Resumo: Este texto traz uma visão geral sobre as políticas públicas e seu ciclo, abordando especialmente a importância das instituições políticas no processo de elaboração de políticas públicas. No decorrer do estudo, é analisada a importância da instituição Poder Judiciário e sua relação com as políticas públicas, principalmente a partir da Constituição Federal Brasileira de 1988. Além disso, são demonstrados meios formais e informais de interferência desse Poder no processo de elaboração e implementação de políticas públicas, bem como analisado o fenômeno da judicialização da política.
Palavras-chave: Instituições; Políticas Públicas; Poder Judiciário; Política; Judicialização.
Abstract: This text provides an overview of public policies and their cycle, especially addressing the importance of political institutions in the process of public policy making. In the course of the study, it is analyzed the importance of the institution Judiciary and its relation to the public policies, mainly from the Brazilian Federal Constitution of 1988. In addition, they are show formal and informal ways by this institution influences the elaboration and implementation of public policies process, as well it is analyzed the phenomenon of politics judicialization.
Keywords: Institutions; Public policy; Judicial Power; Politics; Judicialization.
As políticas públicas são consideradas um fenômeno complexo que envolve a participação estatal de modo a assegurar a cidadania e o interesse público. Tais políticas, até sua efetiva implementação, percorrem um ciclo cujas etapas são influenciadas pelas instituições políticas.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, que acentuou o caráter social do Estado brasileiro, estudos têm inserido o Poder Judiciário como importante instituição no contexto de formação e aplicação de políticas públicas. A atuação desse Poder em questões envolvendo políticas públicas, seja diante de inconstitucionalidades por comissão ou omissão, tem sido cada vez mais recorrente, especialmente porque a própria Carta Magna encarregou o Poder Judiciário de apreciar quaisquer lesões ou ameaças a direito, estabelecendo em seu bojo o princípio da inafastabilidade da jurisdição.
Neste estudo, é apresentada uma visão geral sobre a importância das instituições políticas. Ademais, é analisada a relação do Poder Judiciário com as políticas públicas, em especial como esse Poder pode influenciar no ciclo de políticas públicas, além da questão da judicialização da política no Brasil, tema recorrente nos dias de hoje.
2. POLÍTICAS PÚBLICAS E INSTITUIÇÕES POLÍTICAS
As políticas públicas são consideradas um fenômeno complexo que consiste em “inúmeras decisões tomadas por muitos indivíduos e organizações no interior do próprio governo e que essas decisões são influenciadas por outros atores que operam interna e externamente no Estado.” (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 12) Tais políticas envolvem a participação do Estado de modo a assegurar a cidadania e o interesse público.
Para que as políticas públicas deixem o plano da teoria, há um procedimento a ser seguido, ou seja, para que uma política pública que foi pensada se torne realidade, há um ciclo a ser seguido. O ciclo de políticas públicas, geralmente, comporta as seguintes etapas: 1) identificação de um problema; 2) a formação da agenda; 3) a formulação das alternativas; 4) a tomada de decisão; 5) a implementação da política pública; e, 6) o monitoramento e a avaliação da política implementada. (HAYASHI, 2017, p.1) De maneira resumida, o ciclo envolve:
(...) a montagem da agenda se refere ao processo pelo qual os problemas chegam à atenção dos governos; a formulação da política diz respeito ao modo como as propostas são formuladas no âmbito governamental; a tomada de decisão é o processo pelo qual os governos adotam um curso de ação ou não; a implementação da política se relaciona ao modo pelo qual os governos dão curso efetivo a uma política; e a avaliação da política se refere aos processos pelos quais tanto os atores estatais como os societários monitoram os resultados das políticas, podendo resultar daí em uma reconceituação dos problemas e das soluções político-administrativas. (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 14-15)
Os elaboradores de políticas públicas (policymakers) examinam um conjunto de problemas encarados como relevantes, seja por conta de sua visão pessoal, seja em virtude da repercussão de determinada demanda e levam o tema à agenda política para uma posterior tomada de decisão a respeito de sua implementação. (RAEDER, 2014, p. 127-137) As políticas públicas são elaboradas pelos Poderes Executivo e Legislativo, seja em conjunto ou separadamente, levando-se em conta as demandas da sociedade em suas diversas áreas.
É nesse contexto de elaboração e implementação de políticas públicas que importam as chamadas instituições políticas. Isso porque as decisões políticas são capazes de regular as escolhas coletivas, sendo essas instituições meios de orientar o funcionamento da política. As instituições são organizações ou mecanismos sociais que orientam o funcionamento e organização da sociedade, podendo criar pré-disposições nos indivíduos de modo a orientar suas ações. (PERES, 2008, p. 53-54) São capazes de influenciar de modo decisivo as relações humanas, “sejam elas políticas, administrativas, sociais ou econômicas, condicionando as opções estratégicas dos indivíduos e das organizações, definindo os recursos passíveis de mobilização e impactando os resultados alcançados.” (NATALINO, 2016, p. 94)
Nesse cenário, pesquisas sobre a relevância das instituições, como a do economista Douglass North, vencedor do Prêmio Nobel de 1993 ao lado de Robert Fogel, são referências para os estudos da economia de longo prazo, tendo sido demonstrado que a evolução histórica de uma sociedade é condicionada pela formação e evolução de suas instituições. Na visão desse estudioso, as evoluções institucionais são mais relevantes para o desenvolvimento econômico do que as inovações tecnológicas. O autor, contudo, ao tratar das instituições, reduz seu conceito à aplicação específica no campo da economia, sendo que as instituições também possuem um papel construtivo na interação dos indivíduos. Assim, é preciso também considerar a existência de uma divisão no conceito de instituições, pois existem as instituições formais e as instituições informais. As primeiras se referem às leis e às constituições formalizadas e escritas, que geralmente são impostas por um governo, já as segundas, englobam as normas ou códigos de conduta, que normalmente são formados pela própria sociedade. (GALA, 2003, p. 89-101)
Para Douglass North (1990, p. 4), as instituições formais são as regras e normas de comportamento concebidas pelo homem e a maneira pela qual são sustentadas, garantidas e feitas cumprir. Tais instituições envolvem restrições informais (sanções, tabus, costumes, tradições, códigos de conduta) e normas formais (constituições, leis, direitos de propriedade) que ditam as regras do jogo chamado interação humana. Para esse autor, as instituições importam na medida que reduzem a incerteza, aumentam a previsibilidade e geram, como consequência, redução nos custos de transações.
Como se pode observar, as instituições formais definem os padrões de relacionamento, fixando-os em regulamentos e leis, ou seja, tais instituições estão regulamentadas do ponto de vista jurídico. Um exemplo é a Constituição do Brasil, que em seu bojo estabelece uma série de normas e princípios que regulamentam funcionamento e o comportamento estatal, bem como social, de forma legítima. Já as instituições informais são organizações ou mecanismos considerados naturais pelo grupo ou pela sociedade, e se referem a relações não convencionais, geralmente baseadas no poder carismático ou tradicional, enquanto as instituições formais são pautadas no poder racional-legal. (WITT, 1969, p. 203-205)
No decorrer dos anos, foram realizados vários estudos sobre as instituições políticas com a finalidade de entender sua influência. As principais correntes dessa temática são: a) o institucionalismo (também chamado de antigo institucionalismo), cuja visão é das instituições como algo legal, estático e vinculado às normas; b) o comportamentalismo ou behaviorismo que baseia o estudo político no comportamento humano; e, c) o neo-institucionalismo, o qual retoma algumas características do institucionalismo, sem desprezar os avanços comportamentais. (PERES, 2008, P. 54-58)
Desses modelos, o neo-institucionalismo destaca a importância vital das instituições no processo de tomada de decisão, formulação e implementação de políticas públicas. Nesse ponto, a doutrina tece importantes comentários sobre a influência das instituições sobre as políticas públicas:
Como as instituições influenciam os resultados das políticas públicas e qual a importância das variáveis institucionais para explicar resultados de políticas públicas? A resposta está na presunção de que as instituições tornam o curso de certas políticas mais fáceis do que outras. Ademais, as instituições e suas regras redefinem as alternativas políticas e mudam a posição relativa dos atores. Em geral, instituições são associadas a inércia, mas muita política pública é formulada e implementada. Assim, o que a teoria neo-institucionalista nos ilumina é no entendimento de que não são só os indivíduos ou grupos que têm força relevante influenciam as políticas públicas, mas também as regras formais e informais que regem as instituições. (SOUZA, 2013, p. 39)
Como demonstrado, as instituições políticas estruturam as ações coletivas, orientando o funcionamento da política. As grandes questões no contexto das instituições se referem a: a) como as instituições são capazes de influenciar o comportamento dos atores políticos (são todos que atuam nas políticas públicas, a exemplo de legisladores, eleitores, partidos, dentre outros); b) como afetam as decisões políticas e a performance dos governos; e, c) como são capazes de interferir na estabilidade da democracia. Desse modo, pode-se entender as instituições políticas como envolvendo não somente os partidos, o sistema eleitoral e o sistema partidário, mas, também, como englobando as relações existentes entre o governo e os Poderes, seja o Executivo, Legislativo ou o Judiciário, bem como as relações existentes entre o governo e a oposição, dentre outras. (TSEBELIS, 2009, p. 15- 17)
No Brasil, o estudo das instituições políticas, na ótica das instituições formais, que são fundamentais nos regimes democráticos, abrange dentre outros, o Poder Judiciário. Nos últimos anos, principalmente após a Constituição Federal Brasileira de 1988, o estudo da relação do Poder Judiciário com as políticas públicas tem sido mais recorrente, principalmente diante da capacidade do Judiciário de influenciar na elaboração e implementação das políticas públicas. (TAYLOR, 2007, p. 243) Ademais, também tem sido alvo de discussão nessa seara a questão da judicialização das políticas públicas no Brasil. (CARVALHO, 2004, p. 115) Trataremos a seguir sobre essas questões.
3. A RELAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO COM AS POLÍTICAS PÚBLICAS
Como já mencionado, as instituições políticas importam no contexto de elaboração e implementação das políticas públicas, uma vez que são capazes de regular as escolhas coletivas, orientando as ações dos indivíduos e impactando nos resultados alcançados. (NATALINO, 2016, p. 93-94) Nessa toada, o Poder Judiciário brasileiro possui impacto significativo na formulação das políticas públicas, sendo seu papel considerado, para alguns autores, como nebuloso nas arenas políticas. Diante disso, existe uma “crescente onda de importantes estudos que trata do Judiciário e da judicialização da política no Brasil, analisando como e sob que condições os tribunais influenciam as decisões tomadas no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo.” (TAYLOR, 2007, p. 229)
Com o advento da Constituição Federal de 1988 (CF/1988), o Brasil “rompeu com o modelo de Estado liberal e caminhou para o Estado social.” (GOMES, 2013, p.1) Com isso, a República Federativa Brasileira constitui Estado Democrático de Direito, com Poderes independentes e harmônicos entre si (Legislativo, Executivo e o Judiciário), tendo como objetivos fundamentais: a) a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; b) a garantia do desenvolvimento nacional; c) a erradicação da pobreza e a marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais; e, d) a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL, 1988, p.1)
Nesse contexto, o Poder Judiciário tem como encargo dar eficácia aos direitos fundamentais previstos na CF/1988:
Após muitos anos, o Poder Judiciário começa a traçar seu caminho nessa República que anteriormente ao ano de 1988 era comandada somente pelo Executivo com seus governos déspotas e ditaduras que duraram dezenas de anos, para não dizer séculos. O Judiciário acorda no meio de um pesadelo que é fazer com que o Executivo e o Legislativo entendam que o Judiciário faz parte da República e foi criado e mantido na CR/88 para dar eficácia aos direitos fundamentais previstos nessa Constituição e não constituem meras promessas de constituintes eufóricos por uma mudança, mas sim uma mudança promovida pela sociedade brasileira cansada dos desmandos, corrupções e desvios de dinheiro dos representantes do povo. Assim, o Judiciário foi erigido como uma garantia de que a sociedade não ficaria órfão caso os Executivo e o Legislativo não cumpram com os ditames constitucionais. É nesse cosmos que temos de dar respostas como o Judiciário, por exemplo, fará valer os direitos fundamentais relativos à educação, saúde, meio ambiente, acesso à Justiça, etc. As chamadas políticas públicas, que outrora ficam adstritas às diretrizes traçadas pelo Executivo e com tímidas incursões por parte do Legislativo, são hoje objeto de apreciação via ações individuais e coletivas na Justiça. (GOMES, 2013, p. 1)
O Judiciário, em consonância com a democracia e sem violar a separação dos Poderes, atua anulando atos lesivos à Constituição, em especial aqueles que atentam contra os direitos fundamentais. Essa é, portanto, “fonte de legitimidade da atuação jurisdicional para o controle de políticas públicas implementadoras de direitos fundamentais.” (SILVA, 2012, p. 61)
A própria Constituição encarregou o Poder Judiciário de apreciar as lesões ou ameaças a direito, estabelecendo o princípio da inafastabilidade da jurisdição em seu bojo, no artigo 5º, inciso XXXV. (BRASIL, 1988, p. 1) Desse modo, para Emílio Borges e Silva (2012, p. 61), a “interpretação adequada do dispositivo leva à conclusão de que não somente lei, mas também atos, inclusive omissivos, do Poder Legislativo e Executivo não podem ficar sem controle.”
Em regra, as políticas públicas são elaboradas e também executadas pelo Poder Executivo. No entanto, os outros Poderes, ao se depararem com situação alarmantes, podem substituir o Poder inerte visando o interesse público, pois há situações em que o Executivo, por exemplo, embora tenha sido provocado, permanece inerte diante da necessidade de determinada política pública, cabendo aos outros Poderes prezar pela efetividade dos direitos fundamentais e pela realização de tais políticas. (RODRIGUES, 2017, p.1) Isso porque a inconstitucionalidade, em matéria de políticas públicas, pode ser comissiva ou omissiva. No caso de omissiva, por exemplo, caberia ao “Judiciário determinar a elaboração do plano diretor, ‘instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana’, para os municípios com mais de 20 mil habitantes que ainda não tivessem cumprido a exigência do art. 182, § 1º.” (RIBAS; SOUZA FILHO, 2014, p. 40-41)
3.1. A interferência do Poder Judiciário por meios formais e informais
Geralmente, o Poder Judiciário somente atua nas políticas públicas após a aprovação dessas pelo Poder Legislativo. No entanto, esse timing de intervenção do Judiciário nas políticas públicas pode se dar bem antes da elaboração de tais políticas. Um exemplo é quando o Judiciário utiliza poderes informais, como as opiniões públicas de juízes ou ministros, sinalizando suas preferências ou quando acontecem reuniões entre o Executivo e o Judiciário para discussão de políticas públicas bem antes de sua formulação. Ademais, o Poder Judiciário pode influenciar no momento de elaboração e implementação das políticas públicas, também, através de seus poderes formais, como a concessão de liminares (por exemplo, antecipando a implementação de políticas públicas) ou quando os ministros solicitam vistas de processos (que acabam postergando a implementação de políticas públicas). Outra possibilidade é por meio do arquivamento de ações por motivos processuais, evitando o julgamento de mérito da demanda. (TAYLOR, 2007, p. 240-242)
Para Castro (1997, p. 149-150), as formas da ação política do Judiciário brasileiro, ou seja, da interação desse Poder com o sistema político, se dá de duas maneiras: 1) no plano das ações políticas, também chamadas ações não jurisdicionais; e, 2) no plano das ações jurisdicionais. A primeira diz respeito ao exercício informal (ou institucionalmente marginal) do Poder Judiciário, como os pronunciamentos de juízes (discursos de posse, declarações à imprensa), os quais são frequentemente complementares às ações jurisdicionais. Já a segunda maneira decorre do exercício da autoridade judicial, de pronunciamentos oficiais dos magistrados no exercício de sua autoridade judicial (por exemplo: despachos, sentenças, decisões liminares).
Como se pode observar, a intervenção do Judiciário poderá se dar antes, durante ou após a elaboração das políticas públicas:
Em suma, o Judiciário pode influenciar os resultados das políticas públicas tanto no momento da deliberação quanto na hora da implementação com uma variedade de possíveis estratégias: sinalizando as fronteiras permitidas para a alteração da política pública, sustentando-a e legitimando-a diante da possível oposição, atrasando uma decisão sobre uma determinada política e, assim, controlando a agenda de deliberação da política pública ou, até mesmo, alterando ou rejeitando a proposta após sua implementação. (TAYLOR, 2007, p. 243)
Não resta dúvidas de que a relação do Judiciário com o sistema político interfere na opinião pública. É certo que, na teoria, o juiz não se desvincula da lei, sejam quais forem as suas opiniões pessoais. No entanto, na prática, tanto juízes quanto políticos emitem pareceres e avaliações na mídia, por exemplo, ao conceder entrevistas, firmando suas posições que são, às vezes, “antagônicas sobre gastos excessivos atribuídos ao Judiciário e ‘privilégios’ de parlamentares, políticas governamentais, decisões judiciais, princípios como o das ‘cláusulas pétreas’, ‘separação e independência dos poderes’ ou sobre reforma institucional.” (CASTRO, 1997, p.150)
A motivação dos magistrados na resolução de disputas a respeito de políticas públicas tem sido analisada pela literatura internacional de Ciência Política sob a ótica de três correntes: a atitudinal, a estratégica e a institucional. No Brasil, apenas a corrente institucional parece ter vingado, conforme disposição a seguir:
A corrente atitudinal é de difícil aplicação devido à complexidade de se estudar as atitudes dos juízes ou ministros em um sistema multipartidário em que as dimensões da disputa política dificilmente podem ser analisadas em um espectro binário. A corrente estratégica refere-se à tentativa dos tribunais de conquistar e de manter seu poder diante da força dos poderes eleitos. Essa corrente já foi amplamente aplicada aos casos mexicano (ver Finkel, 2007) e argentino (ver Helmke, 2002), por exemplo, suscitando a dúvida de por que não teve a mesma popularidade entre os estudiosos do Judiciário brasileiro. Em parte, a resposta se dá pela inversão do caminho comum no caso brasileiro: em vez de ter tido que conquistar seu poder, os tribunais receberam uma abundância de poderes na Constituição e somente depois tiveram que decidir como melhor os utilizar sem provocar reações dos poderes eleitos. Com isso não pretendo afirmar que as motivações estratégicas ou atitudinais inexistam no caso brasileiro ou que essas abordagens não deveriam ser aplicadas a ele, mas simplesmente enfatizar que a abordagem institucionalista parece ter sido a mais útil e produtiva nesse primeiro momento dos estudos do Judiciário pós-1988 por uma série de motivos tanto metodológicos quanto conjunturais. (TAYLOR, 2007, p. 244)
A capacidade do Poder Judiciário “ser mais presente na vida política está diretamente ligada ao grau de importância que a população deposita nas instituições democráticas, ou, mais precisamente, a credibilidade que essa instituição (Poder Judiciário) tem perante o público.” (SCHWARTZ, 1966, apud CARVALHO, 2004, p. 123) O fato é que tanto os métodos formais, quanto os informais utilizados por esse Poder são capazes intervir no ciclo de políticas públicas, seja acelerando, retardando ou decidindo aspectos a elas inerentes.
3.2. A judicialização da política
A relação do Judiciário com as políticas públicas vai além dos meios formais e informais de interferência desse Poder no processo de elaboração e implementação de políticas públicas. Atualmente, o Brasil passa por um processo de judicialização da política que se refere à “reação do Judiciário frente à provocação de um terceiro e tem por finalidade revisar a decisão de um poder político tomando como base a Constituição.” (VALLINDER; TATE, 1995, apud CARVALHO, 2004, p. 115) Para alguns, ao realizar essa revisão, o Poder Judiciário estaria, de certa forma, majorando seu poder em detrimento dos demais Poderes.
A judicialização da política é um fenômeno crescente, sendo hoje recorrente nos tribunais. Cada vez mais, o Judiciário vem sendo provocado para decidir questões políticas, “que não exigem somente o uso de sua competência habitual, mas também uma compreensão abrangente relativa à política estatal e à definição de limites e parâmetros para a atuação governamental.” (MACIEL, 2012, p. 118) O controle de políticas públicas deve ser feito nos moldes constitucionais, ou seja, “o Judiciário está legitimado a fazer cumprir a Constituição, seja determinando medidas ao Executivo, seja inibindo ações inconstitucionais deste.” (RIBAS; SOUZA FILHO, 2014, p. 39)
O debate sobre a judicialização da política pode ser expresso de duas maneiras: a) a normativa; e, b) a analítica. A primeira diz respeito à supremacia da Carta Magna em relação as decisões parlamentares majoritárias. Já a segunda está preocupada “com o ambiente político e institucional, com as ‘polias e engrenagens’ do processo político em questão. Portanto, está preocupada em como definir, medir e avaliar o processo de judicialização da política.” (CARVALHO, 2004, p.116) Essa segunda abordagem é a que tem sido mais estudada pela doutrina, pois o viés normativo é indiscutível, uma vez que a Constituição está no topo do ordenamento jurídico, não podendo ser contrariada sob pena de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo que lhe seja contrário.
Segundo Ernani Rodrigues Carvalho (2004, p. 117-120), a situação do Brasil é favorável a esse processo de judicialização da política, uma vez que possui as condições propícias para esse fenômeno, como por exemplo: a) ser uma democracia; b) ter como princípio constitucional a separação de poderes; c) pela existência de direitos políticos formalmente reconhecidos pela Constituição; d) a utilização dos tribunais pelos grupos de interesse, ajuizando, por exemplo, Ações Diretas de Inconstitucionalidade; e) o uso dos tribunais pela oposição; e; f) inefetividade das instituições majoritárias. No caso brasileiro, quase todas essas condições políticas estão presentes, embora não ocorram simultaneamente.
Constitucionalmente, compete ao Supremo Tribunal Federal (STF), processar e julgar, originariamente “a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”, nos termos do artigo 102, I, “a” da CF/88. (BRASIL, 1988, p.1) O rol de legitimados para propositura de ações diretas de inconstitucionalidade está disposto no art. 103 da CF/88. Nesse contexto, como constitucionalmente legitimados, a oposição e os grupos de interesse têm se utilizado desse meio constitucional para questionar conflitos políticos, desvirtuando o instituto. Dados estatísticos disponíveis no site STF, bem como estudos de Carvalho (2004, p.118-120), demonstram significativo aumento no quantitativo desse tipo de ação, como instrumentos de defesa dos interesses dos grupos citados.[1]
Por fim, é importante traçar uma distinção entre judicialização da política e o chamado ativismo judicial. Embora o ativismo judicial não seja foco deste estudo, tem sido um conceito recorrente na dinâmica do Poder Judiciário, cabendo aqui apenas apresentar a distinção doutrinária desses conceitos, conforme a seguir:
O ativismo, embora semelhante à judicialização, dela difere porque se relaciona com o comportamento e com a postura do Magistrado, da forma como atua perante os casos que lhe são postos à apreciação. Ou seja, o ativismo reflete-se como uma forma de atuação, como “uma atitude, uma escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição”, seja anulando atos legislativos, seja no controle de constitucionalidade. Tal característica pode até mesmo ser de toda a Corte julgadora, mas, em princípio, é o reflexo da atitude de cada juiz. A judicialização, de outro modo, é um fenômeno político-social, um processo por meio do qual assuntos que não são da esfera do Poder Judiciário sejam levados a ele para serem decididos. Portanto, a judicialização e o ativismo não se confundem. Enquanto este é uma postura, uma forma de agir de cada Magistrado no momento de proferir sua decisão, aquela é um fenômeno, uma realidade dos atos na sociedade. (MACIEL, 2012, p. 115)
Pelo exposto, com a expansão do Judiciário e a judicialização da política, “o governo, além de negociar seu plano político com o parlamento, tem que se preocupar em não infringir a Constituição.” (CARVALHO, 2004, p.115) O Poder Judiciário brasileiro quase sempre foi coadjuvante, por ser teoricamente considerado neutro na seara política e apesar do maior protagonismo que recebeu com o advento do Estado social, terá que continuar lidando com o desafio de adaptar sua “estrutura organizacional, seus critérios de interpretação e sua jurisprudência às situações inéditas nas relações sociais, fruto do desenvolvimento urbano-industrial que fez surgir uma sociedade marcada por profundas contradições econômicas”, dando respostas efetivas à sociedade e buscando adequar sua influência no relacionamento com as políticas públicas. (RIBAS; SOUZA FILHO, 2014, p. 37)
4. CONCLUSÃO
O exame das instituições demonstra que essas são relevantes, pois são capazes de regular as escolhas coletivas, orientando o funcionamento da política. No Brasil, as instituições formais, que definem os padrões de relacionamento, fixando-os em regulamentos e leis, abrangem dentre outras, o Poder Judiciário.
Nos últimos anos, especialmente após a Constituição Federal Brasileira de 1988, tem sido mais recorrente o estudo da relação do Poder Judiciário com as políticas públicas, principalmente diante de sua capacidade de intervir no ciclo de políticas públicas. Além disso, a questão da judicialização da política é outro tema de suma importância na atualidade.
Em relação à influência do Poder Judiciário no processo de elaboração de políticas públicas, é fato que vivemos em meio à era da informação, em que a midiatização, a transparência e o acesso à informação são tendências inevitáveis. No entanto, cabe aos membros desse Poder se abster de utilizar mecanismos informais de influência, como tecer comentários na mídia sobre determinada política pública, para manter a lisura e imparcialidade do andamento processual, pois, de fato, o Poder Judiciário tem o condão de acelerar, postergar ou arquivar demandas envolvendo políticas públicas.
No caso da judicialização da política, o grande desafio é lidar com esse fenômeno sem que essa via constitucionalmente legítima seja utilizada como mecanismo para dirimir conflitos políticos. O que se verifica, na prática, é uma multiplicação de Ações Diretas de Inconstitucionalidade, movidas pelos mais diversos legitimados, como mero instrumento de pressão para fazer valer visões políticas contrárias, desvirtuando o instituto. Uma possível alternativa, nesse sentido, seria a revisão do rol de legitimados para a propositura desse tipo de ação, constante no art. 103 da CF/88. Talvez um maior rigor desse dispositivo, com o estabelecimento de percentuais mais acentuados de representatividade para determinadas entidades legitimadas, por exemplo, possa propiciar o uso adequado do Judiciário no controle das políticas públicas e do processo político em geral.
REFERÊNCIAS
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[1] Para informações detalhadas das estatísticas com quantitativo de Ações Diretas de Inconstitucionalidade por legitimados, vide http://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=estatistica.
Advogada inscrita na OAB/PE. Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (PPGD/UFPE), Mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro. Especialista em Gestão Empresarial pela Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro/RJ. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Maceió/AL. Bacharel em Secretariado Executivo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Erika Cordeiro de Albuquerque dos Santos Silva. Instituições e mudança institucional: o Poder Judiciário e as políticas públicas no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jul 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53130/instituicoes-e-mudanca-institucional-o-poder-judiciario-e-as-politicas-publicas-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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