RESUMO: O “crowdsourcing” é um instrumento pouco utilizado na democracia participativa brasileira, tendo como uma de suas espécies a audiência pública, representando uma forma de participação social nas decisões governamentais, seja qual for o Poder que a utilize, no entanto, a ausência de uma regulamentação quanto ao seu procedimento acaba por minimizar a sua efetividade, uma vez que cada órgão ou entidade o operacionaliza de acordo com a sua conveniência. De tal fato, infere-se as disparidades na sua realização, o que muitas vezes gera inocuidade da audiência, pois acaba sendo transformada em mera necessidade procedimental, sendo olvidado o seu fim maior: consolidar a participação popular na busca pelos melhores caminhos para a finalidade pública. O objetivo do presente trabalho é evidenciar a necessidade de sedimentação do “crowdsourcing”, estimulando a sua aplicabilidade na dinâmica de formação da vontade estatal, conforme já está sendo feito em países como a Finlândia. Conclui-se, pois, que para existir democracia, é necessário lapidar qualquer procedimento que envolva o “crowdsourcing”, pormenorizando como será realizado e dispondo hipóteses em que a Administração deve acatar os anseios da sociedade que clama por participação.
Palavras-chave: democracia, participação popular, audiência pública, regulamentação.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A democracia participativa e o “Crowdsourcing”. 3. Conclusão. 4. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A democracia participativa ou deliberativa prima pela existência de efetivos e eficazes mecanismos de controle, exercidos pela sociedade civil, sobre a administração pública, ampliando o compromisso democrático que não mais se resumiria ao sufrágio e às três formas de participação direta previstas no dispositivo constitucional – plebiscito, referendo e iniciativa popular.
Ressalte-se que além dos mecanismos diretos previstos da Constituição da República Federativa do Brasil, existem ainda mecanismos advindos do “crowdsourcing”, tais como as audiências públicas.
Entretanto, percebe-se que os detentores do poder político utilizam a democracia participativa de forma inadequada, manipulando o seu significado, sob o pretenso manto de vocalizar os interesses sociais, solapa o interesse social, criando o imaginário de que há algum interesse em atender aos clamores da sociedade, quando, na realidade, busca-se apenas uma pretensa legitimação social de atos impositivos.
O ambiente democrático não pode ser fictício, ao se deferir um espaço decisório à população, deve-se garantir que tal deliberação é vinculante da atividade estatal, sob pena de consistir em um mero simulacro de participação, porquanto não reverbera de forma obrigatória nas esferas de poder.
2. A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E O CROWDSOURCING
A democracia participativa ou deliberativa prima pela existência de efetivos e eficazes mecanismos de controle, exercidos pela sociedade civil, sobre a administração pública, ampliando o compromisso democrático que não mais se resumiria ao sufrágio e às três formas de participação direta previstas no dispositivo constitucional – plebiscito, referendo e iniciativa popular.
No que tange ao conceito de democracia, o doutrinador José DUARTE NETO (2005, p.25) aduz que se trata de um conceito mutável, não havendo uma petrificação de seu sentido e alcance, comparando-o a um processo de mudança na busca pela autodeterminação do ser humano, sendo o produto da vontade política de determinado momento histórico, senão vejamos:
a democracia não é um conceito estático, acabado, possível de ser transportado e exportado como modelo para as imperfeições dos diversos tipos de Estado. É um processo e, como processo, implica um constante evoluir, um permanente acrescer, uma mutação qualificada pela busca da auto determinação e liberdade do homem, ideal de submissão exclusiva às regras que tenham sido conjuntamente criadas, fruto da contribuição individual de cada qual no produto coletivo, por intermédio da participação política.
Segundo Jorge Miranda (MIRANDA, 1997, p.53), a democracia surgiu na Grécia, onde os cidadãos atenienses juntavam-se na ágora para formar a vontade do Estado, entretanto, uma vez formada tal vontade, não havia nenhuma possibilidade dos cidadãos se insurgirem contra o Estado, conforme se depreende do abaixo exposto:
O contributo mais original da Grécia para o pensamento político-constitucional acha-se no período áureo da democracia ateniense — mas democracia distinta da actual, não só por ser outra a concepção de liberdade como por apenas terem direitos políticos os cidadãos de certo estrato da população, e apenas os homens, e eles o exercerem em governo directo [...]
Dentre os instrumentos da democracia participativa, encontra-se o plebiscito, muito utilizado por regimes autoritário, tais como o de Napoleão I e seu sobrinho, Napoleão III, e mais recentemente Hitler, tendo sido utilizado para dar uma aparência de democracia, quando se estava, na verdade, consolidando o exercício do poder. O eminente Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO (FERREIRA FILHO, 2003, p.95) atribuiu o nome de democracia plebiscitária ou cesarista, conforme se transcreve:
Teoricamente o seu caráter democrático é sustentável: o poder vem do povo como vem do povo o dos parlamentares ou do presidente. Na realidade, porém, sempre foi ela uma ditadura disfarçada pelo chamamento das massas a referendar entusiasticamente as decisões do homem forte. Esse resultado é obtido de um lado pelo controle da propaganda que opera num único sentido, de outro pelo que os psicólogos chamam de ‘horror ao vazio’. Todo povo posto diante da escolha entre alguma ordem e o caos, a incerteza, opta, por essa ordem qualquer. Destarte, sempre diz sim ao césar. Por outro lado, em tal regime não há freios nem limites ao poder do chefe, já que o mesmo, pela invocação do voto das massas, pode a qualquer instante superar os existentes.
Assim, percebe-se que os detentores do poder político utilizam a democracia participativa de forma inadequada, manipulando o seu significado, sob o pretenso manto de vocalizar os interesses sociais, solapa o interesse social, criando o imaginário de que há algum interesse em atender aos clamores da sociedade.
Outrossim, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em seu artigo 5º e 14, consubstancia os mecanismos da participação direta da sociedade na vontade política, senão vejamos:
Art. 5 [...]
LXXIII. qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;
[...]
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I – plebiscito;
II – referendo;
III – iniciativa popular.
Desse modo, percebe-se que a Constituição Federal dotou tais mecanismos de fulcral importância na dinâmica constitucional, mesmo não os tendo dotado de observância obrigatória, sendo, pois, da conveniência política a convocação de plebiscito, referendo, havendo uma maior margem de autonomia social a iniciativa popular.
Ressalte-se que os requisitos para a obtenção de uma lei por intermédio da iniciativa popular são bem difíceis, porquanto, além do quórum de assinaturas ser alto, há a necessidade de passar pelo crivo do processo legislativo no Poder Legislativo e ser objeto de promulgação pelo Chefe do Poder Executivo.
Assim, a iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por um por cento do eleitorado nacional, distribuído em, no mínimo cinco Estados da federação, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. Assinale-se que o exemplo mais conspí cuo de iniciativa popular se atribui à Lei da Ficha Limpa.
Com efeito, existem várias formas de participação social (PRETTY apud MAGAGNIN, 2008, p. 21), na simulada, a população tem representantes junto aos órgãos oficiais, mas não há direito ao voto; na passiva, o processo decisório é da administração, sendo feita apenas feita uma comunicação à sociedade, ou seja, as decisões são tomadas de forma unilateral; por consulta em que a população é instada a se manifestar por intermédio de questionários, sendo a definição do problema e o controle das informações, sob monopólio das autoridades; participação por intermédio de incentivos materiais trata-se do estímulo à participação em virtude do recebimento de benefícios; na participação funcional o processo decisório será fundamentado pela reunião entre técnicos e a população, entretanto, prevalece o decidido pelos técnicos; na interativa, há uma interação mais incisiva, havendo uma intensa participação social no processo decisório; por fim, a participação por intermédio da mobilização da comunidade, a qual se revela como a mais cidadão, porquanto a população toma as rédeas da iniciativa do processo democrático, sem aguardar que lhe seja deferido, pelos detentores do poder, um espaço para interferência nos assuntos estatais.
O eminente Raul Point (2003, p.5) define a democracia participativa e estimula a sua aplicação em todos os setores da vida pública, demonstrando quão sadia é para o desenvolvimento nacional, in verbis:
A democracia participativa, por seu potencial mobilizador e conscientizador, permite aos cidadãos desvendar o Estado, gerí-lo e estabelecer um efeito demonstração para outros setores da sociedade traduzirem este método para suas esferas da luta política e da competência administrativa.
Neste aspecto, insta consignar a importância de evidenciar ao povo que há questões a serem levantadas e pontos de vista a serem defendidos. O cidadão não deve ter uma postura passiva, apenas aguardando as ordens do Estado soberano e sim buscar os seus interesses como verdadeiro detentor do poder. A quebra do modelo estático, em que o cidadão apenas espera que o administrador tome as decisões, para o dinâmico, em que o cidadão detecta os erros e propõe soluções, é ilustrada pelo instituto em análise.
Segundo LÜCHMANN (2002, internet), a democracia deliberativa propicia a legitimidade das decisões, uma vez que possui como premissa a existência de vários setores da sociedade civil reivindicando seus respectivos interesses, tendo no final o resultado mais equânime para as diversas facções, conforme abaixo transcreve-se:
A democracia deliberativa constitui-se como um modelo ou processo de deliberação política caracterizado por um conjunto de pressupostos teórico-normativos que incorporam a participação da sociedade civil na regulação da vida coletiva. Trata-se de um conceito que está fundamentalmente ancorado na ideia de que a legitimidade das decisões e ações políticas deriva da deliberação pública de coletividades de cidadãos livres e iguais. Constitui-se, portanto, em uma alternativa crítica às teorias "realistas" da democracia que, a exemplo do "elitismo democrático", enfatizam o caráter privado e instrumental da política.
A democracia participativa repousa sobre o alicerce da participação popular direta, ou seja, sem a necessidade de representantes, tais como líderes sindicais ou comunitários, propiciando, assim, que o cidadão tenha contato imediato com as questões levantadas e com os subsídios para resolvê-las. A representação muitas vezes poda a construção de uma consciência democrática, tem-se que permitir que o detentor do poder estatal – o cidadão – aproprie-se dos elementos necessários para fomentar uma decisão, sendo direcionado por seus próprios sentimentos de melhorias sociais e não inebriados em soluções alheias.
Faz-se, pois, necessário expor os motivos psico-sociais pelos quais a população continua refratária à participação efetiva no processo de participação direta na vida democrática, DIOGO FIGUEIREDO MOREIRA NETO (1992), propôs a seguinte classificação: a apatia política, a abulia política e a acracia política.
A apatia política referir-se-ia a falta de estímulo para ação cidadã, liga-se intimamente à falta de informação sobre os direitos fundamentais, além de refletir a falta de comunicação direta e eficaz entre o cidadão e o Estado, não se podendo olvidar a falta de tradição participativa e à excessiva demora na resposta de solicitações ou críticas.
A abulia política (não querer participar da ação cidadã), relaciona-se, por sua vez, com o ceticismo quanto a manifestação do cidadão efetivamente ser levada em consideração pela administração pública, bem como pela falta de reconhecimento e estima coletiva para atividades de participação cidadã.
A acracia política (não poder participar da ação cidadã), como antecipado atrás, diz diretamente respeito ao baixo grau de escolarização dos requerentes; ao formalismo administrativo e a ausência da prática de conversão de solicitações orais em solicitações formalizadas; à falta de esclarecimento dos direitos e deveres das partes nos processos administrativos; à complexidade e prolixidade excessiva das normas administrativas, além dos graves problemas de ordem política e econômica própria de países subdesenvolvidos ou, como preferem os mais sensíveis, de países emergentes.
O doutrinador José Afonso da Silva (2003, p. 126) critica a democracia representativa, alegando que se trata de uma forma de burlar a verdadeira democracia, fazendo com que o cidadão se sinta falsamente representado, senão vejamos:
“O mandato representativo” é criação do estado liberal burguês, ainda como um dos meios de manter distintos Estado e sociedade, e mais uma forma de tornar abstrata a relação povo-governo. Segundo a teoria da representação política, que se concretiza no mandato, o representante não fica vinculado aos representados, por não se tratar de uma relação contratual; é geral, livre, irrevogável em princípio, e não comporta ratificação dos atos do mandatário.
Assim, continua o eminente doutrinador (AFONSO DA SILVA, 2003, p.139) sua exposição crítica sobre o real sentido da democracia representativa, abaixo:
Há muito de ficção, como se vê, no mandato representativo. Pode-se dizer que não passa de simples técnica de formação dos órgãos governamentais. E soa a isso se reduziria o princípio da participação popular, o princípio do governo pelo povo na democracia representativa. E, em verdade, não será um governo de expressão da vontade popular, desde que os atos de governo se realizam com base na vontade popular, desde que os atos de governo se realizam com base na vontade autônoma do representante. Nesses termos, a democracia representativa acaba fundando-se numa ideia de igualdade abstrata perante a lei, numa consideração de homogeneidade, e assenta-se no princípio individualista que considera a participação, no processo do poder, do eleitor individual no momento da votação[...]
Há uma simbiose entre os indivíduos e as instituições no âmbito da democracia participativa, segundo Pateman (1992), pode haver duas conclusões ou se trata da educação do povo ou do treinamento social.
Assim, não se legitima a democracia que abranja apenas instituições representativas em nível nacional, porquanto é no âmbito local que os indivíduos desenvolvem qualidades psicológicas e atitudes necessárias para a democracia por intermédio do processo participativo, conforme se visualiza abaixo:
A principal função da participação na teoria da democracia participativa é, portanto, educativa; educativa no mais amplo sentido da palavra, tanto no aspecto psicológico quanto no de aquisição de prática de habilidades e procedimentos democráticos. Por isso, não há nenhum problema especial quanto à estabilidade de um sistema participativo; ele se auto-sustenta por meio do impacto educativo do processo participativo. A participação promove e desenvolve as próprias qualidades que lhe são necessárias; quanto mais os indivíduos participam, melhor capacitados eles se tornam para fazê-lo. (PATEMAN, 1992, p.61)
Com efeito, quanto mais a população participa do processo democrático, maior sua aptidão para continuar com o processo democrático, aprimorando sua participação e obtendo maiores subsídios para uma atuação mais contundente e fundamentada.
Ressalte-se que com o advento da internet e das comunicações em massa, propiciadas pelos aplicativos disponíveis em celulares, a possibilidade de participação popular na atividade política do Estado pode ser implementada de modo mais eficaz e econômico, porquanto o cidadão não precisa se deslocar a um local predeterminado pela Administração em horários e datas que, muitas vezes, não lhe são convenientes.
Outrossim, no ambiente virtual, há a possibilidade de documentação em tempo real de todas as manifestações, disponibilizando a todos de forma isonômica a possibilidade de participação.
Não é despiciendo informar que em alguns países já é utilizada a técnica da legitimação popular via internet, sendo garantidas a integridade e solidez dos arquivos gerados por intermédio de um sistema de segurança da informação digital.
Assim, Rousiley Maia (2001) afirma que as novas tecnologias devem ser pensadas como um instrumento de vocalização de interesses, senão vejamos:
“As novas aplicações tecnológicas, independentemente de favorecer ou dificultar a democracia, devem ser pensadas de maneira associada com os elementos sócio-históricos próprios dos atores sociais e com os procedimentos da comunicação estabelecida entre os sujeitos comunicantes concretos.”
A internet, segundo Marques (2006), traz à tona a possibilidade de seres humanos das mais diversas ideologias, reunirem-se no ambiente virtual, criando espaços digitais que teriam pouca potencialidade de concretização no mundo fático, aduz, ainda, que nem todo o cidadão possui interesse em participar das decisões políticas, e que tal fenômeno reflete-se no ambiente virtual em que há indivíduos que se eximem de debater.
Ressalta Marques (2006) que mesmo os usuários menos ativos, acabam participando de forma coadjuvante ao acompanhar as discussões desenvolvidas por usuários mais ativos na rede, diferencia-se, pois, a internet do mundo fenomênico, porquanto se trata de um espaço para a reflexão sempre disponível e aberto a todos os cidadãos, os cidadãos reunidos em redes cívicas podem ser interlocutores de grupos excluídos, apresentando os problemas de forma estruturada e convincente.
Assim, o termo “crowdsourcing” significa buscar na multidão a fonte de ideias para solucionar problemas que, no caso da democracia participativa, trata-se de questões relacionadas ao funcionamento e consolidação do Estado, ocorrendo, preferencialmente, de forma online em virtude dos custos operacionais de pesquisas físicas.
O teórico Habermas, em seu livro Direito e democracia (2003), descreve como se dá o processo democrático em uma sociedade complexa, argumentando que todas as esferas se interpenetram em algum momento, senão vejamos:
"Em sociedades complexas, a esfera pública forma uma estrutura intermediária que faz a mediação entre o sistema político, de um lado, e os setores privados do mundo da vida e sistemas de ação especializados em termos de funções, de outro lado. Ela representa uma rede supercomplexa que se ramifica espacialmente num sem número de arenas internacionais, nacionais, regionais, comunais e subculturais, que se sobrepõem umas às outras (...) esfera pública episódica (bares, cafés, encontros na rua), esfera pública da presença organizada (encontros de pais, público que freqüenta o teatro, concertos de rock, reuniões de partidos ou congressos de igrejas) e esfera pública abstrata, produzida pela mídia (leitores, ouvintes e espectadores singulares e espalhados globalmente). Apesar dessas diferenciações, as esferas públicas parciais, constituídas através da linguagem comum ordinária, são porosas, permitindo uma ligação entre elas" (HABERMAS, 2003, p. 107).
Em razão disso, afigura-se plenamente possível que esferas informais de participação popular sejam dotadas de legitimidade para produzir decisões políticas, desde que observados determinados parâmetros pré-estabelecidos na legislação, coadunando, assim, com os ditames da democracia participativa.
3. CONCLUSÃO
A necessidade de implementação e regulamentação de procedimentos e processos para a consolidação da democracia participativa por intermédio do “crowdsourcing” é imperiosa para que haja isonomia e segurança jurídica, uma vez que a possibilidade de maleabilidade processual pode incorrer em arbitrariedades e discriminações sem razoabilidade ou proporcionalidade.
Assim, prova-se a necessidade de delimitar um procedimento a ser seguido pela Administração ao convocar escutas populares, em especial, audiências públicas, uma vez que a ausência de método leva à inocuidade e ao descrédito desse instituto vital à democracia participativa.
Olvidar os clamores populares é aceitar a autocracia, subjugando muitos ao desejo de poucos. Não partirá dos manipuladores das massas os mecanismos para verdadeiramente posicionar os ideais sociais em um patamar de obrigatoriedade. A luta social deve forçar a sua passagem pelos caminhos tortuosos do fisiologismo estatal. Destarte, a busca pelo engajamento na vida política será profícua para o desenvolvimento nacional, uma vez que a descentralização do poder decisório acarretará maior diversidade de investimentos que atendam verdadeiramente aos anseios sociais.
Percebe-se, pois, que os detentores do poder político utilizam a democracia participativa de forma inadequada, manipulando o seu significado, sob o pretenso manto de vocalizar os interesses sociais, solapa o interesse social, criando o imaginário de que há algum interesse em atender aos clamores da sociedade.
A Magna Carta de 1215 é o marco documental que deu origem ao princípio do devido processo legal, tendo como contexto histórico a pressão sofrida pelo Rei João Sem Terra, o qual iniciou o processo da queda do autoritarismo monárquico, estabelecendo direitos individuais que o Estado não poderia solapar, sendo o nascedouro dos direitos de primeira dimensão, ou seja, os abstencionistas que necessitam de uma intervenção estatal negativa, apenas os resguardando contra abusos de particulares e do próprio Estado que passa a se submeter a lei.
No Brasil, a audiência pública está consignada no art. 32 da Lei nº 9.784/1999, sendo uma mera faculdade do julgador instituí-la ou não, caso entenda ser a matéria de alguma relevância, uma vez que não consigna hipóteses de instauração pelo cidadão desse procedimento, deixando, assim, ao arbítrio da administração instaurá-lo ou não. O aparato legislativo não pode olvidar a necessidade da instauração pela população das audiências públicas, devendo, pois, consubstanciar as hipóteses e o mecanismo a ser utilizado para a concretização de tal intento.
Dentre os dispositivos nos quais é contemplada encontram-se: as leis específicas que regem o meio ambiente, inclusive o artificial, disciplinado no Estatuto da Cidade, as licitações e contratos administrativos, a concessão e permissão de serviços públicos, os serviços de telecomunicações e as agências reguladoras. Ademais, a audiência pública representa o indispensável instrumento para realização da missão institucional do Ministério Público, achando-se prevista, ainda, no processo legislativo e no processo judicial – aqui restrita ao processo de controle concentrado da constitucionalidade das normas.
Reivindica-se, com veemência, a superação dialética da democracia representativa pela democracia participativa, encarecedora da participação direta dos cidadãos na tomada das decisões coletivas, devendo-se, pois, combater os mecanismos de acomodação e neutralização da vontade social.
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VALIM, Rafael Ramires Araújo. O princípio da segurança jurídica no direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros. 2010.
Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (2013). Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Escola Superior de Direito (2017). Analista Judiciário Oficial de Justiça Avaliador Federal do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TORRES, Marjorie Brenda Gouveia Rocha. O "Crowdsourcing" na Democracia Participativa do Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 abr 2019, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52832/o-quot-crowdsourcing-quot-na-democracia-participativa-do-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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