RODRIGO SONCINI DE OLIVEIRA GUENA
(Orientador)
RESUMO: O presente trabalho, mediante pesquisa bibliográfica tem o objetivo de expor e entender quando há violência contra as mulheres nas relações conjugais, buscando enfatizar a necessidade de afastar definitivamente o título de crime passional atribuído a estes casos. Estas mortes não são decorrentes de paixão ou meros conflitos entre casais, possuem uma raiz estrutural, advindas do legado da sociedade patriarcal na desigualdade de gênero. No Brasil, é inegável a existência de diversas legislações que coíbem e protegem as mulheres em contexto de violência doméstica e familiar, com destaque a conferência resultante na Lei do Feminicídio no Brasil, que herdou seus parâmetros da Lei Maria da Penha, onde os agressores encontram punições mais severas e as vítimas sobreviventes, em tese, recebem todo o amparo necessário. Porém, de um outro lado, o Estado demonstra-se omisso em garantir o cumprimento dessas medidas, bem como, a falta de estrutura no atendimento dessas mulheres, considerado fundamental para o processo de cura delas. Por sim, o trabalho trás a desigualdade histórica e os avanços na luta das mulheres em protegerem umas as outras, demonstrando sempre que a culpa não é da vítima.
Palavras-chave: feminicídio; cultura patriarcal; violência doméstica, igualdade de gênero.
ABSTRACT: The present work, through a bibliographic research, has the objective of exposing and understanding when there is violence against women in marital relations, seeking to emphasize the need to permanently remove the title of passional crime attributed to these cases. These deaths are not due to passion or mere conflicts between couples, they have a structural root, stemming from the legacy of the patriarchal society in gender inequality. In Brazil, there is no denying the existence of several laws that limit and protect women in the context of domestic and family violence, especially the conference resulting from the Law of Feminicide in Brazil, which inherited its parameters from the Maria da Penha Law, where aggressors find more severe punishments and the surviving victims, in theory, receive all the necessary protection. However, on the other hand, the State has failed to ensure compliance with these measures, as well as the lack of structure in the care of these women, which is considered fundamental to their healing process. By itself, work brings historical inequality and advances in women's struggle to protect each other, always demonstrating that the victim's fault is not the fault.
Keywords: feminicide; patriarchal culture; domestic violence, gender equality.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 DEFINIÇÃO DE FEMINICÍDIO. 1.1 Características do crime de feminicídio. 1.2 Tipificação do crime de feminicídio. 2 ESPÉCIES DE FEMINICÍDIO. 2.1 Feminicídio íntimo. 2.2 Feminicídio não íntimo. 2.3 Feminicídio infantil. 2.4 Feminicídio familiar. 2.5 Feminicídio por conexão. 2.6 Feminicídio sexual sistêmico. 2.7 Feminicídio por prostituição ou ocupações estigmatizadas. 2.8 Feminicídio por tráfico de pessoas. 2.9 Feminicídio por contrabando de pessoas. 2.10 Feminicídio transfóbico. 2.11 Feminicídio lésbico e bifóbico. 2.12 Feminicídio racista. 2.13 Feminicídio por mutilação genital feminina. 3 INFLUÊNCIAS DA SOCIEDADE PATRIARCAL NA DESIGUALDADE DE GÊNERO. 3.1 Da desigualdade de gênero no âmbito familiar. 3.2 Da desigualdade de gênero no âmbito social. 4 FEMINICÍDIO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. 4.1 Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). 4.1.1 Direitos Assegurados pela Lei Maria da Penha nos casos de violência doméstica. 4.2 Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015). 4.2.1 Lei 13.771/2018 e seus reflexos na Lei do Feminicídio. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
O tema escolhido foca-se no Direito Penal e discorre sobre a influência do patriarcado na evolução da sociedade humana, afetando negativamente de forma direta a imagem feminina nos âmbitos social, familiar e profissional. As consequências dessas influências são as agressões à figura feminina que ganharam espaço e cresceram promovendo a divisão entre os dois gêneros.
A abordagem acerca do crime de Feminicídio e seus pontos principais de discussão se faz necessário para que haja o entendimento de acordo com os direitos individuais do gênero feminino. O Estado não pode se omitir do dever de proteger e promover a igualdade entre os gêneros, para isso, ínumeras medidas de reeducação, mudanças legislativas e discussões foram realizadas e promovidas com o intuito de se chegar a uma solução. Os instrumentos utilizados pelo Estado Brasileiro a fim de atingir este objetivo foram a Lei Maria da Penha e a definição do crime de Feminício, visto que compete ao Estado o dever de debater a efetividade das medidas existentes, bem como, propor novas ações.
O trabalho a seguir, basear-se-á em pesquisas doutrinárias, a artigos que registram e expõem diferentes opiniões, a experiência adquirida por discussões a cerca do tema.
1. Definição de feminicídio
Feminicídio é o termo utilizado para definir o ato letal das inúmeras violências que as mulheres podem sofrer em sociedade, marcadas pela desigualdade de poder entre os gêneros masculino e feminino e por influencias históricas, culturais, econômicas, políticas e sociais discriminatórias. É uma violência em razão do gênero, onde a mulher é morta pelo simples fato de ser mulher.
Nomear e definir o problema são um grande avanço. No Brasil, o assassinato de mulheres em contextos marcados pela desigualdade de gênero é considerado um crime hediondo, que são os crimes entendidos pelo poder legislativo como os que merecem maior reprovação por parte do Estado.
1.1 Características do crime de feminicídio
A desigualdade e discriminação pode se manifestar desde o alcance diverso a oportunidades e direitos até agressões graves, incentivando a perpetuação de casos de parceiros ou ex-parceiros movidos por um sentimento de posse, onde não aceitando o fim do relacionamento ou a autonomia da mulher, acabam por assassina-las, revelando crimes sexuais em que a mulher é tratada como objeto, evidenciando o ódio ao feminino.
Neste lanso, podemos apontar como principais características que motivam o feminicídio a ordem patriarcal - onde a desigualdade minimiza e subordina as mulheres aos homens; a violência sexista – sendo o sexo das vítimas determinante para sua ocorrência, mortes evitáveis - o emprego de violência e a intencionalidade do gesto reforçam seu caráter de desprezo pela mulher e pelos papéis sociais que lhe são atribuídos; fatores sociais e culturais - não são casos isolados ou episódicos, mas inseridos em um círculo de violência recorrente, que limita o desenvolvimento livre e saudável de meninas e mulheres.
1.2 Tipificação do crime de feminicídio
Faz-se necessário pontuar que as vítimas do crime de feminicídio, antes de sofrerem o ato fatal, dão sinais referentes a outros tipos de agressões, tais como, ameaças, perseguições, assédio sexual, chantagens, entre outros. Demonstrando a infeliz falência do poder público em efetivar a prevenção desses homicídios através de medidas de proteção, assegurando a integridade física e a vida dessas mulheres.
A violência doméstica é considera uma violência de gênero, baseada na relação desigual entre homens e mulheres, por exemplo: “marido mata a esposa pois quando chegou em casa, o jantar não estava pronto”, “companheiro mata a companheira por não aceitar o fim do relacionamento”, “funcionário mata colega de trabalho por esta ter conseguido promoção que do ponto de vista dele, a mulher não estaria capacitada”. Esta modalidade é amplamente praticada no Brasil, aumentando de maneira exorbitante o número de casos relacionados e instalando um estado de alerta entre as mulheres.
Para tipificar o crime de feminicídio, a perspectiva da perícia criminal deve analisar e seguir padrões comuns na cena, como o uso de armas brancas, desferir uma sequência de golpes contra o rosto (atacar o rosto) ou tiros (armas de fogo) contra a vítima e até mesmo mutilação das partes íntimas ou mama.
“Companheiro mata a vítima estrangulada e modifica a cena do crime para parecer suicídio por enforcamento”. Em casos de simulação da morte por parte do agressor, por se tratar de um crime de ódio, todo o cenário de onde ocorreram os fatos deve ser analisado minuciosamente pelas autoridades competentes, de modo que todas as provas sejam colhidas a fim de auxiliar na investigação, ratificando o crime e levando o criminoso a condenação.
2. Espécies de Feminicídio
2.1 Feminicídio íntimo
Ocorre quando a morte da mulher é provocada por uma pessoa com a qual a vítima tenha tido uma relação de vínculo íntimo: marido, ex-marido, companheiro, namorado, ex-namorado, amante ou pessoa com quem tem filho(s). Nestes casos são inclusos a hipótese de um assassinato cometido por um amigo contra amiga ou conhecida que se nega a ter relações íntimas com ele (sentimental ou sexual).
2.2 Feminicídio não íntimo
Neste caso, não existe relação entre a mulher e o agressor. Há uma agressão sexual que resulta no assassinato da vítima por um estranho, por exemplo.
2.3 Feminicídio infantil
Para se caracterizar o feminicídio infantil, deve haver uma relação de responsabilidade ou confiança entre o agressor e a vítima menor de 14 anos de idade, atribuídos pela sua condição de adulto sobre a menoridade da menina.
2.4 Feminicídio familiar
A vítima deve possuir relação de parentesco com seu agressor, sendo este por consanguinidade, afinidade ou adoção.
2.5 Feminicídio por conexão
Neste caso, a morte da mulher deve ocorrer no mesmo lugar em que o homem mata ou tenta matar a outra mulher. Pode ser uma amiga, parente da vítima, ou até mesmo uma estranha que infelizmente estava no mesmo local em que o agressor atacou a vítima.
2.6 Feminicídio sexual sistêmico
A morte de mulheres que são previamente sequestradas, torturadas e/ou estupradas. Pode ter duas modalidades:
•Sexual sistêmico desorganizado: Quando a morte das mulheres está acompanhada de sequestro, tortura e/ou estupro. Presume-se que os sujeitos ativos matam a vítima num período de tempo determinado.
•Sexual sistêmico organizado: Presume-se que, nestes casos, os sujeitos ativos atuam como uma rede organizada de feminicidas sexuais, com um método consciente e planejado por um longo e indeterminado período de tempo.
2.7 Feminicídio por prostituição ou ocupações estigmatizadas
A vítima que realiza prostituição e/ou outra ocupação (como strippers, garçonetes, massagistas ou dançarinas de casas noturnas), falece em decorrência de um ou vários homens. Nestes casos, os agressores são motivados pelo ódio e misoginia que a condição de prostituta da vítima incita neles. Esta categoria enfatiza o peso de rotular a justificação da conduta criminosa por parte dos indivíduos: “ela fez por onde”; “a vida dela não valia nada”.
2.8 Feminicídio por tráfico de pessoas
A responsabilidade pela morte das mulheres vai desde o recrutamento destas, passando por transportes até o alojamento de pessoas, utilizando ameaças e o uso da força, dentre outras formas de coação, tais como rapto, fraude, engano, abuso de poder, ou concessão ou recepção de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento da(s) pessoa(s), com fins de exploração.
2.9 Feminicídio por contrabando de pessoas
A morte das mulheres decorre da situação de contrabando de migrantes, seja esta por meio da facilitação da entrada ilegal de uma pessoa em um Estado do qual a mesma não seja cidadã ou tenha residência permanente, no intuito de obter benefício financeiro ou de ordem material.
2.10 Feminicídio transfóbico
Neste caso, o agressor é motivado por ódio, rejeição ou repulsa a condição ou identidade de gênero transexual de mulheres transgêneros ou transexuais.
2.11 Feminicídio lesbo e bifóbico
Os agressores matam uma mulher bissexual ou lésbica motivados por ódio ou rejeição a sua orientação sexual.
2.12 Feminicídio racista
A morte de uma mulher por aversão ou rejeição de sua origem étnica, racial ou de seus traços físicos.
2.13 Feminicídio por mutilação genital feminina
A morte de uma menina ou mulher consequente da atividade de mutilação genital.
3. Influencias da sociedade patriarcal na desigualdade de gênero
A origem do termo patriarcado vem do grego patriarkh?s, que significa “a regra do pai”, sendo a forma de organização familiar em que predomina a autoridade paterna, se tornando a base da formação de toda estrutura social da humanidade, onde o homem é visto como centro das decisões e as mulheres assumem um papel secundário.
Às mulheres foram atribuídas a função de reprodução, tendo em certas culturas da História Antiga seus valores calculados através da quantidade de filhos do sexo masculino que tivessem. Se por ventura gerassem apenas meninas, eram menosprezadas pelo seu meio social. Enquanto que em outras culturas, como na antiga Babilônia a relação entre mulher e reprodução era tão natural, específica, que o Código de Hammurabi (conjunto normativo daquele povo), decretava como dever da mulher casada e estéril, fornecer a seu marido uma substituta, a fim de garantir a perpetuidade genética do mesmo.
Apesar das inúmeras modificações socioculturais obtidas nas últimas décadas quanto à garantia de direitos, a cultura do patriarcado sobreviveu com poucas alterações em seus aspectos, e as formas discriminatórias contra o feminino se tornaram “sofisticadas”, uma vez que a mulher ainda é sobrecarregada pelo acúmulo de tarefas após ser inserida formalmente no mercado de trabalho, tendo que enfrentar dupla jornada ao ter que gerenciar a vida familiar, sendo vista como a responsável pela educação dos filhos e “harmonização” no relacionamento amoroso:
A inferioridade e incapacidade das mulheres foram sendo adquiridas com o seu encerramento no lar, paralelamente e uma dependência sexual agravada. Com o passar dos milênios e a estruturação das sociedades de classe, a divisão dos papéis se solidificou. Passou a ser acompanhada de um trabalho ideológico que tende a racionalizar e a justificar a inferioridade das mulheres, sua segregação, e que encontra sua expressão nos mitos dos povos primitivos. [...] uma constante permanece: a inferioridade das mulheres, seu confinamento nos papéis tradicionais (ALAMBERT, 1986, p. 94).
Uma pesquisa realizada pela ONU apontou que 81% dos homens entrevistados concordaram que o machismo é recorrente no Brasil, identificando os denominadores comuns nos casos de violência doméstica e feminicídios no país, no âmbito familiar - o sentimento de posse sobre a mulher; controle sobre seu corpo, desejo e autonomia da mulher; e no âmbito social - limitação da ascensão profissional, autonomia econômica, libertação social ou intelectual da mulher; tratamento da mulher como objeto sexual; e manifestação de menosprezo pela mulher e pelo feminino.
3.1 Da desigualdade de gênero no âmbito familiar
Em um contexto histórico pós-revolução industrial na Inglaterra, as mulheres de classe baixa buscaram se inserir na sociedade, principalmente no mercado de trabalho, onde era comum a figura das operárias nas fábricas, tendo em vista a necessidade de que toda família trabalhasse para conseguir manter o sustento. Nessa premissa, observa-se que a mulher passou a ser responsável pelo papel de mãe, esposa e protetora do lar.
Considerável destacar que nas famílias tradicionais e de grandes posses, as mulheres não eram incentivadas e desenvolver atividades fora do lar, onde o patriarcalismo mostrava sua força, uma vez que a moça pertencente a essas famílias eram ensinadas a serem submissas aos maridos, havendo também uma enorme preocupação em proteger a virgindade desta, para obter um capital mais vantajoso no casamento e preservar o nome da família.
Mesmo com a atual discussão a respeito da proteção a dignidade feminina e busca pela igualdade em todos os aspectos, no Brasil, são recorrentes os casos em que o assassinato pelo parceiro ou ex-parceiro, serem apresentados como um “momento de descontrole”, “movidos por forte emoção”, e muitas vezes o comportamento da vítima é apontado como “justificativa” pela agressão sofrida.
Expressões como “enciumado”, “inconformado com o término”, “descontrolado” ou até mesmo “apaixonado” são os adjetivos utilizados em manchetes a fim de romantizar os crimes bárbaros de feminicídio, encarados como “crimes passionais” pela sociedade, pela mídia e até mesmo pelo Sistema Judiciário.
3.2 Da desigualdade de gênero no âmbito social
A desigualdade de gênero no âmbito social pode ser encontrada em vários meios, mas dois contextos são considerados principais para caracterizar o contraste e a desqualificação do ser feminino, sendo o contexto profissional e o contexto sexual.
Hoje em dia, a mídia possui um papel crucial na propagação e disseminação da imagem feminina no sentido pejorativo, como propagandas, novelas e diversos programas muitas vezes retratam a mulher em papel decorativo, submisso, e crianças que são criadas em lares patriarcais possuem tendência a absorver essas características. A mulher não consegue se desvincular da projeção ideal de mulher doméstica, criada para entreter, cuidar dos filhos, pensar na família sempre em primeiro lugar, para propor como alternativa, novos comportamentos sociais ligados ao trabalho, por exemplo.
“A subjugação máxima da mulher por meio de seu extermínio tem raízes históricas na desigualdade de gênero e sempre foi invisibilizada e, por consequência, tolerada pela sociedade. A mulher sempre foi tratada como uma coisa que o homem podia usar, gozar e dispor.” Marixa Fabiane Lopes Rodrigues, juíza de Direito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
No meio profissional, os indícios muitas vezes são sutis. A dupla jornada feminina obriga a mulher trabalhar mais e ganhar menos, mesmo em cargos iguais a de um homem, e quando chega em casa é responsável pela organização do lar e zelo com os filhos, o que acaba marcando o seu engajamento profissional, onde muitas empresas dão preferência para a contratação de homens, pois estes não tiram licença maternidade, 90% não comparecem nas reuniões escolares e não acompanham seus filhos em consultas médicas, e esses mesmos homens não se afastam do trabalho em caso de doença dos filhos, ficando estas funções a cargo da mulher/esposa/profissinal.
Já no contexto sexual, a identidade feminina muitas vezes é construída na concepção da condição de sexo, um artifício utilizado para dominar e explorar a outrem. Quando alguma identidade diverge daquilo que é esperado pela sociedade, essa mulher será alvo de algum tipo de agressão ou de discriminação, sempre subjulgada pelas roupas que veste, pelo comportamento descontraído, pelo perfume exagerado, pela vaidade excessiva, vaidades adjetivas muitas vezes utilizadas para justificar que “ela procurou”.
4 FEMINICÍDIO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Uma a cada cinco mulheres afirma já ter sofrido violência partida de um homem, seja ele conhecido ou desconhecido desta (FPA/SESC, 2010). Em 2013, 13 mulheres morreram todos os dias vítimas de feminicídio, cerca de 30% foram mortas por parceiro ou ex-parceiro, e apenas no início do ano de 2019, mais de 200 casos já foram registrados.
A sociedade foi a principal responsável pela inclusão dos homicídios de mulheres em razões de gênero nas legislações de mais de 2.000 países latino-americanos, conquista essa obtida através de inúmeras denúncias de omissão na responsabilidade do Estado.
Mais do que nunca, entender as diferenças que favorecem para que as mortes violentas ocorram, permanece sendo primordial para a correta aplicação das Leis, e principalmente para uma atuação preventiva. Neste sentido, é o entendimento de Carmen Hein de Campo, advogada, doutora em Ciências Criminais e consultora da CPMI-VCM:
“O feminicídio é a ponta do iceberg. Não podemos achar que a
criminalização do feminicídio vai dar conta da complexidade do tema. Temos que trabalhar para evitar que se chegue ao feminicídio, olhar para baixo do iceberg e entender que ali há uma série de violências”.
4.1 Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006)
Voltada especificamente para violência doméstica e familiar com base no gênero, a Lei Maria da Penha possui como referência o caso da dupla tentativa de feminicídio sofrida pela biofarmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que ficou paraplégica por causa das agressões sofridas pelo marido, dando origem aos métodos tanto para coibir os casos de violência quanto para preveni-los.
Referida Lei é apontada pela ONU como uma das três legislações mais avançadas do mundo no combate à violência doméstica contra as mulheres, pois além de propor meios de evitar mortes anunciadas, garante proteção à vida das mulheres, coibindo a violência doméstica e familiar em curto prazo, bem como, ações de prevenção a longo prazo, em outras palavras, ao ser reconhecido o cenário ameaçador para as mulheres, a Lei os mecanismos cabíveis e quem são os responsáveis pó aplicá-los, assim, previne a violência, protege as mulheres e pune os agressores.
Em 2015 foi realizada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) uma pesquisa intitulada “Avaliando a Efetividade da Lei Maria da Penha” que constatou que a Lei conteve em cerca de 10% o crescimento da taxa de assassinatos de mulheres praticados nas residências das vítimas, o que comprova que o investimento na divulgação da Lei e na criação dos serviços e ações para efetivá-la é urgente para evitar que as vidas de milhares de mulheres tornem-se estatísticas alarmantes.
4.1.1 Direitos assegurados pela Lei Maria da Penha nos casos de violência doméstica
4.2 Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015)
A Lei 13.105 de 2015 alterou o art 121 do código penal e incluiu o feminicídio dentro das modalidades de qualificadora do crime de homicídio, quando o crime for praticado contra uma mulher por razões da sua condição do sexo feminino, esclarecendo no § 2º-A que este ocorrerá em duas hipóteses: a) violência doméstica e familiar; b) menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
A pena será aumentada de 1/3 até a metade se for praticado: a) durante a gravidez ou nos 3 meses posteriores ao parto; b) contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência; c) na presença de ascendente ou descendente da vítima.
Importante destacar que a Lei alterou o art. 1º da Lei 8072/90 (Lei de crimes hediondos) para incluir a alteração, integrando o feminicídio nas categorias de homicídio qualificado, passando a pertencer ao rol dos crimes hediondos, uma vitória para as vitimas e também a sociedade, pois o indivíduo condenado por crime hediondo tem tem de cumprir um período maior da pena no regime fechado para pedir a progressão a outro regime de cumprimento de pena (semi-aberto ou aberto). É exigido ainda o cumprimento de, no mínimo, 2/5 do total da pena aplicada se o apenado for primário; e de 3/5, se reincidente.
4.2.1 Lei 13.771/2018 e seus reflexos na Lei do Feminicídio
Analisando as relevantes alterações promovidas pela Lei 13.771/2018 na matéria do feminicídio, verificamos que a especialidade descrita no § 7º, inciso II é ampliada para pessoa “portadora de doenças degenerativas que acarretam condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental”. Tais doenças levam a uma lesão gradual limitando as funções vitais, principalmente àquelas de caráter neurológico e osteomuscular, são exemplos: Alzheimer, Parkinson, esclerose múltipla, diabetes, glaucoma, entre outras.
No inciso III do artigo 121, § 7º., CP, após diversas discussões doutrinárias sobre se a “presença” mencionada poderia ser virtual, tendo em vista o alto nível tecnológico que vivemos, o legislador sabiamente alterou a redação do inciso, incluindo expressamente a “presença virtual” como ensejadora da majorante. Porém, ainda será assunto de discussão entre os estudiosos, uma vez que se discute se há a necessidade de simultaneidade e quais as condições desta.
Por conseguinte, fora acrescentado o inciso IV prevendo o aumento de pena se o crime de feminicídio for cometido por “descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III, do ‘caput’ do art. 22 da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006”.
Imprescindível rememorar que esses aumentos novos previstos pela Lei 13.771/18, somente poderão ser aplicados a casos posteriores à sua entrada em vigor, eis que constituem “novatio legis in pejus”, não podendo retroagir a feminicídios ocorridos anteriormente.
CONCLUSÃO
Terminamos o presente estudo a cerca de todo o contexto do legado patriarcal marcado pela dominação masculina e seus reflexos nos crimes de feminicídio, abordando a evolução histórica do papel desempenhado pelas mulheres em sociedade, e que apesar dos avanços históricos e conquistas femininas, as injustiças e desigualdades ainda fazem parte da vida das mulheres.
É necessária a reformulação da nossa ideologia e o pensamento de que o homem possui exclusivamente um lugar de poder, ideias reforçadas pelo comportamento sexista das instituições sociais (igrejas, escolas, serviços públicos), que não incentivam as mulheres a obterem autonomia, tão pouco apoia a liberdade de expressão para abordarem sobre o que tanto lhes prejudica.
A luta das mulheres não chegou ao fim, mas um grande avanço foi conquistado. As ferramentas de prevenção existem, e cabe ao Estado garantir a efetivação destas, aniquilando a impunidade às violências sofridas pelas mulheres e buscando romper os pensamentos e ações que vão contra a igualdade de gênero. Quem ama não diminui, não agride, não mata.
REFERÊNCIAS
PRADO, D.; SANEMATSU, M.; Feminicídio #InvisibilidadeMata. São Paulo, 2017.
ALAMBERT, Zuleika. Feminismo: o ponto de vista marxista. São Paulo: Nobel, 1986.
VADE MECUM. Código Penal. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
BRASIL. Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em 11 de fevereiro de 2019.
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Feminicídio: Lei 13.104/15 consagra a demagogia legislativa e o direito penal simbólico mesclado com o politicamente correto. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/37148/feminicidio >. Acesso em 11 de fevereiro de 2019.
GALVÃO. Instituto Patrícia. Dossiê Feminicídio. Disponível em <https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/feminicidio/capitulos/o-que-e-feminicidio/ >. Acesso em 11 de fevereiro de 2019.
Bacharelanda do curso de Direito da Universidade Brasil - Campus Fernandópolis/SP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Ana Beatriz Juste de. Feminicídio: O Legado da Sociedade Patriarcal na Desigualdade de Gênero Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 maio 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52932/feminicidio-o-legado-da-sociedade-patriarcal-na-desigualdade-de-genero. Acesso em: 22 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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