THALITA TOFFOLI PÁEZ
(Orientadora)
Resumo: O presente artigo tem o objetivo de discutir um importante tema do direito civil previsto no artigo 1.641, inciso II do Código Civil de 2002, a inconstitucionalidade na vedação de Escolha de Regime de Bens para maiores de 70 anos de idade. O legislador determina que os maiores de setenta anos, independentemente de sexo, obrigam-se ao regime de separação de bens pela simples completude de idade, sem analisar nenhum outro requisito ou circunstância quanto às pessoas dos cônjuges ou à situação em que se deu o casamento. Sendo assim, os maiores de 70 anos obrigam-se ao regime de separação de bens por conta de sua idade. O legislador assim entende que o idoso, possui uma incapacidade por conta de sua idade avançada. Essa determinação fere alguns princípios da constituição. Tem como preocupação maior, resguardar o direito de igualdade. Aquele maior de setenta anos tem seus direitos assim como qualquer outro cidadão, podendo também ter seu poder de escolha no regime de bens de seu casamento. A pesquisa foi realizada através de revisão bibliográfica, baseada na leitura e análises de doutrinas sobre o tema.
Palavras Chave: Casamento. Inconstitucionalidade. Idoso. Regime de bens. Código Civil.
Abstract: This article has the objective of discussing an important civil law issue provided for in article 1.641, item II of the Civil Code of 2002, the unconstitutionality in the fence of Choice of Regime of Goods for people over 70 years of age. The legislature stipulates that persons over seventy years of age, irrespective of sex, shall be bound by the separation of property for the simple completeness of age, without considering any other requirement or circumstance as to the persons of the spouses or to the situation in which the marriage took place. Therefore, those over 70 years old are obliged to the separation of property on account of their age. The legislator thus understands that the elderly person has an incapacity due to his advanced age. This determination hurts some principles of the constitution. Its main concern is to safeguard the right to equality. This seventy-year-old has his rights as well as any other citizen, and may have his power of choice in the property regime of his marriage. The research was carried out through a bibliographical review, based on the reading and analysis of doctrines on the subject.
Keywords: Marriage. Unconstitutionality. Old man. Regime of goods. Civil Code.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. DIREITOS ASSEGURADOS ÀS PESSOAS IDOSAS. 2. DA CAPACIDADE CIVIL. 3. O CASAMENTO E O REGIME DE BENS. 3.1 Regime de separação obrigatória de bens. 4. ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1641, II, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. 5. DA AFRONTA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. CONCLUSÃO. REFERENCIAS.
INTRODUÇÃO
A escolha do regime de bens, realizada durante a preparação do casamento, regerá a situação patrimonial do casal durante a vigência da união matrimonial e determinará como o casamento se resolverá se ocorrer dissolução, seja através da morte de um dos nubentes ou através de sentença judicial transitada em julgado decretando anulação ou divórcio.
O Código Civil Brasileiro dispõe que os noivos possuem a liberdade e autonomia para escolher o regime de bens que melhor lhes aprouver ou, ainda, podem gerar um próprio, dentro dos limites legais, através de pacto antenupcial.
Os nubentes possuem cinco opções de escolha de regime de bens, que são: comunhão universal de bens; a comunhão parcial de bens; separação obrigatória de bens; separação total de bens e; participação final nos aquestos. Porem existem alguns casos em que a vontade dos nubentes não é respeitada, e é um destes casos que será abordado neste artigo.
O artigo 1.641, inciso II do Código Civil atualmente vigente, alterado pela Lei 12.344 de 09 de dezembro de 2010, determina que os maiores de setenta anos, independentemente de sexo, irão se casar obrigatoriamente no regime de separação absoluta de bens, simplesmente pela completude da idade, sem analise de qualquer requisito ou circunstância quanto às pessoas dos nubentes ou à situação em que será realizado o matrimônio.
A pessoa maior de setenta anos é como qualquer outro cidadão, possuidor de direitos e deveres. Possuindo ainda plena capacidade para prática de todos os outros atos da vida civil. O Código Civil Brasileiro não estabelece como absolutamente ou relativamente incapaz a pessoa maior de 70 anos, de forma que se encontram incluídos na regra geral que é a capacidade, possuindo aptidão para garantir seus direitos e praticar, por si só, atos da vida civil e negócios jurídicos sem a dependência ou impossibilidade de agir sozinho, respondendo assim por seus próprios atos.
Conforme será analisado e estudado neste artigo, existem doutrinadores que defendem a atual legislação e concordam com a medida adotada pelo Estado e existem aqueles que acreditam que a essa imposição é inconstitucional, pois viola alguns princípios constitucionais.
1. DIREITOS ASSEGURADOS ÀS PESSOAS IDOSAS
A Política Nacional do Idoso considera como pessoa idosa aquela que possuir idade igual ou superior a sessenta anos. Tal politica tem como objetivo assegurar aos idosos seus direitos sociais, em especial a autonomia, participação e integração efetiva na sociedade. Esta política impulsionou a promoção da ideia de envelhecimento saudável como principal meta a se alcançar, destacando a importância da prevenção de doenças, a manutenção, melhoria e recuperação da capacidade funcional dos idosos e principalmente a garantia de permanecer no meio em que vivem. (NETO; RODRIGUES, 2016)
Os direitos da pessoa idosa estão previstos na Lei n° 10.741, criada em 2003, chamada de Estatuto do Idoso. O Estatuto possui 118 artigos e regulamenta os direitos das pessoas idosas.
Art. 1° É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
O Estatuto estabelece a obrigação da família, da sociedade, da comunidade e do Poder Público em assegurar ao idoso, com prioridade, a efetivação do direito à vida, à liberdade, à cidadania, à dignidade, à alimentação, à saúde, à educação, ao trabalho, à cultura, ao lazer, ao esporte, ao respeito e à convivência comunitária e familiar.
No subcapítulo abaixo estão listados alguns dos principais direitos dos idosos, de acordo com o disposto no Estatuto do Idoso e no site do Conselho Nacional de Justiça.
1.1 Estatuto do Idoso
O Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003) determina que nenhum idoso poderá ser objeto de discriminação, negligência, violência, opressão ou crueldade. É considerado como violência qualquer ação ou omissão praticada em local público ou privado contra o idoso que venha lhe causar morte, dano ou sofrimento físico ou psicológico. É crime punível com pena de reclusão de seis meses a um ano e multa, qualquer tipo de discriminação contra a pessoa idosa, impedindo ou dificultando que a mesma tenha acesso a operações bancárias, aos meios de transporte, ou por qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, desde que motivado pela idade.
O idoso possui o direito de ser atendido de forma preferencial no Sistema Único de Saúde (SUS) e é vedado aos planos de saúde cobrar valores diferenciados em razão da idade. (CNJ, 2016)
Os idosos devem participar de comemorações de caráter cívico ou cultural, com objetivo de assegurar a transmissão de conhecimentos e vivências às demais gerações, no sentido da preservação da memória e da identidade culturais. (CNJ, 2016)
O Estatuto dispõe sobre a necessidade de se incluir conteúdos voltados ao processo de envelhecimento, bem como da valorização e do respeito ao idoso, nos currículos mínimos dos diversos níveis de ensino para combater o preconceito existente e produzir conhecimentos sobre a matéria. Dessa forma, o idoso possui direito a 50% de desconto no valor dos ingressos para eventos culturais, esportivos, artísticos e de lazer. (CNJ, 2016)
O artigo 12 do Estatuto (BRASIL, 2003) determina que a obrigação alimentar é solidária, ou seja, apesar de todos os filhos terem a obrigação alimentar, o idoso pode ingressar somente contra aquele que tenha melhor condição financeira. Se a pensão alimentícia já estiver fixada judicialmente ou por acordo extrajudicial, o idoso pode ingressar com ação de execução de pensão alimentícia contra o devedor. O parente inadimplente caso não pague os atrasados, pode sofrer punição passível de prisão.
O estatuto (BRASIL, 2003) determina em seu artigo 28 que o Poder Público criará programas de profissionalização especializada para idosos, bem como realizará a preparação dos trabalhadores para aposentaria e o incentivo às empresas privadas para admitir pessoas idosas ao trabalho. Sendo assim, é vedada a discriminação e a fixação de limite máximo de idade na contratação de empregados ou para concursos, sendo passíveis de punição quem o fizer, ressalvados os casos em que a natureza do cargo o exigir. Para desempate em concurso público, o primeiro requisito a ser observado será a idade, dando-se preferência ao concorrente de idade mais elevada.
Nos termos do artigo 39, §2° do referido estatuto (BRASIL, 2003) os veículos de transporte coletivo deverão reservar 10% dos assentos para idosos, assim como os estacionamentos públicos e privados deverão destinar a reserva de 5% das vagas existentes aos idosos.
Abandonar o idoso em hospitais, entidades de longa permanência, casas de saúde, ou deixar de prover suas necessidades básicas, é crime punível com pena de detenção de seis meses a três anos e multa, conforme determinado no artigo 98 do estatuto do idoso (BRASIL, 2003).
Também é crime expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica do idoso, submetendo-o a condições desumanas ou degradantes, com previsão de pena de detenção de dois meses a um ano e multa. Aquele que privar o idoso de alimentos e cuidados indispensáveis, ou quando sujeitá-lo a trabalho excessivo ou inadequado, também incorre na mesma pena. Se houver lesão corporal de natureza grave, a pena poderá ser aumentada de um a quatro anos, e se o fato resultar em morte, a pena será de reclusão de quatro a doze anos. (CNJ, 2016)
Os idosos que após completarem os 60 anos e não tiverem condições de se sustentar e que também não possuam auxílio de parentes próximos terão direito a pensão alimentícia. (CNJ, 2016)
É o oferecido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) um benefício assistencial ao idoso maior de 65 anos, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas, quando os filhos não tiverem condições financeiras de pagar pensão alimentícia ao idoso. De acordo com informações do Governo Federal, disponibilizadas no site Portal Brasil, para requerer o Benefício Assistencial ao Idoso é preciso agendar o atendimento por meio da Central de Atendimento 135. O valor do benefício corresponde à um salário mínimo mensal, sendo devido apenas a pessoa idosa com 65 anos ou mais que comprovar não possuir meios de prover sua sobrevivência e também não possa ser sustentada por sua família. (CNJ, 2016)
2. DA CAPACIDADE CIVIL
A capacidade civil é definida como a aptidão para garantir seus direitos e praticar, por si só, atos da vida civil e negócios jurídicos sem a dependência ou impossibilidade de agir sozinho, podendo assim, responder por seus próprios atos. Dessa forma, a incapacidade civil são as pessoas que não estão aptas ao exercício ou gozo de seus direitos.
A capacidade civil possui duas divisões em: capacidade de direito ou de gozo e capacidade de fato ou de exercício.
Desdobra-se em capacidade de direito, a qual decorre da personalidade jurídica e se adquire com esta, e consiste no grau de aptidão da pessoa para adquirir direitos; e na capacidade de fato, a qual consiste na aptidão da pessoa para praticar, pessoalmente, os atos da vida civil. Justamente por se referir à prática dos atos da vida civil, o conceito de capacidade de fato é o mais operacional. Sobre a capacidade de fato, a regra é no sentido de que toda pessoa que a lei não considere incapaz é capaz. (QUITELLA, 2016)
A incapacidade pode ser absoluta ou relativa.
De acordo com o artigo 3° do Código Civil:
“Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.”
Os absolutamente incapazes previstos no artigo 3º do Código Civil não podem praticar nenhum ato da vida civil sem que seja por intermédio de seu representante legal, sendo que os menores de dezesseis anos estão sujeitos à tutela e os demais casos de incapacidade estão sujeitos à curatela (NEGRÃO; GOUVÊA, 2007).
A legislação no artigo 4° do Código Civil prevê os considerados relativamente incapazes:
“Art. 4° São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.”
A incapacidade relativa diz respeito àqueles que podem praticar por si os atos da vida civil, desde que assistidos por quem o direito encarrega deste ofício, em razão de parentesco, relação de ordem civil ou designação judicial (CASSETTARI, 2006).
O Código Civil (BRASIL, 2002) como mencionado acima, não trás em seu texto de lei qualquer limitação quanto a incapacidade absoluta ou relativa a pessoa maior de 70 anos, de forma que se encontram incluídos na regra geral que é a capacidade.
Além do mais, Estatuto do Idoso assegura que o direito ao respeito à pessoa idosa compreende a inviolabilidade de sua autonomia.
Dessa forma, a capacidade dos idosos é presumida e a incapacidade deve ser provada nos casos em que a pessoa idosa não goza mais da faculdade de entender e de querer. Nesse caso, o critério para a relativização da capacidade da pessoa idosa não é a idade, mas sim a deficiência, que deverá seguir as formalidades fixadas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência conforme Lei n°13.146/2015. (DUARTE, 2018)
Portanto, pode-se afirmar o idoso não está presente no rol taxativo de pessoas incapazes previstas no Código Civil de 2002, podendo assim responder igualmente em relação as demais pessoas, de forma a qual seja melhor a ele, podendo sim escolher o regime de seu matrimônio.
3. O CASAMENTO E O REGIME DE BENS
O casamento é a celebração civil da união conjugal entre duas pessoas, que possuem o objetivo de construir uma família.
É definido como um ato de livre e espontânea vontade entre duas pessoas, que independentemente de opção sexual, que são livres para escolher, fazer e manifestar seus desejos de construção de uma família, desde que observado o previsto em lei.
O legislador buscou proteger o casamento e a Constituição Federal prevê o dever do Estado em proteger a família:
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”’
Os cônjuges possuem a liberdade para escolherem qual regime de bens irão adotar para gerir o casamento.
O regime de bens é o conjunto de regras que os noivos devem escolher antes da celebração do casamento, para definir juridicamente como os bens do casal serão administrados durante o casamento.
O regime de bens deve ser escolhido quando os noivos fazem o pedido da habilitação do casamento.
Os regimes de bens existentes são: comunhão universal de bens; a comunhão parcial de bens; separação obrigatória de bens; separação total de bens e; participação final nos aquestos.
O regime de bens pode ser modificado após o casamento, mediante alvará judicial e concordando ambos os cônjuges.
3.1 Regime de separação obrigatória de bens
O regime de separação obrigatória de bens é imposto pela lei no artigo 1.641 do Código Civil Brasileiro, que prevê algumas situações em que os noivos não poderão durante a preparação do casamento, escolher o regime de bens que quiserem, por não cumprirem algumas condições.
“Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.”
Estão dispostas no artigo 1523 do Código Civil as causas suspensivas de celebração de casamento.
“Art. 1.523. Não devem casar:
I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;
II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;
III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;
IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.
Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo.”
Quando forem cessadas as causas suspensivas ou a incapacidade que gerou a necessidade de suprimento judicial, há possibilidade de alteração de regime, devido ao princípio da mutabilidade justificada e dependente de suprimento judicial. Ou seja, é possível a alteração de regime legal nas hipóteses dos incisos I e III, desde que cessadas as causas que determinaram tal imposição.
Ocorre que o previsto no inciso II não é possível de cessação, uma vez que a condição prevista para os maiores de 70 anos, não se altera.
A intensão do legislador ao impor este tipo de regime de casamento aos maiores de 70 anos é de evitar que ocorra o casamento entre pessoas com uma diferença muito grande de idade, e que pudesse ter sido contraído apenas com intenção de a pessoa mais jovem perceber vantagem econômica do nubente idoso.
Deve-se observar que o fato da idade do nubente superar 70 anos, o mesmo continua possuindo capacidade plena, podendo praticar todos os outros atos da vida civil, não havendo nenhuma outra determinação legal que o impeça de decidir sobre o destino de seus bens.
No regime de separação obrigatória de bens, se houver divórcio, o mesmo deve ter regido conforme dispõe a Súmula 377 do STF, que diz: "No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento".
Dessa forma, os bens que foram adquiridos durante o período de união matrimonial devem ser divididos pelos cônjuges, aqueles bens que foram adquiridos antes da união, pertencem exclusivamente àquele cônjuge que o adquiriu.
4. ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1641, II, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002
A norma prevista no artigo 1641, II, do Código Civil de 2002, que estabelece o regime de separação absoluta de bens para os casamentos realizados por pessoas maiores de 70 anos, é objeto de severas críticas não apenas pelos doutrinadores brasileiros, mas também pelos poderes Judiciário e Legislativo.
A imposição do regime de separação legal de bens, devido a idade de um dos nubentes, foi prevista inicialmente no Código Civil de 1916, no artigo 1641 com a finalidade de proteger o patrimônio e não a felicidade conjugal. Porém, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a consequente instauração de uma nova ordem alinhada com o princípio da igualdade entre homens e mulheres, o projeto do novo Código Civilista teve que ser revisto. (CABRAL, 2016)
No ano de 2002 por meio da Lei 10.406 o novo Código Civil foi publicado, que manteve a imposição do regime de bens mediante critério etário, porém estabeleceu a idade de 60 anos tanto para os homens como para as mulheres, no artigo 1641, inciso II.
Monteiro (2012) afirma que o Senador Josaphat Marinho justificou a manutenção desse dispositivo no atual Código Civil como uma forma de prudência legislativa em favor das pessoas e de suas famílias, considerando a idade dos nubentes.
Após a publicação do novo Código Civil, com a permanência da restrição aos sexagenários, novas críticas foram realizadas consubstanciando na apresentação de vários Projetos de Leis (PL) visando alterar o limite de 60 anos, entre eles: PL 4.944/2009 de autoria do Deputado Federal Osório Adriano pleiteando o aumento para 80 anos; o PL 6.594/2009 de autoria do Deputado Fernando Coruja sugerindo o limite de 70 anos; e o PL 108/2007 de autoria da Deputada Federal Solange Amaral, requerendo o aumento da idade mínima para 70 anos. (CABRAL, 2016)
Como resultado dessa movimentação legislativa, o Projeto de Lei 108/2007 foi aprovado e convertido na Lei 12.344/2010, modificando o artigo 1641, II do Código Civil de 2002 e determinando a obrigatoriedade do regime da separação de bens no casamento para as pessoas maiores de 70 anos. (CABRAL, 2016)
Apesar de ao longo dos anos o Poder Legislativo apenas ter realizado modificações no sentido de preservar essa limitação à liberdade de escolha do regime de bens por meio do aumento do limite etário, vários foram os projetos de leis apresentados no Congresso Nacional visando revogar esse dispositivo do Código Civil Brasileiro por estar em dissonância com a Constituição Federal e princípios existentes. (CABRAL, 2016)
Dessa forma, frisa-se o Projeto de lei n° 4.945/2005 elaborado pelo Deputado Federal Antonio Carlos Biscaia, proposto ainda quando em vigor o limite de 60 anos e que atualmente encontra-se arquivado. O Deputado pleiteou a revogação do artigo 1641, inciso II, com a justificativa de que o artigo era atentatório à dignidade humana das pessoas idosas, que ficaram impedidos de escolher livremente o regime de bens quando decidirem se casar.
A imposição é incompatível com o artigo 5º, incisos I, X e LIV da Constituição Federal.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”
O inciso II do artigo 1.641 do Código Civil é, de acordo com os autores Filho e Gagliano (2014), absurda e inconstitucional. Eles afirmam que não convence a justificativa do legislador de que a separação absoluta de bens imposta aos idosos visa protegê-los do famoso “golpe do baú”, ou seja, de casamentos interessados unicamente no patrimônio.
Os autores ainda afirmam que tal dispositivo representa um total desrespeito ao princípio da isonomia e que estabelece uma forma de interdição parcial do idoso sem o devido processo de interdição.
Os autores concluem pela completa inconstitucionalidade do dispositivo, ainda não pronunciada, em controle abstrato, infelizmente, pelo Supremo Tribunal Federal. (FILHO; GAGLIANO, 2014).
Não há razão científica que justifique a restrição estabelecida pelo artigo 1.641, inciso II, pois a plena capacidade mental deve ser verificada em cada caso concreto, não devendo legislador limitá-la com base em políticas fundadas na sociedade brasileira do início do século passado. (GONÇALVES, 2012)
Diniz (2010) afirma que juridicamente não há razão para impor aos septuagenários o regime de separação obrigatória de bens, pois estes são plenamente capazes de exercer todos os atos da vida civil e possuem maturidade para decidir acerca do futuro de seus bens materiais. Além disso, a aludida doutrinadora assevera que a senilidade não é, por si só, uma causa de incapacidade.
Insta salientar, que há uma visão cultural patrimonialista da família na legislação infraconstitucional, que está acima de quaisquer valores morais, éticos e fundamentais que resguardam os indivíduos na sociedade brasileira amparados na Constituição Federal de 1988. Acarretando-se, assim, uma injustiça a imposição do regime obrigatório de separação de bens para os maiores de setenta anos de idade. (PRESTES, 2014)
5. DA AFRONTA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
O Estado ao aplicar o artigo 1641, inciso II do Código Civil, referente ao casamento das pessoas com idade superior a 70 anos, não observa alguns princípios constitucionais, como por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da igualdade; e o princípio da liberdade.
Está disposto no artigo 1º inciso III da Constituição Federal o princípio da dignidade da pessoa humana:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana.”
Alexandre de Moraes menciona que:
“A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos”. (MORAES, 2012, p.129)
Dessa forma, o Estado interfere de maneira arbitrária na manifestação de vontade da pessoa com idade maior que 70 anos, quando impõe o regime de separação obrigatória de bens, ferindo o estabelecido no princípio e desconsiderando o direito de escolha.
“Essa hipótese é atentatória do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, por reduzir sua autonomia como pessoa e constrangê-lo a tutela reducionista, além de estabelecer restrição à liberdade de contrair matrimônio, que a Constituição não faz. Consequentemente é inconstitucional esse ônus.” (LOBO, 2009, p.302)
O princípio da igualdade veda qualquer tipo de distinção entre pessoas humanas. Este princípio está previsto no artigo 5º, caput da Constituição Federal.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”
O Estado ao privar o direito de escolha do idoso e impor a obrigatoriedade do regime de bens a ser adotado no casamento dos maiores de 70 anos, provoca a distinção vedada em lei, uma vez que a pessoa idosa é tratada de forma diferente das demais, sendo colocada como incapaz para escolher o regime de bens de seu próprio casamento.
Denota-se que o Estado ao impor o regime de separação obrigatória de bens aos idosos com idade superior a 70 anos, trata o mesmo de forma diferencia as demais pessoas, e sendo tal atitude proibida pelo princípio da igualdade.
Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades. (NERY JUNIOR, 1999)
Também está previsto no dispositivo citado acima o princípio da liberdade e de acordo com este princípio, toda pessoa tem a liberdade para escolher o que melhor lhe convier, desde respeitados os limites impostos por lei, exercendo assim o direito de autonomia da vontade.
A opção na escolha do regime de casamento deveria ser de livre e exclusiva escolha dos nubentes, sem qualquer interferência arbitrária por parte do Estado.
CONCLUSÃO
Assim, verificou-se, por meio do entendimento majoritário abordados neste artigo, que o regime de separação obrigatória de bens imposto aos casamentos realizados por pessoas maiores de setenta anos é inconstitucional, uma vez que afronta a Constituição Federal e o Estatuto do Idoso ao discriminar de forma a pessoa idosa, em razão da idade.
Referido artigo ainda desrespeita a igualdade formal ao estabelecer tratamento diferenciado para indivíduos iguais sem necessidade de discriminação no que se refere à idade. Dessa forma, o artigo é inconstitucional por limitar a liberdade pessoal do ser humano, no que se refere a escolha do regime matrimonial que regerá uma união matrimonial.
Pode se considerar que a intervenção do legislador é considerada abusiva, uma vez se envolve no âmbito privado das relações pessoais sem um motivo social relevante que realmente justifique essa ação, restringindo dessa maneira indevidamente o princípio constitucional de liberdade.
O regime de separação absoluta de bens que afeta os septuagenários deve ser considerado inconstitucional por desrespeitar o princípio da dignidade da pessoa humana. A violação pode ser constatada pela presunção de incapacidade que o legislador estabeleceu para as pessoas maiores de setenta anos, ao proibir que estes escolham livremente seu regime de bens em razão da idade, sem qualquer tipo de respaldo legal.
Por todo o exposto, conclui-se pela inconstitucionalidade do inciso II do artigo 1641 do Código Civil, que deveria ser retirado do ordenamento jurídico brasileiro para que fosse garantida a livre escolha do regime de bens aos maiores de 70 anos que desejam se casar.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Graduanda em Direito 9° Semestre e estagiaria na empresa OAB - 45° Subsseção de Fernandopolis- SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GASPARINI, Tainara de Fátima. A inconstitucionalidade da vedação à escolha de regime de bens para maiores de 70 anos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 maio 2019, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52886/a-inconstitucionalidade-da-vedacao-a-escolha-de-regime-de-bens-para-maiores-de-70-anos. Acesso em: 23 dez 2024.
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