SILVANA SANTOS ALMEIDA [1]
(coautora)
Resumo: Tomando como premissa que o acesso ao ensino superior é um direito fundamental do cidadão e dever do Estado a presente pesquisa tem por escopo demonstrar a estratégia de sucessivos governos brasileiros de efetivá-lo através da rede privada de ensino superior. Resgata, num plano mais amplo, a gênese e a evolução histórica dos direitos na relação do homem com o Estado, estruturando o surgimento dos direitos fundamentais sociais como expressão concreta dos princípios filosóficos que permeiam a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da igualdade. Num plano mais especifico, busca analisar a transformação na educação universitária ocorrida no Brasil após a Constituição da República do Brasil de 1988 e a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases de 1996 no que diz respeito às políticas educacionais que privilegiaram a expansão das vagas no ensino superior através do incentivo à iniciativa privada. Toma-se como período de estudo os anos entre 1994 a 2010, correspondentes aos governos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso (1995/1998 e 1999/2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003/2006 e 2007/2010).
Palavras-chave: Direito a educação. Ensino privado. Política educacional. Expansão do ensino superior. Universidade.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O Ensino Superior nos Governos FHC e Lula; 3. Conclusões.
1. Introdução
A Constituição brasileira de 1988, no dever ser, é considerada a mais completa e avançada na garantia do direito à educação no mundo (Martins, 2006). Nela os direitos individuais e sociais ganham status de fundamentais, em especial o direito à educação. As questões educacionais do Brasil ganharam ênfase e atenção a partir de então, “quer considerando a educação como direito fundamental da população brasileira, quer como meio de favorecer o desenvolvimento nacional” (Sapio, 2010, p. 99).
Foi a primeira constituição que tratou especificamente do ensino superior, contemplando o mesmo com quatro artigos: art. 207, que confere à universidade autonomia didático-científica, administrativa, de gestão financeira e patrimonial, além de vincularem de forma indissociável o ensino, a pesquisa e a extensão; o art. 208, inciso V, que confirma o dever do Estado em efetivar acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; o art. 213, parágrafo 2º, inclui as atividades universitárias de pesquisa e extensão no rol das que podem receber apoio financeiro do poder público; e, por fim, o art. 218, parágrafos 1º ao 3º, que define de que forma o Estado irá promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica.
Ranieri (1998) esclarece que apenas o art. 207, que confere à universidade autonomia didático-científica e de gestão, tem caráter instrumental e os demais mantêm um conteúdo essencialmente programático. Entretanto, alerta, isso não significa que o Estado pode se sentir descomprometido com o seu dever em relação ao ensino superior e evoca o art. 205 da mesma constituição para fundamentar sua posição: “A educação, direito de todos e dever do Estado da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Brasil, 2013, p. 121).
A ação de interpretar a Constituição exige o conhecimento das regras da hermenêutica constitucional e, dentre essas, uma das principais é a da unidade da Constituição segundo a qual a norma constitucional deve ser analisada respeitando os princípios e as demais normas. De acordo com Ranieri (1998), dentro dessa lógica os princípios constitucionais são os vetores que dão sentido ao todo em que se estabelece uma relação de instrumentalidade entre estes e a ação do poder público, ou seja, hierarquicamente há uma supremacia dos princípios aos quais tudo está subordinado.
O direito à educação, por ser um direito social fundamental, alcança a todos apresentando característica de universalidade.
No seu art. 209, a Constituição diz que o ensino é livre à iniciativa privada, contanto que cumpra as normas gerais da educação nacional, que tenha autorização do poder público para realizar suas atividades e que se submeta à avaliação de qualidade realizada pelo mesmo. Assim, o legislador constitucional corrobora especificamente a existência de instituições particulares de ensino com as devidas ressalvas, já que a atividade educacional tem natureza pública, prevalecendo a finalidade pública sobre o interesse particular. “Meios e fins na atividade educacional privada são controlados pelo governo federal” (Ranieri, 2000, p. 134).
Considerada essencial para a dignidade da pessoa humana, a educação como dever do Estado e da família figura como primeiro direito social citado no art. 6º, do capítulo II (direitos sociais) não deixando margem a dúvidas no que tange à intenção do legislador constituinte de elegê-la como meio insubstituível para a materialização dos princípios constitucionais. “. . . O direito à educação, enfim, ocupa lugar central no conjunto dos direitos fundamentais, correspondente à sua importância na salvaguarda da dignidade humana: é indispensável” (Ranieri, 2012, p. 2).
Apesar da sua não universalidade, o direito de acesso ao ensino superior é direito público subjetivo. Mesmo sofrendo restrições por conta da conjuntura econômico-político-social, o direito de acesso continua latente, aguardando mudanças na política de educação para possibilitá-lo (Martins, 2006).
A discussão em torno do direito público subjetivo do direito de acesso ao ensino superior é menosprezada pela doutrina, em face ao contraste de proteção ao ensino básico e os demais graus de ensino, não obstante não haver hierarquia entre os níveis de acesso de ensino, uma vez que o direito de acesso à educação deve ser assegurado como um todo único. . . . O direito subjetivo do mínimo existencial de todo e qualquer direito fundamental não está adstrito à reserva do possível; é o seu limite. Se o Estado não pode naquele momento garantir a sua concretização, por total incapacidade orçamentária, ficará, pois, em mora, até o seu imediato cumprimento (Martins, 2006, p. 112).
O quantum, chamado de mínimo existencial, é uma quantidade mínima de certo bem que dê às pessoas condições para sua existência. O reconhecimento da necessidade de definição e garantia de um mínimo existencial na nossa Constituição é o início do caminho para a materialização do princípio da dignidade da pessoa humana.
O importante no ensino superior não é necessariamente a universalização, mas a igualdade de oportunidades. O art. 208 da Carta Magna brasileira faz o filtro pelo mérito (há um risco de considerá-lo um conceito subjetivo, inócuo, servindo de desculpas ao Estado para não se comprometer objetivamente com o acesso), o que não significa a falta de obrigatoriedade do Estado em garantir o acesso. Antes o compromete, inclusive com os níveis anteriores, pois para conseguir efetivar o seu potencial intelectual o indivíduo deve receber uma boa formação, o que significa uma escola pública de boa qualidade para que a exclusão do indivíduo ocorra apenas por falta de aptidão ou mérito e não por não poder desenvolver as suas competências intelectuais.
O direito de acesso ao ensino superior é norma-regra constitucional auto instrumental imprescindível para a efetividade dos direitos fundamentais como um todo indissociável. Só pode haver pleno exercício da liberdade de profissão, do direito de iniciativa econômica etc., se for garantido ao cidadão acesso ao curso superior que for do seu interesse (Martins, 2006, p. 107).
Durante dezesseis anos, entre 1994 e 2010, a política educacional brasileira manteve um mesmo direcionamento estratégico. Presidentes diferentes, partidos diferentes e uma mesma política. Sai o Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) entra o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) e permanece a promoção do ensino superior privado, contradizendo em ações o discurso estatista do Partido dos Trabalhadores (PT).
2. O Ensino Superior nos Governos FHC e Lula
Os governos de FHC e de Lula investiram no desenvolvimento da educação superior através da rede privada. Houve um processo de intervenção indireta do governo FHC na discussão da aprovação da LDB/96 que visava liberar o governo de compromissos financeiros ou de regras envolvendo o desenvolvimento de sistema de educação brasileiro e, assim, pudesse implantar uma política liberal em fase de construção que precisou e precisa de alterações constantes, navegando entre o público e o privado mantendo-se dentro da segurança jurídica que a lei lhe conferiu
As decisões de políticas públicas educacionais brasileiras foram influenciadas pelos organismos internacionais de financiamento (Fundo Monetário Internacional -FMI, Banco Mundial) desde a década de 1960. Iniciou-se com os acordos entre o Ministério da Educação (MEC) e a United State Agency for International Development (USAID) e, a partir de então, a política educacional brasileira contém propostas e objetivos que contemplam as orientações e prioridades econômicas do país nas suas relações de dependência com os países desenvolvidos.
O foco estratégico do Banco Mundial na educação tem o intuito de manter a hegemonia dos países desenvolvidos, através de empréstimos com regras e condições rígidas e de uma atuação cada vez mais direta e especifica nas políticas dos países em desenvolvimento. No caso do Brasil essa situação se intensifica na década 1990. O Banco Mundial passa a financiar projetos na área da educação sempre com o disfarce de cooperação ou assistência técnica, mas na verdade é um empréstimo normal com juros e regras rígidas.
As ações e políticas do Banco Mundial nos países da África, América Latina e Caribe indicam uma intenção estratégica de manter as posições dos países na ordem mundial inalterada. Para que não haja transformações geradas por conflitos sociais é necessário que os países desenvolvidos permitam o desenvolvimento social e econômico até determinado ponto e, para isso, se utilizam de políticas focais dirigidas a grupos específicos desprivilegiados historicamente para que esses segmentos populacionais não quebrem a barreira do conformismo em direção à transformação. A educação tem lugar privilegiado nessa estratégia.
O entendimento do nível de interferência desses organismos nas políticas educacionais brasileiras pode se dar pela análise e comparação das recomendações feitas nos documentos do Banco Mundial com as políticas adotadas por FHC e Lula. Os dois presidentes criaram e editaram decretos, portarias e planos decenais para viabilizar o projeto de educação baseado nessas orientações. Nessa análise encontra-se um nível elevado de coincidências entre as orientações e tais políticas, que a conclusão inevitável é de que esses documentos regulatórios têm o papel de viabilizar o projeto educacional pensado pelo Banco Mundial para os países em desenvolvimento em geral.
O primeiro ponto é a prioridade à universalização da educação básica nos governos dos dois presidentes. FHC começou com a universalização do ensino fundamental nos seus planejamentos e Lula incluiu a universalização do ensino médio e a obrigatoriedade da pré-escola. Outro ponto de coincidência entre as recomendações do Banco Mundial e a política adotada pelos governos brasileiros de FHC e Lula está na redefinição do papel do Estado no ensino superior. Nesse sentido FHC assumiu a postura eminentemente privatista, não só intervindo diretamente na LDB, como editando todas as medidas regulamentares necessárias para o desenvolvimento via iniciativa privada.
Um dado relevante do governo de FHC foram os artigos do Plano Nacional de Educação que vetou. Todos eram dispositivos que comprometiam o governo financeiramente ou com ações de incentivo à educação pública. Ao vetar todos, absolutamente todos os artigos que envolviam recursos financeiros para a educação ou metas para serem alcançadas em relação à educação pública, FHC mais uma vez assumiu o caráter privatista da sua política, pois a expectativa era que o mercado realizasse esses investimentos capitaneando o desenvolvimento do setor.
Realizava, ainda, uma campanha negativa da rede federal de educação superior, exagerando nas informações sobre os gastos. Portanto, sua política para a educação superior foi coerente com sua política governamental e consistiu em abandonar os investimentos nas instituições públicas, creditando às instituições privadas o crescimento para o setor.
A única política focalizada adotada pelo seu governo para atender a alunos sem condições financeiras de pagar as mensalidades do curso superior que frequentavam foi o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), sucessor do Crédito Educativo (Creduc). Era um programa com regras de financiamento rígidos que não atingiu um contingente expressivo de estudantes.
O governo do Presidente Lula assumiu um discurso estatista, porém adotou também políticas educacionais de caráter privatista de grande repercussão e alcance. Diferente de FHC, o governo Lula implantou políticas de investimento nas instituições de ensino superior públicas. O programa de interiorização das instituições federais de ensino e o Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) tiraram as instituições públicas do limbo, porém um grande percentual de oferta de vagas viabilizadas pelo Estado veio das instituições privadas, o que Martins (2006) chamou de “estatização das vagas” (p. 97).
Através do Programa Universidade para Todos (Prouni), trocando bolsas de estudo para alunos de baixa renda por renúncia fiscal, justificou tal medida, num primeiro momento, pela prontidão das vagas ociosas das instituições privadas que atenderiam de imediato os estudantes com nenhum custo para o governo. Claro que renunciando aos impostos, tanto o governo estava pagando como as instituições se beneficiando.
A maior crítica a esse programa, e ela é pertinente, é que a sua principal motivação foi salvar da falência as instituições privadas que tinham crescido vertiginosamente em quantidade, sem estudantes suficientes com capacidade financeira para arcar com os custos de uma formação em uma instituição particular. Dada a urgência com que foi implantado o programa, através de Medida Provisória, sugere confirmar tal hipótese.
Outro programa que financiou as instituições privadas foi o Fies. Apesar de ser criado no governo FHC, foi no governo de Lula que ele foi aperfeiçoado para atender as massas. Ganhou níveis de flexibilização de suas regras de uma forma que se tornou o programa que atingiu um maior número de alunos. Flexibilizações perigosas, como a fiança solidária, que podiam colocar a saúde financeira do programa em risco.
Adotar a estratégia da diversificação de instituições e de cursos foi mais uma orientação dos organismos internacionais de financiamento. Segundo Sampaio (2000) a diversificação é fundamental para a criação de um sistema de ensino superior de massa. A própria fragmentação dos cursos, a criação dos cursos sequenciais, centros universitários, etc., têm o benefício de gerar mais escolha para o estudante que vai ingressar no ensino superior que terá mais facilidade em encontrar um curso que se adeque às suas condições financeiras, intelectuais, talentos, interesses. Porém quando a diversificação é utilizada apenas para gerar mais vagas com menos custos, pode gerar cursos sem qualidade e sem oferecer ao estudante uma formação com os requisitos de formação superior.
As convergências entre as orientações do Banco Mundial e as políticas adotadas pelos governos brasileiros continuam com a estratégia recomendada pelo Banco Mundial de utilização do sistema legislativo brasileiro para dar validade à proposta. A intervenção política que FHC fez antes da aprovação da LDB/96, o uso dos decretos para encontrar a melhor formatação para o sistema de avaliação e para os centros universitários - foram vários decretos nos dois governos - que não tinham o objetivo de mudar a natureza ou definição dos dois institutos, apenas mudaram a forma.
3. Conclusões
Os dois governos se aproximam na escolha da política econômica como prioridade nas definições das políticas educacionais. Sempre sob a orientação do Banco Mundial. A Política educacional do governo Lula foi uma continuidade da política de FHC aperfeiçoando os pontos de fragilidade da anterior.
O governo FHC não investiu nas universidades públicas deixando-as chegar a um estado de sucateamento físico e moral. O governo Lula criou programas de investimento para a universidade pública, mas ter direito a esses recursos exigia otimizar seus espaços e seus recursos humanos. Foi dado um novo uso aos prédios criando mais vagas pelo uso do espaço à noite, aos sábados; aumentou-se o número de alunos por professor; viabilizou-se autonomia para novas contratações; fomentou-se a criatividade para elaboração de novas arquiteturas curriculares que também viabilizava a criação de um maior número de vagas. Ou seja, investiu nas instituições públicas, mas fomentou um processo de reestruturação numa instituição que é muito resistente a esse tipo de mudança.
O governo FHC, assumidamente privatizante, não realizou nenhuma ação de intervenção relevante no mercado, o Fies no seu período não tinha uma dimensão significativa. Deixou o mercado se regular, apostou que não precisaria investir na educação superior e que a otimização dos recursos existentes seria suficiente para atender as necessidades e que o mercado iria sozinho gerar essa situação de otimização. Não foi o que ocorreu, pois a renda per capta do brasileiro não permitiu que a oferta de vagas particulares fosse aproveitada por falta de recursos financeiros para financiar os próprios estudos.
Em 2003 a situação era de penúria para algumas instituições privadas de ensino e a taxa líquida do Brasil estava na faixa de 11%, sem reagir ao aumento esperado. O governo Lula veio com a solução que não foi outra a não ser o financiamento do Estado através do Prouni e do Fies.
Apesar da intervenção do governo em garantir os recursos para as instituições de ensino privadas e do aumento do número de estudantes no ensino superior, o nível da taxa líquida ainda é baixo, pois dividiu os resultados com uma população fora da faixa etária, elevando a taxa bruta e fazendo o Plano Nacional de Educação 2014/2014 criar metas para atendimento dessa população que representa uma demanda que estava represada e não era alvo de políticas públicas.
Diante dessas análises conclui-se que a opção de elevar o número de estudantes no ensino superior a fim de aumentar a taxa líquida do Brasil exclusivamente pela expansão das instituições de ensino superior privada não se basta, pois, o número de vagas ociosas chega a mais de 50% do que é ofertado.
Sendo o ensino superior o que sustenta todo o desenvolvimento tecnológico e consequentemente o desenvolvimento econômico de um país, será ele o espelho dessa sociedade. Uma sociedade que preza pela educação irá preparar seu cidadão para despertar e desenvolver o seu potencial intelectual, construindo um futuro melhor para si e contribuindo positivamente para o futuro do seu país.
Para este resultado todos os ciclos de ensino devem estar estruturados para que o cidadão tenha a oportunidade de descobrir suas habilidades e competências, desenvolvê-las a fim de possibilitar seu investimento pessoal na sua qualidade de vida futura e consequentemente da coletividade.
As possibilidades de formação superior para jovens e adultos podem e devem ser diversificadas, entendendo-se que numa sociedade existem talentos, habilidades e interesses, também diversos, e o artigo 205 da Constituição confirma essa visão de desenvolver a pessoa plenamente, preparando-a para o exercício da cidadania e qualificando-a para o trabalho.
A diversificação de instituições e cursos para atender as necessidades dos estudantes e o desenvolvimento do país é benéfica. O que preocupa é uma diversificação que visa apenas criar flexibilizações com o objetivo de gerar resultados quantitativos maiores, estatísticas que atendam às metas internas e externas e crie uma imagem de investimento na educação, enquanto uma boa parte dos estudantes não recebem uma formação intelectual e profissional digna de um portador de diploma superior. Muitas vezes os cidadãos recebem o diploma do ensino superior sem adquirir qualquer mudança no seu status intelectual ou profissional
A Constituição brasileira de 1988 confere à educação status de direito social fundamental, mantendo para a educação superior o pré-requisito da capacidade de cada um ou mérito. Essa diferenciação para o ensino superior já é prevista desde a Declaração dos Direitos Humanos de 1948.
Esse aspecto, porém, não elimina o compromisso e o dever do Estado em promover esse nível de ensino, inclusive porque sua previsão na Lei maior do país em seu art. 208 é literal. É dever do Estado efetivar a educação mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um, entendida não como um conceito subjetivo de merecimento, mas de aptidão do sujeito.
A interpretação da regra constitucional é simples, direta e objetiva: o dispositivo traz claramente uma obrigação do Estado para com o acesso de quem tenha capacidade, ou seja, cumpra os requisitos objetivos de seleção e tenha o interesse numa formação superior.
A educação após a Segunda Guerra Mundial vem ganhando destaque entre os direitos sociais, pelo seu papel indispensável para o desenvolvimento do cidadão e da sociedade. Por isso, a priori, tem características de universalidade respeitando-se os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Essa universalização é garantida no ensino básico, que deve preparar o sujeito para a escolha ao final desse ciclo. O ensino básico é o mínimo existencial da educação.
Diferentemente do ensino básico, o Estado não é obrigado a promover a universalização da educação superior. A sequência de formação escolar após o ensino médio deve atender aos interesses, capacidade intelectual, aptidão e talentos do sujeito, além de suas condições financeiras e de tempo. O importante no ensino superior não é a universalização do acesso, mas a igualdade de oportunidades no acesso.
A participação do setor privado no ensino superior brasileiro sempre se mostrou significativa e complementar. A partir do governo FHC as instituições privadas passam a vivenciar um protagonismo nesse nível de ensino. As escolhas que esse governo teve que fazer para conter a crise econômica o levou a atender condicionalidades na sua política de educação, assumindo uma posição privatista de um Estado mínimo e uma economia orientada para o mercado.
O governo FHC traduziu essa visão de forma literal fomentando a expansão das instituições de ensino superior privadas, que teve no seu governo o maior crescimento na história do país. O governo Lula adotou uma estratégia mais complexa investindo nas duas esferas de ensino, pública e privada, mas deixando sua marca no ensino superior brasileiro pelas políticas de inclusão e democratização do acesso pela via das instituições privadas.
A palavra que define a política educacional do governo FHC é expansão e a que define a política educacional do governo Lula é democratização.
Referências
Brasil. (2013). Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações determinadas pelas Emendas Constitucionais de Revisão nº 1 a 6/94 pelas Emendas Constitucionais nº 1/92 a 73/1993 e pelo Decreto Legislativo nº 186/2008. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas.
Martins, C. E. B. R. (2006). O direito fundamental de acesso ao ensino superior: A estatização das vagas nas universidades particulares. In A. P. B. Homem (Org.). Temas de Direito à Educação. Coimbra: Edições Almedina.
Ranieri, N. B. (2000). Educação superior, diretrizes e Estado: Na lei de diretrizes e bases (Lei n. 9.394/96). São Paulo: EDUSP/FAPESP.
Ranieri, N. B. S. (2009). Os Estados e o direito à educação na Constituição de 1988: Comentários acerca da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In N. B. S. Ranieri (Coord.). Direito à educação: Aspectos constitucionais. São Paulo: EDUSP.
Ranieri, N. B. S. (2012). O regime jurídico do direito à educação na Constituição Brasileira de 1988. Disponível em http://nupps.usp.br/downloads/artigos/ninaranieri/ jurisstf.pdf
Sampaio, H. (2000). Trajetória e tendências recentes do setor privado do ensino superior no Brasil. In Anais do IX Congresso Brasileiro de Sociologia. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em http://www.ilea.ufrgs.br/cipedes/jun00/sampaio/html
Sapio, G. (2010). A educação no Brasil e o princípio da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Ícone.
[1] Bacharela em Direito pela UFBA. Advogada. Pedagoga. Mestra em Estudos Interdisciplinares pela UFBA.
Advogado. Bacharel em Direito pela UFBA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Felipe Almeida Garcia. A expansão do ensino superior privado nos governos FHC e Lula: uma estratégia para efetivar o direito de acesso à educação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 set 2019, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53399/a-expanso-do-ensino-superior-privado-nos-governos-fhc-e-lula-uma-estratgia-para-efetivar-o-direito-de-acesso-educao. Acesso em: 23 dez 2024.
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