RESUMO. O presente trabalho objetiva destrinchar o conceito de funcionário público para fins penais e a implicação prática da conceituação, trazendo à tona a jurisprudência dos Tribunais Superiores. A pesquisa realizada tem natureza explicativa, utilizando principalmente análise qualitativa de obras bibliográficas, dos textos legais e de julgados sobre a temática abordada.
SUMÁRIO: Introdução; 1. O conceito de funcionário público; 1.1. O conceito de funcionário público para o Direito Administrativo; 1.2. O conceito de funcionário público para o Direito Penal; 2. A importância prática do enquadramento como funcionário público; 2.1. Aspectos penais; 2.2 Aspectos processuais; 3. O funcionário público na jurisprudência dos Tribunais Superiores; 4. Conclusão; 5. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente artigo objetiva trazer à baila o conceito de funcionário público para fins penais, com enfoque na jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Para tanto, será feito um paralelo do conceito de funcionário público do Direito Administrativo e do Direito Penal, apontando a importância prática da diferenciação, notadamente a caracterização de crimes funcionais previstos no Capítulo I do Título XI da Parte Especial do Código Penal, a extraterritorialidade incondicionada, a sujeição da progressão de regime prisional à reparação do dano causado à Administração Pública e o rito especial de apuração previsto no Código de Processo Penal.
Após, o artigo exporá didaticamente casos em que foi ou não reconhecida a qualidade de funcionário público pelos Tribunais Superiores, expondo sucintamente os fundamentos apresentados nas decisões.
Em conclusão, o trabalho trará a síntese da pesquisa e a tendência jurisprudencial na visão do autor.
1. O CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO
1.1 O CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO PARA O DIREITO ADMINISTRATIVO
A Constituição Federal de 1.988 não emprega a expressão “funcionário público”, trazendo ora o termo “servidor público” ( v.g art. 37, VI, da Constituição Federal), ora o termo “agente público” ( v.g art. 37, §6º, da Constituição Federal). É o que explica Maria Silvya Di Pietro:
“A Constituição de 1988, na seção II do capítulo concernente à Administração Pública, emprega a expressão “Servidores Públicos” para designar as pessoas que prestam serviços, com vínculo empregatício, à Administração Pública Direta, autarquias e fundações públicas. É o que se infere dos dispositivos contidos nessa seção.
No entanto, na seção I, que contém disposições gerais concernentes à Administração Pública, contempla normas que abrangem todas as pessoas que prestam serviços à “Administração Pública Direta e Indireta”, o que inclui não só as autarquias e fundações públicas, como também as empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações de direito privado.
Na seção III, cuida dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
Isso significa que “servidor público” é expressão empregada ora em sentido amplo, para designar todas as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício, ora em sentido menos amplo, que exclui os que prestam serviços às entidades com personalidade jurídica de direito privado. Nenhuma vez a Constituição utiliza o vocábulo funcionário, o que não impede seja este mantido na legislação ordinária” (1)
Tecnicamente, a doutrina administrativista moderna prefere a expressão “agentes públicos”, que engloba servidores públicos, empregados públicos, agentes políticos e particulares em colaboração com o Estado.
À guisa de ilustração, segue o conceito do doutrinador Marcelo Alexandrino:
“Considera- se agente público toda pessoa física que exerça, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por meio de eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função” (2)
A expressão “agente público” também é encontrada no art. 2º da Lei 8.429 de 2 de Junho de 1992 - Lei da Improbidade Administrativa- que dispõe que “ reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”.
Entrementes, o termo “funcionário público” é amplamente difundido na linguagem comum, fartamente encontrado na legislação ordinária e utilizado no Código Penal, razão pela qual será o adotado neste trabalho.
Nesse caminhar de ideias, por funcionário público, para fins de Direito Administrativo, pode ser entendido toda pessoa física que mantenha vínculo jurídico com o Estado, ainda que transitoriamente ou sem remuneração. São abrangidos pelo conceito:
- Os servidores titulares de cargo público efetivo, submetidos a regime estatutário, a teor do art. 39 da Constituição Federal;
- Os servidores temporários, contratados nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal;
-Os empregados públicos, expressão que designa os agentes com vínculo celetista com a Administração Pública, atuantes em regra nas empresas estatais;
-Os agentes políticos, exercentes de mandato eletivo (vereadores, deputados federais, deputados estaduais, senadores, prefeitos, governadores e presidente da república) ou de cargo de natureza eminentemente política, como secretários municipais, secretários estaduais e ministros de estado;
-Os agentes honoríficos, que sãos os particulares requisitados para prestarem colaboração ao Estado em atividades de caráter público, usualmente de forma temporária e gratuita, como mesários eleitorais e jurados,
-Os delegatários de serviço público, englobando os permissionários e concessionários, que prestam serviço público por delegação do Estado
-Os agentes credenciados, que são particulares incumbidos de representar o Estado em determinado ato ou atividade específica.
1.2 O CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO PARA O DIREITO PENAL
O legislador penal, utilizando-se da técnica de interpretação autêntica, trouxe no caput do art. 327, Capítulo 1, Título XI, do Código Penal, que versa sobre os crimes contra a Administração Pública, o seu próprio conceito de funcionário público, dispondo que “considera-se funcionário público, para efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”.
No caput do art. 327 do Código Penal, a definição de funcionário público em muito se assemelha àquela trazida pelo Direito Administrativo, abrangendo qualquer pessoa que exerça cargo (vínculo estatutário), emprego (vínculo contratual) ou função pública (termo residual que abrange outras relações na prestação de serviços públicos, incluindo por exemplo agentes políticos).
Da mesma forma, o caput do art. 327 do Código Penal abarca quem presta serviços transitórios ou sem remuneração, o que inclui os agentes honoríficos citados no subitem anterior, dentre eles o jurado do tribunal do júri e o mesário eleitoral.
Por sua vez, o parágrafo 1º do art. 327 do Código Penal disciplina a figura do funcionário público por equiparação, objetivando ampliar o conceito administrativista e elastecer o raio de proteção do bem jurídico tutelada pela norma penal, qual seja, a moralidade e a probidade administrativa. Em palavras simples, o dispositivo legal equipara a funcionário público, para fins penais, quem trabalha em entidade paraestatal e em empresa conveniada ou contratada para prestação de serviços públicos.
Detalhando o conceito, importante dizer que sobre a expressão “entidade paraestatal” pairam fundadas divergências doutrinárias, sendo ora empregada para designar o chamado “Terceiro Setor” – entidades privadas, sem fins lucrativos, que atuam ao lado do Estado na consecução de objetivos de caráter público—, ora empregada para se referir às entidades da Administração Pública Indireta ( empresas públicas e sociedades de economia mista).
Nesse sentido, as lições de José dos Santos Carvalho Filho:
O termo paraestatal tem formação híbrida, porque, enquanto o prefixo para é de origem grega, o vocábulo status é de origem latina. Paraestatal significa ao lado do Estado, paralelo ao Estado. Entidades paraestatais, desse modo, são aquelas pessoas jurídicas que atuam ao lado e em colaboração com o Estado. 24 Não obstante, vários são os sentidos que leis, doutrinadores e tribunais têm emprestado à expressão, o que não só deixa dúvidas ao intérprete quando com ela se depara, como também imprime indesejável imprecisão jurídica, que em nada contribui para a ciência do Direito. Há juristas que entendem serem entidades paraestatais aquelas que, tendo personalidade jurídica de direito privado (não incluídas, pois, as autarquias), recebem amparo oficial do Poder Público, como as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as fundações públicas e as entidades de cooperação governamental (ou serviços sociais autônomos), como o SESI, SENAI, SESC, SENAC etc. 25 Outros pensam exatamente o contrário: entidades paraestatais seriam as autarquias. 26 Alguns, a seu turno, só enquadram nessa categoria as pessoas colaboradoras que não se preordenam a fins lucrativos, estando excluídas, assim, as empresas públicas e as sociedades de economia mista. 27 Para outros, ainda, paraestatais seriam as pessoas de direito privado integrantes da Administração Indireta, excluindo-se, por conseguinte, as autarquias, as fundações de direito público e os serviços sociais autônomos. 28 Por fim, já se considerou que na categoria se incluem além dos serviços sociais autônomos até mesmo as escolas oficializadas, os partidos políticos e os sindicatos, excluindo-se a administração indireta. 29 Na prática, tem-se encontrado, com frequência, o emprego da expressão empresas estatais, sendo nelas enquadradas as sociedades de economia mista e as empresas públicas. Há também autores que adotam o referido sentido. 30 Essa funda divergência acaba levando o estudioso, sem dúvida, a não empregar a expressão, por ser destituída de qualquer precisão jurídica. 31 Na verdade, justifica-se integralmente essa posição. Com muito maior razão, não deveria utilizá-la a lei, como o faz, por exemplo, o art. 327, § 1 o , do Código Penal, que considera funcionário público aquele que exerce função em entidade paraestatal. 32 Seja como for, a expressão, a nosso ver, e tendo em vista o seu significado, deveria abranger toda pessoa jurídica que tivesse vínculo institucional com a pessoa federativa, de forma a receber desta os mecanismos estatais de controle. Estariam, pois, enquadradas como entidades paraestatais as pessoas da administração indireta e os serviços sociais autônomos. Na verdade, sequer as autarquias deveriam, a rigor, estar excluídas da categoria das paraestatais, como sustentam alguns estudiosos. A despeito de serem pessoas de direito público, não 7. 7.1. estão no interior (já que não são órgãos), mas sim ao lado do ente federativo, e, tanto quanto as demais entidades, estão sujeitas à vinculação estatal e desempenham funções do interesse do Estado, em perfeita sintonia com suas metas. Para uma compreensão lógica, em nosso entender, ou a pessoa caracteriza-se como estatal, se for integrante do próprio Estado, como é o caso das pessoas federativas, ou, não sendo assim, terá ela que qualificar-se como paraestatal, por atuar em direta colaboração com o Estado por força de vínculo jurídico formal.” (3)
Para os fins deste artigo, entende-se como entidade paraestatal os Serviços Sociais Autônomos, as Organizações Sociais, as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, as Organizações da Sociedade Civil e toda a gama de entidades privadas que atuam em regime de parceria com o Estado e que, portanto, recebem o aporte de recursos públicos.
Prosseguindo, a segunda parte do §1º do art. 327 do Código Penal equipara à funcionário público quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.
Nessa linha, o trecho legal abrange os trabalhadores das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, que celebraram contrato administrativo com o Estado, precedido de licitação, nos moldes do art. 175 da Constituição Federal.
Assim, quando o Estado resolve adotar o modelo descentralizado de prestação de serviços públicos, mediante delegação, durante o exercício da função, ou em razão dela, os funcionários da empresa contratada, embora de Direito Privado, são considerados funcionários públicos para fins penais.
2. IMPORTÂNCIA PRÁTICA DO ENQUADRAMENTO COMO FUNCIONÁRIO PÚBLICO
2.1 ASPECTOS PENAIS
Os principais aspectos penais a serem abordados são a caracterização de crimes funcionais, a sujeição da progressão de regime à reparação do dano à Administração Pública e a extraterritorialidade incondicionada.
Sinteticamente, conceitua-se crime funcional aquele cometido pelo funcionário público no exercício das suas funções, ou em razão dela.
Os crimes funcionais dividem-se em próprios e impróprios.
Os primeiros são aqueles que, retirada a qualidade de funcionário público, tornam-se fatos atípicos e, portanto, irrelevantes para o direito penal.
A seu turno, nos crimes funcionais impróprios, se houver a descaracterização da qualidade de funcionário público, haverá desclassificação do delito para outro que seja de natureza comum quanto ao sujeito ativo, em geral de pena mais branda.
Sobre o tema, as precisas lições doutrinárias:
“A seu turno, os crimes funcionais se dividem em próprios e impróprios. No primeiro caso, exige-se a presença da elementar “funcionário público”, sem a qual o fato se torna atípico. No segundo, trata-se de ilícito a priori tipificado como crime comum, tornando-se, todavia, delito funcional em razão da elementar especializante “funcionário público”. Exemplo do primeiro é o crime de prevaricação que, sem a presença de um funcionário público, torna-se um indiferente penal. Exemplo do segundo caso é justamente o crime de peculato – ora analisado – que, ante a ausência de um funcionário público como autor, coautor ou partícipe, nada mais seria, em termos gerais, do que uma hipótese de apropriação indébita (art. 168, do CP).” (4)
Observa-se, nesse ínterim, que o não enquadramento como funcionário público pode ser uma importante tese defensiva a ser levantada no curso da persecução penal relativa aos crimes funcionais.
Sobre a progressão de regime, o sistema penal brasileiro adota o modelo progressivo (ou inglês) de execução das penas privativas de liberdade, conjugando aspectos objetivos (frações de cumprimento da pena), formais (oitiva do Ministério Público e da defesa) e subjetivos ( bom comportamento carcerário, dentre outros), conforme art. 33, §2º, do Código Penal cumulado com art. 112 da Lei de Execução Penal.
Para a progressão de regime nos crimes contra a Administração Pública, contudo, há um requisito adicional, qual seja, a reparação do dano ou a devolução do produto do ilícito, com acréscimos legais (art. 33, §4º, do Código Penal).
Destaca-se que o Supremo Tribunal Federal atestou a constitucionalidade da previsão legal, decidindo que no EP 22 ProgReg-AgR/DF “é constitucional o art. 33, § 4º, do CP, que condiciona a progressão de regime, no caso de crime contra a administração pública, à reparação do dano ou à devolução do produto do ilícito” (5).
Por fim, os crimes contra a Administração Pública estão sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, independentemente se o agente foi absolvido ou condenado pela justiça estrangeira. É o que se observa da leitura conjugada do inciso I, caput, do art. 7 cumulado com §1º do mesmo artigo, ambos do Código Penal, sendo fenômeno classificado doutrinariamente como “extraterritorialidade incondicionada” ou “extraterritorialidade irrestrita”. Corroborando o autor, cita-se mais uma vez a doutrina especializada:
“As hipóteses de extraterritorialidade irrestrita estão catalogadas no inc. I, do art. 7º, do CP, e vinculam-se à alta relevância dos interesses atingidos. Em tais hipóteses, não se exige qualquer condição para a incidência da nossa lei penal. Portanto, os fatos serão processados e julgados no Brasil, independentemente do seu autor ser brasileiro, estrangeiro ou apátrida. Pouco importa se a conduta tiver sido praticada em alto-mar ou no espaço aéreo correspondente, ou ainda no território de outro Estado. Na mesma esteira, é igualmente irrelevante o fato de o autor do delito ter sido julgado, absolvido ou condenado no estrangeiro, ou que lá o fato esteja alcançado pela prescrição ou que sequer seja previsto como crime (cf. art. 7º, § 1º, do CP).
(...)
A hipótese de extraterritorialidade do art. 7º, I, “c”, do CP, encontra-se igualmente ancorada no citado princípio da proteção ou defesa, guardando, no caso, relação com os servidores públicos que se encontrem desempenhando suas atividades fora do território nacional. O Capítulo I, do Título XI, da Parte Especial do Código, contempla os chamados “crimes funcionais”, ou seja, aqueles que são cometidos por funcionários públicos (peculato, concussão, corrupção passiva, prevaricação etc.)” (6)
2.1 ASPECTOS PROCESSUAIS
O Código de Processo Penal, em seus artigos. 513 a 518, regula o procedimento a ser aplicado no caso de “crimes de responsabilidade dos funcionários públicos”.
A principal diferença para o rito comum é a possibilidade de apresentação de uma defesa preliminar, após oferecimento da denúncia e antes do seu recebimento, nos termos do art. 514 do Código de Processo Penal, o que é considerado uma prerrogativa funcional e um benefício ao réu.
Vale dizer que, embora o Código de Processo Penal utilize o termo “crimes de responsabilidade”, que, a rigor, são infrações político-administrativas, é assente na jurisprudência que o rito em questão em aplicável aos crimes funcionais próprios previstos nos arts. 312 a 326 do Código Penal.
A título de exemplo, cita-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
“(...) 1. O procedimento especial previsto nos artigos 513 a 518 do Código de Processo Penal só se aplica aos delitos funcionais típicos, descritos nos artigos 312 a 326 do Código Penal. Precedentes.
2. No caso dos autos, os recorrentes foram denunciados pelo crime de fraude à licitação, o que afasta a incidência do artigo 514 do Estatuto Processual. (...)”
(7)
Frisa-se, ainda, que atualmente, todos os delitos funcionais próprios são afiançáveis,
razão pela qual enquadram-se, sem exceção, no rito especial de persecução penal.
3. O FUNCIONÁRIO PÚBLICO NA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
Feita a conceituação do funcionário público para o Direito Penal e explanadas as principais consequências práticas, o presente capítulo se dedicará à exposição de alguns casos nos quais foi debatida a qualidade de funcionário público pelos Tribunais Superiores.
-Diretor de organização social
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 138484/DF (8), entendeu que o diretor de Organização Social é considerado funcionário público por equiparação, pois as Organizações Sociais celebraram contrato de gestão com o Poder Público e, portanto, são tidas como “entidades paraestatais” (art. 327, §1º, do Código Penal).
-Administrador de Loteria
Segundo o que restou decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no AREsp 679.651 (9), o administrador de loteria é funcionário público para fins penais, pois a loteria executa atividade típica da Administração Pública, mediante permissão.
-Advogados dativos
Conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no HC 264.459 (10), o advogado dativo, que celebra convênio com o Poder Púbico para atuar de forma remunerada na defesa de hipossuficientes, é funcionário público para fins penais. Assim, pode responder por corrupção passiva (art. 317 CP).
-Médico de hospital particular credenciado/conveniado ao SUS (após a Lei 9.983/2000)
Depois da Lei nº 9.983/2000, que alterou o § 1º do art. 327 do Código Penal, o médico credenciado ao Sistema Único de Saúde, segundo o Superior Tribunal de Justiça no AgRg no REsp 1101423/RS (11), pode ser equiparado a funcionário público para efeitos penais.
-Estagiário de órgão ou entidade públicos
O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1303748/AC (12), decidiu que o estagiário de órgão público se subsome perfeitamente à figura do funcionário público equiparado descrita no art. 312, §1º, do Código Penal, responsabilizando-o, no caso concreto, por peculato-furto.
-Depositário judicial
O depositário judicial não foi considerado funcionário para fins penais pelo Superior Tribunal de Justiça no HC 402.949-SP (13). Conforme o tribunal, o depositário judicial não ocupa cargo público, mas tão somente múnus púbico, não podendo haver interpretação extensiva em desfavor do réu.
4. CONCLUSÃO
O Código Penal trouxe no caput do art. 327 o conceito de funcionário público para fins de caracterização dos crimes funcionais contra a Administração Pública.
A conceituação do Código Penal é abrangente e objetiva punir todo aquele que, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, mantenha vínculo com o Estado e exerça cargo, emprego ou função púbica.
Por sua vez, a figura do funcionário público equiparado (art. 327, §1º, do Código Penal) amplia o conceito administrativista e abarca os trabalhadores de entidades paraestatais e de empresas que, mediante contrato ou convênio, executam atividade típica da Administração Pública.
A conceituação tem importantes implicações de ordem processual e penal. Especialmente nos crimes funcionais próprios, a perda da qualidade de funcionário público implica na atipicidade do delito e consequente absolvição do réu ou indiciado, razão pela qual é uma recorrente tese defensiva.
Quanto ao tema, a jurisprudência tem sido extensiva, já tendo reconhecida a qualidade de funcionário público, por exemplo, para estagiário de órgão público, diretor de Organização Social, administrador de Loteria e advogado dativo.
Por sua vez, a jurisprudência negou a qualidade de funcionário público para o administrador judicial, ao argumento de que exerce tão somente múnus público, não cabendo analogia desfavorável ao réu.
Assim, na visão do autor, exceto nos casos em que não houver perfeita subsunção ao conceito legal (art. 327, caput e §¹º do Código Penal), a tendência é um enquadramento amplo, abrangendo agentes políticos, magistrados, promotores, defensores públicos, delegados, servidores estatutários, servidores temporários, servidores comissionados, empregados públicos, agentes honoríficos, particulares em colaboração, delegatários e permissionários de serviços públicos, dentre outros.
5. REFERÊNCIAS
1. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 31º Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2018.
2. ALEXANDRINO, Marcelo. Curso de Direito Administrativo Descomplicado. 16ª Edição. São Paulo: Editora Método, 2008.
3. FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 32ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2018.
4. JAPIASSU, Eduardo Carlos. GUEIROS, Artur. Direito Penal. Volume Único. São Paulo: Editora Atlas. 2018.
5. Brasil. Supremo Tribunal Federal. Plenário. EP 22 ProgReg-AgR/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 17/12/2014, publicado em 18/03/2015. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=8038320.
6. JAPIASSU, Eduardo Carlos. GUEIROS, Artur. Direito Penal. Volume Único. São Paulo: Editora Atlas. 2018.
7. Brasil. Superior Tribunal de Justiça.. 5ª Turma. RHC 37.309/PE, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 03/09/2013, publicado em 17/09/2013. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201301233643&dt_publicacao=17/09/2013.
8. Brasil. Supremo Tribunal Federal. 1ª Turma. HC 138484/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/9/2018 (Info 915), publicado em 18/10/2018. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28138484%2ENUME%2E+OU+138484%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/y3wfvv4h.
9. Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. AREsp 679.651/RJ, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 11/09/2018, publicado em 17/09/2018. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=679651&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true.
10. Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. HC 264.459-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/3/2016 , publicado dia 16/03/2016 (Info 579), Disponível em : https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201300316480&dt_publicacao=16/03/2016.
11. Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. AgRg no REsp 1101423/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 06/11/2012, publicado dia 14/11/2012. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=1101423&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true.
12. Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 6ª Turma. REsp 1303748/AC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 25/06/2012, publicado em 06/08/2012. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=1303748&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true.
13. Brasil. Superior Tribunal de Justiça.STJ. 6ª Turma. HC 402.949-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 13/03/2018, DJ 26/03/2018 DISPONIVEL EM https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=402949&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true.
Servidora Pública Federal lotada no Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Viçosa. Pós- graduanda em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes. Ex- advogada. Ex-assessora de juiz do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Aprovada em concursos públicos para os cargos de Técnico Judiciário (TRF4), Analista Judiciário ( TJSC), Analista de Contas Públicas ( MPTC/SC) e Juiz de Direito ( TJ-CE).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SAID, Rhaila Carvalho. O conceito de funcionário público para fins penais- um giro pela jurisprudência dos tribunais superiores Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 set 2019, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53372/o-conceito-de-funcionrio-pblico-para-fins-penais-um-giro-pela-jurisprudncia-dos-tribunais-superiores. Acesso em: 22 dez 2024.
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