RESUMO: A inviolabilidade domiciliar é um direito fundamental consagrado pelo CF/88, no inciso XI, do artigo 5º. Mesmo que esse direito fundamental esteja presente no rol dos demais direitos fundamentais ali consagrados, existem algumas situações em que esse direito pode não ser absoluto, sobretudo nos casos dos crimes permanentes em que o Supremo Tribunal Federal permite que a força policial entre no domicílio, caso, na ocorrência dos crimes permanentes, haja flagrante delito e fundadas razões, sendo que estas podem ser apresentadas a posteriori. O objetivo geral deste trabalho é verificar se existem exceções para os casos de a força policial adentrar no domicílio de possíveis criminosos, sem consentimento destes e sem autorização judicial, no caso do crime permanente de tráfico de drogas.A metodologia aqui aplicada foi conduzida pelos princípios da pesquisa exploratória por meio de estudo bibliográfico de fontes científicas, como artigos científicos, jurisprudências, livros e sites da Internet. Por meio deste trabalho, pode-se inferir que a ação policial e as provas obtidas serão consideradas legais, caso sejam apresentadas razões devidamente fundamentadas para a invasão de domicílio, sem consentimento do morador e sem autorização judicial, para os casos de flagrante delito no crime permanente de tráfico de drogas.
Palavras-chave:Inviolabilidade domiciliar. Crime permanente. Tráfico de drogas. Flagrante delito.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal promulgada em 1988 estabelece no inciso XI, do artigo 5º, que a casa é abrigo inviolável do homem, sendo que nenhuma pessoa possa nela adentrar sem que haja o consentimento do seu proprietário, exceto nos casos de flagrante delito, desastre ou para prestação de socorro, ou durante o dia, desde que haja autorização judicial. Assim, o direito fundamental de inviolabilidade do domicílio resguarda o âmbito privado e familiar.
Não obstante referido direito ter íntimo vínculo com os demais direitos fundamentais ali consagrados, determinadas circunstâncias em que esse direito pode não ser absoluto, sobretudo nos casos dos crimes permanentes em que o Egrégio Supremo Tribunal Federal permite que a força policial entre no domicílio, caso, na ocorrência dos crimes permanentes, haja flagrante delito e fundadas razões, sendo que estas podem ser apresentadas a posteriori.Nesse sentido, o problema da pesquisa deste trabalho é: “A ação policial pode ser considerada legal, bem como as provas obtidas, na ocorrência de policiais “invadirem” a casa, sem consentimento do seu proprietário e sem autorização judicial, e encontrarem drogas ilícitas?
O tema deste artigo está delimitado à inviolabilidade do domicílio relativo ao crime permanente de tráfico de drogas.
No concernente ao problema de pesquisa aqui levantado, algumas hipóteses podem ser aventadas. A primeira é: sim, a ação policial e as provas obtidas serão consideradas legais, caso sejam apresentadas razões devidamente fundamentadas para a invasão de domicílio, sem consentimento do morador e sem autorização judicial, para os casos de flagrante delito nos crimes permanentes. A segunda hipótese é: não, serão reputadas como ilegais, tanto a ação policial, como as provas obtidas, visto que o domicílio é inviolável, consoante estabelecido na Carta Magna de 1988.
O objetivo geral deste trabalho é verificar se existem exceções para os casos de a força policial adentrar no domicílio de possíveis criminosos, sem consentimento destes e sem autorização judicial, no caso do crime permanente de tráfico de drogas. Para isso, serão abordados os seguintes tópicos: inviolabilidade do domicílio, crime permanente, prisão em flagrante delito, entrada forçada em domicílio e jurisprudências acerca da proteção ao domicílio e necessidade de entrada forçada nos crimes permanentes.
O autor deste estudo considera o tema bastante relevância, tendo em vista que o domicílio possui resguardo pela Constituição Federal brasileira e essa salvaguarda é tão grande que foi consagrada constitucionalmente no rol dos direitos e garantias fundamentais. Nesse contexto, o tema aqui abordado é imensamente relevante, tanto para a sociedade, como para a comunidade acadêmica, para que se debata a ilegalidade ou não da invasão domiciliar pela força policial, no crime de tráfico de drogas.
A metodologia aqui aplicada foi conduzida pelos princípios da pesquisa exploratória por meio de estudo bibliográfico de fontes científicas, como artigos científicos, jurisprudências, livros e sites da Internet. Para a escolha das fontes bibliográficas foram observadas como metodologia de compreensão as fontes que versassem sobre invasão domiciliar (entrada forçada), prisão em flagrante delito e direito constitucional de inviolabilidade do domicílio.
2. DA INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO
No âmbito do processo penal não se dá ao termo domicílio a mesma conotação dada pelo Direito Civil. Naquele, vai além da residência do sujeito ou daquele lugar escolhido por ele para desempenhar suas atividades laborais ou de cunho econômico. Com relação à busca e apreensão, estas devem ser interpretadas segundo estabelecido no artigo 150, § 4° do Código Penal (CP) e do artigo 246 do Código de Processo Penal (CPP).
Segundo Capez (2013), domicílio, no tocante à inviolabilidade, refere-se a qualquer dependência habitada, qualquer local empregado como habitação coletiva ou qualquer dependência não aberta ao público, local onde se desempenha atividade ou profissão. No sentido lato sensu, poderá ser acessível nos períodos diurno ou noturno, e se for neste último, faz-se necessário que o titular do direito consinta na entrada, nas hipóteses de flagrante delito, desastre e ou para prestar socorro, e se for no período diurno, em todos os casos acima citados e mediante determinação judicial. Para a busca domiciliar é imprescindível que tenha mandado toda vez que a autoridade judiciária não a efetuar pessoalmente.
Vale citar ainda que o artigo 5º, inciso XI da Carta Magna/88, determina que a “casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial” (BRASIL, 1988, p. 2). Nesse contexto, mesmo que a busca domiciliar tenha amparo legal cabe atenção para o conceito de domicílio e sua inviolabilidade para que não se arrisque violação do preceito constitucional anteriormente citado por evidências colhidas durante referida busca.
Conforme Lima (2017, p. 725), o consagrado no dispositivo constitucional acima mencionado é, na verdade, uma cláusula de reserva de jurisdição voltada especificamente à problemática da invasão domiciliar:
[...] a possibilidade de invasão domiciliar, durante o dia, está sujeita à cláusula de reserva de jurisdição, segundo a qual por expressa previsão constitucional, compete exclusivamente aos órgãos do Poder Judiciário, com total exclusão de qualquer outro órgão estatal, a prática de determinadas restrições a direitos e garantias individuais, a saber: a) violação ao domicílio durante o dia (CF, art. 5°, inciso XI); b) prisão, salvo o flagrante delito (CF, art. 5°, inciso LXI); c) interceptação telefônica (CF, art. 5°, inciso XII); d) afastamento de sigilo de processos jurisdicionais.
Por considerar a casa como asilo inviolável do indivíduo, a CF/88veta o acesso de qualquer pessoa, a não ser que o morador consinta, ou excepcionalmente, apenas em casos de flagrante delito ou desastre, para prestar socorro ou, durante o dia, por ordem judicial (BRASIL, 1988), representada por mandado de busca e apreensão.
Ao conceituar casa se está limitando a busca, mesmo com ordem judicial? Esta complexa questão, conforme a doutrina orienta busca uma extensa interpretação da expressão quando se tratar de mandado de busca e apreensão, ensina Avena (2017, p. 417):
Para efeitos da busca e apreensão, compreendemos que o alcance dessa expressão deve ser o mais amplo possível, superando-se o conceito de domicílio previsto no Código Civil segundo o qual se considera como tal o local em que a pessoa se estabelece com ânimo definitivo de moradia (art. 70) ou onde exerce a sua profissão (art. 72).
Ainda consoante o autor dando destaque para o disposto no art. 150, § 4º, do CP, e o art. 246 do CPP, para fins de cumprimento de mandado de busca e apreensão (AVENA, 2017). Ou seja, casa é “qualquer compartimento habitado, aposentado ocupado de habitação coletiva ou particular ou qualquer compartimento não aberto ao público no qual exercida profissão ou atividade” (AVENA, 2017, p. 417).
Continua Avena (2017, p. 417) apresentando a hipótese: a gerência de um supermercado, ao contrário das demais áreas, não é lugar aberto ao público, visto que apenas os corredores do mercado são acessíveis a todas as pessoas e a gerência precisa ser abarcada pela inviolabilidade do domicílio, assim, para os casos de busca, existe a necessidade de ordem judicial.
Há situações em que a análise somente pode ser realizada no caso em concreto, considerando as suas peculiaridades. Por exemplo, se tratar-se de um terreno abandonado ou um campo aberto, está franqueada a livre atuação das autoridades para realização da busca e apreensão, mesmo que o terreno seja anexo a casa. Por não haver cercamento ou delimitação não existe a necessidade de ordem judicial segundo Avena (2017).
Prescindíveis de mandado judicial são os veículos, inclusive ônibus, pois tratam-se de bens móveis. Logo não se equiparam a uma residência. Mas, se for caminhão, há mudanças, pois ele se equipara à domicílio se o motorista se encontrar em viagem, “valendo-se da cabine do veículo como domicílio” (AVENA, 2017, p. 418), situação corriqueira e que obriga a busca somente com ordem judicial, exceto se ele for parado em blitz, “que se caracteriza como operação de revista geral em todos os veículos que passam por determinado local, caso em que a revista aos veículos deve ser livremente facultada” (AVENA, 2017, p. 418).
Entretanto, quando se tratar de trailers, cabine de barcos, barracas e afins, os mesmos têm destinação de habitação, mesmo temporariamente. (AVENA, 2017)..
Portanto, a legalidade da busca domiciliar se estabelece quando a autoridade competente por sua expedição, faz a clara discriminação do local em que será cumprido (de forma determinada, ou pelo menos determinável), a identificação da pessoa ou acusado, a finalidade/objeto da diligência, e também que seja observado o horário para o seu cumprimento (entre as 06h00 e 18h00), ou ainda melhor, do nascer ao por do sol, assim como a extensão do conceito de domicílio, para que não ocorra por parte da autoridade policial violação à inviolabilidade domiciliar causando vício de ilegalidade.
3 CRIME PERMANENTE E PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO
3.1 Conceito de crime permanente
Conceituar crime permanente e flagrante está ligado diretamente à realização de buscas domiciliares por policiais sem a existência de mandado judicial.
Busato (2015, p. 148) entende que o crime permanente exige dos doutrinadores e juristas em geral atenção especial, tendo em vista que existe apenas uma atividade que se desenvolve no espaço-tempo e em um dado instante ela cessa. Para o autor, é impossível estabelecer um determinado momento da atividade como momento do crime, tendo em vista que todos eles se equivalem e são genéricos. Entretanto, determinar o instante em que o crime cessa é essencial.
Greco (2017, p. 257-258) ensina que ao buscar esclarecer as especificidades do crime permanente faz referência ao estabelecido no art. 159 do CP, que regulamenta o crime de extorsão mediante sequestro. Segundo o autor, enquanto a vítima estiver “presa”, sem liberdade, achando-se em um cativeiro, por exemplo, outra pessoa poderá adentrar no grupo, colaborando com as outras pessoas e, por essa razão o crime se protrai no tempo. Quer dizer, é delito permanente. Diz ainda que nos crimes permanentes a consumação se prolonga, perpetua-se no tempo.
Para Nucci (2017) essa circunstância está fundamentada no fato de que em cada instante a permanência existe, por ação ou omissão do agente infrator.
Referidas considerações são de extrema relevância, sobretudo para a determinação do flagrante delito, conforme versado no tópico a seguir. O tema flagrante delito será discorrido, em face de a deserção prever esse instituto jurídico.
3.2 Da prisão em flagrante
Rangel (2015) conclui que a prisão em flagrante tem como finalidade basilar preservar o processo de conhecimento, espelhando o caráter de necessidade e de urgência que orienta a prisão cautelar de natureza processual. Mencionado autor afirma ainda que as medidas cautelares precisam de dois requisitos, a saber: o fumus boni iuris e o periculum in mora. O primeiro requisito é a possibilidade de uma sentença benéfica ao peticionário da medida, traduzindo no binômio da prova de existência e indícios hábeis quanto à autoria. O segundo requisito refere-se à ocorrência de que um possível atraso na prestação jurisdicional, decorrido um determinado tempo, pode resultar na ineficácia da prestação jurisdicional. Resumindo, trata-se da chance de lesão, manifestando-se no binômio necessidade/urgência. A prisão em flagrante é uma espécie de prisão cautelar.
Fernando Capez, como vários doutrinadores do direito processual penal, a exemplo de Frederico Marques e Tourinho Filho, define o termo flagrante a partir do seu significado em latim, traçando uma ideia entre o significado originário da palavra e o fato criminal ocorrido. Assim, Capez explica que “[...] o termo flagrante provém do latim flagrare, que significa queimar, arder. É o crime que ainda queima, isto é, que está sendo cometido ou acabou de sê-lo.” A partir dessa explicação, deve, o flagrante, deve ser entendido como a perceptividade do crime que está sendo consumado ou acabou de sê-lo (BARROZO, 2011, p. 1-2).
A prisão em flagrante tem sua previsão no artigo 5º, inciso LXI da Carta Magna, e ela pode ocorrer sem que haja necessidade de expedição de mandado de prisão pelo Poder Judiciário, resultando desse aspecto o seu caráter administrativo, de acordo com Nucci (2015).Daí decorre, portanto, a natureza jurídica da medida cautelar de segregação provisória, impondo-se somente a figura da tipicidade, procedendo esta como fumus boni iuris. O exame de culpabilidade e de ilicitude, desta feita, ficam preteridas a outro âmbito. No concernente ao periculum in mora, característico das medidas cautelares, por se referir à de transgressão penal em pleno desenvolvimento, na prisão em flagrante fica presumido.
O artigo 5º, em seus incisos LXI e LXV, da Constituição Cidadã estabelece que a prisão sem a expedição de mandado está sujeita ao exame do juiz, que tem o dever de relaxar imediatamente essa prisão se constatar qualquer ilegalidade. Possuindo como natureza jurídica medida cautelar de segregação provisória, exigindo-se apenas aparência da tipicidade, atuando esta como fumus boni iuris. A análise de ilicitude e culpabilidade ficam relegadas a segundo plano. Em relação ao periculum in mora, típico das medidas cautelares, por tratar-se de infração penal em plena evolução, é presumido.
Tendo por base o objetivo deste estudo, será apresentado somente o flagrante próprio, também chamado de real ou verdadeiro. De acordo com o artigo 302, incisos I e II, do CPP, que se reputa o flagrante delito: aquele que está praticando o crime, e aquele que acabou de praticá-lo. A legislação assemelhou aquele que é flagrado no momento de execução do crime e aquele que já praticou todos os atos delituosos naquele momento (NAGIMA, s/d).
4 DOS CRIMES PERMANENTES E A ENTRADA FORCADA EM DOMICÍLIO
Podem ser citados como crimes permanentes: artigo 33 da Lei 11.343/2006 -tráfico de drogas, artigo 159 do CP - extorsão mediante sequestro, artigo 148 do CP - sequestro ou cárcere privado, artigo 12 da Lei 10.826/2003 - posse de arma de fogo, artigo 149 do CP - condição análoga à de escravo, artigo 180, do CP - receptação, artigo 1º da Lei 9.613/1998 - lavagem de dinheiro, artigo 211 do CP - ocultação de cadáver, sendo este último classificado como crime permanente pelo STJ, decisão proferida no Recurso Especial 900.509/PR, em 26 de junho de 2007, pelo Ministro Felix Fischer:
EMENTA. RECURSO ESPECIAL PENAL ART. 211 DO CÓDIGO PENAL. OCULTAÇÃO DE CADÁVER. CRIME PERMANENTE. VIOLAÇÃO. DISSÍDIO COMPROVADO. PELO CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO.
No Brasil, entre as organizações pertencentes ao crime organizado, também denominadas facções, estão as que estão ligadas diretamente aos encarcerados, principalmente traficantes de drogas e de armas, como é o caso do Primeiro Comando da Capital – PCC e a Milícias, que atuam em São Paulo, o Comando Vermelho – CV, o Amigos dos Amigos – ADA e o Terceiro Comando – TC, que agem no Rio de Janeiro, entre tantas outras que têm ramificações por todo o território brasileiro.
Nesse sentido, cabe mencionar que foi criada em 04 de setembro de 2018 uma comissão especial, com a finalidade de analisar os Projetos de Lei 10372/2018 e 10373/2018, que alteram a legislação penal e processual penal, com o objetivo de melhorar o combate ao crime organizado, ao tráfico de armas, ao tráfico de drogas e funcionamento de milícias privadas. Isto porque, a corrupção é um dos elementos primordiais que colaboram para o aumento do tráfico de drogas em nível mundial, de acordo com Relatório 2010 da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes – JIFE (BRASIL, 2011).
Em face ao objetivo deste trabalho, o autor atear-se-á ao crime permanente de tráfico de drogas. Entende-se por tráfico de drogas ou narcotráfico o comércio de substâncias tidas como ilícitas.
O consentimento informal do morador, autorizando a busca e apreensão em seu domicílio, também deve ser visto com cautela. O Ministro Relator Alexandre Victor de Carvalho, do TJ/MG, em acórdão proferido na Apelação Criminal 10145150237405001-MG (tráfico de drogas), cita despacho exarado pelo Ministro Relator no Recurso impetrado pelo MP de nº 70058172628, estabelecendo assim que inexista previsão legal para a busca domiciliar mediante permissão informal do proprietário do imóvel (JUSBRASIL, 2016).
O artigo 53 da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas) estabelece que em qualquer etapa da persecução criminal referente ao tráfico de drogas, será permitida a atuação policial, desde que haja autorização judicial e que o Ministério Público se manifeste.
Segundo Bottini (2014, p. 1), entretanto, inúmeras ações policiais ocorrem diuturnamente sem autorização judicial, principalmente no tangente à prática do delito de tráfico de drogas.
No entanto, em muitos casos, policiais adentram residências particulares, sem que presentes quaisquer destas situações excepcionais, sob o pretexto de terem obtido o consentimento do morador. Ainda, há situações corriqueiras de buscas domiciliares, em que se aponta ser desnecessário o consentimento do morador e autorização judicial, especialmente em casos de tráfico de drogas, pois a situação de flagrância se protrai no tempo.
Porém, de acordo com o § 1º, do artigo 157, do CPP, se as medidas de busca e apreensão forem anuladas, as provas também o serão (BRASIL, 1941).
5 JURISPRUDÊNCIAS SOBRE PROTEÇÃO AO DOMICÍLIO E NECESSIDADE DE ENTRADA FORÇADA NOS CRIMES PERMANENTES
No concernente à entrada forçada em domicílio sem mandado judicial, no Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 83.501/SP, o Ministro Relator do STJ Nefi Cordeiro, decidiu em 06 de março de 2018, que a existência de denúncias anônimas acrescida da fuga do réu, não são elementos suficientes para fundamentar a autorização da entrada forçada de policiais no domicílio do réu, sem que haja autorização judicial.
Na hipótese, verifica-se ofensa ao direito fundamental da inviolabilidade do domicílio, determinado no art. 5°, inc. XI, da Constituição da República, pois, não há referência à prévia investigação policial para verificar a possível veracidade das informações recebidas, não se tratando de averiguação de informações concretas e robustas acerca da traficância naquele local.Ainda que o tráfico ilícito de drogas seja um tipo penal com vários verbos nucleares, e de caráter permanente em alguns destes verbos, como por exemplo “ter em depósito”, não se pode ignorar o inciso XI do artigo 5º da Constituição Federal e esta garantia constitucional não pode ser banalizada, em face de tentativas policiais aleatórias de encontrar algum ilícito em residências.Conforme entendimento da Suprema Corte e da Sexta Turma deste STJ, a entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária, e não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida, pois os agentes estatais devem demonstrar que havia elemento mínimo a caracterizar fundadas razões (justa causa) (TALON, 2018, p. 1).
Por maioria de votos o Plenário do STF, em decisão proferida, com repercussão geral reconhecida, no Recurso Extraordinário nº 603616, pelo Ministro Gilmar Mendes, estabeleceu limites para a entrada policial sem autorização judicial. Para o Egrégio Tribunal:
A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados (STF, 2016, p. 3).
Nesse sentido, referida decisão precisa ser observada por todas as instâncias do Judiciário e deve ser adotada para os processos sobrestados (suspensos) que estavam aguardando essa decisão. Consoante esse entendimento por parte do STF, no rol dos crimes permanentes, para fins de aplicação dessa decisão, estão: depósito ou tráfico de drogas, cárcere privado e extorsão mediante sequestro, ações essas que requerem ação policial imediata (STF, 2015).
O réu condenado por tráfico de drogas entrou com o recurso supramencionado alegando violação dos incisos: XI (inviolabilidade do domicílio), LV (direito ao contraditório e à ampla defesa) e LVI (não admissão de provas obtidas por meio ilícito). Segundo o réu, à época, autoridades policiais “invadiram” sua residência sem autorização judicial de busca e apreensão, tendo encontrado 8,5 quilos de cocaína em um automóvel estacionado dentro da casa do réu. A denúncia acerca da posse de droga foi feita por um motorista de caminhão que foi detido pelo transporte do resto da droga (STF, 2015).
Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a busca e apreensão domiciliar é claramente uma medida invasiva, mas de grande valia para a repressão à prática de crimes e para investigação criminal. O ministro admitiu que ocorrem abusos – tanto na tomada de decisão de entrada forçada quanto na execução da medida [...].Embora reconheça que o desenvolvimento da jurisprudência sobre o tema ocorrerá caso a caso, o relator afirmou que a fixação da tese é um avanço para a concretização da garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio. “Com ela estar-se-á valorizando a proteção à residência, na medida em que será exigida a justa causa, controlável a posteriori para a busca. No que se refere à segurança jurídica para os agentes da Segurança Pública, ao demonstrarem a justa causa para a medida, os policiais deixam de assumir o risco de cometer o crime de invasão de domicílio, mesmo que a diligência venha a fracassar”, afirmou. O ministro explicou que, eventualmente, o juiz poderá considerar que a invasão do domicílio não foi justificada em elementos suficientes, mas isso não poderá gerar a responsabilização do policial, salvo em caso de abuso (STF, 2015, p. 1).
No concernente às fundadas razões, visto serem por vezes subjetivas, o Ministro Jorge Mussi, Relator do HC 373.388-RS (guarda e manutenção em depósito de drogas), entendeu que policiais, ao sentirem cheiro de maconha, podem realizar busca e apreensão sem autorização judicial (STJ, 2016; CUNHA, s/d).
Não obstante referida jurisprudência, outra emitida pelo próprio STF, em decisão proferida no HC 0011692-14.2017.1.00.0000-SP, estabelece que:
[...] a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que se tratando de crimes de natureza permanente, como é o caso do tráfico ilícito de entorpecentes, prescindível o mandado de busca e apreensão, bem como a autorização do respectivo morador, para que policiais adentrem a residência do acusado, não havendo falar em eventuais ilegalidades relativas ao cumprimento da medida (STF, 2017, p. 3).
Outra decisão do STJ, em Recurso Especial 1.558.004/RS, proferida pelo Ministro Rogério Schietti Cruz, determinou que a simples intuição sobre eventual tráfico de drogas, não é, por si só, justa razão para que a autoridade policial adentre na cada do suspeito sem o consentimento deste. “Esse foi o entendimento da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça para manter a absolvição de uma mulher por falta de provas. Ela foi condenada em primeiro grau por tráfico de drogas” (GALLI, 2017, p. 1).
2. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental relativo à inviolabilidade domiciliar [...]
3. A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo, o qual, na companhia de seu grupo familiar, espera ter o seu espaço de intimidade preservado contra devassas indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os cuidados e os limites que a excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional exige.
4. O ingresso regular em domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio (CONJUR, 2015, p. 1).
Contudo, há entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que se, no momento da ação de busca em escritórios, consultórios, locais de trabalho e assemelhados os mesmos estiverem desocupados, não se caracteriza violação de domicílio, embora haja, também divergências doutrinária e jurisprudencial.
Isto ocorreu no julgamento do Inquérito 2.424/ RJ76 (20.11.2008), entendendo aquela Corte que “é, no mínimo, duvidosa a equiparação entre escritório vazio com domicílio stricto sensu, que pressupõe a presença de pessoas que o habitem. Neste contexto, validou a busca e apreensão realizada no local, durante a noite (in casu, tratava-se do escritório de advogado a quem se imputava participação em crimes), refutando os argumentos de que essa providência teria afrontado o art. 5º, XI, da CF por não ter sido realizada no período diurno (AVENA, 2017, p. 418).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Preliminarmente, cabe ressaltar que o problema desta pesquisa é: “A ação policial pode ser considerada legal, bem como as provas obtidas, na ocorrência de policiais “invadirem” a casa, sem consentimento do seu proprietário e sem autorização judicial, e encontrarem drogas ilícitas?
Quanto ao objetivo geral, este estudo visa verificar se existem exceções para esse tipo de ação policial no caso do crime permanente de tráfico de drogas.
No caso de busca e apreensão em domicílio, consoante decisão proferida pelo STF, em repercussão geral reconhecida no RE nº 603.616, existem limites para a entrada policial sem a autorização judicial e mencionada entrada só é lícita se baseada por fundadas razões, devidamente justificadas posteriormente, que demonstrem que no interior do domicílio ocorre situação de flagrante delito de tráfico de drogas. Isto porque, segundo o Egrégio Tribunal, a busca e apreensão em domicílio, sem consentimento do seu proprietário e sem autorização judicial, não pode lesar direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal de 1988.
Não existindo o flagrante, acompanhado das fundadas razões, não há como se aceitar a legalidade dessa ação. Assim, tanto a ação policial, como as provas obtidas nessa ocorrência, serão consideradas ilícitas. Isto porque, não estão presentes no momento da ação policial elementos/razões que ensejem a ocorrência do flagrante delito que se posterga no tempo, característica dos crimes permanentes.
Cumpre ressaltar que apenas uma suspeita, mesmo que fundamentada, não autoriza a ação policial de busca e apreensão domiciliar, sem mandado judicial, nem é indício capaz de provar a prática do crime.
Destarte, pode-se inferir que a hipótese correta para este trabalho é que sim, a ação policial e as provas obtidas serão consideradas legais, caso sejam apresentadas razões devidamente fundamentadas para a invasão de domicílio, sem consentimento do morador e sem autorização judicial, para os casos de flagrante delito no crime permanente de tráfico de drogas.
REFERÊNCIAS
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Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ri Grande do Norte (UFRN) e Especialização Lato Sensu em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade Venda Nova do Imigrante. É Delegado de Polícia Civil pelo Estado de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NEVES, Magno Souza das. Inviolabilidade do domicílio em crime permanente de tráfico de drogas: ação policial sem autorização judicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 ago 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53352/inviolabilidade-do-domiclio-em-crime-permanente-de-trfico-de-drogas-ao-policial-sem-autorizao-judicial. Acesso em: 23 dez 2024.
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