AILTON NOSSA MENDONÇA
(Orientador)
RESUMO: O presente artigo tem como foco abordar os aspectos da penhora salarial no ordenamento jurídico brasileiro, demonstrando a possibilidade de penhora parcial do salário como forma de efetividade da execução. Como o Novo Código de Processo Civil, ainda é recente, há algumas modificações que merecem ser abordadas, como a possibilidade de penhora acima de 50 salários-mínimos mensais do devedor para pagamento de débitos vencidos, haja vista que o tema tem relevante interesse social, pois o salário seria inviolável. Há ainda de se observar, que diante de seu caráter alimentar, deve ser respeitado os princípios da proporcionalidade e da menor onerosidade ao devedor, pois se ausentes, desrespeitaria a dignidade da pessoa do executado e de sua família. Para tanto, nos valemos de doutrinadores da legislação processual civil, analisando alguns julgados de nossos tribunais. Concluindo que a nova legislação processual representou grande avanço ao reconhecer que o salário não é absolutamente impenhorável, no sentido da relativização da penhorabilidade sobre o salário.
Palavras-chaves: Penhora; Salário; Novo Código De Processo Civil; Satisfação da execução.
ABSTRACT: The present article focuses on the aspects of wage garnishment in the Brazilian legal system, demonstrating the possibility of partial attachment of salary as a form of execution effectiveness. As the New Code of Civil Procedure is still recent, there are some modifications that deserve to be addressed, such as the possibility of seizing more than 50 monthly minimum wages of the debtor to pay expired debts, since the subject has relevant interest because the salary would be inviolable. It should also be noted that, in view of their alimentary character, the principles of proportionality and of the lesser burden on the debtor must be respected, since if they are absent, they will disrespect the dignity of the person of the executor and his family. To do so, we avail ourselves of doctrinators of the civil procedural law, analyzing some of our courts' judgments. Concluding that the new procedural law represented a great step forward in recognizing that wages are not absolutely impenetrable, in the sense of relativizing the clauses on salary.
Keywords: Garnishment; Salary; New Code of Civil Procedure; Satisfaction of execution.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. DO CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA PENHORA. 2.1 Penhora salarial. 3. PENHORABILIDADE DO SALÁRIO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 E NO ATUAL VIGENTE DE 2015. 4. PENHORA PARCIAL DO SALARIO PARA PAGAMENTO DE DIVIDAS. 4.1 De Natureza Alimentar. 4.2 De natureza não alimentar. 5. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA SOBRE A PENHORA DO SALÁRIO. 6. CONCLUSÃO. 7. REFERÊNCIAS.
O presente artigo aborda o entendimento do instituto da penhora desde o Código de Processo Civil anterior e compara as mudanças significativas que ocorreram com a instituição Novo Código em nosso ordenamento jurídico, decorrente da Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Saliento que o tema abordado, não diferiu, a penhora salarial teve dentre suas mudanças, o reconhecimento de que o salário não é mais absolutamente penhorável, como o antigo Código de Processo previa, trata-se agora o salário como algo penhorável, passível de sofrer restrições para quitações de dividas.
Atualmente, ficou mais acessível ao credor exigir a satisfação de obrigações inadimplentes, de forma que o Novo Código possibilita a penhora salarial nos processos executivos que versem sobre débitos de natureza alimentar (repetição do antigo código) e ainda, que versarem sobre quantias excedentes a 50 (cinquenta) salários mínimos – novidade que o novo código dispôs.
Há quem entenda que a penhorabilidade sobre as verbas e remunerações, fora dos casos previstos no parágrafo 2º, do artigo 833, do novo código, representaria menor proteção ao executado e ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, contudo, o posicionamento adotado no presente artigo, sugere que na medida em que é absolutamente possível a penhora sobre o salário do executado, conferindo efetividade ao processo de execução e ao mesmo tempo de inexistência de ofensa à dignidade do executado e de sua família.
Concerne ao tema analisar o instituto da penhora, bem como na penhora do salário, com enfoque nas mudanças que o Novo Código de Processo Civil proporcionou ao credor e também ao devedor, expondo a importância da penhora ser efetivada com o empregando do princípio da proporcionalidade, onde seja ponderado tanto o direto alimentar do devedor, quanto do credor.
Com o advento da Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 que instituiu o Novo Código de Processo Civil no ordenamento jurídico brasileiro, trouxe com ela mudanças significativas no instituto da penhora e estabeleceu em seu artigo 833 quais os bens são impenhoráveis e suas exceções, pois antes de analisar a penhora salarial é preciso entender de onde veio surgiu sua derivação.
De acordo com a doutrina, a penhora se caracteriza pela constrição judicial de bens, em geral, dados pelo devedor em garantia de execução de dívida não paga, para que a obrigação seja satisfeita. Trata-se de um ato de expropriação forçada pela quantia certa devida, superando a resistência do devedor com a finalidade de tornar real o direito adquirido pelo credor. Para conceituar melhor, de acordo com Theodoro Junior:
A penhora é um ato de afetação porque sua imediata consequência, de ordem prática e jurídica, é sujeitar os bens por ela alcançados aos fins da execução, colocando-os à disposição do órgão judicial para, “à custa e mediante sacrifício desses bens, realizar o objetivo da execução”, que é a função pública de “dar satisfação ao credor” (JUNIOR, 2.014, pág. 291).
Ou seja, conforme se extrai da doutrina, podemos dizer então que a penhora é um ato praticado pelo Estado com a intenção de utilizar o patrimônio penhorado do executado para transferi-lo involuntariamente ao credor, sendo esse bem do devedor o objeto de satisfação da execução.
Tratando-se de sua natureza jurídica, é certo que a penhora é uma ato de natureza executiva e sua finalidade é individualizar o patrimônio do devedor para satisfazer o crédito, entretanto o mesmo não perde a posse do bem de imediato, certo de que ainda integra o patrimônio do devedor, o bem penhorado fica impossibilitado de alienação e sujeito a expropriação no processo de execução.
No caso do tema em questão, a penhora salarial teve suas alterações com o Novo Código de Processo Civil, que em sua redação dispôs sobre a possibilidade da penhora do salário, observando os devidos princípios processuais, visto que no Código de Processo Civil de 1973, artigo 649, IV, o salário em suas várias espécies eram absolutamente impenhoráveis, trazendo em seu paragrafo segundo a exceção somente para a penhora de obrigações alimentícias.
Nesse passo, conceitua-se que o salário decorre do vínculo empregatício, oriundo do contrato de trabalho, visto que esse é o entendimento por maior parte da doutrina, apesar de divergirem sobre a diferença entre salário e remuneração, no direito brasileiro, o jurista Amauri Mascaro Nascimento (2005, p. 793) tem o entendimento de que: “Salário é a totalidade das percepções econômicas dos trabalhadores, qualquer que seja a forma ou meio de pagamento, quer retribuam o trabalho efetivo, os períodos de interrupção do contrato e os descansos computáveis na jornada de trabalho.”.
Ou seja, podemos dizer que salário é o pagamento feito pelo empregador, e para entender do que se trata a remuneração, o artigo 457 da CLT – Consolidação das leis do Trabalho traz a seguinte redação:
Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.
§ 1º Integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017).
Trata-se portanto da remuneração como o englobamento de todas as formas de pagamento que se recebe pela prestação de serviço, seja pago pelo próprio empregador, ou por terceiros. O artigo 833, IV, do Novo Código de Processo Civil elenca taxativamente as formas de pagamentos, incluindo as mais diversas nomenclaturas, com a finalidade de alcançar com maior precisão as formas de proveitos pessoais recebidos em virtude do trabalho.
A possibilidade da penhora salarial decorre do fato de o devedor ter um salário, este que é uma espécie de gênero da remuneração, e independente da terminologia, o salário se destina para sustento e manutenção da própria família, que por este argumento, tem sua natureza jurídica como alimentícia, motivo pelo qual tem proteções nos princípios do ordenamento jurídico brasileiro e garantidas em lei, como a impenhorabilidade.
Como já citada antes, no antigo Código de Processo Civil, Lei n.º 5.869/1973, a impenhorabilidade estava contemplada, notadamente, em seu artigo 649, que assim estabelecia como “absolutamente” impenhoráveis:
Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:
IV - os vencimentos dos magistrados, dos professores e dos funcionários públicos, o soldo e os salários, salvo para pagamento de prestação alimentícia;
§ 2o O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia. (grifo nosso).
Como se vê, o antigo parágrafo 2º do artigo 649 relativizava a impenhorabilidade apenas no que se referia ao débito alimentar, caso em que a remuneração poderia ser penhorada sem previsão de limite. É certo que parcela da doutrina já defendia esta tese: que deveria ser possível a penhora de parte da remuneração do executado em se tratando de execução não alimentar, reservando parcela indispensável à sua sobrevivência.
O novo Código de Processo Civil, que passou a vigorar em 18 de março de 2016, trazendo novidades em nosso sistema processual, dentre as quais, podemos destacar a que se encontra no Livro II - Do Processo de Execução, que, em seu artigo 833, parágrafo 2º, elencou a possibilidade de penhora sobre o salário, em se tratando de execução de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como das importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais. Vejamos:
Art. 833. São impenhoráveis:
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;
X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
§ 2o O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § (grifo nosso).
A mudança significativa encontra-se prevista no parágrafo 2º, como se vê, contempla duas exceções à impenhorabilidade. Ainda que, em regra, sejam impenhoráveis os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal (IV), assim como a quantia depositada em caderneta de poupança até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos (X), agora, pelo disposto no parágrafo 2º, serão penhoráveis para:
(i) Pagamento de prestação alimentícia (repetição do CPC73), de qualquer origem – seja de alimentos decorrentes de direito de família, seja decorrente de ato ilícito (novidade quanto ao ato ilícito) e qualquer que seja o montante do débito alimentar;
(ii) E para outras prestações, quando a origem da dívida não for alimentar, também podem ser penhorados os valores superiores a 50 salários mínimos mensais (novidade).
Como bem exposto pelo jurista Elpídio Donizetti (2016, p.1150-1151), em regra, todo e qualquer numerário recebido em decorrência da relação de trabalho é impenhorável; admitindo, excepcionalmente, nos termos do parágrafo 2º, do artigo 833, que poderão, sim, ser penhorados quando tratar-se de prestação alimentícia, pouco importando se decorrente da relação de parentesco ou de ato ilícito; a outra exceção é a possibilidade de penhora sobre as verbas superiores a 50 salários mínimos, qualquer que seja a natureza da obrigação, admitindo-se a penhora do que exceder a este limite.
Visto que o salário, diante de sua natureza alimentar, confere proteção no ordenamento jurídico brasileiro, como já discutido, vale ressaltar que há quem sustente a impenhorabilidade absoluta sobre salários e demais vencimentos, prevista no inciso IV, em virtude do seu caráter alimentar, destinado à subsistência do executado e de sua família, assim, as únicas exceções para penhora do salário seriam as previstas no artigo 833, parágrafo 2º do novo código: pagamento de verba de caráter alimentar ou valores superiores a 50 salários mínimos mensais. A penhora fora desses casos representaria “invasão em direitos mínimos da dignidade do executado” (NEVES, 2016, p. 1320).
É esse o entendimento preponderante, especificamente, no Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme segue o teor do julgamento do Agravo de instrumento nº 2226676-11.2016.8.26.0000, pelo relator Nelson Jorge Júnior em 26/01/2017:
IMPENHORABILIDADE – Pretensão de que seja penhorado 20% dos vencimentos mensais da executada – Impossibilidade em virtude do caráter alimentar das verbas – Inteligência do art. 833, inc. IV, do novo Código de Processo Civil: – Impossível a penhora de salários e vencimentos, verbas impenhoráveis, em virtude de seu inequívoco caráter alimentar, como se depreende do art. 833, inc. IV, do novo Código de Processo Civil – Hipótese dos autos que não se enquadra em nenhuma das exceções à impenhorabilidade, conforme previsto no § 2º do citado dispositivo. RECURSO NÃO PROVIDO.
(TJ-SP - AI: 22266761120168260000 SP 2226676-11.2016.8.26.0000, Relator: Nelson Jorge Júnior, Data de Julgamento: 26/01/2017, 13ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/01/2017).
E ainda o julgamento do agravo de instrumento nº 2153696-66.2016.8.26.0000 da 20ª Câmara de Direito Privado, ocorrido em 6/2/2017, tendo sido relator o Desembargador Rabello Pinho:
"EXECUÇÃO – Admissível o reconhecimento da impenhorabilidade prevista no art. 833, X, CPC/2015 (correspondente ao art. 649, X, do CPC/1973), para valores de até 40 salários mínimos, depositados em aplicações financeiras com caráter de investimento, incluindo contas-poupança vinculadas a conta corrente, fundos de investimento e conta corrente, nos termos da interpretação extensiva adotada pelo Eg. STJ - Nos termos da orientação supra, como a quantia alcançada pelo bloqueio, em conta poupança da parte devedora, é inferior a 40 salários mínimos, ela é impenhorável, por força do art. 833, X, CPC/2015 (correspondente ao art. 649, X, do CPC/1973), impondo-se, em consequência, a reforma da r. decisão agravada, para determinar o levantamento do bloqueio on-line efetivado, com restituição do referido valor constrito à agravante - Revogação do efeito suspensivo concedido ao recurso. Recurso provido".
Como se vê, a corrente preponderante no tribunal de justiça de São Paulo é acerca da impenhorabilidade do salário como regra.
Apesar do posicionamento em contrário, entendemos que a impenhorabilidade da verba salarial não pode ser vista como regra absoluta e intangível, deve, pois, ser relativizada, conferindo, assim, maior efetividade ao processo de execução e, ao mesmo tempo, inexistência de ofensa à dignidade da pessoa humana. Para Daniel Amorim Assumpção Neves:
Sempre critiquei, de forma severa, a impenhorabilidade de salários consagrada no art. 649, IV, do CPC/1973, que contrariava a realidade da maioria dos países civilizados, que, além da necessária preocupação com a sobrevivência digna do devedor, não se esquecem de que salários de alto valor podem ser parcialmente penhorados sem sacrifício de sua subsistência digna. A impenhorabilidade absoluta dos salários, portanto, diante de situações em que um percentual de constrição não afetará a sobrevivência digna do devedor, era medida de injustiça e deriva de interpretação equivocada do princípio do patrimônio mínimo. (NEVES, 2.016, pág. 1320).
Considera-se que ficam ressalvados os preceitos dos direitos fundamentais ao devedor, visto que apesar da possibilidade de penhorar seu salário, há respeito a sua dignidade observando cada situação para não permitir que ele fique na miséria sem meios para sua subsistência ou de sua família. Observa-se a partir destas afirmações que há um equilíbrio na relação entre credor e devedor, diante do credor ter direito a ter seu crédito satisfeito e do devedor ter sua dignidade respeitada.
A penhora do salário para pagamento de dívidas de natureza alimentar são possíveis pela redação do art. 833, §2º, do Novo Código de Processo Civil e justificáveis diante de seu caráter alimentar servir para resguardar a subsistência do credor dos alimentos, cuja origem pode ser:
(i) Do vínculo familiar, seja ele entre pais, avos, filhos e etc. como transcrito no artigo 1.696 do Código Civil: O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. Ou seja, este dispositivo traz em seu texto que os parentes em linha reta são reciprocamente obrigados a prestar alimentos;
(ii) Da dissolução do casamento ou união estável; os alimentos são prestados entre os ex-cônjuges devido a mutua assistência entre eles, conforme traz o texto do artigo 1.566, III, do Código Civil, ao mesmo passo que os alimentos prestados entre os ex-conviventes possuem a mesma regra de prestação alimentar que existe entre os cônjuges;
(iii) Em razão de ato ilícito, pois os alimentos indenizatórios tem por finalidade garantir que o alimentado tenha garantido seus direitos a manutenção de uma vida digna, assim como os alimentos legítimos;
(iv) Do pagamento de dívida de honorários advocatícios, haja vista o reconhecimento de seu caráter alimentar no artigo 85, § 14 do Novo Código de Processo Civil, dispondo que “Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.”.
Mesmo que a legislação determine que o salário seja impenhorável, à exceção no que confere a prestação alimentícia de quaisquer origens e valores, podem ser penhoradas as importâncias previstas no inciso IV e X, do artigo 833 do NCPC que a propósito, é o entendimento preponderante do Superior Tribunal de Justiça desde antes da vigência da Lei n. 13.105, julgar no sentido de que “a impenhorabilidade dos salários não se aplica às hipóteses em que o débito decorre de prestação alimentícia” (REsp 1087137/DF, Rel. Ministro Aldir Passarinho, Quarta Turma, julgado em 19-08-2010, DJe 10-09-2010).
E, agora, para outras prestações, cuja natureza não seja alimentar, o Novo Código inova ao estabelecer a possibilidade de penhora das importâncias que excederem a cinquenta salários mínimos mensais, que faz partes das consideradas as exceções a impenhorabilidade previstas em lei.
Ao passo que a remuneração deixou de ser ‘absolutamente impenhorável’ para ‘impenhorável’, mudança que fez toda diferença para o credor, visto que o Código de Processo Civil de 1973 não autorizava a penhora em caso de verbas de natureza não alimentar, mesmo que o devedor tivesse um salário elevado, a única exceção possível era no caso de dividas alimentícias.
A novidade proporcionou uma flexibilização da norma ao autorizar a penhora dos vencimentos que excedem cinquenta salários mínimos mensais e garantiu ao credor que haja uma maior efetivação do processo executivo, já que antes os rendimentos do devedor eram inalcançáveis para quitar dívidas de natureza não alimentar.
Há com isso, uma necessidade em dosar a porcentagem do salário a ser penhorado, por respeito ao princípio da menor onerosidade ao devedor, presente no Novo Código de Processo Civil, artigo 805: “Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”. Esse princípio tem o preceito de preservar a dignidade do devedor, nos processos de execução onde o credor imoderado em seus atos, busca efetivar a satisfação de seu direito. É preciso que haja ponderação entre as partes, ficando a encargo do Juiz verificar a particularidade de cada caso, de modo que seja menos oneroso ao devedor e sendo da mesma forma, atinja proporcionalmente as necessidades do credor.
É certo refletir que o rendimento mensal passível de ser penhorado seja, muitas vezes inatingível, diante de seu exorbitante valor, frustrando a busca do credor pelo crédito pleiteado.
É certo que a novidade elencada na segunda parte do parágrafo 2º, do NCPC, que permitiu a penhora, independentemente da origem do crédito, em quantias superiores a 50 salários mínimos mensais, está em consonância com algumas das poucas decisões do Superior Tribunal de Justiça de ser possível satisfação do direito de crédito do exequente e da preservação da dignidade da pessoa humana. Eis alguns dos julgados em que o Superior Tribunal de Justiça flexibilizou a regra da impenhorabilidade absoluta do salário:
(a) Em um caso de restituição de imposto de renda, compreendeu-se que, embora o mesmo tenha natureza salarial, deveria se analisar o destino dos valores. E, caso se demonstrasse apenas um reforço financeiro, seria suscetível de penhora; do contrário, se destinado a pagamento das necessidades básicas do devedor, seria impenhorável.(STJ - REsp: 1059781 DF 2008/0111178-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 01/10/2009, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: --> DJe 14/10/2009);
(b) Também os honorários advocatícios, embora tenham natureza alimentar, já foram considerados pelo mesmo órgão como objeto de penhora, quando a verba ultrapassasse o razoável para sustento do executado e de sua família. (STJ - AgRg no AgRg no REsp: 1491289 RS 2014/0277286-0, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 05/03/2015, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/03/2015);
(c) No caso de penhorabilidade do saldo do salário não gasto pelo devedor, no momento em que recebe o salário seguinte, assim, caso o provento se mostre, ao final do período, ou seja, até o recebimento de novo provento de igual natureza, superior ao custo necessário ao sustento do titular e de seus familiares, essa sobra perderia o caráter alimentício, tornando-se penhorável. (STJ - REsp: 1330567 RS 2012/0129214-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 16/05/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/05/2013).
(d) Caso em que houve a relativização da regra de impenhorabilidade com a excepcional admissão de bloqueio de parte razoável do salário do devedor, para a satisfação do crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família. (STJ - EREsp: 1518169 DF 2015/0046046-7, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 03/10/2018, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 27/02/2019).
Desta forma, podemos afirmar que o tema não é pacífico, sendo estes alguns dos exemplos de flexibilização da rigidez legal da impenhorabilidade absoluta do salário.
Diante dos aspectos expostos, é incontestável o avanço que o Novo Código De Processo Civil representou ao reconhecer que o salário não é absolutamente impenhorável. A penhora prevista em seu artigo 833, parágrafo 2º, reforça a possibilidade de penhorabilidade do salário para pagamento dividas de natureza alimentar e inova com a possibilidade de penhora sobre o salário e demais vencimentos - de quantias superiores a 50 salários mínimos mensais para pagamentos de débitos, independentemente da natureza do crédito, flexibilizando a regra legal.
A inovação legal foi ao encontro de algumas das poucas decisões judiciais, conferindo equilíbrio entre o princípio da menor onerosidade ao devedor, efetividade do processo de execução e o da dignidade da pessoa humana.
A possibilidade da penhora do salário foi analisada em comparação com o Código de Processo Civil de 1973 e demonstrada com o douto entendimento da doutrina e jurisprudência brasileira, concluindo por fim, que o código vigente possibilitou a penhorabilidade do salário, que apesar de ter proteções garantidas em Lei, as quais devem ser sustentadas, em razão de sua natureza alimentar, protege a dignidade do devedor, mas sem deixar de observar, proporcionalmente a satisfação do direito do credor que busca o adimplemento das obrigações, sejam elas de natureza alimentar ou não.
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Bacharelanda em Direito pela Universidade Brasil - Fernandópolis/SP.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARQUES, Karine Pereira. A penhorabilidade do salário no novo Código de Processo Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 maio 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52982/a-penhorabilidade-do-salario-no-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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