicotomia entre "regras" e "standards". O termo "standard" denota em nosso uso um critério geral de escolha social; a eficiência (e sua contrapartida na terminologia jurídica, a razoabilidade) é um exemplo. Um standard indica os tipos de circunstâncias que são relevantes para uma decisão jurídica e, portanto, possuindo uma abertura semântica. Ou seja, ele não é uma lista de todas as circunstâncias que podem ser relevantes, mas é na verdade o critério pelo qual circunstâncias específicas apresentadas em um caso são julgadas relevantes ou não.
Em um caso de colisão automóvel regido pelo standard da vedação à negligência, estas circunstâncias seriam a velocidade e o peso dos veículos, o seu design, a hora do dia, o desenho da rodovia, o clima, e quaisquer outros fatores que possam afetar a questão de como o montante de custos dos acidentes esperados e os custos de evitar o acidente poderiam ter sido minimizados.
Uma regra retira do tomador de decisão uma ou mais circunstâncias que seriam relevantes para a decisão de acordo com um standard. Suponha que se for provado que o carro de trás, em uma colisão traseira, estava dirigindo a 100 pés do carro a sua frente, o motorista do carro seguinte será responsável pelos custos do acidente.
Esta é mais uma regra do que um standard porque, fosse o caso de ser decidida no âmbito do tipo aberto da negligência, outras circunstâncias além da distância entre os dois carros teriam de ser avaliadas, tais como a capacidade do condutor do carro precedente de evitar uma parada brusca. O tipo de regra mais simples, então, toma a seguinte forma: se X, então Y, onde X é um único, simples fato, determinado (por exemplo, a velocidade do carro) e Y é uma definida e inequívoca consequência jurídica - um julgamento acerca da responsabilidade ou não responsabilidade – decorrente diretamente da prova de X (por exemplo, que o motorista violou código de trânsito). Deve ficar claro, portanto, que estamos usando o termo "regra" em um sentido um tanto especial; "regra geral" seria uma contradição em nosso uso.
A diferença entre uma regra e um standard é uma questão de grau, o grau de precisão. O próprio standard da eficiência poderia ser considerado como a escolha social de uma regra projetada para implementar um standard mais amplo (a maior felicidade do maior número de pessoas), enquanto uma regra que exigisse a ponderação de muitas circunstâncias (ao contrário de nossa regra hipotética, que exigiu a ponderação de apenas um, a distância) seria como um standard.[40]
Da leitura dos supracitados autores, bem como adequando suas ideias em razão das peculiaridades do sistema jurídico brasileiro, podemos elencar como benefícios da promulgação de regras específicas:
1) Um conjunto detalhado e compreensível de regras resulta em um aumento na expectativa de ganho por realizar atividades socialmente desejáveis ao invés das indesejáveis. A clareza incentiva de maneira mais eficiente, visto que a norma legislativa antecede o precedente judicial.
2) Abrangência da norma: a regra elaborada pelo legislador tem um âmbito mais vasto que a elaborada pelo judiciário ao interpretar os tipos abertos. Uma vez que as partes de um processo, ao definir as questões processuais, são geralmente indivíduos ou empresas individuais que não estão interessados na obtenção de uma regra geral, dessa forma, um tribunal tende a criar uma regra de limitada a situações muito semelhantes ao do caso em questão.
3) Previsibilidade: caso ocorra um litígio, se seu julgamento for determinado pela aplicação de uma regra ao invés de uma norma aberta, tornar-se mais fácil para as partes para prever o resultado.
4) Celeridade: em tese, a escolha legislativa em promulgar uma regra em vez de um tipo aberto afeta a velocidade e, portanto, indiretamente, os custos e benefícios, de resolução de disputa judicial. Devido ao caráter sequencial de um julgamento, um aumento no número de questões a serem ajuizadas irá prolongar o julgamento. A decisão que se baseie em um princípio ou cláusula geral, portanto, terá aumentado o lapso temporal entre o incidente que deu origem a uma disputa legal e resolução judicial final da disputa, visto a tarefa de densificá-los.
Por fim, é importante pontuar que a regulamentação através de regras (regulamentação legislativa) facilita o controle social dos tomadores de decisão (legisladores), haja vista que esses estão submetidos à periodicidade do voto, o que não ocorre, em nosso ordenamento com os juízes, que gozam de vitaliciedade e cuja admissão se dá através de concurso público ou outros critérios de indicação que não o voto popular.
Por outro lado, são apontados, também, efeitos negativos relacionados à regulamentação exclusivamente ex ante, isto é, a regulamentação exclusivamente pela via legislativa. Hans-Bernd Schäfer[41], teórico alemão, aponta duas principais críticas à exclusividade da técnica legislativa das regras em um ordenamento, quais sejam, (1) a falta de flexibilidade e rápida obsolência das decisões parlamentares e (2) a suscetibilidade à corrupção e a grupos de interesse presente no Legislativo.
No tocante ao primeiro ponto, regras específicas promulgadas pelo Legislativo não conseguem abarcar todas as situações e não são tão flexíveis. Consequentemente, regras precisas ficam desatualizadas devido a mudanças econômicas, técnicas e sociais, assim, devem conduzir a uma agitada atividade parlamentar ou tornar-se-ão ineficientes e petrificadas ao longo do tempo. Neste último caso, a simplicidade e segurança jurídica prevalecem ao longo do tempo, mas outros efeitos adversos de regras ultrapassadas são agravados ao longo do tempo.
E não é só, alguns campos estão sujeitas a mudanças frequentes como, por exemplo, normas de saúde e segurança, normas de auditoria ou regras que regulam indústrias e profissões. É improvável que o ativismo parlamentar possa criar um conjunto de regras que sejam fáceis de administrar e que possam ser frequentemente mudadas ao longo do tempo. Para estas áreas o centralismo parlamentar não é uma alternativa viável.
No tocante a suscetibilidade à corrupção e a grupos de interesse presente no Legislativo, é inegável que as normas expedidas pelo Legislativo nem sempre coincidem com o interesse público, visto que os grupos de pressão influentes podem induzir parlamentos a promulgar leis a seu favor. O mesmo seria verdadeiro para as agências reguladoras, cujas normas são muitas vezes tendenciosas em relação aos interesses dos grupos econômicos regulados. Assim, para o supramencionado autor, a legislação pode ser influenciada pela corrupção e pelos interesses da burocracia estatal.
O Judiciário, todavia, não poderia ser facilmente influenciado por grupos de interesse. Mesmo que partes do Judiciário sejam corruptas, é mais difícil de se influenciar as decisões do Poder Judiciário, em razão de sua estrutura de aprendizagem descentralizada, do que as emanadas pelo Parlamento.
Em sua obra, Schäfer defende que a criação da norma através dos tribunais (judge-made-law) poderia levar a soluções superiores em comparação com a norma criada pelo Legislativo, independente de todas as considerações sobre a divisão do trabalho entre o parlamento e do judiciário e do conhecimento diferente e especialização de juízes e membros do parlamento. A presente análise se dá de forma pragmática à luz da observação do funcionamento das democracias atuais, todavia, inegavelmente, não pode desprezar o papel fundamental exercido pelo Poder Legislativo enquanto representante ideal das vontades populares.
Dessa forma, um sistema jurídico baseado em normas de baixo grau de especificidade, como cláusulas gerais e conceitos indeterminados, privilegia a densificação e construção normativa por parte dos órgãos jurisdicionais, enquanto um modelo de alto grau de especificidade normativa – formado majoritariamente por regras – concentra o poder de decisão no topo do sistema político. A opção por um sistema jurídico baseado em tipos abertos revela a preferência por um modelo ex post, que prioriza o juiz e não o legislador como produtor das normas jurídicas; regras precisas, representam um modelo ex ante, são centralizadas e concentram o poder de decisão no topo do sistema político.
Percebe-se, então, que no tocante a este ponto, a expansão de poder do Judiciário dá-se diretamente por delegação do legislador, que, ao elaborar uma Constituição e leis densamente compostas de princípios e cláusulas abertas termina por abrir mão do poder de regulamentar a situação, promulgando princípios ou cláusulas gerais, para que o juiz, diante do caso concreto, densifique-os e concretize-os. O legislador, neste ponto, incentiva e estimula a discricionariedade judicial, visto compreender a impossibilidade de ele próprio prever todas as situações da vida, diante a rápida obsolência e falta de flexibilidade das regras precisas, que em alguns campos com muita facilidade tornam-se desatualizadas. A consequência inequívoca, é uma fronteira fluida entre o que é a tarefa de legislar e regulamentar e o que é a de julgar, aproximando política e direito, e permitindo-se diretamente a expansão da atividade judicial.
3.4 Adoção, muitas vezes acrítica, pela doutrina nacional das teorias “pós-positivistas”
É possível afirmar, tendo por parâmetro a efetividade do texto constitucional, que o Brasil, em que pese as muitas cartas constitucionais que aqui vigoraram, teve, em relação aos países da Europa continental, o que se pode denominar de constitucionalismo tardio. Uma história de frustração do povo em relação a direitos que lhe foram enunciados, mas nunca verdadeiramente lhe concedidos.
O professor Luís Roberto Barroso muito nos reporta tal fato:
A experiência política e constitucional do Brasil, da independência até 1988, é a melancólica história do desencontro de um país com sua gente e com seu destino. Quase dois séculos de ilegitimidade renitente do poder, de falta de efetividade das múltiplas Constituições e de uma infindável sucessão de violações da legalidade constitucional. Um acúmulo de gerações perdidas.
A ilegitimidade ancestral materializou-se na dominação de uma elite de visão estreita, patrimonialista, que jamais teve um projeto de país para toda a gente. Viciada pelos privilégios e pela apropriação privada do espaço público, produziu uma sociedade com deficit de educação, de saúde, de saneamento, de habitação, de oportunidades de vida digna. Uma legião imensa de pessoas sem acesso à alimentação adequada, ao consumo e à civilização, em um país rico, uma das maiores economias do mundo.
(...)
Prevaleceu entre nós a tradição européia da primeira metade do século, que via a Lei Fundamental como mera ordenação de programas de ação, convocações ao legislador ordinário e aos poderes públicos em geral. Daí porque as Cartas brasileiras sempre se deixaram inflacionar por promessas de atuação e pretensos direitos que jamais consumaram na prática. Uma história marcada pela insinceridade e pela frustração.[42]
Como se percebe, a falta de efetividade das Constituições brasileiras é resultado do não reconhecimento da força normativa aos seus textos - a negação em dar-lhe aplicabilidade direta e imediata. A falta de vontade política e judicial de aplicar a vontade da Constituição.
A Constituição Federal de 1988 traz a perspectiva de uma nova história, embora tardiamente. Em 1949, pós-Segunda Guerra Mundial e sobre as ruínas do regime nazista, a Alemanha promulgou sua nova Lei Fundamental, que veio a estabelecer o Tribunal Constitucional Federal alemão. Assim o fez, baseando-se na construção doutrinária do Estado Democrático de Direito, ou Estado Constitucional de Direito, isto é, o Estado que é regido pela vontade da maioria democrática, limitada à proteção dos direitos fundamentais das minorias.
No Brasil, a despeito da miríade de emendas feitas em nossa Constituição, vivemos, desde a promulgação da mesma, um momento ímpar de normalidade institucional democrática combinada com uma tentativa crescente de dar efetividade à Lei Fundamental.
Uma novidade na história institucional da República.
A nossa Carta Maior de 1988 tem indiscutível papel como fiel da balança desta preciosa estabilidade institucional. Promulgada sob indiscutível critério democrático, é dotada de um lastro de legitimidade sem precedentes na história brasileira. Não obstante os inegáveis avanços políticos, jurídicos e institucionais trazidos pela Carta de 1988, que foi a responsável por consagrar o neoconstitucionalismo e pós-positivismo no cenário jurídico nacional, a doutrina começa a apontar excessos derivados, talvez, da incipiência e do deslumbramento causado com a redescoberta dos princípios, notadamente no tocante ao Poder Judiciário.
Conforme observamos, ao longo da história do direito, os princípios jurídicos percorreram um longo caminho até se desgarrarem da noção de Direito Natural para alcançarem uma leitura que lhes atribuísse normatividade, expressando um conteúdo deôntico (estabelecendo obrigações, permissões ou proibições de condutas). O conceito de norma jurídica passa a ser formado por duas espécies distintas: as regras jurídicas e os princípios jurídicos.
Nesse sentido, Canotilho nos apresenta uma excelente síntese de diferenciação entre princípios e regras:
Grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida; b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador ao juiz), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação direta; c) Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes do direito: os princípios são normas de natureza estruturante ou com papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex: princípio do Estado de Direito); d) Proximidade da ideia de direito: os princípios são “standars” juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça (Dworkin) ou na “ideia de direito” (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional; e) Natureza normogenética: os princípios são fundamentos de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante.[43]
Hans-Bernd Schaefer, importante teórico da Análise Econômica do Direito, em sua obra Rule Based Legal Systems as Substitute for Human Capital. Should Poor Countries Have a More Rule Based Legal System?, também elabora um critério de distinção entre tipos abertos e regras. Confira-se:
As regras são comandos legais que diferenciam o comportamento lícito do comportamento ilícito de forma simples e clara. Standards, todavia, são disposições legais gerais, imprecisas e vagas, que exigem a tomada de uma decisão judicial complexa. Um limite de velocidade cuja violação leva a uma multa de $100 é uma regra, ao passo que uma norma para motoristas de carro para "dirigir com cuidado", cuja violação leva a danos compensação é um standard. Neste último caso, a norma jurídica deixa em aberto qual é exatamente o nível de diligência e como a compensação de danos deve ser calculada.[44](Tradução nossa).
Dessa forma, conforme aponta Bernardo Gonçalves Fernandes, teóricos como Parisi, Fon, Schäfer, assim como Bobbio e Del Vecchio, passaram a defender que a generalidade/especificidade seria um critério suficiente para uma distinção, sendo os princípios normas dotadas de um grau de abstração e generalidade mais alto do que as regras.
Robert Alexy aponta tal tese como a “tese fraca” de separação entre regras e princípios, uma vez que se apoiaria em distinção meramente quantitativa (grau de abstração de cada espécie normativa).
A “tese forte” da separação entre regras e princípios, também denominada tese qualitativa, toma o modo de aplicação de cada espécie de norma como critério distintivo suficiente da separação. Para esta tese o critério da generalidade não é suficiente para aferir a distinção posto que incapaz de proporcionar uma diferenciação essencial. Para Alexy, a questão está em assentar a distinção por meio dos modos de aplicação de cada espécie normativa, bem como na forma de proceder em caso de conflito normativo.
Regras seriam diferentes dos princípios porque são aplicáveis na maneira do tudo-ou-nada (all-or-nothing-fashion). Uma regra válida deve ser aplicada conforme mero procedimento de subsunção silogística.
Destarte, a aplicação das regras envolve uma operação intelectual simples denominada de subsunção, não dando margem a maiores especulações teóricas. Regras são relatos objetivos e aplicáveis a um conjunto determinado de situações. A subsunção é o enquadramento dos fatos na previsão abstrata da norma, que produzirá o resultado jurídico.
Desta feita, a aplicação das regras se opera na modalidade tudo ou nada, isto é, ou regula a matéria em sua inteireza ou é descumprida. Uma regra somente deixará de incidir sobre a hipótese de fato que contempla se for inválida, se houver outra mais específica ou se não estiver em vigor.
Os princípios, como visto, possuem maior grau de abstração, não especificando diretamente a conduta a ser seguida, posto que constituem uma decisão política relevante a indicar a direção e não o caminho. Todavia, como aponta Sundfeld, o ordenamento jurídico se caracteriza por uma ordem pluralista a adequar em seu corpo valores e fundamentos contrapostos, resultados das influências e do poder de grupos de pressão consolidados ou em luta por sua consolidação. Dessa forma, a colisão de princípios faz parte da lógica do sistema, em razão de sua dialeticidade. O intérprete deve reconhecer aos princípios uma dimensão de peso e importância e à luz do caso concreto, devendo fundamentadamente, e preservando o máximo de cada um, aferir a vontade do texto. A aplicação dos princípios dar-se-á, em geral, pela técnica da ponderação.
A ponderação será a técnica de decisão jurídica aplicável aos casos difíceis (hard cases), onde a subsunção mostra-se insuficiente pois a situação concreta dá ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia e especialidade que indicam soluções diferenciadas. O método se dá através do sopesamento e balanceamento de bens, interesses e valores. Método este que ganhou importância na rotina da atividade jurisdicional hodierna[45].
Por isso, Alexy[46] afirma existir uma dimensão de peso entre princípios nos casos de colisão, exigindo para sua aplicação um mecanismo de “proporcionalidade”. Assim, em face de uma colisão de princípios, o valor decisório será dado a um princípio que tenha no caso concreto maior peso relativo, sem que isso signifique invalidação ou descarte do princípio compreendido como de peso menor.
Assim, para Alexy os princípios apresentam a natureza de mandamentos de otimização, e na sua colisão deve-se observar a técnica da ponderação. Vejamos:
(...) princípios são normas que ordenam que algo se realize na maior medida possível, em relação às possibilidade jurídicas e fáticas. Os princípios são, por conseguinte, mandados de otimização que se caracterizam porque podem ser cumpridos em diferentes graus e porque a medida de seu cumprimento não só depende de possibilidades fáticas, mas também de possibilidades jurídicas. (...) Por outro lado, as regras são normas que exigem um cumprimento pleno e, nessa medida, podem sempre ser somente cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então é obrigatório fazer precisamente o que se ordena, nem mais nem menos. As regras contêm por isso determinações no campo do possível fático e juridicamente.[47]
Segundo Alexy, o dimensionamento de peso entre princípios nos casos de colisão, exige para sua aplicação um mecanismo de “proporcionalidade”, que garantiria a racionalidade da decisão, evitando que a aplicação do direito se torne mera preferência subjetiva do julgado, decisionismo. Passemos então ao estudo da estrutura “racional” da proporcionalidade.
A estrutura da proporcionalidade divide-se em três sub-regras quem devem ser analisadas em sequência: (i) adequação, (ii) necessidade e (iii) proporcionalidade em sentido estrito. A sequência deste procedimento teórico, uma construção alçada a partir de uma teoria da argumentação jurídica, seria capaz de conduzir a decisões judiciais dotadas sempre de racionalidade.
A doutrina, ainda que de forma incipiente, vem criticando a forma como houve uma crença acrítica na adoção desta teoria, e na forma errônea como foi absorvida. Observe-se trecho da lavra de Fernandes que critica a internalização da sub-regra da adequação:
No Brasil, difundiu-se o conceito de adequação como aquilo que é apto a alcançar o resultado pretendido (ou seja, se a medida ou meio adotado é apto ao fim visado). Todavia trata-se de uma compreensão (apesar de majoritária na doutrina nacional) equivocada da sub-regra (ou máxima), derivada da tradução imprecisa do termo alemão fördern como alcançar, ao invés de fomentar, o que seria mais correto. Nessa leitura, “adequado, então, não é somente o meio cuja utilização um objetivo é alcançado, mas também o meio com cuja utilização a realização de um objetivo é fomentada, promovida, ainda que o objetivo não seja completamente realizado.Há uma grade diferença entre ambos conceitos, que fica clara na definição de Martin Borowski, segundo a qual uma medida estatal é adequada quando o seu emprego faz com que o ‘objeto legítimo pretendido seja alcançado ou pelo menos fomentado’.Dessa forma, uma medida somente pode ser considerada inadequada se sua utilização não contribuir em nada para fomentar a realização do objeto pretendido.[48]
O autor supracitado aponta a incorreção acima demonstrada na compreensão da subregra da adequação nas obras de Daniel Sarmento e Gilmar Ferreira Mendes[49].
A sub-regra da necessidade é entendida como uma imposição que é posta ao Poder Público para que adote sempre a medida menos gravosa possível para atingir determinado objetivo. Dessa forma, um ato que limita um direito fundamental só considerar-se-á necessário se para realização de seu objetivo pretendido não haja outra medida que limite em menor intensidade o direito.
Por fim, passa-se à análise da proporcionalidade em sentido estrito, apenas após a verificação de que o ato é adequado e necessário. Trata-se a proporcionalidade em sentido estrito de um raciocínio de sopesamento que se dá entre a intensidade da restrição que o direito fundamental irá sofrer e a importância do outro direito fundamental que lhe é colidente.
A racionalidade alexyana possui, no entanto, inúmeros problemas irresolvidos, essencialmente no que diz respeito à flexibilidade conferida pelos princípios ocasionando uma amplíssima discricionariedade judicial.
Fernandes[50] critica o modo como a doutrina nacional adotou a tese de Robert Alexy, desenvolvendo a “crença” de que o método da ponderação a partir do critério da proporcionalidade seria capaz de assegurar decisões dotadas de racionalidade, de modo a evitar o decisionismo, bem como a incerteza e insegurança.
Assim, a adoção das teorias das teorias pós-positivistas no Brasil, em especial a racionalidade alexyana, vista com fascínio pela majoritária e acrítica doutrina nacional começa a apontar para a possibilidade de abertura a decisões resultado de puro arbítrio, e dotadas de preferências pessoais dos juízes.
São elencadas, então, as seguintes críticas, em síntese, ao postulado da proporcionalidade: a) desnaturação do princípio da separação dos poderes; b) limitação da supremacia constitucional pela transformação dos Tribunais Constitucionais em verdadeiras Assembleias Constituintes (poder constituinte originário permanente); c) desnaturação dos direitos fundamentais e da unidade normativa da Constituição; d) politização do Judiciário, por meio de decisões utilitárias de custo/benefício sociais; e) abertura para decisões dotadas de puro arbítrio; f) abertura para decisões dotadas de preferências pessoais dos juízes (com a diluição da positividade-juridicidade da Constituição); g) irracionalidade metodológica[51].
Desta feita, alguns pesquisadores começam a identificar uma tendência ao uso ideológico e oportunista das normas abertas no judiciário, de maneira tal que a aplicação das mesmas vem deixando de refletir a lógica interna do sistema jurídico e passando a ser guiada por valores meramente pessoais dos operadores do direito, contribuindo, destarte, para o aumento da insegurança jurídica.
O fascínio aqui analisado acerca da normatividade dos princípios, que restou acompanhado pela maior parte da doutrina pátria, resultou em uma recepção acrítica e incompleta de teorias estrangeiras como a técnica da ponderação, a proporcionalidade e a argumentação jurídica, como observa Tomaz de Oliveira[52]. E que está sendo responsável pela transformação de nosso sistema jurídico em um ordenamento formado preferencialmente por tipos abertos.
O direito brasileiro vive hoje um cenário em que princípios vagos podem justificar qualquer decisão. Um ambiente de geleia geral que promove a deterioração da qualidade do debate jurídico, afastando o Direito ao trazer a arbitrariedade. Vejamos a opinião de Carlos Ari Vieira Sundfeld a respeito:
Hoje, fala-se o tempo todo em princípios no direito público brasileiro. Essa moda tem três razões principais. Indeterminações aparecem aos montes na (ainda recente e sempre mudando) Constituição de 1988 e nas novas leis e, como a fábrica de princípios lança produtos sem parar, o trabalho de absorvê-los é permanente e ruidoso. Em segundo lugar, as pessoas estão cada vez mais dispostas a levar os princípios a sério como fonte de Direito - e as dificuldades que isso propõe são enormes. Por fim, a operação de um sistema com tal índice de incerteza normativa gera muita confusão (saber se a confusão é positiva ou negativa: eis uma questão!). Não é de estranhar que os princípios estejam cada vez mais na berlinda.[53]
De fato, temos que entender o poder que os princípios conferem a quem os interpreta, visto constituírem cláusulas com conteúdo aberto e extremamente dependente da realidade subjacente. O princípio passa a demarcar uma moldura dentro da qual há múltiplas possibilidades interpretativas.
A aplicação das regras envolve uma operação intelectual simples denominada de subsunção, não dando margem a maiores especulações teóricas, visto que regras são relatos objetivos e aplicáveis a um conjunto determinado de situações. A subsunção é o enquadramento dos fatos na previsão abstrata da norma, que produzirá o resultado jurídico. Desta feita, a aplicação das regras se opera na modalidade tudo ou nada (All or nothing), ou regula a matéria em sua inteireza ou é descumprida. Uma regra somente deixará de incidir sobre a hipótese de fato que contempla se for inválida, se houver outra mais específica ou se não estiver em vigor.[54]
Os princípios, como visto, possuem maior grau de abstração, não especificando diretamente a conduta a ser seguida, posto que constituem uma decisão política relevante a indicar a direção e não o caminho. Todavia, como demonstrado por Sundfeld, o ordenamento jurídico se caracteriza por uma ordem pluralista a adequar em seu corpo valores e fundamentos contrapostos, resultados das influências e do poder de grupos de pressão consolidados ou em luta por sua consolidação. Dessa forma, a colisão de princípios faz parte da lógica do sistema, em razão de sua dialeticidade. O intérprete deve reconhecer aos princípios uma dimensão de peso e importância e à luz do caso concreto, devendo fundamentadamente, e preservando o máximo de cada um, aferir a vontade do texto. A aplicação dos princípios dar-se-á, em geral, pela técnica da ponderação.
A ponderação será a técnica de decisão jurídica aplicável aos casos difíceis (hard cases), onde a subsunção mostra-se insuficiente pois a situação concreta dá ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia e especialidade que indicam soluções diferenciadas. O método se dá através do sopesamento e balanceamento de bens, interesses e valores. Método este que ganhou importância na rotina da atividade jurisdicional hodierna.
O deslumbramento inicial com a normatividade dos princípios no que diz respeito à sua ampla e múltipla abrangência devido à textura aberta e à potencialidade de atuação que oferece ao intérprete em razão de sua abertura semântica vem agora dar lugar a percepção o conteúdo da norma estará sujeito à concepção ideológica ou filosófica do intérprete, suas circunstâncias pessoais.
O risco da ponderação existe em diferentes graus. O mais leve é seu uso como biombo retórico, a encobrir a sua desnecessidade ou suficiência da mera invocação de dispositivos legais específicos para dirimir o conflito submetido a juízo, uma “ornamentação” da decisão judicial, como “varinha de condão” que dá ao juiz um meio para atingir o resultado que ele deseja de modo mais célere, isto é, o princípio representando a preguiça retórica ou superficialidade. O risco mais grave é de prestar-se a voluntarismo e soluções ad hoc, dando margem à ampla discricionariedade judicial e sendo um convite ao exercício indiscriminado de ativismo judicial e favorecendo o comportamento oportunista. A arbitrariedade judicial que subverte a própria democracia.
Assim, percebe-se que o postulado normativo da proporcionalidade, metodologia de aplicação dos princípios, utilizado em um ordenamento jurídico cada vez mais formado por normas abertas, como cláusulas gerais e princípios, permite um agigantamento da função jurisdicional, tornando fluidas as fronteiras entre a interpretação judicial de uma norma e a própria criação judicial do direito, fator decisivo para compreender a ascensão de poder dos juízes no cenário institucional brasileiro atual.
4. CONCLUSÃO
No presente artigo, discutiu-se os fatores institucionais formais e informais a favorecer uma expansão de poder do Judiciário brasileiro. Todos eles devem ser compreendidos em conjunto, pois possuem influências recíprocas. A redemocratização e o retorno das garantias institucionais do Judiciário, e funcionais de seus membros, permitiu a tomada de decisões que viessem a ir de encontro com os interesses de instâncias políticas em não efetivação de direitos, sem medo de futuras represálias institucionais. Por outro lado, uma Constituição extremamente analítica e desconfiada do legislador, a abranger quase todos os ramos do direito, aliada a um sistema de controle de constitucionalidade que talvez seja o mais amplo do mundo em ferramentas instrumentais e modalidades de acesso, permitiu a judicialização da vida, isto é, o Judiciário pode ser chamado a dar a última palavra sobre praticamente qualquer assunto.
Os fatores acima se aliam a uma delegação normativa inconsciente do legislador, constituinte e ordinário, a promulgar cada vez cláusulas abertas e principiológicas nos textos normativos, delegando o poder de criação da norma específica diretamente ao Judiciário, e ao comportamento estratégico dos atores políticos, transformando o Poder Judiciário em um terceiro turno do processo legislativo ou se omitindo em situações de alto custo político da tomada de decisão.
Somados a esses fatores, adicione-se a adoção pela doutrina nacional de uma nova teoria dos princípios, que permite um agigantamento da função jurisdicional, tornando fluidas as fronteiras entre a aplicação judicial de uma norma e a própria criação da mesma, conjugados a uma percepção latente de uma disfuncionalidade e baixa representatividade das instâncias políticas tradicionais.
A combinação de todos esses fatores permitiu a expansão do poder jurisdicional em face dos demais poderes estatais, todavia, permanece a dúvida sobre a legitimidade democrática deste agigantamento. O certo é que o papel do juiz, sobretudo o constitucional, na democracia contemporânea ainda não encontra uma arquitetura definida. Estamos em tempos de transformação.
Antoine Garapon, ao refletir sobre o papel do juiz na democracia, proclamou que “(…) A justiça é guardiã do direito, quer dizer, dos pactos anteriores aos quais somos ligados. Ela garante a identidade da democracia (...)[55]”. Em que pese o brilho de tal sentença, ela se mostra insuficiente para a efetividade e proteção de um regime democrático.
O fato é que o espaço simbólico da democracia vem migrando silenciosamente da política para o Judiciário. O sucesso da justiça é inversamente proporcional ao descrédito que afeta as instituições políticas clássicas, causado pela crise de representatividade e insatisfação que afeta as democracias contemporâneas. Inobstante tal fato, apesar de as insuficiências da democracia representativa serem excessivamente óbvias para serem ignoradas, a política e a discussão pública constituem o pilar fundamental da democracia, um pilar que não pode ser solapado por instâncias jurídicas.
Urge corrigir a democracia, e não solapá-la. A Justiça garante a identidade da democracia, mas só a política conduzida pelo povo pode lhe dar alma.
REFERÊNCIAS
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[1] RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 116.
[2] VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista de Direito GV. São Paulo. n. 4. P. 441-464.
[3] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização da política, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista Jurídica da Presidência, v. 12, n. 96, p. 3, fev.-mai. 2010.
[4] ADPF nº 132 e ADI nº 142, Rel. Min. Carlos Ayres Britto
[5] ADPF nº 54, Rel. Min. Marco Aurélio.
[6] STF - ADPF: 378 DF - DISTRITO FEDERAL 9037714-24.2015.1.00.0000, Relator: Min. EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 15/12/2015, Data de Publicação: DJe-255 18/12/2015.
[7] STF. Plenário. AC 4070, Rel. Min. Teori Zavascki.
[8] STF. Plenário. ADPF 347 MC/DF, Rei. Min. Marco Aurélio, julgado em 9/9/2015.
[9] Confira-se trechos do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-05-68.htm>:
Art. 4º - No interesse de preservar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais.
Art. 6º - Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por prazo certo.
§ 1º - O Presidente da República poderá mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo, assim como empregado de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar militares ou membros das polícias militares, assegurados, quando for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço.
Art. 10 - Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.
Art. 11 - Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos.
[10] Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/a-censura-da-toga/828>.
[11] O Supremo Tribunal Federal e o Golpe de 64. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=62507>.
[12] Art. 9o Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.
§ 1o No caso de restabelecimento da receita prevista, ainda que parcial, a recomposição das dotações cujos empenhos foram limitados dar-se-á de forma proporcional às reduções efetivadas.
§ 2o Não serão objeto de limitação as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e as ressalvadas pela lei de diretrizes orçamentárias.
§ 3o No caso de os Poderes Legislativo e Judiciário e o Ministério Público não promoverem a limitação no prazo estabelecido no caput, é o Poder Executivo autorizado a limitar os valores financeiros segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias. (Vide ADIN 2.238-5)
[13] STF - ADI: 2238 DF, Relator: Min. ILMAR GALVÃO, Data de Julgamento: 09/08/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-172 DIVULG 11-09-2008 PUBLIC 12-09-2008 EMENT VOL-02332-01 PP-00024 RTJ VOL-00207-03 PP-00950. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=547193>.
[14] PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO No 33, DE 2011. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=876817&filename=Tramitacao-PEC+33/2011>.
[15] RAMOS, Elival da Silva. Controle de Constitucionalidade no Brasil: perspectivas de evolução. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 187-188.
[16] Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>.
Art 179 - Só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus Juízes, poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público.
[17] Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>.
Art 91 - Compete ao Senado Federal:
IV - suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário;
Art 96 - Quando a Corte Suprema declarar inconstitucional qualquer dispositivo de lei ou ato governamental, o Procurado Geral da República comunicará a decisão ao Senado Federal para os fins do art. 91, nº IV, e bem assim à autoridade legislativa ou executiva, de que tenha emanado a lei ou o ato.
[18] Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>.
Art 68 - É vedado ao Poder Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas.
[19] Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm>.
Art 96 Parágrafo único – No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terços de votos de cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal.
[20] Confira-se o texto da EC nº 1/1969:
Art. 95. O Ministério Público federal tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República, dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
[21] CF/88: Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
I - o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III - a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
[22] ARGUELHES, Diego Werneck. Ribeiro, Leandro Molhano. Criatura e/ou Criador: transformações do Supremo Tribunal Federal sob a Constituição de 1988. Revista de Direito da GV. Vol.12 no.2 São Paulo: May/Aug. 2016. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-24322016000200405>. Acesso em: 29 de mai 2017.
[23] "Desrespeito à Constituição. Modalidades de comportamentos inconstitucionais do Poder Público. (...) Salário mínimo. Satisfação das necessidades vitais básicas. Garantia de preservação de seu poder aquisitivo. (...) Salário mínimo. Valor insuficiente. Situação de inconstitucionalidade por omissão parcial. (...) Inconstitucionalidade por omissão. Descabimento de medida cautelar. A jurisprudência do STF firmou-se no sentido de proclamar incabível a medida liminar nos casos de ação direta de inconstitucionalidade por omissão (RTJ 133/569, Rel. Min. Marco Aurélio; ADI 267/DF, Rel. Min. Celso de Mello), eis que não se pode pretender que mero provimento cautelar antecipe efeitos positivos inalcançáveis pela própria decisão final emanada do STF. A procedência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, importando em reconhecimento judicial do estado de inércia do Poder Público, confere ao STF, unicamente, o poder de cientificar o legislador inadimplente, para que este adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional. Não assiste ao STF, contudo, em face dos próprios limites fixados pela Carta Política em tema de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2º), a prerrogativa de expedir provimentos normativos com o objetivo de suprir a inatividade do órgão legislativo inadimplente. Impossibilidade de conversão da ação direta de inconstitucionalidade, por violação positiva da Constituição, em ação de inconstitucionalidade por omissão (violação negativa da Constituição)." (ADI 1.439-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-5-1996, Plenário, DJ de 30-5-2003.)
[24] “O mandado de injunção nem autoriza o Judiciário a suprir a omissão legislativa ou regulamentar, editando o ato normativo omitido, nem, menos ainda, lhe permite ordenar, de imediato, ato concreto de satisfação do direito reclamado: mas, no pedido, posto que de atendimento impossível, para que o Tribunal o faça, se contém o pedido de atendimento possível para a declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa, com ciência ao órgão competente para que a supra.” (MI 168, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 21-3-1990, Plenário, DJ de 20-4-1990.)
[25] Constituição e o Supremo - Versão Completa :: STF - Supremo Tribunal Federal http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp. "Mandado de injunção. Garantia fundamental (CF, art. 5º, inciso LXXI). Direito de greve dos servidores públicos civis (CF, art. 37, inciso VII). Evolução do tema na jurisprudência do STF. Definição dos parâmetros de competência constitucional para apreciação no âmbito da Justiça Federal e da Justiça estadual até a edição da legislação específica pertinente, nos termos do art. 37, VII, da CF. Em observância aos ditames da segurança jurídica e à evolução jurisprudencial na interpretação da omissão legislativa sobre o direito de greve dos servidores públicos civis, fixação do prazo de sessenta dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. Mandado de injunção deferido para determinar a aplicação das Leis 7.701/1988 e 7.783/1989. Sinais de evolução da garantia fundamental do mandado de injunção na jurisprudência do STF. No julgamento do MI 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 21-9-1990, o Plenário do STF consolidou entendimento que conferiu ao mandado de injunção os seguintes elementos operacionais: i) os direitos constitucionalmente garantidos por meio de mandado de injunção apresentam-se como direitos à expedição de um ato normativo, os quais, via de regra, não poderiam ser diretamente satisfeitos por meio de provimento jurisdicional do STF; ii) a decisão judicial que declara a existência de uma omissão inconstitucional constata, igualmente, a mora do órgão ou poder legiferante, insta-o a editar a norma requerida; iii) a omissão inconstitucional tanto pode referir-se a uma omissão total do legislador quanto a uma omissão parcial; v) a decisão proferida em sede do controle abstrato de normas acerca da existência, ou não, de omissão é dotada de eficácia erga omnes, e não apresenta diferença significativa em relação a atos decisórios proferidos no contexto de mandado de injunção; iv) o STF possui competência constitucional para, na ação de mandado de injunção, determinar a suspensão de processos administrativos ou judiciais, com o intuito de assegurar ao interessado a possibilidade de ser contemplado por norma mais benéfica, ou que lhe assegure o direito constitucional invocado; vi) por fim, esse plexo de poderes institucionais legitima que o STF determine a edição de outras medidas que garantam a posição do impetrante até a oportuna expedição de normas pelo legislador. Apesar dos avanços proporcionados por essa construção jurisprudencial inicial, o STF flexibilizou a interpretação constitucional primeiramente fixada para conferir uma compreensão mais abrangente à garantia fundamental do mandado de injunção. A partir de uma série de precedentes, o Tribunal passou a admitir soluções ‘normativas’ para a decisão judicial como alternativa legítima de tornar a proteção judicial efetiva (CF, art. 5º, XXXV) Precedentes: MI 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 14-11-1991; MI 232/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 27-3-1992; MI 284, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, DJ de 26-6-1992; MI 543/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ de 24-5-2002; MI 679/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 17-12-2002; e MI 562/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 20-6-2003. (...) Em razão da evolução jurisprudencial sobre o tema da interpretação da omissão legislativa do direito de greve dos servidores públicos civis e em respeito aos ditames de segurança jurídica, fixa-se o prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. Mandado de injunção conhecido e, no mérito, deferido para, nos termos acima especificados, determinar a aplicação das Leis 7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis." (MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 25-10-2007, Plenário, DJE de 31-10-2008.) No mesmo sentido: MI 670, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, e MI 712, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 25-10-2007, Plenário, DJE de 31-10-2008.
[26] “Mandado de injunção. Natureza. Conforme disposto no inciso LXXI do art. 5º da CF, conceder-se-á mandado de injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da ordem a ser formalizada. Mandado de injunção. Decisão. Balizas. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada. Aposentadoria. Trabalho em condições especiais. Prejuízo à saúde do servidor. Inexistência de lei complementar. Art. 40, § 4º, da CF. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral – art. 57, § 1º, da Lei 8.213/1991.” (MI 721, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 30-8-2007, Plenário, DJ de 30-11-2007.) No mesmo sentido: MI 1.231-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-11-2011, Plenário, DJE de 1º-12-2011; MI 3.322, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 1º-6-2011, DJE de 6-6-2011.
[27] Lei nº 13.300/2016:
Art. 8o Reconhecido o estado de mora legislativa, será deferida a injunção para:
I - determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora;
II - estabelecer as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas reclamados ou, se for o caso, as condições em que poderá o interessado promover ação própria visando a exercê-los, caso não seja suprida a mora legislativa no prazo determinado.
Parágrafo único. Será dispensada a determinação a que se refere o inciso I do caput quando comprovado que o impetrado deixou de atender, em mandado de injunção anterior, ao prazo estabelecido para a edição da norma.
[28] Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
[29] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios Fundamentais do Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 248-249.
[30] RE 197.917/SP. Rel. Min. Maurício Correa. Jul. 06/06/2002, Pleno; DJ de 07/05/2004.
[31] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização da política, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista Jurídica da Presidência, v. 12, n. 96, p. 3-41, fev.-mai. 2010. (3)
[32] Um exemplo emblemático dessa abrangência constitucional tida como demasiadamente lata refere-se ao § 2º do art. 242 do ADCT da CF/88, que prevê que o Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, seria mantido na órbita federal. Questiona-se a necessidade de se constitucionalizar uma norma desse tipo.
[33] BARROSO, L. R. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os Conceitos Fundamentais e a Construção do Novo Modelo. São Paulo: Saraiva. 2015. P. 399.
[34] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O papel político do Judiciário e suas implicações. Revista de Ciências Jurídicas e Econômicas. Ano 1, n. 2. P. 56.
[35] GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. Rio de Janeiro: Revan, 1999. P. 49.
[36] Ibidem.
[37] Ibidem.
[38] Enfatiza-se que o conceito de standard, termo utilizado pelos dois teóricos, dentro da realidade jurídica nacional deve ser compreendido como a técnica legislativa de erigir tipos normativos abertos, a abranger tanto as cláusulas gerais quanto os princípios.
[39] POSNER, Richard A.; EHRLICH, Isaac. An Economic Analysis of Legal Rulemaking. The Journal of Legal Studies, Vol 3. No. 1. 1974. P. 261.
[40] Ibidem. P. 260.
[41] SCHÄFER, Hans-Bernd. Rule Based Legal Systems as a Substitute for Human Capital. Shoud Poor Countries Have a More Rule Based Legal System?. German Working Papers in Law and Economics. 2001 (20), pp. 1-28.
[42] BARROSO, Luís Roberto. BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da História: a Nova Interpretação Constitucional e o papel dos Princípios no Direito Brasileiro. In: Interpretação Constitucional. Virgílio Afonso da Silva (org.). São Paulo: Malheiros, 2005. P. 1-2.
[43] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra:
Almedina, 2003. 1159-1162.
[44] SCHÄFER, Hans-Bernd. Rule Based Legal Systems as a Substitute for Human Capital. Shoud Poor Countries Have a More Rule Based Legal System?. German Working Papers in Law and Economics. 2001 (20), pp. 1-28.
[45] TORRES, Ricardo Lobo. Da ponderação de interesses ao princípio da ponderação. In: MIGUEL REALE: Estudos em homenagem aos seus noventa anos. Urbano Zilles (coord.). Porto Alegre: Edipuc-RS, 2000. P. 643-645.
[46] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. P. 90.
[47] ALEXY, Robert. Derecho y razón práctica. 2. Ed. México: Fontamara, 1992. P. 12.
[48] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. rev., amp. e atualizada. Salvador: Juspodivm, 2014. P. 232.
[49] Idem.
[50] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. rev., amp. e atualizada. Salvador:
Juspodivm, 2014. P. 234.
[51] Idem.
[52] TOMAZ DE OLIVEIRA, Rafael. O Conceito de Princípio entre a Otimização e a Resposta Correta: aproximações sobre o problema da fundamentação e da discricionariedade das decisões judiciais a partir da fenomenologia hermenêutica. 2007. Dissertação (Mestrado) – Curso de Direito, Universidade do Vale do Rio Sinos, São Leopoldo, 2007. P. 29-31. Disponível em: <http: biblioteca.asav.org.br/vinculos/tede/conceitodeprincipio.pdf>. Acesso em: 05 de mai. 2015.
[53] SUNDFELD, Carlos Ari Vieira. Princípio é preguiça?. In: Direito e Interpretação: racionalidade e instituições. Ronaldo Porto Macedo Jr. e Catarina Helena Cortada Barbieri (org.). São Paulo: Saraiva, 2011. P. 293
[54] BARROSO, Luís Roberto. BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da História: a Nova Interpretação Constitucional e o papel dos Princípios no Direito Brasileiro. In: Interpretação Constitucional. Virgílio Afonso da Silva (org.). São Paulo: Malheiros, 2005. P. 9.
[55] GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. Rio de Janeiro: Revan, 1999. P. 49.
Procurador do Estado do Maranhão. Mestre em Ciências Jurídicas pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba (PPGCJ/UFPB). Pós-graduado em Direito e Processo Tributário pela Escola Superior da Advocacia da OAB/PB. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Conselheiro Editorial da Revista da Procuradoria Geral do Estado do Maranhão.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Gabriel Meira Nóbrega de. Ascensão institucional do Poder Judiciário: Uma análise dos fatores institucionais formais e informais que favorecem o ativismo judicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 abr 2019, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52827/ascensao-institucional-do-poder-judiciario-uma-analise-dos-fatores-institucionais-formais-e-informais-que-favorecem-o-ativismo-judicial. Acesso em: 23 dez 2024.
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