MURILO BRAZ VIEIRA[1]
(Orientador)
RESUMO: O trabalho descreve uma pesquisa sobre o assédio moral nas relações trabalhistas e o tratamento que a legislação brasileira oferece no âmbito penal contra os atos que afrontam ao princípio da dignidade da pessoa humana, ou seja, atos que abalam a dignidade física e psíquica dos trabalhadores, prejudicando o trabalhador e o ambiente laboral saudável. Será abordado os conceitos de assédio moral e princípios constitucionais. Atitudes que ofendem a moral e psicologicamente o trabalhador serão destaques, de forma a conceituar o perfil do agressor e da vítima, seus reflexos além do ambiente profissional, verificando se há tipificação legal para o “crime de assédio moral no trabalho” e quais as consequências além da indenização na esfera cível. A metodologia aplicada será dedutiva com análise das doutrinas, principais leis e artigos científicos sobre o tema. Terá também como estudo o aspecto histórico do tema e como esse problema é tratado em alguns outros países, e se a efetiva penalização criminal no Brasil viria diminuir os índices de assédio moral no trabalho ou simplesmente continuar sendo um fenômeno complexo de constrangimento e sem amparo efetivo e punição ao agressor.
PALAVRAS-CHAVE: Assédio moral; Constrangimento; Indenização; Legislação penal.
ABSTRACT: The paper describes a research on moral harassment in labor relations and the treatment that Brazilian legislation offers in criminal matters against acts that face the principle of the dignity of the human person, that is, acts that undermine the physical and psychological dignity of workers, harming the worker and the healthy work environment. It will address the concepts of moral harassment and constitutional principles. Attitudes that offend the moral and psychologically the worker will be highlights, in order to conceptualize the profile of the aggressor and the victim, its reflexes beyond the professional environment, verifying if there is legal classification for the "crime of moral harassment at work" and what consequencest besides indemnification in the civil sphere. The applied methodology will be deductive with analysis of the doctrines, main laws and scientific articles on the subject. It will also study the historical aspect of the issue and how this problem is dealt with in some other countries and whether the effective criminal penalty in Brazil would reduce the rates of moral harassment at work or simply continue to be a complex phenomenon of embarrassment and without effective protection and punishment to the aggressor.
KEYWORDS: Criminal legislation; Hembarrassment; Indemnity; Moral Harassment.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. O assédio moral: histórico. 3. Breve relato sobre o assédio moral no trabalho, 4 Conceito de crime; 4.1 A criminalização do assédio moral no Brasil. 5. Considerações finais. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Com fundamento na dignidade da pessoa humana, expresso na Constituição Federal de 1988, artigo 1º, inciso III, como um dos direitos fundamentais, o bem-estar social é destinado a todos pela prevalência dos Direitos Humanos a ela inerente, sem preconceito de raça, sexo, origem, idade ou qualquer outra forma de discriminação.
O cenário de violência no ambiente organizacional emerge o fenômeno do assédio moral, muitas vezes invisível ou encoberto pelas exigências do ambiente laboral.
Faz-se necessário considerar que este fenômeno é consequência de mudanças constantes e um cenário cada vez mais competitivo nas organizações.
O presente estudo versará sobre a necessidade de se ter uma legislação penal específica que trate do assunto assédio moral praticado na relação de trabalho e as consequências penais para o opressor. Também será abordado como esta prática violenta impacta na dignidade, emoções, saúde, trabalho e ética causado pelo psicoterror ou assédio moral no local de trabalho. O estudo também investigará os aspectos doutrinários já pacificados sobre o tema de pesquisa.
Ademais, o presente estudo fundamenta sua importância na magnitude de alcance do tema e na abordagem da falta de previsão legal que tipifique o assédio moral no trabalho como crime uma vez que configura uma violência à integridade psíquica do trabalhador e causa nefastas alterações ao aspecto físico, psíquico e moral, que podem levar o trabalhador à incapacidade, e como consequência o direito à indenização trabalhista e penalização ao assediador.
Diante da globalização e do desenvolvimento capitalista, o qual se busca cada vez mais o lucro dentro das corporações, o tema ora proposto se destaca em grande relevância, haja vista, a necessidade de uma ampla e eficiente reflexão, já que a prática do assédio moral ocorre todos os dias nas mais diversas organizações e hierarquias, podendo ocorrer de forma agressiva e opressiva no ambiente laboral.
Ainda que se revele como fenômeno social na atualidade, a prática do assédio moral à luz do princípio da dignidade da pessoa, fere o ordenamento jurídico pátrio e desrespeita o trabalhador, afetando-o em sua produtividade, rentabilidade e equilíbrio emocional.
Desta feita, este tema polêmico e de expressão, pode manifestar-se de diversos modos, sendo imprescindível uma análise dos sérios impactos e consequências que pode causar à sociedade.
Ante a isso, o presente trabalho irá utilizar como metodologia de pesquisa a dedutiva, a qual por meio de um processo de análise de informações nos remonta a uma conclusão, utilizando-se a dedução para se chegar a um resultado final.
Por fim, as pesquisas realizadas serão bibliográficas, ou seja, baseadas em um material já publicado, por meio de livros, revistas, jornais, teses, documentos, dentre outros. Além disso, também será feita uma pesquisa em leis, e outras fontes, que tratem sobre o assédio moral no trabalho, bem como, a apresentação de análises e dados obtidos em pesquisas.
2. O ASSÉDIO MORAL: HISTÓRICO
Com o advento da globalização e o capitalismo, decorreu também o pensamento de que os homens deveriam trabalhar para alcançar o crescimento pessoal e profissional, prosperidade esta que dependia exclusivamente de suas condutas.
Assim sendo, com a restruturação de classes sociais, as relações de trabalho passaram a ter resultados nocivos, as quais se refletem nas condições de trabalho, em casos extremos, podendo levar à morte ou ao suicídio. Hádassa Ferreira (2014, p.37), ensina em seus estudos que “o assédio moral nas relações de trabalho é um dos problemas mais sérios enfrentados pela sociedade atual”. Alude ainda que ele decorre de um conjunto de fatores, dentre eles a globalização econômica predatória, visando o lucro decorrente da produção, sua organização de trabalho cuja competição é agressiva e ceivada de opressão aos trabalhadores por meio do medo e da ameaça.
Outra questão muito importante sobre o assédio moral, além de sua predisposição nas relações de trabalho, seria a sua origem.
De acordo com Hirigoyen, citado por Melo, Melo e Isaías (2017):
o assédio moral “(…) vem do verbo inglês cuja tradução é maltratar, atacar, perseguir sitiar”, o qual, segundo o autor, recebeu uma concepção na Alemanha e na Itália de mobbing, ou seja, qualquer comportamento abusivo (atitude, gesto, palavra), que tente por ação ou omissão contra a integridade psíquica ou física de uma pessoa, colocando em perigo seu emprego e/ou prejudicando seu capacidade laboral.
Exemplificando por fim, nos EUA (Estados Unidos da América), harassment – assédio – é o termo que define a prática de assédio moral no trabalho enquanto no Japão tais condutas violentas e opressoras são denominadas de ijime, tal como ensina Hirigoyen citado por Melo e Isaías (2017) inserir os indivíduos no grupo e os tornar adaptados, tal como o provérbio japonês “o prego que avança vai encontrar o martelo”. Contemporaneamente, além de assédio moral, surgiu a terminologia bullying, para se referir as pessoas que são tratadas de maneira repressiva, intolerante, violenta.
Decorrente dessa problemática, alguns países tais como a Alemanha, Argentina, Bélgica, Canadá, França, Noruega e Suécia já possuem legislação que tipifica tal conduta e estabelece a punição para o assédio moral. Nos EUA, a punição nos casos de assédio moral e similar a punição dada aos casos de danos morais. Japão, citado acima, não possui até então legislação a respeito do tema.
A Medicina e a Psicologia, foram as primeiras ciências que realizaram pesquisas acerca do tema. A concepção de assédio moral não tinha ligação com as relações de trabalho, nem sequer com as relações humanas. Somente no final do século XX, a sociedade passou a ter mais conhecimento sobre o tema através de estudos feitos pela psicologia, demonstrando como esse tipo de atitude atinge diretamente a saúde do trabalhador.
Lima Filho (2007, p. 154) explica que a criação de leis, para a proteção do trabalhador contra o assédio moral, causou efeitos primeiramente na Europa:
No âmbito europeu a Suécia, a França, a Finlândia e a Holanda foram os primeiros Estados a estabelecerem em seus ordenamentos jurídicos um marco regulador do assédio moral no âmbito das relações laborais. A Bélgica também editou norma a respeito do mobbing (Lei de 11.06.02 - art. 32.3), enquanto na Itália embora não exista ainda uma lei específica de caráter geral sobre o fenômeno, mas apenas uma proposição do Comitê de Trabalho do Senado (Proposição n. 122) ainda não aprovada, na Região do Lácio o assédio moral foi disciplinado. [...] Na Espanha as Leis 51/2003 e 62/2003 tratam assédio discriminatório.
Neste cenário, e com a denotação dessa violência no ambiente de trabalho, tem-se na Suíça a referência da primeira prática de combate ao assédio moral nas relações de emprego por meio de ordenamento jurídico através da Lei de Seguridade e saúde Laboral. Na França a tipificação de crime do assédio moral foi promulgada pela Lei de Modernização Social, reconhecida no seu código penal.
3. BREVE RELATO SOBRE O ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO
Segundo Vólia Bomfim Cassar, o assédio é “o termo utilizado para designar toda conduta que cause constrangimento psicológico ou físico à pessoa” (CASSAR, 2012, p. 912). Enquanto o assédio moral é por ela caracterizado em face de “condutas abusivas praticadas pelo empregador direta ou indiretamente, sob o plano vertical ou horizontal, ao empregado, que afetem seu estado psicológico” (CASSAR, 2012, p. 912).
Sérgio Pinto Martins (2008, p.434), ensina, ainda, que assediar significa “importunar, molestar, aborrecer, incomodar, perseguir com insistência inoportuna. Assédio quer dizer cerco, limitação”. Já o assédio moral, segundo o mesmo autor, consiste em:
uma conduta ilícita, de forma repetitiva, de natureza psicológica, causando ofensa à dignidade, à personalidade e à integridade do trabalhador. Causa humilhação e constrangimento ao trabalhador. Implica guerra de nervos contra o trabalhador, que é perseguido por alguém. (MARTINS, 2008, p.434)
Deste modo, pode-se afirmar que o assédio moral seria toda conduta abusiva e habitual manifestada por comportamentos, gestos, palavras, atos pelos quais podem trazer dano à pessoa (personalidade), colocando-a em perigo. Caracteriza-se por exigências excessivas no ambiente de trabalho, como instruções confusas ao empregado. São exageros de vigilância, isolamento, ócio forçado, ridicularização e humilhações (MARTINS, 2008).
O assédio moral é prática rotineira muitas vezes “imperceptível” aos olhos dos gestores e diretores das organizações, no entanto, demonstram ter forte poder aniquilador à pessoa que recebe a prática constrangedora.
A exposição dos trabalhadores a situações humilhantes é cada vez mais comum nas relações hierárquicas. São condutas negativas e aéticas, desestabilizando o ambiente de trabalho, não sendo um fato isolado, e sim com repetições ao longo do tempo.
Caracteriza-se por ser descendente e/ou paritário, sendo este primeiro o tipo mais comum de assédio moral, o qual se dá de forma vertical, de cima para baixo, ou seja, da chefia para o subordinado e, horizontal, quando ocorre entre colegas de trabalho.
4. CONCEITO DE CRIME
Faz-se de suma relevância tratar que, estando diante de condutadas contrárias a legislação, é fácil achar expressões na legislação penal como crime, contravenção penal e delito. Contudo, tais palavras não possuem o mesmo sentido, visto que, juridicamente, tais vocábulos tem uma amplitude diferente.
Tais diferenças encontram-se dispostas em lei, como pode ser visto no Decreto-Lei 3914/1941, Código Penal, em seu primeiro artigo, que define o crime como uma infração penal a qual a lei comine pena de reclusão ou detenção.
Em cada país existe uma política criminal diversa para uma conduta criminosa, sendo que o crime deve ser visto como um ilícito penal e, desse modo, ser punível, nos termos da lei.
Em determinados países, é comum que as infrações penais sejam divididas em: crimes, contravenções e delitos. Sendo que nestes, de acordo com a doutrina, existe um sistema tripartido para classificar as infrações.
Para a definição tripartida, que tem como alicerce o Código Penal Francês de 1791, que dispunha que os crimes causavam danos aos direitos naturais, os delitos violavam direitos inerentes da vida social e as contravenções afrontavam os regulamentos de polícia (PRADO, 2005).
Já no Brasil, e em outros países, a classificação seguida é a bipartida, sendo que as infrações são divididas em contravenções, crimes e delitos, sendo que estes dois últimos são expressões sinônimas.
No ordenamento jurídico brasileiro, bem como no alemão, italiano e português, que também seguem a linha bipartida, os crimes ou delitos recebem como sanção as penas privativas de liberdade, restritivas de direitos e de multa, e a contravenção é punida com prisão simples e multa (PRADO, 2005).
O enfoque da questão está na gravidade do fato cometido. Em regra, as contravenções seriam aquelas condutas mais brandas, restando os outros na abrangência do crime ou delito.
Por serem considerados crimes anões, as contravenções devem, geralmente, guardar as infrações consideradas de menor grau ofensivo, aquelas que não lesam bens jurídicos não tão importantes como os que o crime lesa (GRECO, 2007).
Quando queremos nos referir indistintamente a qualquer uma dessa figuras, devemos utilizar a expressão infração penal. A infração penal, portanto, como gênero, refere-se à forma abrangente aos crimes/delitos e às contravenções penais como espécies (GRECO, 2007, p. 136).
É importante, ainda, abordar-se sobre a diferença entre ilícito civil e penal. Em tais situações apenas a reprovação ante ao ordenamento jurídico é comum, visto que, o ilícito penal está ligado sempre de um gravame maior, levando em conta que os bens resguardados pela matéria detêm uma relevância maior e são configurados como indispensáveis ao convívio em sociedade.
Expõe Greco (2007, p.139) que:
Também aqui o critério de distinção é político. O que hoje é um ilícito civil amanhã poderá vir a ser um ilícito penal. O legislador, sempre observando os princípios que norteiam o Direito Penal, fará a seleção dos bens que a este interessam mais de perto, deixando a proteção dos demais a cargo dos outros ramos do direito.
Não obstante, o ilícito de cunho penal pode vir a ter como penalidade a privação de liberdade, enquanto que o civil pode ser resolvido, tão somente, com a reparação do dano.
O legislador se absteve de definir o que seria infração penal, deixando a cargo da doutrina tal tarefa. Segundo a doutrina a infração penal pode ter seu conceito sob 3 aspectos: formal, material e analítico.
No que diz respeito a configuração da infração penal, Heleno Fragoso (1976, p.143), expõe que:
O crime é, sem dúvida, fato jurídico. Fato jurídico é designação genérica de todo acontecimento relevante para o direito, provocando o nascimento, a modificação ou extinção de uma relação jurídica. Fatos jurídicos dividem-se em fatos naturais (ou fatos jurídicos em sentido estrito) e fatos voluntários (ou atos jurídicos). Aqueles são fatos da natureza, como o nascimento ou a morte. Estes são condutas voluntárias, que influem sobre relações jurídicas. Os fatos voluntários (ou atos jurídicos) subdividem-se em duas grandes categorias, a dos atos lícitos e a dos atos ilícitos. Os atos lícitos são atos praticados de acordo com o direito e podem ser declarações de vontade dirigidas a produzir efeitos jurídicos (negócios jurídicos) ou ações, positivas ou negativas, que produzem efeitos jurídicos, sem serem dirigidas a produzi-los.
Olhando sob a ótica formal, analisa-se a contradição entre a conduta e a legislação penal, ou seja, toda ação humana que a lei proíbe.
De acordo com tal aspecto, toma-se como crime a prática de fato que viole o disposto pelo legislador. Por esse conceito, a mera adequação do fato praticado com a proibição legal já é suficiente para que o crime seja caracterizado, dispensando uma análise da extensão dos danos causados, nem ao menos se existe um fator justificativo.
Já para o aspecto material, a infração penal seria a conduta que afronte bens jurídicos mais relevantes, que são compreendidos como os que são essenciais para o convívio pacífico em sociedade.
Segundo Capez (2007, p. 113): “[...] Crime pode ser definido como todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade ou paz social.”
Já no entender de Prado (2006, p.235): “O conceito material de crime diz respeito ao conteúdo do ilícito penal – caráter danoso da ação ou seu desvalor social -, quer dizer, o que determinada sociedade, em dado momento histórico, considera que deve ser proibido pela lei penal.”
Desse modo, sob esse enfoque, a definição de crime estaria restrita ao senso de convivência harmônica e nos valores éticos, juntamente com as concepções de altruísmo que embasa a convivência em estado de paz na sociedade.
Na visão de Greco (2007), ainda que muito relevante e imprescindível o bem para a vida em comunidade, se não existir uma norma penal protegendo-o, por mais importante que seja não existirá crime se o autor vier a afrontá-lo, ante ao princípio da legalidade.
Desta feita, apesar de a pessoa ter praticado uma ação de nítida reprovabilidade social, caso não haja definição legal para o fato, estaremos ante a um nada jurídico.
Pela visão analítica se tem uma estratificação da definição de infração penal, visando estudar todos os elementos que compõe uma conduta. Contudo, não se tem a intenção, com o entendimento de estratificação, de levar a ideia de que o delito é fracionado, detendo diversos elementos e que só fica configurado com a exaustão destes. A infração penal permanece sendo um conjunto unitário. A mencionada estratificação é uma forma para se melhor estudar a conduta.
De acordo com Zaffaroni e Pierangeli (2005, p.336), deve-se restar bem nítido quando se afirmar que a definição de delito é estratificado, pois se quer falar que se integra em diversos níveis, porém “isto de nenhuma maneira significa que o estratificado seja o delito: o estratificado é o conceito que do delito obtemos por via da análise”.
Tal estudo da definição de crime ser estratificado está revestida de grande relevância, porque, é essa que vai dar aval para a verificação da existência ou não de um delito.
Na explanação de Prado (2005) o questionamento que aqui reside é metodológico, usa-se a forma analítica, isso é, decomposição sucessiva de um todo em partes, seja material, com o intuito de agrupá-lo em ordem simultânea. Opõe-se a ideia sintética, que avança por tese, antítese e síntese.
No que diz respeito a concepção analítica de crime, vale-se apontar a posição de Machado (1987, p.150):
Não significa que os elementos encontrados na sua definição analítica ocorram sequencialmente, de forma cronologicamente ordenada; em verdade acontecem todos no mesmo momento histórico, no mesmo instante, tal como o instante da junção de duas partículas de hidrogênio com uma de oxigênio produz a molécula da água. Assim sendo, o fato dos elementos constitutivos do crime, serem analisados individualmente, não descaracterizam o ato criminoso que criou, alterou ou produziu efeitos no mundo jurídico (fato crime), mas, unicamente facilitam a tarefa de averiguar a conduta humana criminosa, para uma justa aplicação da reprimenda.
Esclarece ainda o autor:
O conceito analítico do crime vem sofrendo profundo reexame do mundo jurídico-criminal. A mais ou menos pacífica e tradicional composição tripartida (tipicidade, antijuridicidade, culpabilidade) tem trazido inquietações, seja pela estrutura interna desses elementos, com a transposição de fatores de um para outro, seja pela atual tentativa de retorno a uma concepção bipartida.
Ademais uma simples imersão no art. 23, do CP, demonstra com exatidão que determinadas condutas, tecnicamente ilícitas possuem “justificação” que autorizam a sua realização e lhes afastam o caráter delitivo.
Muito embora o conceito analítico de crime seja o mais sensato, consagrado pela doutrina, diverge a mesma quanto ao número de estratos ou elementos que compõe a sua análise.
4.1 A CRIMINALIZAÇÃO DO ASSÉDIO MORAL NO BRASIL
No último dia 12 de março de 2019 a Câmara de Deputados em Brasília aprovou o Projeto de Lei 4742/01 de autoria do ex-deputado Marcos de Jesus – PL/PE que torna crime o assédio moral no trabalho, prevendo uma pena de detenção 1 a 2 anos e multa, aumentada de um terço se a vítima for menor de 18 anos, sem prejuízo da pena se houver violência física, sendo necessário que a vítima represente contra seu ofensor sem a possibilidade de desistência posterior.
O Projeto de Lei aprovado ressalta seu intuito de caráter educativo e moralizador, evitando a banalização da violência nas relações de trabalho. A ementa do PL introduz o artigo 146 – A no Código Penal Brasileiro.
Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940, dispondo sobre o crime de assédio moral no trabalho.
O texto que agora segue para o Senado Federal através do Of. Nº 141/19/SGM-P reitera o conceito de assédio moral no trabalho, em seu artigo 146 - A, como sendo uma prática reiterada de ofensas à dignidade de uma pessoa, causando-lhe dano ou sofrimento físico ou mental, no exercício de emprego, cargo ou função.
A votação foi marcada de divergências e argumentos de que a prática de assédio moral no trabalho é muito ampla, o que causaria na lei espaços para diversas interpretações, no entanto, a deputada e relatora do projeto, Margarete Coelho (PP-PI) disse, em entrevista concedida ao portal de notícias G1 que, para caracterizar o assédio moral, a prática não pode ser esporádica ou um fato isolado, enfatizando ainda:
A conduta não pode se apresentar esporadicamente ou em decorrência de um fato isolado. A dignidade da pessoa deve ser afetada de forma intencional e reiterada, tanto no trabalho como em todas as situações em que haja algum tipo de ascendência inerente ao exercício do emprego, cargo ou função.[2]
Já existiam vários projetos de lei prontos para a criminalização do assédio moral, todos com matéria pronta para entrarem em pauta para votação na Câmara de Deputados em Brasília.
Todas estas proposições estão apensas junto ao 1º PL do ex - deputado federal Marcos de Jesus PL/PE, o qual foi apresentado em 23 de maio de 2001, cujo objetivo seria a introdução do artigo 146-A.
Assédio Moral no Trabalho. Art. 146-A. Desqualificar reiteradamente, por meio de palavras, gestos ou atitudes, a autoestima, a segurança ou a imagem do servidor público ou empregado em razão de vínculo hierárquico funcional ou laboral. Pena: Detenção de 3 (três) meses a um ano e multa.
Outros projetos de lei também buscam a inserção do artigo 146-A no código penal, porém, com redações diferentes, como é o caso dos projetos de lei 3368/2015 de autoria do deputado federal Subtenente Gonzaga – PDT/MG, apresentado em 21 de outubro de 2015.
Art. 146-A. Humilhar, coagir, constranger, desprezar, preterir, subestimar, isolar ou incentivar o isolamento, desrespeitar, subjugar, menosprezar ou ofender a personalidade de servidor público ou empregado, reiteradamente, no exercício da função ou em razão dela, independentemente de posição hierárquica ou funcional, seja ela superior equivalente ou inferior, atingindo-lhe intencionalmente a imagem, a dignidade ou a integridade física ou psíquica.
Pena: detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem, reiteradamente:
I – fomentar, divulgar, propalar, difundir boatos ou rumores ou tecer comentários maliciosos, irônicos, jocosos ou depreciativos; ou
II – desrespeitar limitação individual, decorrente de doença física ou psíquica, atribuindo-lhe atividade incompatível com suas necessidades especiais.
Projeto de lei 5887/2001 do deputado Max Rosenmann – PMDB/PR, apresentado em 11 de dezembro de 2001 também contempla a introdução do artigo 146-A ao código penal de 1940, com a seguinte redação:
Art. 146-A. Constranger, desprezar, humilhar, tratar com desrespeito, desqualificar, depreciar a imagem, atribuir encargos superiores às possibilidades ou alheios à função, cargo, emprego, ou posto, nas relações de trabalho ou serviço público. Pena – detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
Outros projetos de lei articulados também buscam a reserve legal para o crime de assédio moral no trabalho ao longo destes dezesseis anos: PL 7461/2017, PL 5503/2016 e PL 4960/200.
A discussão acerca do tema e seu enfrentamento urge de um fenômeno diante das eventuais deficiências legislativas, haja vista apenas o direito civil e o direito do trabalho tratarem de pedidos de indenização, a qual após reforma trabalhista o dano extrapatrimonial passou a ser tratado exclusivamente pela CLT, ou seja, nas relações de trabalho que envolvam indenização, esta será tratada de forma exclusiva pela CLT, em seus artigos 223-A e seguintes, tratam de pedidos de indenização por assédio moral ou conduta abusiva e reiterada, conceitos já pacificados pela doutrina e jurisprudência.
No âmbito civil temos o ato ilícito com a responsabilidade de indenizar, que viola os dispostos no ordenamento jurídico, como é o caso das espécies de responsabilidade, sendo objetiva ou subjetiva, tendo o ordenamento jurídico Brasileiro adotado com regra geral a responsabilidade subjetiva, que consiste em comprovar a culpa para então ser ressarcido pelo dano sofrido conforme os artigos 186 e 187 do Código Civil:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
A respeito do dever de reparação o artigo 927, do Código Civil, aborda que este deve ser feito independente de culpa:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Na esfera trabalhista, a reparação dos danos morais visa à proteção da dignidade do trabalhador. Possuindo plena aplicabilidade o artigo 223-E da CLT, que afirma ser responsáveis pelo dano extrapatrimonial: “todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão. ”
Essa disposição justifica a responsabilização do empregador por atos causados por seus prepostos aos empregados, atribuindo-lhe a obrigação direta de indenizar.
Atualmente, a jurisprudência e a doutrina são uníssonas em admitir a indenização por dano moral na esfera trabalhista.
A indenização tem o escopo de, por um lado, compensar a vítima pelo dano moral decorrente e, por outro, punir o infrator, que não pode ofender em vão a esfera jurídica alheia. A fixação desse valor realiza-se via critério estimativo, segundo a prudente discricionariedade do magistrado, apurando-se o quantum indenizatório com base nas “possibilidades do lesante” e nas “condições do lesado”.
Como visto, na esfera cível, o assédio moral e suas consequências jurídicas estão definidas na legislação, no entanto, observa-se a necessidade de tipificação do assédio moral como crime, a fim de viabilizar a aplicação da uma punição penal como detenção ou reclusão do autor, sendo a aplicabilidade da lei de forma mais rigorosa e não apenas de caráter pedagógico como já ocorre com o pagamento das indenizações arbitradas pela justiça.
Desse modo, com a criminalização do assédio moral, a vítima irá sentir mais segurança para executar suas atividades em seu ambiente de trabalho, sem correr o risco de ter de se valer das mesmas armas de seu agressor para se defender, como bem pontua Hirigoyen (2012, p.186):
“ninguém ganha no confronto com um perverso. O máximo que se consegue é aprender algo sobre si mesmo. A fim de defender-se, é grande a tentação, para a vítima, de recorrer aos mesmos procedimentos que o agressor. No entanto, quando alguém se encontra na posição de vítima, é por ser o menos perverso dos dois. E não vemos bem como isso poderia ser invertido. Utilizar as mesmas armas que o adversário é totalmente desaconselhado. A lei é, realmente, o único recurso.”
Os precisos contornos da tipificação, entretanto, deverão ser objeto de acurada análise por parte dos legisladores, a fim de que se não perca o objetivo primordial da criminalização, evitando que um importante instrumento legal de contenção do assédio moral se transforme em excessivo e inaplicável dispositivo legal, ao lado de tantos outros que assolam a legislação penal brasileira.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os reflexos de quem sofre humilhação no ambiente de trabalho são significativos e vão desde a queda da autoestima a problemas de saúde.
O assédio moral causa a perda de interesse pelo trabalho e do prazer de trabalhar, desestabilizando emocionalmente e provocando não apenas o agravamento de moléstias já existentes, como também o surgimento de novas doenças.
Além disso, as perdas refletem-se no ambiente de trabalho, atingindo muitas vezes, os demais trabalhadores, com a queda da produtividade e qualidade, a ocorrência de doenças profissionais e acidentes de trabalho, causando, ainda, a rotatividade de trabalhadores e o aumento de ações judiciais pleiteando direitos trabalhistas e indenizações em decorrência do assédio sofrido.
O basta à humilhação depende também de uma informação de qualidade, organização e mobilização dos trabalhadores. Para se conquistar um ambiente de trabalho saudável é uma luta diária, uma vez que necessita de vigilância constante, com intuito de conquistar condições de trabalhos mais dignas, baseadas no mútuo respeito. É inegável também que o assédio moral ocasiona danos à imagem, à honra, à liberdade do trabalhador (art. 5º, V e X, CF), logo, a sua reparação é questão de justiça.
A segurança jurídica a partir da criminalização do assédio moral poderá trazer o elemento prevenção, evitando assim a ocorrência de novos casos, garantindo a proteção mais efetiva contra os abusos e humilhações sofridas pelos empregados e como consequência a conscientização de todos os envolvidos nas relações de trabalho.
O empregado, vítima de assédio moral, deve procurar a Justiça do Trabalho, pleiteando a indenização relativa ao dano moral. Diante disso, conclui-se que o assédio moral no trabalho sendo tipificado como conduta delituosa, trará mais eficiência na proteção ao trabalhador, havendo além da responsabilização na esfera cível, a responsabilização na esfera criminal que levará em consideração todo o transtorno que aflige a vítima, excluindo uma punição de forma genérica e analógica dando ênfase direta a lei específica, punindo criminalmente o assediador com o rigor da lei. Determinando a configuração de um avanço social no instrumento de proteção ao trabalhador no século XXI, o qual já estava sedento de um esforço crescente e um dispositivo legal e aplicável ao caso concreto.
Nesse contexto, o estudo observou ainda que a criminalização do assédio moral no trabalho irá beneficiar toda a sociedade, pois reforçará a conscientização de combate a esta prática nociva nas relações laborais, uma vez que tal ação estará sujeita a punição penal, podendo assim impedir o problema na sua origem, evitando e coibindo as consequências do amedrontamento e desestabilização emocional nas relações de trabalho, efetivando a segurança jurídica de um Estado comprometido com a valorização e evolução do trabalho humano.
6. REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral: 17.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
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[1] Murilo Braz Vieira. Advogado, graduado em Direito pela PUC-Goiás (2004) e Pós-graduado em Direito Público (EPD-SP) e Direito Constitucional (UFG). É Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), Brasil (2015) Professor da Faculdade Serra do Carmo, Brasil
[2] Câmara aprova projeto que torna crime e define assédio moral no Trabalho. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/03/12/camara-aprova-texto-base-de-projeto-que-torna-crime-e-define-assedio-moral.ghtml. Acesso em 28/04/2019.
Acadêmica do 10º período Direito da Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NIETO, Flávia Carolina Cantuária. O tratamento penal do assédio moral no trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jun 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53007/o-tratamento-penal-do-assedio-moral-no-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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