RESUMO: Este trabalho tem por objetivo examinar os desafios da implementação dos mecanismos de autocomposição de demandas, tal como previstos na nova codificação processual civil, às questões previdenciárias. Para tanto, necessário se fez analisar detidamente a audiência de conciliação ou mediação, uma das principais inovações do Novo CPC. Ademais, foram apresentados os pontos em que o diploma processual falhou ao não adequar novos institutos às ações que envolvam a Previdência Social.
Palavras-chave: Autocomposição. Conciliação. Mediação. Ações previdenciárias.
ABSTRACT: This work pretend to examine the challenges of the implementation of the mechanisms for the autocomposition of demands, as foreseen in the new civil procedural codification, to the social security actions. To that end, it was necessary to have a detailed analysis of the conciliation or mediation hearing, one of the main innovations of the New CPC. In addition, it was presented the points in which the procedural document failed to adapt new institutes to the actions that involve Social Security.
Keywords: Autocomposition. Conciliation. Mediation. Social security actions.
PREMISSAS INICIAIS
No hodierno cenário do Direito Processual, tornou-se lugar comum a busca incessante por contornar o congestionamento da justiça brasileira. O Judiciário, desvirtuando-se de seu papel de pacificador social, passou os últimos anos concentrando seus esforços na redução da sobrecarga de processos, notadamente na primeira instância, a qual, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça[1], é o segmento com maior acúmulo de ações em curso.
Com isso, os jurisdicionados e suas lides deixaram de ser o foco da atividade jurisdicional para se tornarem meros espectadores do esforço dos magistrados para alcançar as metas impostas pelos tribunais, justificadas pela crescente demanda de processos, que a cada dia mais se avoluma.
As apostas para superar essa crise da jurisdição foram concretizadas com a publicação, em 16 de março de 2015, do novo Código de Processo Civil. Instituída pela Lei nº 13.105/2015, a nova codificação passou a vigorar em 18 de março de 2016, por decisão do Pleno do Superior Tribunal de Justiça, em sessão administrativa, ao interpretar o artigo 1.045 do diploma processual em combinação com o artigo 8º, parágrafo 1º, da Lei Complementar nº 95 de 1998.
Com o intuito de reduzir o número de processos na justiça brasileira sem perder de vista a função maior do Poder Judiciário, qual seja, a pacificação social, o legislador tratou de priorizar a utilização dos meios alternativos de solução de conflitos, ampliando a previsão da autocomposição no direito processual.
Abrindo um parêntese, necessário esclarecer que alguns juristas entendem que se tornou errônea a expressão “meios alternativos” para fazer referência à conciliação, à mediação, à arbitragem e ao julgamento por órgãos administrativos; isso porque, segundo eles, a partir da Lei nº 13.105/2015 eles passaram a ser previstos expressamente no Código de Processo Civil, não se caracterizando mais como alternativos.
Ocorre que o adjetivo em questão indica a alternatividade em relação ao pronunciamento judicial; conciliação, mediação, arbitragem e julgamento por órgãos administrativos são mecanismos alternativos à jurisdição, razão pela qual a expressão continua perfeitamente aplicável.
O CPC de 2015 pretendeu debelar a excessiva litigiosidade, vislumbrando um sistema multiportas de dimensionamento dos conflitos. A solução judicial passa agora a conviver com métodos que instigam o empoderamento das partes, tais como a mediação e a conciliação.
É certo que o novo código contempla a autocomposição nas modalidades judicial e extrajudicial. Neste trabalho, o foco será a forma judicial, consubstanciada na audiência de conciliação ou mediação logo no limiar do procedimento comum.
O momento não poderia ser o mais oportuno para tratar deste tema, tendo em vista sua relevância e atualidade diante da recente entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, o qual demandará apropriado estudo da atual legislação processual por parte dos acadêmicos e operadores do direito.
O objetivo geral do presente trabalho é apontar os desafios da implementação dos métodos de autocomposição, dando enfoque à audiência de conciliação ou mediação tal como prevista na nova codificação processual civil (Lei nº 13.105/2015), às demandas previdenciárias, desconstruindo a ideia de que o novo CPC, na medida em que concebe a solução judicial como a ultima ratio, representa uma panaceia para o problema da obstrução da justiça brasileira.
Como objetivo específico pretende-se demonstrar empiricamente a reduzida importância que ainda é destinada à justiça conciliativa em matéria previdenciária no ordenamento jurídico brasileiro. E, ainda, evidenciar que, aliada à nova codificação, há que haver a adoção de outras medidas, pois, em nosso entendimento, há uma série de entraves que precisam ser rediscutidos para que as alterações do diploma em questão possam surtir o efeito esperado.
Para tanto, de início, serão evidenciadas as modificações implantadas pela Lei nº 13.105/2015 no direito processual civil, mormente no que pertine à audiência de conciliação ou mediação. Será explicitada a normatização que passa a regular as práticas conciliatórias, tudo voltado ao rápido findar dos autos processuais, com o resultado advindo da própria vontade das partes.
Por derradeiro, o último capítulo tratará de apontar os desafios que a implantação da nova legislação enfrentará nas ações previdenciárias até que comece a surtir os efeitos desejados. São empecilhos das mais diversas searas, conforme será analisado adiante.
1. PARÂMETROS LEGAIS DO NOVO CPC
Os meios alternativos de solução de conflitos – em inglês, alternative dispute resolution – consubstanciam-se em instrumentos para dissolver um conflito particular antes que seja apresentado para julgamento perante um tribunal estatal.
São vantajosos se comparados à heterocomposição porque neles a solução da controvérsia advém das próprias partes, o que leva a uma pacificação mais duradoura do conflito, ao contrário da decisão prolatada por um tribunal estatal, que é imposta unilateralmente às partes, contrariando a vontade de, pelo menos, uma delas.
Importante salientar, ainda, que a autocomposição, de modo geral, implica celeridade do processo se comparada a um processo judicial. Isso porque este, não raras vezes, se prolonga durante muitos anos, passando por diversas instâncias.
O novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) trouxe a lume importantes modificações que afetam diretamente os métodos alternativos à jurisdição. Logo nos primeiros passos da redação já se vislumbra claramente a intenção do legislador de colocar entre as normas fundamentais do processo civil, o dever do Estado de incentivar a solução consensual dos conflitos, senão vejamos:
Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
§ 1o É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§ 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Uma das principais inovações diz respeito à audiência de conciliação ou mediação no limiar do procedimento.
O Código de Processo Civil de 2015 traz uma profunda inovação se comparado ao regime anterior, instituindo uma audiência prévia à apresentação da contestação e que se destina exclusivamente à tentativa de conciliação ou mediação. Essa é talvez a mais importante modificação no que tange à autocomposição e vem regulada no artigo 334, que possui a seguinte redação:
Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.
§ 1º O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na audiência de conciliação ou de mediação, observando o disposto neste Código, bem como as disposições da lei de organização judiciária.
§ 2º Poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação, não podendo exceder a 2 (dois) meses da data de realização da primeira sessão, desde que necessárias à composição das partes.
§ 3º A intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de seu advogado.
§ 4º A audiência não será realizada:
I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual;
II - quando não se admitir a autocomposição.
§ 5º O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência.
§ 6º Havendo litisconsórcio, o desinteresse na realização da audiência deve ser manifestado por todos os litisconsortes.
§ 7º A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos da lei.
§ 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.
§ 9º As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos.
§ 10. A parte poderá constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir.
§ 11. A autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por sentença.
§ 12. A pauta das audiências de conciliação ou de mediação será organizada de modo a respeitar o intervalo mínimo de 20 (vinte) minutos entre o início de uma e o início da seguinte.
Neste contexto, exigindo-se a realização de audiência prévia de conciliação ou mediação para todo processo de conhecimento, fica evidente a extinção da separação dos ritos em sumário e ordinário. O novo CPC os unifica, passando a denominá-los “procedimento comum”.
Como se vê, o dispositivo normativo introduziu no direito processual civil brasileiro uma fase inicial ao procedimento comum, que impõe a designação de uma audiência de conciliação ou mediação obrigatória, salvo raras exceções que serão tratadas mais adiante. Estamos, portanto, diante de uma regra: o processo de conhecimento se inicia com esta audiência, que ocorrerá não perante o juiz, mas perante o conciliador/mediador, em ambiente menos formal e intimidador.
Isso significa dizer que, ajuizada a demanda, ato contínuo, o réu será intimado para comparecer à audiência de conciliação ou mediação. A citação não é mais o primeiro ato de contato do réu com a pretensão jurídica do autor; ela passa a ser efetivada somente após a realização da mencionada audiência, em caso de não comparecimento de qualquer das partes ou de não ter sido celebrado acordo algum.
E essa mudança procedimental tem a sua razão de ser pautada justamente na valorização da solução consensual. Na data designada para a audiência o réu não tem conhecimento do motivo que está sendo intimado para comparecer em Juízo, já que a contrafé só é entregue no momento da citação, que só ocorrerá após a audiência.
A alteração é pertinente, visto que o conhecimento prévio dos termos da inicial acabaria por incutir no réu um sentimento de raiva e de vingança que dificultaria o diálogo entre as partes. Dessa forma, se o réu não lê a exordial, não sabe os detalhes da ação e ao chegar à audiência de conciliação ou mediação estará mais desarmado, criando, assim, um ambiente propício para o acordo.
Não há que se falar em cerceamento de defesa e consequente inconstitucionalidade, uma vez que, a qualquer tempo antes da audiência, a parte ré pode comparecer no cartório para ficar a par da pretensão autoral.
Para comparecimento na audiência, o autor será intimado na pessoa de seu procurador (parágrafo 3º do artigo 334), ao passo que o réu, por ser sua primeira participação no processo, será intimado pessoalmente, mas no ato deverá estar acompanhado por advogado ou defensor público (parágrafo 9º do dispositivo em análise). Tanto é obrigatória a presença das partes - ou seus procuradores com poderes para negociar e transigir - na audiência que o não comparecimento injustificado é tido por ato atentatório à dignidade da justiça, incidindo multa de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, nos moldes do previsto no parágrafo 8º do artigo 334.
O prazo para a apresentação da defesa só começa a fluir a partir da data da realização da audiência, ou do dia em que o réu manifesta seu desinteresse na composição consensual.
Mas para que a audiência de conciliação ou mediação não ocorra não basta a ausência de interesse de apenas uma das partes, como ocorria no CPC/1973. É necessária a manifestação de desinteresse tanto pelo autor como pelo réu. Por autor e réu leiam-se todas as partes envolvidas, inclusive litisconsortes, ativos ou passivos. A parte autora deverá declinar logo na peça inicial sua opção por não se submeter à conciliação/mediação e a parte ré, através de petição autônoma com antecedência mínima de dez dias da data designada para o ato.
Importante salientar desde logo que ninguém é obrigado a permanecer em conciliação/mediação (isso vem, inclusive, previsto expressamente no parágrafo 2º do artigo 2º da Lei nº 13.140/2015 - Lei da Mediação). Isso quer dizer que, embora a audiência seja obrigatória para ambas as partes, qualquer uma delas pode desistir do método conciliatório a qualquer tempo.
Além disso, há outra situação que excepciona a obrigatoriedade da audiência logo no início do procedimento comum: a indisponibilidade do direito pleiteado. Tão somente as controvérsias transacionáveis podem ser submetidas à justiça conciliatória. Em se tratando de direito que não admite autocomposição, o parágrafo 4º, inciso II do artigo 334 expressamente afasta a necessidade da audiência de conciliação/mediação.
Atenta ao avanço tecnológico das últimas décadas, que tem contribuído para a informatização dos processos, a nova codificação processual civil tratou de se antecipar e admitiu a realização da audiência de conciliação ou mediação por meio eletrônico. A dicção do parágrafo 7º do artigo 334, como se vê, remete à futura legislação a regulamentação desse sistema de transmissão.
E para terminar a exposição do dispositivo normativo sub examine, destaque para a redação do parágrafo 11. A autocomposição, seja por conciliação, seja por mediação, precisa ser sempre reduzida a termo e homologada por sentença judicial, constituindo, assim, um título executivo judicial. A homologação do acordo pelo juiz não se consubstancia em direito subjetivo das partes, mas sim uma faculdade do magistrado, que, se recusando a homologá-lo, deverá fundamentar sua decisão.
Diferentemente, a Lei da Mediação não exige a homologação do ajustamento entre as partes (vide artigo 20, parágrafo único da Lei nº 13.140/2015). Neste caso, o acordo constituirá um título executivo extrajudicial. Comentando o dispositivo normativo, Ada Pellegrini Grinover asseverou que é “realmente incompreensível que o acordo judicial não seja levado à homologação” (GRINOVER, 2015, online).
Não parece haver dúvidas de que a audiência de conciliação ou mediação, do modo como foi prevista no novo CPC, antes da contestação do réu, cria um ambiente mais propício à solução mais rápida da controvérsia através de um acordo. No entanto, alguns aspectos legislativos, materiais e culturais podem comprometer a eficácia desta audiência inaugural, especialmente em se tratando de conflitos envolvendo matéria previdenciária, como se verá a seguir.
2. AUTOCOMPOSIÇÃO EM MATÉRIA DE SEGURIDADE SOCIAL
O número excessivo de processos em curso, a inadequada estrutura dos órgãos do Poder Judiciário, a preterição de outras formas de solução de conflitos, entre outros fatores, são algumas das causas que podem ser atribuídas à crise jurisdicional vivenciada na atualidade, como explanado anteriormente.
No caso das ações previdenciárias, não bastasse isso, a situação é agravada porque um dos envolvidos no litígio, o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, é uma autarquia federal, gozando de algumas prerrogativas que costumeiramente atrasam ainda mais o andamento processual, tais como os prazos diferenciados (o novo CPC, em seu artigo 183, caput, prevê que eles são em dobro para qualquer manifestação processual da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas respectivas autarquias e fundações); a efetivação da decisão dependente da expedição de precatórios; e a remessa necessária(IBRAHIM, 2011).
A seguridade social carrega em si própria a concretização de valores republicanos caros à sociedade: saúde, previdência e assistência social. Assim, diante da almejada celeridade processual e tendo em vista a vulnerabilidade daqueles que buscam o Poder Judiciário para verem satisfeitos os seus interesses perante o INSS, o sistema processual sob a ótica previdenciária se torna um estudo de primeira necessidade no que toca aos métodos alternativos de solução da demanda.
A presença de um litigante habitual no polo passivo de uma demanda proposta por um jurisdicionado hipossuficiente informacional e economicamente dificulta o equilíbrio entre as partes, porque gera por consequência o abuso por parte do réu – no caso, o INSS – de deficiências estruturais do Poder Judiciário para, valendo-se do seu poderio econômico e da lentidão da justiça, minimizar seus riscos e prejuízos.
Victor Roberto Corrêa de Souza elenca as principais vantagens das quais se valem os litigantes habituais:
(a) maior experiência jurídica e melhor planejamento do litígio; (b) relações informais de seus mandatários com servidores públicos, juízes e membros de tribunais; (c) diluição econômica dos riscos processuais entre outros feitos; (d) litigância de larga escala e otimização de custos com honorários advocatícios contratados com um único mandatário (ou poucos) para todos os processos do litigante habitual; (e) teste de estratégias processuais visando a casos futuros. (SOUZA, 2015, p. 598)
De outro lado, os litigantes eventuais, no caso das demandas previdenciárias, consubstanciam-se em pessoas financeiramente desfavorecidas, no caso os segurados, que não possuem condições de levar o processo judicial até às últimas instâncias, por causa das vultosas despesas com custas processuais e honorários advocatícios.
Esta desigualdade processual é facilmente percebida quando da realização das audiências de conciliação ou mediação, nos moldes previstos no artigo 334 do NCPC, cujo procedimento fora esmiuçado no capítulo anterior.
Em matéria previdenciária, mormente nos Juizados Especiais Federais, não é raro encontrar nas aludidas audiências partes bem pobres, desacompanhadas de advogados e na expectativa de saírem dali com um acordo, mesmo que parcial. Na ânsia de resolverem o mais brevemente possível o problema que lhes tenha levado a acionar o Poder Judiciário e sem contar com informações precisas acerca de seus direitos, muitos acabam por aceitar propostas iníquas, acordos que não correspondem ao que razoavelmente lhes era devido. E, ao final, o que houve não foi uma verdadeira transação, que pressupõe concessões recíprocas; somente uma parte cedeu – claro, a mais fraca.
Na tentativa de minimizar essa discrepância entre litigantes habituais e eventuais, o novo Código de Processo Civil traz uma importante previsão, qual seja o artigo 373, parágrafo 1º, que contemplou a distribuição dinâmica do ônus da prova, dispondo que
Art. 373 (...)
§1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
Com isso, permitiu-se ao juiz distribuir tal ônus entre os litigantes observando-se a maior facilidade ou extrema dificuldade de uma das partes obter a prova imprescindível ao deslinde da ação. Impondo-se a produção da prova pelo envolvido no litígio com melhores condições de fazê-la, estar-se-á garantindo maior equidade entre litigantes habituais e eventuais.
Essa nova regra é especialmente importante para as relações previdenciárias, porque não raro é o réu, o Instituto Nacional do Seguro Social, quem detém as informações capazes de provar o alegado pelo autor, tais como os vínculos empregatícios, os benefícios previdenciários percebidos, o número e os valores de contribuições vertidas à previdência ou, ainda, o regime a que estava vinculado o autor em determinado período laboral.
Ressalte-se, por oportuno, que os mediadores e os conciliadores devem permanecer alertas quanto a eventuais desequilíbrios nos ônus probatórios atribuídos a cada parte. Embora a faculdade do supramencionado artigo 373, parágrafo 1º, se aplique tão somente aos magistrados, aqueles auxiliares da justiça poderão se utilizar da prerrogativa de suspender a audiência do artigo 334 e retomá-la em até dois meses, conforme dicção do parágrafo 2º deste dispositivo normativo.
Também o incidente de resolução de demandas repetitivas, inovação da nova codificação processual civil, é instrumento para tentar combater o notório desnível econômico-patrimonial dos litigantes habituais e eventuais. O novo instituto presta-se a auxiliar tribunais, TJs e TRFs, no julgamento por amostragem de ações repetidas cujo objeto seja exclusivamente uma única e mesma questão de direito. Tal incidente é particularmente relevante no direito previdenciário.
Entretanto, não obstante todos esses esforços do novo CPC voltados ao equilíbrio entre as partes litigantes e consequente composição justa da lide, olhando pelo aspecto macro das modificações, elas não culminaram em uma efetiva alteração das relações previdenciárias.
Ora, ao que parece o legislador do novo sistema processual reservou uma preocupação bastante restrita e minorada aos processos previdenciários. O foco estacionou na celeridade de tramitação das relações privadas, olvidando-se o texto legal do aspecto jurisdicional processual das relações sociais previdenciárias.
Nas palavras de Theodoro Vicente Agostinho e Sérgio Henrique Salvador,
Importante também a ótica do equilíbrio processual que deve conduzir o julgador no exercício de suas atribuições. Neste ponto, a engenharia autárquica, a falta de senso conciliador, o abismo legislativo e normativo interno, além do ímpeto fiscalizador, colocam os gestores previdenciários em primazia da causa, abortando o jurisdicionado de um acesso a uma ordem jurídica justa.
Por este aspecto, agiu na contramão o projeto [novo CPC], que não conferiu o destaque necessário para o trato previdenciário, não arregimentou em pé de igualdade com a Fazenda Pública o cidadão comum, destinatário-mor de um plano de proteção, que tem na própria Administração Pública, um devedor desta corolária obrigação constitucional. (AGOSTINHO; SALVADOR, 2015, online)
Essa reduzida importância destinada ao direito processual previdenciário no novo CPC acaba por não resolver a histórica discrepância de paridade de armas entre as partes envolvidas, quais sejam segurado e INSS.
Como se vê, o texto aprovado reafirmou várias das prerrogativas legais do Poder Público, regalias estas que continuarão a engessar as lides contra o INSS ea dificultar, sobremaneira, a autocomposição.
CONCLUSÃO
Os mecanismos consensuais para solução dos litígios trazidos na nova sistematização processual se mostraram demasiado necessários para se tentar chegar à definitiva pacificação social das controvérsias e, consequentemente, à redução do número de demandas que hoje tramitam no Poder Judiciário brasileiro.
Ocorre que, como se viu, o novo Codex deu especial enfoque à celeridade de tramitação das relações privadas, olvidando-se das peculiaridades ínsitas às demandas sociais previdenciárias, mormente por envolver litigante habitual do porte do INSS.
Nítidos foram os esforços para a disseminação de uma cultura jurídica baseada em soluções diferentes da heterocomposição por meio do juiz. E os avanços do regramento da autocomposição têm se mostrado evidentes, porém, esperava-se maior dispêndio de esforços para discipliná-la especificamente na área previdenciária, a fim de que fosse minimizada a disparidade de armas inerente a tais relações.
Certo é que a solução de conflitos por meio dos métodos alternativos à jurisdição ainda tem muito a crescer, mormente na seara previdenciária. Sonha-se o dia em que seja possível entregar ao jurisdicionado uma resposta para o seu conflito baseada nas próprias percepções das partes, o que, enfim, ajudaria a atingir a almejada pacificação social efetiva.
REFERÊNCIAS
AGOSTINHO, Theodoro Vicente; SALVADOR, Sérgio Henrique. Modernização do judiciário não alcançou as relações previdenciárias. In: Consultor Jurídico, mai. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mai-23/direito-previdenciario-nao-afetado-mudancas-cpc>. Acesso em 07 mar. 2019.
BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 20 fev. 2019.
__________. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.In: Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 mar.2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 13 fev. 2019.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Os métodos consensuais de solução de conflitos no Novo Código de Processo Civil. In: Programa de Atualização em Direito – PRODIREITO, v. 1, nov. 2015. Disponível em: <http://estadodedireito.com.br/conflitosnonovo/ >. Acesso em 31 de agosto de 2017.
IBRAHIM, Fábio Zambitte Ibrahim. Curso de Direito Previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.
SOUZA, Victor Roberto Corrêa de. O novo Código de Processo Civil brasileiro e a audiência de conciliação ou mediação como fase inicial do procedimento. Revista de Processo, São Paulo, v. 243, 2015.
[1] Informação colhida no site do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/politica-nacional-de-priorizacao-do-1-grau-de-jurisdicao/dados-estatisticos-priorizacao>. Acesso em 22 de fevereiro de 2019.
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Pós-graduada em Direito Previdenciário pela Rede de Ensino LFG/Anhanguera. Pós-graduanda em Direito Público pela Damásio Educacional. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Lidiane Dutra. Novo Código de Processo Civil e os desafios da autocomposição em demandas previdenciárias Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 maio 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52864/novo-codigo-de-processo-civil-e-os-desafios-da-autocomposicao-em-demandas-previdenciarias. Acesso em: 23 dez 2024.
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