Resumo: O novo código de processo civil, publicado em 2015, alterou a regulamentação referente às tutelas provisórias. No mesmo sentido, a reforma da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) através da Lei nº 13.129/15, também trouxe relevantes mudanças quanto a disciplina das tutelas de emergência nos procedimentos arbitrais. Assim, o propósito deste trabalho é analisar alguns aspectos relacionados às tutelas de urgência e evidência na arbitragem. Primeiramente, será realizada uma breve exposição sobre a aplicabilidade do NCPC nos procedimentos arbitrais. Na sequência, tratar-se-á da nova modalidade de classificação das tutelas provisórias de acordo com o NCPC e mais especificamente das tutelas de urgência. Passaremos pelos temas mais relevantes sobre as tutelas de urgência anteriores ou posteriores à formação do tribunal arbitral, e pela questão da tutela de urgência de natureza antecipatória. Por fim, será analisado o cabimento da tutela de evidência no procedimento arbitral e seus desdobramentos.
Palavras chave: Direito; Tutela de Urgência; Tutela de Evidência; Arbitragem.
Abstract: The new Brazilian Civil Procedure Code, published in 2015, changed the regulation regarding the provisional measures. Also, the arbitration law (law nº 9.307/96) reform perpetrated through law number 13.129/15, brought important modifications in relation to the discipline of the injunctions in the arbitration proceedings. Thus, the purpose of this work is to analyze some aspects related to the provisional matters in the arbitration. First of all, a brief exposure of the applicability of the new Civil Procedure Code in the arbitration proceedings will be made. After that, the new classification of the provisional measures (more specifically the injunctions) in accordance with the new Civil Procedure Code will be handled. Than we will pass through relevant themes about the injunctions presented before or after the constitution of the arbitral tribunal and the injunction requesting an advance relief. At last, the applicability of the provisional measure based on evidence in the arbitral procedure will be analyzed, as well as its repercussions.
SUMÁRIO: 1) Introdução. 2) Aplicação das Tutelas Provisórias na Arbitragem. 3) A Tutela Provisória de Urgência. 3.1) Tutela provisória de urgência anterior à arbitragem. 3.1.1) Procedimento de emergência da câmara arbitral. 3.1.2) Tutela de urgência de urgência antecedente antecipada ou cautelar. 3.1.3) Revisão da tutela de urgência pelo Tribunal Arbitral. 3.2) Tutela Provisória de Urgência no curso da arbitragem. 3.2.1) A Carta Arbitral. 3.2.2) Vedação da apreciação da tutela de urgência pelo árbitro na cláusula arbitral. 4) Tutela de Evidência. 5) Conclusão. 6) Bibliografia.
1. Introdução
No Código de Processo Civil de 1973, as medidas provisórias se dividiam em medidas cautelares e tutelas antecipadas, ambas com requisitos e efeitos similares, o que causava dúvidas e equívocos na aplicação dos institutos. Inclusive, admitia-se a fungibilidade entre os institutos, de modo a garantir a efetividade e celeridade na prestação da tutela jurisdicional.
O novo Código de Processo Civil, então, buscou conferir uma melhor regulamentação para o tema, e criou as tutelas provisórias (Livro V do NCPC). Já nas disposições gerais do instituto (artigos 294 a 311, pode-se observar que a lógica de medidas provisórias com ritos, pressupostos e características próprias foi substituída pela priorização do poder geral de cautela do julgador, que, conforme comanda o art. 297 do NCPC, pode determinar as medidas que entender como mais adequadas para a efetivação da tutela provisória. A ideia é reforçada no art. 301, que estabelece que:
“A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito.”
Sendo a medida de natureza provisória, a cognição realizada será sumária, dependerá da constatação da alta probabilidade do direito e de uma posterior análise definitiva da matéria em uma futura sentença (proferida após a cognição exauriente).
Do gênero das Tutelas Provisórias, existem duas espécies (dividas de acordo com acordo com o fundamento da pretensão da parte): a Tutela de Urgência ou a Tutela de Evidência. As Tutelas Provisórias de Urgência, se dividem também em relação ao momento em que são apresentadas: antes ou durante o processo principal, e em relação ao pedido, que pode ser de providência cautelar (cujo objetivo é assegurar a efetividade do processo) ou antecipatória (cujo objetivo é a antecipação do provimento final). A Tutela de Evidência, conforme mais detalhado na sequência, será sempre incidente e antecipada.
Neste trabalho serão tecidas considerações sobre a aplicabilidade das Tutelas Provisórias no âmbito dos procedimentos arbitrais. Dessa forma, serão exploradas as peculiaridades de cada uma das medidas de acordo com as divisões acima destacadas.
2. Aplicação das Tutelas Provisórias na Arbitragem
Muito discutiu-se nos últimos anos sobre a natureza jurídica da arbitragem. Diversas teorias foram desenvolvidas, como a privatista, a mista e a autônoma[1]. Mas o art. 3º do novo CPC, que trata do princípio da inafastabilidade da jurisdição para apreciação de ameaça ou lesão de direito, em seu parágrafo primeiro refere-se especificamente à arbitragem. Também, o art. 42, parte do Livro II, que trata da Função Jurisdicional, estabelece que “As causas cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limites de sua competência, ressalvado às partes o direito de instituir juízo arbitral, na forma da lei.”
Portanto, foi consagrada a doutrina majoritária no sentido de que, no Brasil, a arbitragem é jurisdição. Isso significa que “o processo arbitral se submete a um microssistema jurídico, previsto em lei extravagante, servindo o Código de Processo Civil como diploma de aplicação subsidiária.”[2] Então, para melhor entendimento deste trabalho como um todo, há que se sedimentar o entendimento no sentido de que os instrumentos processuais existentes no NCPC poderão ser utilizados na arbitragem, desde que não conflitem com as disposições da LArb.
Acrescenta-se a esse entendimento o fato de que as garantias constitucionais do processo devem ser aplicadas ao procedimento arbitral. Conforme leciona Cândido Rangel Dinamarco:
“A expressiva aproximação entre o processo arbitral e o estatal é suficiente para abriga-lo sob o manto superior do direito processual constitucional, o que importa encarar seus institutos à luz dos superiores princípios e garantias endereçados pela Constituição aos institutos processuais.”[3]
A esse respeito, vale desde já mencionar que, conforme leciona Eduardo Arruda Alvim, as tutelas de urgência, de natureza cautelar ou antecipatória, tem como fundamento constitucional o art. 5º, inciso XXXV da CF, que estabelece a garantia de acesso à justiça. Ressalta Arruda Alvim que “Soa-nos inegável estar prevista na Constituição Federal (art. 5.º, inc. XXXV), tanto a proteção à lesão de direito, restaurando-o, como à ameaça, o que, em nosso entender, abrange as medidas antecipatórias de tutela e as ações cautelares.”[4]
As tutelas de evidência, por sua vez, além de terem como fundamento o inciso XXXV do art. 5º da CF acima citado, também se respaldam no inciso LXXVIII do mesmo artigo, que determina que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Portanto, ressalvadas observações específicas que serão abordadas nos tópicos a seguir, as tutelas de urgência e de evidência poderão (ou mesmo deverão) ser utilizadas nos procedimentos arbitrais, respeitadas certas peculiaridades, como o poder do acordo das partes que rege essa modalidade de resolução de conflitos.
3. A Tutela Provisória de Urgência
As Tutelas Provisórias que tem como fundamento a urgência têm como requisitos a comprovação do fumus boni iuris e do periculum in mora (conforme art. 300 do NCPC). Estes dois conhecidos conceitos há muito fazem parte da sistemática das tutelas baseadas na urgência e representam a necessidade de demonstração da aparência de que existe um bom direito e do perigo que representa a demora na satisfação da pretensão.
Estabelece o CPC, ainda, que a parte que requer uma tutela antecipada antecedente deve indicar na petição o pedido de tutela final, com exposição da lide e do direito que se pretende realizar (art. 303 do CPC) e no caso da tutela cautelar antecedente deve ser indicada a lide e seu fundamento, uma breve exposição do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 305 do NCPC). Dessa forma, pode-se entender que, em ambos os casos, caso exista clausula ou compromisso arbitral, essa informação não pode deixar de constar na petição inicial endereçada ao Poder Judiciário.
A situação de urgência que demande uma tutela pode surgir antes da formação do tribunal arbitral ou durante o curso da arbitragem, de modo que a análise do tema das tutelas de urgência será realizada de acordo com o momento no tempo em que o pedido é apresentado. Começamos com a medida requerida antes da arbitragem, conforme a seguir.
3.1 Tutela provisória de urgência anterior à arbitragem
Entre o surgimento de um conflito e a formação de um tribunal arbitral podem levar vários meses. Não se pode olvidar que, primeiramente, a que se apresentar o requerimento de arbitragem, sendo o tribunal composto por três árbitros, cada uma das partes terá que indicar um árbitro, que poderá aceitar ou recusar a nomeação, tendo ainda as partes a oportunidade de levantar eventuais conflitos. Posteriormente estes dois árbitros terão que de comum acordo apontar o presidente do tribunal, podendo haver participação das partes nesse processo. Indicado, o terceiro árbitro também poderá recusar a nomeação e as partes poderão suscitar conflitos.[5] Por isso, não é incomum que a necessidade de uma tutela provisória de urgência surja antes de que esteja formado o tribunal arbitral.[6]
Mesmo antes da reforma da Lei de Arbitragem, já havia consolidado entendimento tanto da doutrina[7] quanto da jurisprudência no sentido de que, nesse caso, o pedido poderia ser apreciado pelo Poder Judiciário, e, quando da formação do tribunal, deveria ser encaminhado aos árbitros para eventual reexame. A esse respeito vale mencionar o acórdão proferido no REsp 1.297.974/RJ:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ARBITRAGEM. MEDIDA CAUTELAR. COMPETÊNCIA. JUÍZO ARBITRAL NÃO CONSTITUÍDO. 1. O Tribunal Arbitral é competente para processar e julgar pedido cautelar formulado pelas partes, limitando-se, porém, ao deferimento da tutela, estando impedido de dar cumprimento às medidas de natureza coercitiva, as quais, havendo resistência da parte em acolher a determinação do(s) árbitro(s), deverão ser executadas pelo Poder Judiciário, a quem se reserva o poder de imperium.2. Na pendência da constituição do Tribunal Arbitral, admite-se que a parte se socorra do Poder Judiciário, por intermédio de medida de natureza cautelar, para assegurar o resultado útil da arbitragem. 3. Superadas as circunstâncias temporárias que justificavam a intervenção contingencial do Poder Judiciário e considerando que a celebração do compromisso arbitral implica, como regra, a derrogação da jurisdição estatal, os autos devem ser prontamente encaminhados ao juízo arbitral, para que este assuma o processamento da ação e, se for o caso, reaprecie a tutela conferida, mantendo, alterando ou revogando a respectiva decisão. 4. Em situações nas quais o juízo arbitral esteja momentaneamente impedido de se manifestar, desatende-se provisoriamente as regras de competência, submetendo-se o pedido de tutela cautelar ao juízo estatal; mas essa competência é precária e não se prorroga, subsistindo apenas para a análise do pedido liminar.
Assim, o art. 22-A da Lei de Arbitragem veio consolidar este entendimento, dispondo que o pedido de Tutela de Urgência deverá ser endereçado ao Poder Judiciário, perante o juízo eleito pelas partes para tanto ou, na ausência de acordo a esse respeito, de acordo com as regras de competência do CPC.
Há, nesse caso, uma exceção à regra de competência exclusiva do tribunal arbitral para apreciar o litígio, em nome da preservação do direito e da garantia constitucional do pleno acesso à justiça. Observa Francisco Cahali que:
“Nestas situações, enquanto não instaurado o procedimento arbitral, diante do risco do perecimento do direito, a medida cautelar deve ser buscada no Judiciário. Há, sem dúvida, mas por questão óbvia, uma exceção à regra de jurisdição arbitral exclusiva em razão da convenção. Trata-se de uma adaptação ao quanto já se tem a respeito no próprio judiciário, ao neste se reconhecer que, em casos de urgência, dispensa-se a observância, num primeiro momento, das regras de competência.”[8]
É certo que, pleitear a tutela perante o Poder Judiciário, não representa de nenhuma forma uma renúncia da parte à cláusula ou compromisso arbitral, uma vez que esta seria a única possibilidade da parte ver atendido seu pedido urgente. João Bosco Lee e Clávio de Melo Valença Filho sustentam que ocorre uma restituição da competência ao juiz estatal cujo poder jurisdicional havia sido retirado pela cláusula arbitral.
Ressalte-se que o Poder Judiciário não pode analisar o mérito do litígio[9], de modo que deferido o pedido de Tutela de Emergência antecedente, a parte deverá, no prazo de 30 (trinta) dias, requerer a instituição do procedimento arbitral (parágrafo único do art. 22-A)[10], sob pena de cessação da eficácia da decisão.
É importante ressaltar que o art. 22-A parágrafo único da Lei 9.307/99 não deve ser interpretado de forma restritiva. O requerimento de arbitragem poder ser substituído pelo início de uma mediação, caso haja cláusula no contrato determinando a realização obrigatória de mediação antes do início da arbitragem, ou pela inciativa de celebração de compromisso arbitral, quando não existente a cláusula arbitral.
Nesse sentido, certamente a apresentação do requerimento de arbitragem é suficiente para manutenção da eficácia da decisão que deferiu a medida de urgência, ainda que o pedido detalhado só seja apresentado em momento posterior, em prazo acordado no procedimento arbitral.
Se as partes, por exemplo, tiverem pactuado um procedimento de resolução de conflitos que, por exemplo, preveja a necessidade de realização de mediação antes do início da arbitragem, tal procedimento deverá ser respeitado, ou quando for necessária a celebração de compromisso arbitral, a tomada de todas as providências necessárias para o início do procedimento arbitral deve ser entendida como suficiente para atendimento ao dispositivo.
Vale mencionar a decisão proferida pela 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, no Agravo de Instrumento 0701934-87.2017.8.07.0000, que determinou a manutenção da decisão liminar enquanto durar a mediação, sendo certo que a decisão seria revista em 3 meses, se não encerrada a mediação.
Formado o tribunal arbitral será entregue aos árbitros a matéria de urgência para conhecimento e deliberação, podendo inclusive alterar a decisão do Poder Judiciário (conforme previsto no art. 22 – B da Lei de Arbitragem). Se o tribunal arbitral for desconstituído em algum momento (falecimento, renúncia, recusa aceita), a jurisdição para medidas de urgência volta a ser temporariamente do poder estatal.
Estabelece o CPC, ainda, que a parte que requer uma tutela antecipada antecedente deve indicar na petição o pedido de tutela final, com exposição da lide e do direito que se pretende realizar (art. 303 do CPC) e no caso da tutela cautelar antecedente deve ser indicada a lide e seu fundamento, uma breve exposição do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 305 do CPC). Dessa forma, pode-se entender que, em ambos os casos, caso exista clausula ou compromisso arbitral, essa informação não pode deixar de constar na petição inicial endereçada ao Poder Judiciário.
O CPC de 2015 eliminou a figura da ação principal em caso a ser apresentada após o pedido de tutela provisória de urgência e determinou a continuidade do processo nos mesmos autos, devendo o pedido principal se protocolado em um prazo de 15 (quinze) dias, em caso de tutela antecipada (conforme artigo 303, parágrafo 1º, inciso I), ou 30 (trinta) dias, em caso de tutela cautelar (conforme artigo 308). O CPC vai além e estabelece que se não for interposto recurso em face da decisão que concedeu a tutela antecipada, está estabilizada a demanda e o processo será extinto.
Discute-se, então, se a tutela de urgência anterior a instauração do procedimento arbitral seria passível de estabilização, nos termos do artigo 304 do CPC. O melhor entendimento é no sentido de que não. Isso porque, a competência do Poder Judiciário para a análise é provisória e temporária, diante da impossibilidade temporária de apreciação do pedido na modalidade eleita pelas partes.
Ou seja, reconhecer a estabilização da demanda significaria possibilitar que uma tutela precária, deferida por quem não foi eleito pelas partes, se tornasse definitiva.
Não se pode desconsiderar que um dos objetivos do dispositivo que determina a estabilização da demanda é evitar uma nova movimentação do Poder Judiciário, um desperdício de tempo desnecessário. No caso da medida pré-arbitral, o Poder Judiciário não teria, de qualquer forma, que decidir a causa, que seria apreciada pelo Tribunal Arbitral.
Mas pode ser pior pois, a parte prejudicada, que poderia aguardar a formação do tribunal arbitral para solicitar a revisão da decisão, se verá obrigada a recorrer de modo a evitar a estabilização da demanda.
Por sua vez, a Lei de Arbitragem determina que antes de instituída arbitragem o Poder Judiciário é competente para apreciar medida cautelar ou de urgência e que “Cessa a eficácia da medida cautelar ou de urgência se a parte interessada não requerer a instituição da arbitragem no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de efetivação da respectiva decisão”.[11]
Sendo assim, não é aplicável o disposto no art. 303, § 1º, I do CPC, no sentido de que, na hipótese de tutela antecipada antecedente, o prazo para apresentação do pedido principal seria de quinze dias ou em prazo maior fixado pelo juiz. Independente da modalidade da tutela provisória de urgência antecedente, o prazo para protocolo do pedido principal é de trinta dias, com base na Lei de Arbitragem, e não no CPC.
Eduardo Talamini conclui que:
“(a) é sempre de trinta dias o prazo para a formulação do requerimento de instauração de arbitragem, para que fique preservada a eficácia da medida urgente pré-arbitral – seja ela cautelar ou antecipada. Portanto, não se aplica o art. 303, § 1º, I, do CPC/15, que, na hipótese de tutela antecipada antecedente, prevê que o pedido principal deve ser formulado “em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar”; (b) a preservação da eficácia da medida urgente preparatória depende do simples requerimento da instauração da arbitragem, e não propriamente da formulação da demanda principal em sede arbitral, que normalmente só se aperfeiçoa em momento subsequente do procedimento arbitral; e (c) não há nenhuma ressalva ou exceção quanto à incidência deste ônus sobre o autor da ação judicial urgente. Cabe sempre a ele requerer a instauração da arbitragem no prazo de trinta dias, caso pretenda manter a tutela urgente em vigor. Vale dizer, a tutela antecipada pré-arbitral não se estabiliza. A regra em questão prevalece sobre aquela do art. 304 do CPC/15 (que prevê a estabilização da tutela antecipada) – seja pelo critério da temporalidade (a Lei 13.129 é posterior ao CPC/15), seja pelo critério da especialidade (é regra especial para a arbitragem).”[12]
Por fim, cabe observar que, no caso da tutela de urgência anterior ao procedimento arbitral, certamente o processo não poderá seguir nos mesmos autos, uma vez que o pedido principal deverá ser apresentado aos árbitros, no Procedimento Arbitral.
3.1.1 Procedimento de emergência da câmara arbitral
Algumas câmaras arbitrais inseriram em seus regulamentos procedimentos específicos para atender situações em que a parte necessita de urgente apreciação de um tema antes da formação do tribunal arbitral. Esse tipo de procedimento está bastante disseminado no cenário internacional, porém não tem sido muito utilizado no Brasil, uma vez que, caso não haja cumprimento espontâneo da decisão, é necessário recorrer ao Poder Judiciário, o que pode aumentar a morosidade da satisfação da medida pretendida.
Em estudo conduzido pelo Grupo de Pesquisa em Arbitragem da PUC/SP, verificou-se que de sete instituições internacionais pesquisadas, as sete possuíam o procedimento do árbitro de emergência, enquanto de vinte e suas instituições brasileiras pesquisadas, apenas cinco adotaram essa modalidade de procedimento.
Estando dentre as regras da câmara, que são automaticamente adotadas quando as partes elegem a instituição para solução de seus eventuais litígios, as regras relativas aos procedimentos de emergência passam a ser aplicáveis às partes.[13] Dessa forma, caso não desejem se submeter a esse tipo de procedimento, os contratantes devem expressamente acordar nesse sentido, prevendo o afastamento das regras do árbitro de emergência.
É relevante, no entanto, observar se no momento em que foi pactuada a cláusula arbitral ou o compromisso, as regras da câmara eleita já previam o procedimento de emergência. No caso da Câmara de Comércio Internacional, por exemplo, o regulamento é expresso no sentido de que:
“6 As Disposições sobre o Árbitro de Emergência não são aplicáveis quando: a) a convenção de arbitragem que preveja a aplicação do Regulamento foi concluída antes de 1° de janeiro de 2012; b) as partes tiverem convencionado excluir a aplicação das Disposições sobre o Árbitro de Emergência; ou c) as partes tiverem convencionado a aplicação de algum outro procedimento pré-arbitral o qual preveja a possibilidade de concessão de medidas cautelares, provisórias ou similares.”[14]
No Brasil, também a Câmara de Arbitragem do Mercado, da BM&F-Bovespa possui previsão de semelhante procedimento: intitulado “arbitragem de apoio”, ele depende de expressa adesão das partes, na convenção arbitral (Regulamento da CAM-BM&F-Bovespa, nº 5.1).
3.1.2 Tutela de urgência de urgência antecedente antecipada ou cautelar
Conforme já exposto acima, a tutela de urgência antecedente pode ser de natureza antecipada ou cautelar. Conforme expõe Luiz Guilherme Marinoni “A tutela antecipada exige a consideração dos pressupostos de direito material da tutela de direito que se quer antecipar, enquanto a técnica antecipatória nada mais é do que previsão técnico processual que autoriza a antecipação da tutela do direito.”[15]
Alguns autores, como Francisco Cahali[16] e Scavone Júnior[17] já manifestaram entendimento no sentido de que não seriam cabíveis as tutelas de urgência antecedentes antecipadas, sob os argumentos de que o CPC de 1973 previa a tutela antecipada apenas na modalidade incidental (conforme artigo 273) e de que ao analisar a tutela de urgência o juiz estaria analisando o mérito, ainda que de forma sumária, e adentrando a zona de competência exclusiva do árbitro.
O primeiro argumento acaba por superado pelo novo CPC de 2015, de modo que Cahali inclusive na 7ª edição de seu livro Curso de Arbitragem, revê seu entendimento no sentido de que seria sim cabível a tutela de urgência antecedente antecipatória. Em relação ao segundo argumento, Eduardo Talamini observa que:
“Se ha? grave situac?a?o de perigo de dano, impo?e-se a prestac?a?o da tutela urgente. A inibic?a?o da atuac?a?o judicial pelo ta?o so? argumento da preservac?a?o da compete?ncia arbitral e? ofensiva a? garantia da tutela jurisdicional plena e oportuna (CF, art. 5.o, XXXV). Alia?s, o argumento ora criticado aniquilaria o pro?prio instituto da tutela antecipada como um todo: jamais seria ela admitida porque implicaria esvaziamento da sentenc?a final (...). Mas existem para?metros para preservar a cognic?a?o exauriente sem prejudicar o exerci?cio da tutela de urge?ncia. Em princi?pio, ficam vedadas as provide?ncias urgentes quando houver o risco de que gerem resultado pra?tico irreversi?vel (CPC/2015, art. 300, § 3.o, que corresponde ao art. 273, § 2.o, do CPC/1973) – e isso se aplica a? tutela antecipada em geral. Se o caso enquadrar-se na hipo?tese legalmente vedada, o juiz deixara? de antecipar a tutela na?o porque esteja impedido de conceder tutela antecipada pre?-arbiral, mas por na?o poder, em princi?pio, conceder tutela urgente irreversi?vel.”[18]
Ademais, a norma proibitiva pode ser mitigada pela aplicac?a?o do crite?rio da proporcionalidade. Caso o dano que a antecipac?a?o de tutela busca impedir seja irreversi?vel, cabe ponderar qual o bem juri?dico sera? mais gravemente sacrificado, caso se conceda ou na?o a medida. Nesse caso, eventualmente se antecipara? a tutela a despeito da irreversibilidade.
3.1.3 Revisão da tutela de urgência pelo Tribunal Arbitral
Conforme já exposto acima, instaurado o tribunal arbitral, a jurisdição passa a ser exclusiva dos árbitros, que poderão – inclusive de ofício - revogar ou manter, total ou parcialmente, a decisão proferida pelo Poder Judiciário, seja em 1ª ou 2ª instância, conforme previsto no art. 22-B da Lei de Arbitragem:
“Art. 22-B. Instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário.
Parágrafo único. Estando já instituída a arbitragem, a medida cautelar ou de urgência será requerida diretamente aos árbitros. ”
Mesmo antes da reforma da Lei de Arbitragem, o posicionamento da maior parte da doutrina e jurisprudência já caminhava nesse sentido. Observava Pedro A. Batista Martins que:
“instituída a arbitragem, nasce a jurisdição arbitral, em toda sua plenitude, cabendo ao árbitro manter, alterar ou cassar a liminar concedida pela justiça comum, agora incompetente (melhor, sem jurisdição!) para apreciar as questões envolvendo o objeto da demanda e aquilo que lhe é acessório.” [19]
Existia posicionamento no sentido de que os árbitros não poderiam rever as medidas deferidas pelo Poder Judiciário (nesse sentido Luiz Roberto Ayoub[20], Arnoldo Wald[21] e Joel Dias Figueira Júnior[22]). Porém, com a clara redação do artigo 22-B, acima transcrito, parece que tal discussão foi superada.
Se, por alguma razão, no curso do procedimento arbitral, for desmanchado o tribunal arbitral[23], aplicar-se-á o regramento pertinente a Tutela Provisória de Urgência Antecedente, voltando o Poder Judiciário a ser nova e temporariamente responsável pela apreciação de eventuais medidas de urgência.
Vale observar o acórdão proferido pelo STJ que trata tanto da revisão da decisão pelo tribunal arbitral quanto da competência temporária do Poder Judiciário em caso de impedimento dos árbitros:
PROCESSO CIVIL. MEDIDA CAUTELAR COM O FITO DE CONCEDER EFEITOSUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE, DESDE QUE DEMONSTRADOSO PERICULUM IN MORA E O FUMUS BONI IURIS. ARBITRAGEM. JUÍZO ARBITRALNÃO CONSTITUÍDO. MEDIDA CAUTELAR. COMPETÊNCIA. LIMITES. 1. A jurisprudência deste Tribunal vem admitindo, em hipóteses excepcionais, o manejo da medida cautelar originária para fins de se atribuir efeito suspensivo a recurso especial; para tanto, porém, é necessária a demonstração do periculum in mora e a caracterização do fumus boni iuris. 2. Na pendência da constituição do Tribunal Arbitral, admite-se que a parte se socorra do Poder Judiciário, por intermédio de medida de natureza cautelar, para assegurar o resultado útil da arbitragem. 3. Superadas as circunstâncias temporárias que justificavam a intervenção contingencial do Poder Judiciário e considerando que a celebração do compromisso arbitral implica, como regra, a derrogação da jurisdição estatal, os autos devem ser prontamente encaminhados ao juízo arbitral, para que este assuma o processamento da ação e, se for o caso, reaprecie a tutela conferida, mantendo, alterando ou revogando a respectiva decisão. 4. Em situações nas quais o juízo arbitral esteja momentaneamente impedido de se manifestar, desatende-se provisoriamente as regras de competência, submetendo-se o pedido de tutela cautelar ao juízo estatal; mas essa competência é precária e não se prorroga, subsistindo apenas para a análise do pedido liminar. 5. Liminar deferida. (STJ - AgRg na MC: 19226 MS 2012/0080171-0, Relator: Ministro MASSAMI UYEDA, Data de Julgamento: 21/06/2012, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/06/12)
Portanto, tendo as partes livremente escolhido a arbitragem como forma de resolução de seus conflitos, a jurisdição estatal só se justifica pela urgência e será exercida de forma temporária e provisória, de forma que tão logo seja possível, os verdadeiros eleitos para o exercício da tutela jurisdicional poderão exercê-la de forma ampla e definitiva.
3.2 Tutela Provisória de Urgência no curso da arbitragem
Instaurado o juízo arbitral, passa o tribunal arbitral a ser responsável pela apreciação de medidas de urgência, assim como por qualquer outra questão relacionada ao conflito, passando a estar o Poder Judiciário impedido de analisar temas relacionados ao conflito. Caso uma parte, após a instituição do tribunal arbitral, recorra ao Poder Judiciário buscando a apreciação de uma tutela de urgência, caberá à outra parte alegar a existência da convenção de arbitragem e demonstrar que o juízo arbitral já está formado, solicitando a extinção do processo sem resolução do mérito.
A antiga redação do parágrafo 4º art. do art. 22 da Lei de Arbitragem causava, no entanto, alguns debates sobre o tema. É que o referido dispositivo determinava que havendo necessidade de medidas cautelares os árbitros podiam solicitá-las ao Poder Judiciário.
Ainda durante a vigência do parágrafo 4º, formou-se entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que o árbitro tinha de fato poder para apreciar os pedidos cautelares, conforme se podia verificar no entendimento de Pedro A. Batista Martins, Carlos Alberto Carmona e Nilton César Antunes da Costa[24].
Mas a reforma da Lei de Arbitragem (Lei nº 13.129, de 2015) encerrou de uma vez por todas o debate ao excluir o parágrafo 4º do art. 22 e criar o capítulo IV-A, dedicado a regular as “Tutelas Cautelares e de Urgência na Arbitragem”. Conforme se verifica no Art. 22- B parágrafo único, está expresso na lei que após a formação do tribunal arbitral a competência para analisar a tutela de urgência é do árbitro.
No entanto, ainda que tenha o ius cognitio, o tribunal arbitral não possui o ius imperium (poder coercitivo), razão pela qual, caso a parte não cumpra espontaneamente a decisão[25], seu ex adverso terá que se socorrer no Poder Judiciário para fazer valer a decisão.
3.2.1. A Carta Arbitral
Antes da vigência da lei 13.129/15 e do CPC/15, não havia regulamentação sobre a forma do pedido de cooperação entre o Tribunal Arbitral e o Poder Judiciário para efetivação da tutela de urgência ou qualquer outra medida não atendida espontaneamente pela parte, de modo que a comunicação entre os árbitros e os juízes se dava através de ofício, instruído com a convenção arbitral e a decisão do tribunal[26].
Mas tanto o novo CPC, quanto a reforma da lei de arbitragem, trouxeram a figura da carta arbitral, criada especificamente para promover a cooperação entre o Poder Judiciário e o Tribunal Arbitral. A existência de um instrumento destinado especialmente para esse fim, com regulação própria, confere maior segurança tanto para as partes, quanto para os árbitros e juízes[27].
Assim, conforme previsto nos art. 237, IV, do CPC e 22-C da Lei de Arbitragem, o árbitro poderá, se necessário, solicitar diretamente do Poder Judiciário o apoio para cumprimento de medidas como busca e apreensão, arrolamento de bens, penhora e condução coercitiva, dentre outras.
A Carta Arbitral deve estar instruída com a convenção de arbitragem, prova de nomeação dos árbitros e prova da aceitação da função, e segue os mesmos ritos das cartas precatória, rogatória e de ordem, aplicando-se os requisitos estabelecidos no art.206 do CPC. No mesmo sentido, seu cumprimento só pode ser recusado com base nos fundamentos previstos no art. 267 do NCPC.
Portanto, o juiz só analisará aspectos formais, como “regularidade e limites da convenção, o atendimentos aos preceitos de ordem pública, e aos bons costumes e a suficiência da documentação apresentada para o processamento da medida.”[28] Caso verifique algum impedimento para o cumprimento, devolverá ao árbitro a carta justificando as razões pelas quais a providência solicitada não pôde ser atendida.
O juízo deprecado, logo, não poderá fazer controle do mérito da decisão arbitral. Apenas poderá se recusar a cumpri-la se não estiver revestida dos requisitos legais, faltar ao juiz competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou tiver dúvida acerca de sua autenticidade.
Reafirmando a impossibilidade de controle do judiciário sobre o juízo arbitral, o Fórum Permanente de Processualistas Civis editou o seguinte enunciado: não compete ao juízo estatal revisar o mérito da medida ou decisão arbitral cuja efetivação se requer por meio da carta arbitral.
Por fim, vale observar que o cumprimento da carta arbitral também respeitará o sigilo da arbitragem (art. parágrafo único do art. 22-C da LArb), caso comprovada a confidencialidade do procedimento arbitral, a carta será cumprida em segredo de justiça. O NCPC também estabelece como exceção à regra de publicidade do processo a carta arbitral (Art. 189, IV).
3.2.2 Vedação da apreciação da tutela de urgência pelo árbitro na cláusula arbitral.
Sendo a análise da tutela de urgência parte da jurisdição conferida aos árbitros, não é necessário que esteja prevista na cláusula ou compromisso arbitral a possibilidade de apreciação pelo tribunal arbitral desta modalidade de medida. Porém, cabe avaliar se é possível que as partes convencionem, mesmo com a nova redação da lei de arbitragem, que os árbitros não poderão apreciar tutelas de urgência, ainda que no curso do procedimento arbitral. Para Carlos Alberto Carmona, a resposta é positiva:
“É conveniente ressaltar que as partes podem excluir, consensualmente, os poderes cautelares dos árbitros. De fato, tendo em vista a autonomia da vontade dos contratantes – prestigiada pela Lei de Arbitragem – nada impede que na convenção de arbitragem estipulem as partes que eventuais medidas cautelares, se necessárias, sejam diretamente pleiteadas ao juiz togado.”[29]
Essa limitação poderia ser, ainda, total ou parcial. Francisco Cahali menciona o exemplo de as partes estabelecerem que, para a análise da tutela de urgência, os árbitros necessariamente devem ouvir previamente ambas as partes[30]. Nesse caso, automaticamente a competência para analisar as tutelas de urgência seria do Poder Judiciário.
Porém, há entendimento diverso. Na visão de Joel Dias Figueira Júnior, é nula a disposição que limita o poder do árbitro de apreciar medidas de urgência, por violação ao livre acesso à jurisdição, razão pela qual os árbitros podem desconsiderar esse tipo de disposição e exercer por completo seu poder de jurisdição.[31] Já Luiz Roberto Ayoub entende pela validade da cláusula, mas pela impossibilidade das partes recorrerem ao Poder Judiciário nesse caso, de modo que ficaria definitivamente vedada a apreciação de medidas de urgência em casos em que a convenção de arbitragem restringe a apreciação desta modalidade de medida pelos árbitros.
4. Tutela de Evidência
Enquanto o objetivo da tutela de urgência é preservar o resultado útil do processo diante de risco na demora, o da tutela de evidência é antecipar (no todo ou em parte) o resultado esperado no provimento final, com base na robustez do direito da parte. O objetivo da medida é fazer uma melhor divisão dos ônus do processo, considerando princípio constitucional que determina a razoável duração do processo e meios que garantam a celeridade de sua tramitação (Art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal).
Como bem observa Kazuo Watanabe:
“Uma das caracteri?sticas da sociedade moderna e? o ritmo acelerado e agitado das relac?o?es sociais, econo?micas e juri?dicas que nela ocorrem. Resulta ela da instantaneidade das comunicac?o?es, do encurtamento das dista?ncias, da incorporac?a?o dos mais avanc?ados instrumentos tecnolo?gicos, v.g., o computador cada vez mais sofisticado a? vida cotidiana e a servic?o de entidades pu?blicas e privadas, que deles se valem ate? para tomada de deciso?es que envolvem direitos de terceiros ou de alguma forma repercutem na esfera juri?dica dos mesmos. O direito e processo devem ser inerentes a? realidade, de sorte que as normas juri?dico-materiais que regem essas relac?o?es devem propiciar uma disciplina que responda adequadamente a esse ritmo de vida, criando os mecanismos de seguranc?a e protec?a?o que reajam com agilidade e eficie?ncia a?s agresso?es ou ameac?as de ofensa. E, no plano processual, os direitos e pretenso?es que resultam da incide?ncia dessas normas materiais devem encontrar uma tutela ra?pida, adequada e ajustada ao mesmo compasso”. [32]
Assim, mesmo nas situações em que não ha? uma situação de urgência, a simples demora do processo ja? é um revés para aquele que aguarda o provimento jurisdicional. É o chamado dano marginal do processo[33]. A simples espera pelo bem pela tutela jurisdicional pelo bem da vida pretendido e? suficiente para causar dano marginal, o qual dispensa qualquer tipo de comprovac?a?o, uma vez que fere o bom senso a noc?a?o de que algue?m ajuíze um processo e deseje que seu tra?mite e soluc?a?o na?o sejam ce?leres.
Assim, a eficácia da tutela de evidência é igual ao pedido definitivo, porém o provimento tem caráter provisório e a cognição exercida é sumária. A certeza exigida, vai além do fumus boni iuris.
Não havendo urgência, não há justificativa para que se admita a tutela de evidência antecedente, de modo que ela será sempre incidente. A medida será sempre incidente, nunca antecedente (art.294 c/c art.311 do CPC). Deve ser requerida nos autos da tutela futura.
A previsão da tutela de evidência veio descrita no art. 311 do CPC, que elenca as hipóteses em que a medida é cabível, tais quais abuso do direito de defesa, manifesto propósito protelatório da parte, as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante, dentre outras.
A Lei de Arbitragem não prevê a aplicação da tutela de evidência. Cabe então avaliar se seria possível transportar para o procedimento arbitral este instituto. Se houver previsão expressa na cláusula arbitral, no compromisso arbitral, no Termo de Arbitragem ou no regulamento da Câmara, a questão é mais pacífica, pois as partes declararam expressamente sua vontade de se utilizar deste artifício processual.
Ainda que não exista a expressa manifestação das partes no sentido de que é cabível a utilização da tutela de evidência, o melhor segue no sentido da aplicabilidade deste instrumento, pois na arbitragem pode-se utilizar os instrumentos disponíveis para a condução eficaz do procedimento. Assim, se na convenção de arbitragem as partes elegeram a legislação brasileira para solução dos conflitos, então é possível a utilizar a tutela de evidência no procedimento arbitral.
É nesse sentido o posicionamento de Francisco Cahali, Alexandre Câmara e Joel Dias Figueira Jr.[34] e Scavone[35]. Ainda, Fichtner e Monteiro observam que “pensar o contrário seria limitar a atuação do árbitro dentro de uma perspectiva que não encontra fundamento no ordenamento brasileiro, notadamente em uma quadra que prestigia sobremaneira a natureza instrumental do processo.”[36] Em sentido contrário, José Carlos de Magalhães, que considera que só seria possível se previsto na convenção de arbitragem.
É certo que, se houver previsão de vedação da tutela de evidência, a disposição deverá ser respeitada. Nesse caso, não caberá o pleito da medida no Poder Judiciário, uma vez que a jurisdição é do árbitro.
Como a aplicação do instituto à arbitragem não é literal, o árbitro poderá tomar como base o conceito da tutela de evidência, mas não estará restrito às hipóteses específicas previstas nos incisos do art. 311 do NCPC.
Quanto ao momento do requerimento da medida, cabe observar que da mesma forma que no processo judicial, não é possível uma medida de evidência no Poder Judiciário anterior ao Procedimento Arbitral, uma vez que não há urgência que justifique o fracionamento da jurisdição. Somente o árbitro pode analisar a tutela de evidência na arbitragem. Seguindo a regra geral da Lei de Arbitragem e considerando que não há risco na demora, no a medida deve ser deferida apenas após a oitiva da outra parte.
Em caso de descumprimento da tutela de evidência deferida e descumprida, aplicar-se-ão as regras do cumprimento provisório de sentença (art. 297, parágrafo único, do CPC) e eventuais medidas coercitivas ou executórias poderão ser solicitadas ao Poder Judiciário através de Carta Arbitral.
Discute-se o efeito prático da tutela de evidência na arbitragem, considerando que a sentença parcial de mérito (art. 23, parágrafo 1º da Lei de Arbitragem[37]) poderia surtir efeito bastante semelhante. Se a questão dispensa prolongamento da instrução, seria melhor solução uma decisão definitiva do que a tutela de evidência (que é provisória). Na hipótese do pedido incontroverso, vale observar que a questão deve ser superada quando da assinatura do termo de arbitragem.
5. Conclusão
Conclui-se, com este estudo, que nos últimos anos a legislação passou por importantes inovações, notadamente a reforma da LArb, que consagrou entendimentos doutrinários e jurisprudenciais relevantes sobre as medidas de urgência. O NCPC, por sua vez, alterou toda a classificação das tutelas provisórias e procedimentos de tramitação, de modo que outros temas controvertidos acabaram por surgir, como a possibilidade de aplicação da estabilização da demanda, conforme previsto no NCPC, em caso de medidas antecedentes ao procedimento arbitral, o que, entretanto, não retira o mérito dos avanços alcançados – são parte do processo de evolução do direito.
Neste cenário de novidades, reconhece-se a importância da criação e regulamentação da carta arbitral, que veio como alternativa para a melhoria da cooperação entre o Poder Judiciário e o Tribunal Arbitral, especialmente na efetivação das decisões das tutelas de urgências deferidas pelos árbitros e não cumpridas espontaneamente pela parte, bem como na execução de outras medidas também importantes para o bom desenvolvimento da arbitragem.
Finalmente, é importante notar a importância de se garantir às partes que optaram por renunciar a jurisdição estatal para resolver seus conflitos através de procedimento arbitral, a plenitude do acesso à justiça, garantindo a possibilidade de utilização dos mecanismos disponíveis para assegurar a efetividade do processo.
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[1] CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2018, p. 135.
[2] DIDIER JR., FREDIE. A arbitragem no novo código de processo civil (versão da câmara dos deputados – dep. Paulo Teixeira).
[4] ARRUDA ALVIM, EDUARDO. Antecipação de Tutela. São Paulo: Juruá Editora, 1ª Edição, 3ª reimpressão, 2010, p.
[5] A forma de escolha do tribunal arbitral ou, ainda, do árbitro único, depende do acordo das partes, sendo este apenas um exemplo de uma forma comum de formação do tribunal arbitral.
[6] O tribunal arbitral é considerado formado quando todos os árbitros tenham manifestado a aceitação de sua nomeação.
[7] Nesse sentido, Donaldo Armelin, Francisco Cahali e demais autores mencionados pelo último nas páginas 306 e 307 de seu livro Curso de Arbitragem.
[8] CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2018, p. 306.
[9] Já houve polêmica quanto ao tema, entretanto antes mesmo da reforma da lei de arbitragem, que inseriu o Capítulo IV que regula especificamente as medidas de urgência, o posicionamento majoritário da doutrina era nesse sentido, corroborado pela jurisprudência, conforme precedente do STJ no julgamento do REsp 1.297.974/RJ.
[11] Art. 22 – A, parágrafo único da Lei 9.307/99.
[12] TALAMINI, Eduardo. Arbitragem e estabilização da Tutela Antecipada. In: DIDIER JR., FREDIE. (coord.) Procedimentos Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório. Editora Jus Podivm, 2ª Edição, 2016, p. 182.
[13] A solução dada pelas câmaras varia. O árbitro que analisará o pedido de emergência pode ser de um corpo permanente de árbitros, pode ser o presidente da câmara, dentre outras opções. É comum a vedação do árbitro de emergência compor o tribunal arbitral.
[14] Disponível em https://iccwbo.org/publication/2017-arbitration-rules-and-2014-mediation-rules-portuguese-version/.
[15] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de Urgência e Evidência. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p. 42.
[16] CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1ª edição, 2018, p. 257.
[17] SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Manual de arbitragem. 2. tir. Sa?o Paulo: Ed. RT, 2008. cap. IV, n. 6, p. 155.
[18] TALAMINI, Eduardo. Arbitragem e estabilização da Tutela Antecipada. In: DIDIER JR., FREDIE. (coord.) Procedimentos Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório. Editora Jus Podivm, 2ª Edição, 2016, p. 167.
[19] MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos sobre a lei de arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 247
[20] Arbitragem: o acesso à justiça e a efetividade do processo, 1ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
[21] Novos rumos para a arbitragem no Brasil. Revista e Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, vol. 14. São Paulo: RT, out/dez de 2001, p. 351.
[22] Arbitragem, jurisdição e execução. 2ª edição. São Paulo: RT, 1999, p. 234.
[23] Por exemplo, em casos de enfermidade, falecimento ou renúncia do árbitro.
[24] Estudo feito por Fichtner e Monteiro em Medidas Urgentes no Processo Arbitral, p. 43-73, mencionado por Francisco Cahali em Curso de Arbitragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2018, p. 315.
[25] Pedro A. Batista Martins observa que há um incentivo natural ao cumprimento da decisão considerando que “o descumprimento de providência determinada pelo juízo privado será sempre sopesado e levado em consideração quando do julgamento do mérito da questão. Certamente, esse juízo de reflexão não é o que desejará a parte que apresenta-se como prejudicada frente à situação controvertida e busca obter a confirmação dos seus direitos, justamente, perante os julgadores que determinam a medida que restou por ela inadimplida.” MARTINS, Pedro A. Batista. Da ausência de Poderes coercitivos e cautelares do árbitro. In: MARTINS, Pedro A. Batista; LEMES, Selma M. Ferreira; CARMONA, Carlos Alberto (coord.). Aspectos fundamentais da lei de arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 367.
[26] AMARAL, Paulo Osternack. O regime das medidas de urgência no processo arbitral. In: CAHALI, Francisco José; RODOVALHO, Thiago; FREIRE; Alexandre (Coord.). Arbitragem: Estudos sobre a Lei N. 13.129, de 26-5-2015. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 466.
[27] A cooperação entre o Poder Judiciário o tribunal arbitral vem prevista também nos artigos 68 e 69 do CPC.
[28] AMARAL, Paulo Osternack. O regime das medidas de urgência no processo arbitral. In: CAHALI, Francisco José; RODOVALHO, Thiago; FREIRE; Alexandre (Coord.). Arbitragem: Estudos sobre a Lei N. 13.129, de 26-5-2015. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 467.
[29] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo - Um Comentário à Lei Nº 9.307/96. p. 326.
[30] CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2018, p. 318.
[31] “Não há que se admitir a convenção das partes em excluir a possibilidade de pleitearem tutela acautelatória. Tal convenção será absolutamente nula por afrontar o direito constitucional de acesso à jurisdição estatal ou privada. Assim nos parece porque ao referir-se a Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XXXV, à tutela jurisdicional a ser concedida também em hipóteses de ‘lesão ou ameaça a direito’, constata-se que existe, e, patamar constitucional, a previsão de que a tutela cautelar faz parte do direito de acesso à Justiça, o que definiríamos como direito subjetivo de cautela”. FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, jurisdição e execução. 2ª edição. São Paulo: RT, 1999, p. 224-225.
[32] WATANABE, Kazuo. Da Cognic?a?o no Processo Civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 142-143.
[33] Nas palavras de Antonio do Passo Cabral: “Trata-se de um dano que não decorre da derrota em relação à pretensão deduzida, mas um “dano marginal”, na feliz expressão que foi popularizada na doutrina italiana por Enrico Finzi.3 O dano marginal é aquele que sofrem os litigantes em razão de deficiências na tramitação dos processos, e esta demora afeta a ambos, autor e réu, vencedor e vencido. Claro que, como nota a doutrina, muitas vezes a dilação excessiva do processo interessa a uma das partes;4 e é certo que o efeito deletério da demora no processo é muito maior para o vencedor (aquele que tem razão e, ao final, é proclamado como sendo titular do direito até então meramente afirmado) do que para o vencido. No entanto, também este é atingido pela demora injustificada. ” (CABRAL, Antonio do Passo. A duração razoável do processo e a gestão do tempo no projeto de novo código de processo civil. In: FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER JR, Fredie; MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda de (Coord.). Novas tendências do processo civil. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 77.
[34] FICHTNER, José Antonio; MONTEIRO, André Luis. Medidas Urgentes no Processo Arbitral Brasileiro. Revista Trimestral de Direito Civil, n. 35. p. 43-73. Jul.-set. 2008, p. 60.
[35] SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Manual de arbitragem. 2. tir. Sa?o Paulo: Ed. RT, 2008. cap. IV, n. 6, p. 134.
[36] FICHTNER, José Antonio; MONTEIRO, André Luis. Temas de Arbitragem – Primeira Série. São Paulo: Ed. Renovar, 2010, p. 134.
[37] Antes existia algum debate sobre o instituto pela falta de previsão legal, mas a questão já foi superada.
Mestranda em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós graduada em Direito Privado Patrimonial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AZEVEDO, Carolina dos Pilares da Mota. Tutelas Provisórias de Urgência e de Evidência na Arbitragem Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 maio 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52901/tutelas-provisorias-de-urgencia-e-de-evidencia-na-arbitragem. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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