GILMARA CARVALHO MAGALHÃES BRAGA[1]
(Coautora)
RESUMO: O presente trabalho possui como principal objetivo demonstrar a impossibilidade de se transferir a propriedade de imóveis financiados pelo Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCV) para a mulher, nas hipóteses apresentados pela Medida Provisória (MP) nº 561 de 08 de março de 2012. A metodologia que foi utilizada foi o método hipotético-dedutivo, onde foi traçado um raciocínio lógico acerca da problemática, utilizando para tanto os meios de pesquisa documental e bibliográfica. A análise do processo legislativo da MP faz-se necessária para a realização da proposta, que será desmembrada nas seguintes etapas: i) apresentação da MP nº 561/2012 enfocando as alterações que a referida medida fez na Lei 11.977/09 (PMCMV) do Governo Federal; ii) apresentação dos institutos do direito que são confrontados pela dada alteração legislativa, que são de cunho cível e constitucional. Conclui-se, por fim, a impossibilidade da conversão em Lei da MP nº561/2012 sem que seja criada uma esfera de insegurança jurídica.
Palavras-chave: Controvérsias. Princípios Constitucionais. Programa Minha Casa Minha Vida. Regime de Bens.
ABSTRACT: The present work has as main objective to demonstrate the impossibility of transferring ownership of properties financed by Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCV) for women, in the cases presented by the Provisional Measure (MP) nº 561 of March 8, 2012. The methodology that was used was the hypothetical-deductive method, which traced a logical reasoning about the problem, using both means of desk research and literature. The analysis of the legislative process of the MP is necessary for the realization of the proposal, which will be broken into the following steps: i) presentation of MPnº 561/2012 focusing on the changes that the measure made the Law 11.977/09 (PMCMV) of Federal Government, ii) presentation of the institutes of law that are faced by the given legislative change, which are civil and constitutional nature. We conclude, finally, the impossibility of conversion of MP Act nº 561/2012 without having created a sphere of legal uncertainty.
Key words: Disputes. Constitutional Principles. My Home My Life Program. Goods Scheme.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 A MEDIDA PROVISÓRIA. 2.1 PROCEDIMENTO LEGISLATIVO DE APRECIAÇÃO, INCIDÊNCIA E VEDAÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA. 2.2 APROVAÇÃO COM ALTERAÇÕES, PERDA DE EFICÁCIA E CONSEQUÊNCIAS DA REJEIÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA. 3 A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 561 DE 08 DE MARÇO DE 2012. 3.1 O PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA – LEI No 11.977/09. 3.2 ALTERAÇÕES PROPOSTAS PELA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 561/2012. 4 ASPECTOS CONTROVERSOS ENTRE A REFERIDA MEDIDA PROVISÓRIA E O DIREITO BRASILEIRO. 4.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. 4.1.1 O princípio da dignidade da pessoa humana. 4.1.2 O princípio da isonomia. 4.2 NORMAS DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. 4.2.1 Os regimes de bens no Direito de Família brasileiro. 4.2.2 A outorga nas transações contratuais. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
A República Federativa do Brasil é formada em sua maioria pelas classes sociais C e D, as quais possuem um poder aquisitivo menor, e, por conseguinte, uma maior dificuldade de adquirir o seu imóvel. Numa tentativa de reverter esta situação, o Governo Federal criou o Programa Minha Casa Minha Vida, o qual possibilita que estas classes sociais que possuem pouca condição financeira, possam adquirir a sua casa ou pagar pela construção da mesma.
O Programa Minha Casa Minha Vida é regido pela Lei Federal 11.977, de 07 de Julho de 2009, que possibilita a requalificação de imóveis urbanos, a construção de unidades habitacionais e a produção ou reforma de imóveis rurais. Recentemente, no dia 08 de março de 2012, foi publicada a Medida Provisória nº 561/2012, a qual, dentre outras atribuições, modifica algumas regras contidas na citada lei federal.
As Medidas Provisórias são expedidas pelo Presidente da República, sendo a forma de atribuição dada ao Poder Executivo para legislar, e assim, possibilitar a sua participação no processo de elaboração de leis. Elas possuem força de lei a partir da data de sua publicação, tendo, a posteriori, que ser convertida em lei após análise pelas Casas do Congresso Nacional, podendo ser rejeitadas ou perder a sua eficácia se não forem acolhidas por estas. Neste interim, as medidas provisórias precisam atender a alguns requisitos legais, constantes no art. 62 da Carta Magna, para que não haja o uso abusivo e que não seja dotada de ilegalidade.
Neste contexto, a princípio será feita a análise dos requisitos para edição das Medidas Provisórias para que se possa adentrar e compreender o presente trabalho, o qual analisará a Medida Provisória nº 561/2012. As modificações propostas pela Medida Provisória nº 561/2012 são várias, ela possui quatro artigos e cada um destes artigos modifica uma lei diferente, ou seja, a Medida Provisória nº 561/2012 traz alterações em quatro leis distintas, das quais serão analisadas de forma resumida em capítulo específico. Contudo, este trabalho tem como foco analisar as modificações propostas pelo art. 3º desta medida provisória, do qual traz alterações na Lei 11.977/09.
As modificações trazidas pelo art. 3º da Medida Provisória nº 561/2012 trazem alterações na aplicabilidade de regras consagradas no ordenamento jurídico, principalmente os concernentes ao Direito de Família e os de cunho patrimonial. Estas alterações na aplicabilidade destes institutos contrariam a forma descrita em lei de aplicação deles, relativisando a sua utilização em somente alguns casos específicos, na tentativa de se chegar à almejada igualdade de direitos. Porém, tais modificações trazem consequências contrárias à desejada, fazendo com que as desigualdades entre homens e mulheres sejam intensificadas.
No capítulo específico que analisará os institutos que estão sendo controvertidos pela Medida Provisória nº 561/2012, poder-se-á verificar o que estas modificações poderão causar no ordenamento jurídico atual, criando uma esfera de insegurança jurídica, pela controversão a institutos do direito brasileiro e de princípios constitucionais consagrados, tais como as normas vigentes que norteiam o Regime de Bens constante no Direito de Família e de Princípios Constitucionais da dignidade da pessoa humana e o da isonomia.
Por tudo isto, o presente trabalho tem por objetivo verificar se existe dano à segurança jurídica, ao direito brasileiro e aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia quando a Medida Provisória nº 561/12 prevê a possibilidade de transferência da propriedade de imóveis financiados pelo programa Minha Casa, Minha Vida para a mulher em caso de separação, divórcio ou dissolução de união estável.
O referido trabalho fará a explanação da problemática sobre a Medida Provisória (MP) n° 561/2012 (BRASIL, 2012), que se encontra em confronto com o regime de bens e os princípios constitucionais. Para que tal discussão possa ser iniciada, aprofundada e totalmente compreendida, faz-se necessário, primeiramente, que sejam abordados, de forma geral, os aspectos concernentes à medida provisória para que assim seja possível o adentramento nos adornos do tema deste artigo.
No âmbito do Processo Legislativo normal, as medidas provisórias são excepcionais, uma vez que ocorre uma inversão deste processo. A regra é a de que o Presidente da República deve enviar ao Poder Legislativo um projeto de lei, e, após a realização de todo o trâmite no Congresso Nacional, o projeto retorna para o Poder Executivo, quando o Presidente sanciona ou veta o projeto de lei que fora aprovado pelo Parlamento. Porém, em relação à medida provisória, o Chefe do Poder Executivo edita o ato normativo já com força de lei, entrando em vigor na data de sua publicação, antes mesmo de ser aprovado pelo Poder Legislativo; este ato, contudo, possui caráter provisório, e apenas tornar-se-á definitivo quando da aprovação pelo Congresso Nacional.
A seguir, com detalhamento, será apresentado todo o procedimento concernente à promulgação de uma MP.
2.1 PROCEDIMENTO LEGISLATIVO DE APRECIAÇÃO, INCIDÊNCIA E VEDAÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA
A matéria em examine encontra-se disciplinada no ordenamento jurídico pátrio no art. 62, e parágrafos, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a qual expressamente estabelece os casos pelos quais se faz necessária a adoção de Medida Provisória, com força de lei, como também estabelece as hipóteses de vedação da edição, prazos e formas de apreciação pelo Congresso Nacional, in verbis: “Art. 62: Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional” (CURIA et al., CRFB, 2012, p.32).
A partir da leitura do próprio texto constitucional acima transcrito, constatam-se as exigências feitas para a edição de uma medida provisória. Faz-se necessário, então, que o Chefe do Executivo Federal atenda aos pressupostos da “relevância e da urgência” e que estes sejam examinados pelo Congresso Nacional. A decisão da urgência é de responsabilidade do Poder Executivo, não havendo, pois, a apreciação da matéria pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Contudo, em face da não existência da urgência alegada, o STF passa a realizar a análise da constitucionalidade da medida provisória, podendo reconhecer a sua inconstitucionalidade pela falta da urgência, que é um imprescindível requisito formal, estabelecido, como visto, pela lei constitucional. Neste diapasão, verifica-se:
A relevância e a urgência não se traduzem em conceitos jurídicos indeterminados, como se poderia supor – e mesmo se supõe com infeliz habitualidade –, mas revelam conceitos objetivos, cuja extração do exato alcance se dará mediante o confronto do caso concreto e o comando constitucional (SILVA NETO, 2009, p.430).
Assim, os motivos que justificam a incidência de uma MP não devem ser dotados de subjetividade e discricionariedade, ou serão declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, cujo papel diz respeito ao controle da constitucionalidade, em vista da flagrante transgressão de norma constitucional, apesar de o Poder Judiciário não participar diretamente do Processo Legislativo. Nem todas as matérias poderão ser apreciadas por MP; os incisos do §1º do art. 62 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) descrevem as hipóteses nas quais é vedada a edição de medida provisória.
A partir de sua edição, a medida provisória entrará em vigor pelo prazo de 60 (sessenta) dias, podendo ser prorrogado por uma única vez em igual período. Poderá a medida provisória, portanto, vigorar pelo prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias, suspendendo-se a contagem temporal durante os períodos de recesso do Congresso Nacional, falando-se, assim, em prorrogação e não em reedição de medida provisória. Se houver, entretanto, convocação extraordinária e medida provisória pendente de apreciação, ela será incluída na pauta extraordinária, de acordo com o §8º do art. 57 da CRFB.
O trâmite da medida provisória no Congresso Nacional é regulado pela Resolução nº 1, de 08/05/2002, que “dispõe sobre a apreciação, pelo Congresso Nacional, das Medidas Provisórias a que se refere o art. 62 da Constituição Federal, e dá outras providências” (REIS, 2004).
A MP, uma vez enviada para apreciação pelo Congresso Nacional, será encaminhada para a Comissão Mista de Deputados e Senadores, os quais emitirão um parecer. Posteriormente, a Emenda Constitucional (EC) nº 32/01 determina que a votação seja realizada em sessões separadas pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional, iniciando-se pela Câmara dos Deputados, por maioria simples, seguindo, depois, para o Senado Federal, que igualmente deverá, antes da análise do mérito e eventual aprovação por maioria simples, avaliar a presença dos requisitos constitucionais exigidos para a sua edição (CRFB, art. 64, caput).
A Câmara de Deputados possui um prazo de 45 dias da data de sua publicação para apreciar a medida provisória. Caso não seja apreciada dentro deste prazo, ela entrará em caráter de urgência, subsequentemente em cada Casa do Congresso Nacional, ficando sobrestado o andamento de qualquer projeto de lei até que seja finalizada a sua apreciação; este procedimento é conhecido como travamento de pauta.
Uma vez aprovada, a medida provisória será convertida em lei, devendo o Presidente do Senado Federal promulgá-la, remetendo ao Presidente da República, o qual, por sua vez, publicará a lei de conversão (MORAES, 2003, p. 552). Se o projeto de lei, porém, vier a modificar o texto da medida, manter-se-á integralmente o conteúdo originário da norma expedida até que seja sancionado ou vetado o projeto em consonância com o §12 do art. 62 da CRFB.
2.2 APROVAÇÃO COM ALTERAÇÕES, PERDA DE EFICÁCIA E CONSEQUÊNCIAS DA REJEIÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA
A medida provisória, pelo fato de ter que passar pelo crivo das duas casas do Congresso Nacional, em sessão separada, poderá sofrer algumas alterações, as quais podem ser aditivas, supressivas, substitutivas ou modificativas. Tais alterações são realizadas por meio de emendas, e tal diploma de conversão em lei que sofrer algum dos tipos de alterações descritas anteriormente, estará sujeito novamente à apreciação do Presidente da República para exercitar a prerrogativa constitucionalmente assegurada de sancioná-la ou vetá-la, e subsequentes promulgação e publicação.
Na hipótese da medida provisória não ser apreciada dentro do prazo descrito anteriormente, e, por isso, não ocorrer a sua conversão em lei, a referida medida provisória perderá a sua eficácia, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por meio de decreto legislativo, as relações jurídicas que decorreram da medida provisória, uma vez que, enquanto estava “correndo” o seu prazo de apreciação, as medidas as quais ela estava disciplinando encontravam-se em vigor, fazendo com que o ordenamento jurídico normativo no qual a medida provisória estava incidindo estivesse sendo aplicado.
Se o Congresso Nacional entender que não deve ser convertida em lei a medida provisória, esta será rejeitada, perdendo os seus efeitos retroativamente, não existindo possibilidade de reedição de medida provisória expressamente rejeitada pelo Congresso Nacional. A sua reedição de medida provisória rejeitada pelo Congresso Nacional configura crime de responsabilidade (CRFB, art. 85, II), cabendo ao Congresso Nacional disciplinar as relações dela decorrentes no prazo de 60 dias (MORAES, 2003, p.553-554). A perda da eficácia da medida provisória, portanto, se dará na hipótese de ela não ser apreciada pelo Congresso Nacional dentro do transcurso do prazo de 60 dias e, se foi solicitada a prorrogação, no prazo de cento e vinte dias. Todas as relações jurídicas decorrentes da medida provisória que perdeu a eficácia deverão ser desfeitas por meio de Decreto Legislativo.
O Congresso Nacional possui o prazo de 60 (sessenta) dias para editar o decreto legislativo nos casos demonstrados de perda de eficácia por decurso do tempo e de rejeição da medida provisória. Se for editado o respectivo decreto legislativo dentro deste prazo, todas as relações jurídicas decorrentes desta medida provisória que perdeu a eficácia ou que foi rejeitada, serão desfeitas, voltando a valer o que anteriormente era disciplinado pelas normas que foram afetadas pela medida provisória, pois esta não foi convertida em lei e passou a não estar mais em vigor.
Se o Congresso Nacional, entretanto, não editar o decreto legislativo dentro do prazo estabelecido, todas as relações jurídicas oriundas da medida provisória serão mantidas; a anterior normatividade que fora afetada pela medida provisória volta a vigorar e as novas relações jurídicas serão feitas com base nesta. As relações jurídicas travadas nesta hipótese não serão desfeitas, porque os indivíduos não podem ficar à espera de uma solução por parte do Congresso Nacional. Desse modo, as relações jurídicas oriundas na vigência da medida provisória, nesta hipótese, continuarão a ser disciplinadas pela medida, mesmo que esta não esteja mais em vigor.
Neste contexto, há a demonstração de que o chamado Travamento da Pauta das casas do Congresso Nacional possui duração determinada, e que após o decurso do prazo, se houver a ocorrência das hipóteses descritas anteriormente, a Câmara de Deputados e o Senado Federal darão prosseguimento às suas outras atribuições.
3. A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 561 DE 08 DE MARÇO DE 2012
Após a necessária análise dos detalhes concernentes à edição e incidência de uma medida provisória, agora é possível adentrar no conteúdo que é o foco de estudo deste artigo.
Nesse diapasão, a atual chefe do Poder Executivo da República Federativa do Brasil, a presidente Dilma Rousseff, no uso de suas atribuições, no dia 08 de março de 2012, anunciou, em rede nacional de rádio e televisão, a publicação da medida provisória (MP) nº 561/2012, que, dentre outras atribuições, propunha mudanças de regras no Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), pertencente ao Governo Federal (BRASIL, 2012).
A presente MP nº 561/2012, em seu art. 3º, acrescenta os artigos 35-A e 73-A à Lei Federal nº 11.977, de 07 de Julho de 2009, que dispõe sobre o PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas (BRASIL, 2012). Uma vez compreendido todo o trâmite legal para a edição de uma medida provisória, neste momento faz-se necessária a compreensão de seu conteúdo e das peculiaridades da respectiva medida provisória em apreço.
Esta MP primeiramente contraria o requisito da relevância e da urgência exigidas no caput do art. 62 da CRFB. A não observância destes requisitos implica pela sua não conversão em lei pelo Congresso Nacional, por ausência dos pressupostos constitucionais. Excepcionalmente, porém, quando presente desvio de finalidade ou abuso de poder de legislar, por flagrante inocorrência da urgência e relevância, poderá o Poder Judiciário adentrar a esfera discricionária do Presidente da República, garantindo a supremacia constitucional, por Ação Direta de Inconstitucionalidade (MORAES, 2003, p. 558). A Medida Provisória nº 561/2012 também apresenta-se com uma série de controvérsias em relação à legislação civil em vigor e em relação aos princípios constitucionais. Estas controvérsias apresentam-se como sendo o foco do presente trabalho.
Somente pela não observância dos requisitos da relevância e da urgência já não seria possível a sua conversão em lei. Mas, a MP em apreço também contraria institutos do direito brasileiro, que será estudado profundamente. Apesar de a referida MP também modificar outros dispositivos de lei, estes outros pontos não são o foco do presente trabalho. Ainda assim, os outros dispositivos de lei serão citados posteriormente somente a título de apresentação da MP em evidência.
A seguir, primeiramente, far-se-á o estudo do supracitado Programa sobre o qual estão incidindo os respectivos artigos acrescentados pela MP nº 561/2012, evidenciados como o foco de estudo deste trabalho. Serão estudadas ainda as leis que estão sendo alteradas pela MP. Considerar-se-á também o reflexo no ordenamento jurídico atualmente em vigor, bem como o reflexo na sociedade, que é direta e negativamente afetada pelas mudanças propostas pela Medida.
3.1 O PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA – LEI No 11.977/09
O PMCMV é regulamentado, no ordenamento jurídico pátrio, pela Lei nº 11.977 de 07 de julho de 2009; esta também faz a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas (BRASIL, 2009). De acordo com esta legislação, o PMCMV possui as seguintes finalidades, como pode ser verificado em seu art. 1º e incisos, in verbis:
Art. 1o O Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV tem por finalidade criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais) e compreende os seguintes subprogramas. (BRASIL, 2009). (grifo nosso)
O intuito do Governo Federal que criou o PMCMV, como pode ser visto no caput do artigo acima citado, é o de diminuir a falta de casas para a população que se enquadra na faixa de renda que o programa contempla, falta esta que é conhecida como déficit de moradia ou déficit habitacional. O financiamento deste deve ser realizado pela Caixa Econômica Federal (CEF). A CEF traçou alguns perfis, que, obrigatoriamente, têm que ser atendidos para que o interessado possa participar do programa e, assim, ter o seu imóvel financiado.
A Lei nº 12.424 de 16 de junho de 2011 alterou a Lei nº 11.977/09, modificando as faixas de renda da população que poderá ser contemplada pelo programa. No entanto, a cartilha que explica os detalhes referentes ao PMCMV, disponível no site da Caixa Econômica Federal, reza que:
A meta é ambiciosa: construir dois milhões de habitações, priorizando famílias com renda bruta de até R$ 1.600,00, mas que também abrange famílias com renda de até R$ 5.000,00. Aquisição de empreendimentos na planta, para famílias com renda bruta de até R$ 1.600,00, pelo FAR – Fundo de Arrendamento Residencial, em parceria com o Poder Público (Estados e municípios). As famílias com renda de até R$ 3.100,00 serão beneficiadas com subsídio nos financiamentos com recursos do FGTS. Aquelas com renda até R$ 5.000,00 terão acesso ao Fundo Garantidor da Habitação. Financiamento às empresas da construção civil do mercado imobiliário para a produção de habitação popular visando ao atendimento de famílias com renda de até R$ 5.000,00, priorizando a faixa acima de R$ 1.600,00 a R$ 3.100,00. Financiamento habitacional destinado a tornar acessível a moradia para famílias com renda mensal até R$ 1.600,00, organizadas e apresentadas por Entidades Organizadoras (EO), assim entendido as Cooperativas, Associações ou entidades da sociedade civil sem fins lucrativos. Concessão de subsídios com recursos do OGU, ao beneficiário, pessoa física, para produção de Unidade Habitacional em área rural, na modalidade aquisição de Material de Construção para construção/conclusão/ reforma/ ampliação de Unidade Habitacional. Conceder, no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação – SFH, financiamento habitacional e subsídios lastreados em recursos do FGTS e do OGU, ao beneficiário, pessoa física, agricultor familiar e trabalhadores rurais organizados por uma Entidade Organizadora, destinado à produção de unidade habitacional localizada na área (CARTILHA MINHA CASA MINHA VIDA – CEF, 2012, p. 3).
Esta cartilha detalha tudo que o interessado tem que saber para poder verificar se está apto a ser um beneficiário do PMCMV. Porém, a referida cartilha ainda não foi atualizada com os novos valores de renda apresentados pela MP nº 561/2012, a qual já se encontra em vigor. Por essa razão, o interessado tem que consultar tal legislação para a verificação de tais modificações.
O Programa foi lançado em 25 de março de 2009 pela MP nº 459, que em julho do mesmo ano fora convertida na Lei nº 11.977/09. Como demonstrado, o Governo visa construir dois milhões de casas para famílias que recebem até dez salários mínimos. Nesta faixa salarial, a prestação mínima é de R$ 50,00 e o valor máximo que poderá ser comprometido do orçamento da família é em torno de 10%, em um prazo de 10 anos. De acordo com o art. 3º da Lei 11.977/09, o interessado em se tornar beneficiário do PMCMV deve atender aos seguintes requisitos:
Art. 3o Para a indicação dos beneficiários do PMCMV, deverão ser observados os seguintes requisitos: (grifo nosso)
I - comprovação de que o interessado integra família com renda mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais);
II - faixas de renda definidas pelo Poder Executivo federal para cada uma das modalidades de operações;
III - prioridade de atendimento às famílias residentes em áreas de risco ou insalubres ou que tenham sido desabrigadas;
IV - prioridade de atendimento às famílias com mulheres responsáveis pela unidade familiar; e
V - prioridade de atendimento às famílias de que façam parte pessoas com deficiência. (BRASIL, 2009) (grifo nosso)
Além destes requisitos, o candidato a beneficiário do PMCMV não pode ter nenhum imóvel quitado ou em financiamento no seu nome; o seu Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) não pode ter sido usado a partir de 10 de maio de 2005 para quitação de prestação ou financiamento pela CEF. O nome não deve constar em nenhum cadastro de restrição ao crédito, como o SPC, SERASA, Banco Central e quaisquer outros órgãos financeiros.
Após o cadastro realizado, se o interessado estiver apto, ou seja, se estiver enquadrado nos requisitos exigidos de participação no PMCMV, a CEF poderá liberar o financiamento do imóvel (casa, construção ou apartamento). O financiamento feito poderá ser quitado pelo participante do PMCMV em até 35 anos, tendo 100% do valor financiado.
No momento da assinatura do respectivo contrato de financiamento, o interessado poderá escolher entre dois tipos de financiamento, quais sejam: Sistema de Amortização Constante, conhecido como Tabela SAC, cujo valor das prestações iniciais é maior e vai diminuindo gradativamente, resultando em um saldo menor no final; e Tabela Price, cujo valor das parcelas é o mesmo ao longo dos anos, porém o saldo devedor torna-se maior, porque há um acúmulo de juros com o passar do tempo, fazendo com que este saldo devedor seja maior no final.
Atualmente encontra-se em fase de tramitação, no Plenário Federal, a MP nº 561 de 08 de março de 2012, que tem por objeto a alteração das Leis no 12.409, de 25 de maio de 2011; no 11.578, de 26 de novembro de 2007; no 11.977, de 7 de julho de 2009; e no 10.188, de 12 de fevereiro de 2001 (BRASIL, 2012).
3.2 ALTERAÇÕES PROPOSTAS PELA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 561/2012
As alterações propostas pela MP nº 561/12 já se encontram em vigor no ordenamento jurídico pátrio desde a data de 08 de março de 2012 pois, como visto no capítulo 1 do presente trabalho a partir de sua publicação a medida provisória passa a possuir força de lei, entrando em vigor. Sendo assim, apesar da MP nº 561/2012 atualmente estar em fase de apreciação pelo Congresso Nacional, todas as suas propostas normativas já estão sendo colocadas em prática.
A Exposição Interministerial de Motivos à MP nº 561/2012 (EMI Nº 06/2012 - MCIDADES/MF/MP/MI) (RIBEIRO, et al., 2012) descreve a relevância da referida MP e justifica as alterações propostas por ela. A seguir, serão citadas todas as modificações propostas pela dada MP e somente as alterações relacionadas ao tema do presente trabalho é que serão aprofundadas em posterior discussão.
A MP nº 561/2012 faz alterações pontuais em regras dos financiamentos do PMCMV, principalmente para adequar ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), às operações vinculadas ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) ou com recursos do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS).
O art. 1º da proposta de MP nº 561/12 começa alterando Lei nº 12.409, de 25 de maio de 2011, que autoriza o Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS, a assumir, na forma disciplinada em ato do Conselho Curador do Fundo de Compensação de Variações Salariais - CCFCVS, direitos e obrigações do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro da Habitação - SH/SFH e dá outras providências.
A Exposição Interministerial nº 06/2012 (RIBEIRO, et al., 2012) justifica tal alteração pelo fato da urgente e relevante necessidade de recuperação das estruturas produtivas que foram destruídas nas enchentes ocorridas nos meses de dezembro de 2011 e janeiro de 2012, as quais deixaram muitas vítimas, objetivando assim, garantir a rápida recuperação das condições socioeconômicas das regiões afetadas.
O art. 2º da proposta de MP acrescenta dispositivos à Lei nº 11.578, de 26 de novembro de 2007, que dispõe sobre a transferência obrigatória para a execução pelos Estados, Distrito Federal e Municípios de ações do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC e sobre a forma de operacionalização do Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social - PSH, nos exercícios de 2007 e 2008.
A Exposição Interministerial nº 06/2012 (RIBEIRO, et al., 2012), que justifica a MP nº 561/12, relata que a urgência e a relevância da proposta apresentada pelo art. 2º se justificam pela necessidade de haver a retardação de empreendimentos de saneamento básico no País, o que poderia ocasionar prejuízos às respectivas populações, e, em especial, à camada de baixa renda, com sérios reflexos para a saúde pública e para o meio ambiente. Embora relevante, este ainda não é o objeto principal de estudo deste artigo.
O art. 3º do projeto de MP altera a Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, que dispõe sobre o PMCMV. Este é o foco principal do trabalho. As alterações objetivam dar um melhor entendimento à redação da Lei do PMCMV, com o intuito de que a população interessada em ser beneficiada pelo Programa possa entender melhor o funcionamento deste como também os aspectos que requerem adequação de natureza operacional. Neste sentido, propõe-se , na Lei n° 11.977, de 2009, dentre outras modificações não relevantes para o trabalho, que:
Art. 35-A. Nas hipóteses de dissolução de união estável, separação ou divórcio, o título de propriedade do imóvel adquirido no âmbito do PMCMV, na constância do casamento ou da união estável, com subvenções oriundas de recursos do Orçamento-Geral da União, do FAR e do FDS, será registrado em nome da mulher ou a ela transferido, independentemente do regime de bens aplicável, excetuados os casos que envolvam recursos do FGTS.
Parágrafo único. Nos casos em que haja filhos do casal e a guarda seja atribuída exclusivamente ao marido ou companheiro, o título da propriedade do imóvel será registrado em seu nome ou a ele transferido.
Art. 73-A. Excetuados os casos que envolvam recursos do FGTS, os contratos em que o beneficiário final seja mulher chefe de família, no âmbito do PMCMV ou em programas de regularização fundiária de interesse social promovidos pela União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, poderão ser firmados independentemente da outorga do cônjuge, afastada a aplicação do disposto nos arts. 1.647 a 1.649 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.” (BRASIL, 2012) (grifos nossos)
Analisando tais dispositivos, de acordo com a Exposição Interministerial nº 06/2012 (RIBEIRO, et al., 2012), verifica-se que as alterações realizadas objetivaram permitir que a mulher chefe de família, em todas as operações com recursos do Orçamento Geral da União, possa firmar contratos independentemente da outorga do cônjuge, a possibilidade, nas hipóteses de dissolução de união estável, separação ou divórcio, de o título da propriedade do imóvel adquirido no âmbito do PMCMV, com subvenções oriundas de recursos do Orçamento-Geral da União, do FAR e do FDS, de ser registrado em nome da mulher ou a ela transferido, exceto nos casos em que haja filhos e em que a guarda seja atribuída exclusivamente ao marido ou companheiro.
As hipóteses dos artigos 35-A e 73-A, que foram inseridas na Lei nº 11.977/09 pela MP nº 561/12, já em vigor, criam uma série de controvérsias no ordenamento jurídico atual. Tais artigos confrontam-se diretamente com princípios constitucionais e normas do Código Civil de 2002, possibilitando às mulheres direitos por meio dos quais se cria um ambiente de insegurança jurídica. Tais artigos são o foco do presente trabalho e serão tratados em capítulo específico.
O art. 4º da MP nº 561/12 propõe a alteração à Lei nº 10.188, de 12 de fevereiro de 2001, que dispõe sobre o Programa de Arrendamento Residencial, institui o arrendamento residencial com opção de compra e dá outras providências.
Conforme a Exposição Interministerial nº 06/2012 (RIBEIRO, et al., 2012), a proposta é justificada pela urgência e relevância da necessidade de se oferecer a imediata continuidade, com os devidos aperfeiçoamentos, do PMCMV que já se demonstrou altamente capaz de manter o crescimento econômico, a geração de empregos e renda e a redução do déficit habitacional.
4. ASPECTOS CONTROVERSOS ENTRE A REFERIDA MEDIDA PROVISÓRIA E O DIREITO BRASILEIRO
Fazendo-se uma breve análise das conquistas das mulheres na história da humanidade, verifica-se a sua participação efetiva na luta para superar condutas discriminatórias. A própria origem do Dia Internacional da Mulher rompe com o estereótipo de que mulheres aceitavam passivamente e sempre a sua opressão.
Após a Segunda Guerra Mundial e notadamente a partir da década de 1960, as mulheres começaram a entrar em massa no mercado de trabalho. Contudo, para se livrarem do estereótipo da fragilidade, foi comum, especialmente nas décadas de 1980 e 1990, a procura por uma homogeneização de uma imagem masculina (CRUZ, 2005, p. 58-68).
Este contexto justifica o motivo pelo qual a atual Presidente da República do Brasil, a presidente Dilma Rousseff, escolheu o dia 08 de março de 2012, Dia Internacional da Mulher, para pronunciar em rede nacional de comunicação (televisão e rádio), a Medida Provisória nº 561/2012, que dá alguns direitos às mulheres, seres frágeis e susceptíveis aos maus tratos por parte do sexo oposto.
A MP nº 561/2012 dá a possibilidade de se transferir a propriedade de imóveis financiados pelo PMCMV para a mulher em caso de separação, divórcio ou dissolução de união estável, como também a possibilidade da mulher, em todas as operações com recursos do Orçamento Geral da União, firmar contratos independentemente da outorga do cônjuge, mesmo na constância do matrimônio ou união estável. A primeira regra somente não será aplicada quando o casal tiver filhos e a guarda deles, após a separação, for dada exclusivamente ao pai, sendo, neste único caso, a propriedade do imóvel atribuída ao pai; a segunda regra poderá ser praticada mesmo se o casal tiver ou não filhos.
É cediço que há a necessidade de se proteger aqueles que são discriminados, por isso o ordenamento jurídico brasileiro possui uma vasta legislação específica no intuito de se garantir os direitos de grupos que são muitas vezes maltratados e excluídos da sociedade, porém, há um limite para a garantia desses direitos, não podendo apenas se criar leis em benefício de uma classe em detrimento de direitos já sedimentados e que garantem a igualdade. A legislação que deve ser modificada é aquela que de fato cria um ambiente discriminatório e não aquela que cuida para que haja a participação mútua e igualitária dentro da sociedade.
O direito concedido às mulheres pela MP em análise cria uma esfera de insegurança jurídica, abrindo assim, precedentes para que qualquer Chefe do Poder Executivo que estiver em posse crie medidas para que seja privilegiado o seu próprio sexo em detrimento do sexo oposto, criando um ambiente discriminatório, o qual atualmente está se tentando acabar; em consequência, tais atos fugiriam aos emanados nos preceitos da igualdade e justiça social esperados em uma democracia, contrariando normatizações já sedimentadas e respeitadas no direito brasileiro.
Neste diapasão, Pimenta Bueno, citado por Mello (2000, p. 18), assevera que “a lei deve ser uma e a mesma para todos; qualquer especialidade ou prerrogativa que não for fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania”.
Por tudo isto, a seguir, serão analisados todos os institutos do direito brasileiro que estão sendo contrariados pela referida MP.
4.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Os Direitos Fundamentais constituem uma categoria jurídica, constitucionalmente erigida e vocacionada à proteção da dignidade humana em todas as dimensões, prestando-se ao resguardo do ser humano (ARAÚJO e NUNES JÚNIOR, 2006, p. 110). Neste contexto, a CRFB em seu art. 5º, traz um rol de diversos direitos e garantias que conferem a existência legal de direitos reconhecidos ao longo da história, de disposições assecuratórias, os quais atuam na proteção dos direitos fundamentais, limitando o poder estatal.
Neste diapasão, toda e qualquer legislação infraconstitucional tem que estar em consonância com os direitos e garantias fundamentais determinadas pela CRFB, e as legislações que infringirem as referidas regras, devem ser declaradas inconstitucionais e toda a incidência que provocaram no ordenamento jurídico enquanto estavam em vigor, devem ser desfeita e regulamentada com uma outra legislação que esteja de acordo com estes direitos e garantias.
A MP em apreço transgrediu alguns destes direitos fundamentais que são apresentados no ordenamento jurídico brasileiro na forma de princípios, sendo, a seguir, o objeto de estudo.
4.1.1 O princípio da dignidade da pessoa humana
O princípio da dignidade da pessoa humana está expresso no inciso III do art. 1º da CRFB/88, o qual faz parte do rol dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro como núcleo central obrigatório de todos os direitos. Neste contexto, o douto doutrinador Silva Neto (2008, p. 252), esclarece que o dado princípio “é o fim supremo de todo o direito; logo, expande os seus efeitos nos mais distintos domínios normativos para fundamentar toda e qualquer interpretação. É o fundamento maior do Estado brasileiro”.
Ingo Wolfgang Sarlet (apud por Guerra e Emerique, 2006, p.382), propôs uma conceituação jurídica para a dignidade da pessoa humana:
Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos. (SARLET, 2001 apud GUERRA e EMERIQUE, 2006, p. 382). (grifo nosso)
A MP nº 561/2012 cria um ambiente discriminatório entre homens e mulheres a partir do momento que modifica regras do Direito de Família, fazendo com que as mulheres sejam beneficiadas com a automática transferência do bem adquirido na constância do casamento ou da união estável pelo Programa Minha Casa Minha Vida, e ainda que tenham o benefício da não necessidade da outorga marital na assinatura de contratos realizados pelas mulheres. Este tipo de financiamento será mais bem estudado em momento oportuno.
As referidas disposições normativas discriminam o homem neste tipo de contratação para a aquisição do imóvel familiar. Não se trata aqui de desmerecer todo o esforço por parte das mulheres na histórica “luta” pela garantia e igualdade de seus direitos para com os dos homens. Todavia, tais benefícios dados às mulheres poderão ocasionar duas reações distintas: i) aqueles que não são casados, não desejarão mais se casar; ii) aqueles lares que já estão de alguma forma destruídos, os quais não tenham efetivamente condições de sustentar o relacionamento, tais lares serão perpetuados, uma vez que, com o desfazimento do o relacionamento, o homem não ficará no imóvel.
Verifica-se também o enriquecimento sem causa das mulheres nestas condições dadas pelos direitos concedidos pela referida medida provisória. Para que haja a sumária transferência do imóvel para a mulher nos moldes apresentados pelo artigo modificador, faz-se necessário que este bem seja adquirido pelo casal na constância de seu casamento ou união estável. Uma vez tendo havido a aquisição neste período de comunhão amorosa/familiar, subentende-se que há a aplicação, o investimento financeiro de ambas as partes, ambos os companheiros trabalharam e contribuíram pecuniariamente para que o bem pudesse ser adquirido.
Ambas as partes, então, tiveram o seu perfil econômico/social analisado por parte da agência financiadora e os dois tiveram que assinar o contrato de financiamento junto a CEF. Houve uma partilha de investimento, de sonho e de planejamento. Apesar disso, se, por ventura, algum motivo acarretar no término do relacionamento entre o casal, o homem sairá sem direitos em relação ao patrimônio que ele ajudou a adquirir, salvo se ele ficar com a guarda dos filhos ou se ele tiver utilizado o seu FGTS no financiamento do imóvel. Estes fatos demonstram o não respeito ao dado princípio da dignidade da pessoa humana.
4.1.2 O princípio da isonomia
O princípio da isonomia ou da igualdade encontra-se preconizado no art. 5º, I e no art. 226, §5º, ambos da CRFB, quais sejam:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.
Art. 226 A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...)
§5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. (CURIA et. al., CRFB, 2012, p.72). (grifos nossos)
A CRFB possui vários dispositivos que garantem a proteção dos direitos das mulheres, que foram conquistados por elas, podendo ser visualizados quando da análise da história da humanidade, e com o fim da discriminação do gênero, podendo ainda ser constatado nos dispositivos constitucionais que garantem, entre outras coisas:
A proteção à maternidade (art. 6º e art. 201, II); a licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias (art. 7º, XVIII); a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei (art. 7º, XX); a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo (art. 7º, XXX); o reconhecimento da união estável (art. 226, § 3º) e como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, § 4º); a determinação de que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal serão exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (art. 226, § 5º); a constitucionalização do divórcio (art. 226, § 6º); o planejamento familiar (art. 226, § 7º) e a necessidade de coibir a violência doméstica (art. 226, § 8º) ( BRASIL, RE 227.114/SP,2012).
Tais dispositivos constitucionais elucidam a necessidade de se ter normas que garantam os direitos das mulheres, mas que têm que estar em conformidade com a atual realidade brasileira. Como fora demonstrado, tratando-se da sociedade conjugal, tanto o homem quanto a mulher possuem direitos e deveres iguais, portanto, ambos, quando da dissolução/separação desta união, têm que suportar de forma igualitária as consequências desta.
O casamento e a união estável são um negócio jurídico, em que ambas as partes assumem obrigações recíprocas e que têm ônus quando da quebra do contrato matrimonial. Antes da feitura deste, as partes escolhem qual o regime que deve vigorar na constância do casamento ou da união, podendo parâmetros específicos serem determinados no momento da contratação. Estes detalhes serão estudados quando da análise do texto cível modificado. Segundo o douto doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello:
Há ofensa ao preceito constitucional da isonomia quando:
A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada.
A norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a fator de discrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes outorgados.
A norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente (MELLO, 2000, p. 47).
Neste diapasão, a medida provisória em apreço autoriza o tratamento diferenciado das mulheres que adquirem o imóvel juntamente com o seu companheiro, nas condições da referida MP, em um contexto em que ambos deveriam ser tratados de forma igualitária, ferindo o dado Princípio da Isonomia.
O dispositivo da MP, o art. 35–A é inconstitucional, uma vez que cria um tratamento diferenciado àqueles que estão em um mesmo patamar de igualdade. Tal diferenciação não poderá ser feita por norma oriunda de medida provisória, porque, de certa forma, pode-se dizer que também neste caso que há o ferimento do Princípio da Legalidade.
4.2 NORMAS DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
O casamento ou a união estável é um negócio jurídico contraído entre um homem e uma mulher, os quais não possuem obstáculos matrimoniais para a realização de tal negócio jurídico, que se faz revestido de publicidade, solenidade, e manifestação consciente, de ambas as partes, da vontade de constituir uma família.
O instituto da meação, inserido no direito de família brasileiro e intrinsecamente relacionado ao regime de bens, consiste na divisão, na partilha da metade do patrimônio comum de um casal em razão da dissolução da sociedade conjugal.
Neste contexto, há com o casamento o estabelecimento de direitos e obrigações que se aplicam às pessoas e aos bens patrimoniais dos cônjuges. Em relação aos bens patrimoniais, as normas especiais as quais disciplinam os seus efeitos são regidas pelo Regime Matrimonial de Bens. Não há como não haver o estabelecimento de um Regime de Bens quando da celebração do casamento ou na constância da união estável, logo, ele pode decorrer da lei ou de pacto entre as partes, possuindo o termo inicial a partir da data do matrimônio.
Já quando se tratar da disposição dos bens na constância da união ou do matrimônio, há expressa limitação quanto aos atos da disposição, conforme o art. 1.647 do CC/02 (CURIA et. al., CC/02, 2012, p.256). Para que haja a prática desta disposição (por exemplo, venda, doação, gravação, dentre outros), há a necessidade da autorização expressa do cônjuge, a qual é conhecida como outorga, que no caso da mulher se chama outorga uxória e no caso do homem, chama-se outorga marital.
Neste ínterim, nenhum dos cônjuges poderá dispor, vender ou onerar bens imóveis da propriedade do casal ou de sua propriedade (dependendo do regime de bens) sem que haja a expressa e formal outorga pelo cônjuge. A MP em evidência, transgride esta regra em seu art. 73-A e ainda o regime de bens é desconsiderado em seu art. 35-A. A seguir, cada um destes dispositivos será estudado separadamente e de forma aprofundada.
4.2.1 Os regimes de bens no Direito de Família brasileiro
Há uma variedade de regime de bens no direito brasileiro, os quais serão escolhidos de acordo com a vontade dos nubentes. Há quatro tipos diferentes, quais sejam: o da comunhão universal; o da comunhão parcial; o da separação (obrigatória ou convencional); e o da participação final nos aquestros. Portanto, o objeto das relações patrimoniais entre os cônjuges é o critério da comunicação ou o da separação dos patrimônios, sendo o regime de bens responsável pela definição de em que medida comunicar-se-ão os bens do casal, quando da dissolução da sociedade conjugal, não podendo assim esta separação ser determinado por Medida Provisória.
No regime da comunhão universal de bens há a inconcussa e ilimitada reunião patrimonial. Todos os bens que tenham sido adquiridos antes ou depois do casamento, independentemente de a aquisição ter se dado de forma onerosa ou gratuita, pertencerão, por expressa disposição legal, ao casal em comunhão. Excepcionalmente, serão excluídos da reunião patrimonial: i) os bens doados a um dos cônjuges ou por eles herdados com cláusula de inalienabilidade e os subrrogados em seus lugares; ii) os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário enquanto não implementada a condição suspensiva; iii) as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos; iv) as doações nupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com cláusula de incomunicabilidade, bem como os livros, os bens de uso pessoal e os instrumentos atrelados à profissão, os proventos do trabalho, meios-soldos ou montepios.
O regime da comunhão parcial de bens dispõe que farão parte da comunhão os bens adquiridos a título oneroso na constância da união. Os bens que cada um dos cônjuges possuía antes de casar continuam a lhes pertencer única e exclusivamente, não fazendo parte da comunhão, neste mesmo contexto, os bens que sobrevierem ao casamento e que forem adquiridos a título gratuito e de forma isolada por cada cônjuge, como por exemplo, por meio de doação ou herança, como também aqueles que forem adquiridos em subrrogação aos particulares alienados, recebendo assim, em todos estes casos descritos anteriormente, o título de bens particulares. Serão comunicados os bens descritos nos artigos 1.658 a 1.660 do Código Civil de 2002.
Na separação obrigatória, em certos casos, o regime imposto pela lei, quando não cabe aos cônjuges o direito de estabelecer a comunicabilidade de bens por meio de pacto antenupcial, o qual restará integralmente nulo, e portanto, sem efeito algum. As hipóteses da separação obrigatória estão previstas no artigo 1.641 do CC/02. Ressalta-se que, tratando-se de casamentos por quem não alcançou a idade núbil, se os representantes autorizarem o casamento, dispensando-se o suprimento judicial, os nubentes poderão escolher o seu regime de bens.
O atual CC/02 alterando a nomenclatura "condomínio", adotada pela Lei nº 9.278/96 que regia a matéria, preconiza que, na união estável, o regime de bens vigente é o da comunhão parcial. Neste âmbito, segundo entendimento unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar um recurso que tratava do tema, a separação obrigatória de bens do casal em razão da idade avançada de um dos cônjuges, prevista no CC/02, pode ser estendida para uniões estáveis [BRASIL, REsp 1.090.722/SP (2008/0207350-2), 2010].
Na separação convencional, o regime é escolhido pelas partes por meio da lavratura de escritura pública de pacto antenupcial. Neste regime, cada cônjuge terá patrimônio exclusivo, não havendo, em via de regra, nenhuma comunicação patrimonial. Excepcionalmente, por meio de previsão no pacto pré-nupcial, poderão ser fixadas regras que prevejam a comunicação de certos bens, de acordo com o artigo 1.639 do CC/02, caso em que será lícito afirmar que a separação é parcial. O pacto pré-nupcial ou antenupcial é um instrumento público por meio do qual os noivos elegem regime diverso do oficial (que no direito brasileiro é o da comunhão parcial) e do obrigatório (casos determinados por lei), quando os futuros cônjuges poderão deliberar sobre o destino dos bens, desde que não contrarie a lei.
No regime de participação final nos aquestros, durante a constância do matrimônio, as regras que vigoram neste são as que regem o regime da separação, ou seja, cada cônjuge administra isoladamente os bens que possuir, não havendo a comunicabilidade dos bens. Após o término do casamento e sua eventual invalidação/dissolução/separação/divórcio ou pela morte, serão levadas em consideração as regras atinentes no regime da comunhão parcial de bens, quando serão partilhados os bens adquiridos na constância do casamento a título oneroso.
Após a análise de todos os tipos possíveis de regime de bens admitidos no Direito de Família brasileiro, podem-se formular as seguintes indagações em relação à proposta feita pelo seguinte artigo constante na MP nº 561/2012, que modifica a Lei 11.977/09, literis:
Art. 35-A. Nas hipóteses de dissolução de união estável, separação ou divórcio, o título de propriedade do imóvel adquirido no âmbito do PMCMV, na constância do casamento ou da união estável, com subvenções oriundas de recursos do Orçamento-Geral da União, do FAR e do FDS, será registrado em nome da mulher ou a ela transferido, independentemente do regime de bens aplicável, excetuados os casos que envolvam recursos do FGTS. (grifo nosso)
Parágrafo único. Nos casos em que haja filhos do casal e a guarda seja atribuída exclusivamente ao marido ou companheiro, o título da propriedade do imóvel será registrado em seu nome ou a ele transferido. (BRASIL, 2012)
O citado artigo impõe a desconsideração de qualquer dos regimes de bens existentes no ordenamento jurídico quanto ao título de propriedade do imóvel adquirido no âmbito do PMCMV, o qual deverá ser registrado em nome da mulher ou a ela transferido. Tal ordem encontra-se em discrepância com a atual normatividade que rege o direito de família, principalmente as regras atinentes às disposições dos bens pelas partes no âmbito e na dissolução da sociedade conjugal.
Anteriormente, fora estudado cada um dos regimes de bens existentes no direito de família brasileiro, constante no Livro IV, Título II, Subtítulo I do Código Civil de 2002 (CC/02). A escolha do regime de bens obedece ao Princípio da Livre Disposição dos Bens, o qual proporciona a opção de escolha aos nubentes para que realize a desejada escolha do melhor regime que vigorará após o casamento e, assim, vai dispor a forma pela qual haverá a comunicabilidade e as regras para normatizar como devem ser separados os bens adquiridos antes e depois da união ou do casamento.
O Princípio da livre disposição dos bens é apresentado logo no artigo que inicia o subtítulo I, que rege as regras concernentes ao regime de bens entre os cônjuges, que é o “art. 1.639: é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”, ou seja, é a oportunidade dada às partes que desejam celebrar o negócio jurídico do matrimônio, de escolher como eles querem que a sociedade conjugal seja administrada, como será a partilha de seus bens após a união.
Após o casamento, o regime de bens que os nubentes escolheram começa a vigorar desde a data do casamento (art. 1.639, §1º), não havendo, então, mais a possibilidade da aplicação do Princípio da Livre Disposição dos Bens, pois todos os bens estarão vinculados ao regime de bens escolhido. Somente mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros, é que poderá haver a alteração do regime de bens durante a constância do casamento (art. 1.639, §2º).
Neste contexto, não é facultativo ter ou não um regime de bens regendo o casamento ou união (esta rege-se pelo da comunhão parcial de bens). Se em ambas as formas de união entre os nubentes, as partes não escolherem qual o regime de bens eles querem que normatize o seu matrimônio, será automaticamente o da comunhão parcial de bens (art. 1.640).
O casamento ou a união estável, como já foi explanado em outro momento, é um negócio jurídico, e, portanto, regido por regras específicas que devem ser obedecidas, sob a pena de haver a declaração de nulidade ou ineficácia, desfazendo o negócio, e tendo, logicamente, todas as consequências que qualquer outro negócio jurídico teria diante tal situação. Dessa forma, não poderá surgir um regramento adverso do que já vigora, impondo um benefício para uma das partes, levando somente em consideração o seu sexo. A justificativa visualizada no capítulo 3, mais precisamente no subtítulo 3.2, em relação ao motivo da imposição deste art. 35-A não condiz com a necessidade e urgência necessárias para que o referido artigo fosse publicado e, então, a justificativa em nada é plausível.
É notória a insegurança jurídica criada pelo artigo em apreço, pois desconsiderar o regime de bens, que é dotado de tantos critérios, para que a mulher fique com um imóvel financiado por um programa federal, é desconstituir o Direito Patrimonial da importância que ele possui e abrir oportunidade para uma verdadeira guerra legislativa em benefício a um sexo. O homem é meeiro dos bens adquiridos pelo casal na constância de sua união ou casamento, e o seu direito à metade do patrimônio construído por ambos está lhe sendo tirado, configurando a insegurança criada por tal MP. Uma legislação infraconstitucional não pode determinar tais regras, e estas estão ferindo os direitos de igualdade emanados pela CRFB, demonstrando a sua inconstitucionalidade.
O próprio CC/02 abre a possibilidade de os cônjuges deliberarem sobre o destino de seus bens, desde que não contrarie a lei. As partes podem celebrar um contrato, chamado de Pacto Antenupcial e evidenciarem a vontade do imóvel ficar com a cônjuge ou companheira quando da separação, divórcio ou dissolução, respectivamente. Comumente, um dos cônjuges poderá doar ao outro cônjuge o imóvel, desde que com cláusula de incomunicabilidade. Como se pôde ver, a própria lei cível dá alternativas de formas pelas quais o casal pode, em comum acordo, determinar que a mulher fique com o imóvel, sem que isto seja uma imposição legislativa.
O que poderá ser verificado no caso da conversão da MP em lei, além dos já apresentados no último parágrafo do subtópico 4.1.1, é que, como o parágrafo único do art. 35-A dá o direito do imóvel ficar para o homem, se este tiver a guarda dos filhos, com certeza haverá um aumento de processos de guarda perante a justiça, de homens pleiteando a guarda de seus filhos.
Todos estes infortúnios criados pelo art. 35-A abala as bases do núcleo central da sociedade, que é a família, quando todas as relações eram normatizadas de forma a não haver nenhum tipo de diferença entre os cônjuges, e agora passa a dar um direito às mulheres, que levando em consideração a sociedade, elas deveriam ser protegidas de outra maneira, a simples transferência do imóvel não garantirá que as mulheres sejam protegidas, como pode se verificar na alta incidência de violência doméstica e pela necessidade da aplicação da Lei Maria da Penha.
4.2.2 A outorga nas transações contratuais.
Há restrições à liberdade de ação do homem e da mulher casados, dando tratamento igualitário a ambas as partes quanto à administração e disposição de seus bens, restrições estas estabelecidas na lei civil e que não são atinentes apenas quando o regime de bens for o da separação absoluta, pois, neste tipo de regime de bens cada cônjuge terá total liberdade e independência de disposição sobre o seu patrimônio particular.
O art. 73-A, proposto e atualmente em vigor pela MP nº561/2012 cria uma exceção a este tratamento igualitário entre os cônjuges, quando da disposição de seus bens, literis:
Art. 73-A. Excetuados os casos que envolvam recursos do FGTS, os contratos em que o beneficiário final seja mulher chefe de família, no âmbito do PMCMV ou em programas de regularização fundiária de interesse social promovidos pela União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, poderão ser firmados independentemente da outorga do cônjuge, afastada a aplicação do disposto nos arts. 1.647 a 1.649 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.” (BRASIL, 2012) (grifo nosso)
Tal dispositivo afasta a obrigação da outorga marital nos contratos no âmbito do PMCMV ou em programas de regularização fundiária de interesse social, promovidos pelos entes da federação, programas estes regulados pela Lei nº 11.977/09, que é a lei modificada pela referida MP, em que o beneficiário final seja a mulher e afasta a aplicação do disposto nos arts. 1.647 a 1.649 do CC/02.
Os artigos da CC/02 afastados por este art. 73-A, são os dispositivos de lei que obrigam a outorga marital e a outorga uxória quando da:
Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;
III – prestar fiança ou aval;
IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.
Parágrafo único: São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada. (CURIA et al., CC/02, 2012, p.256).
O art. 1.647 evidencia a necessidade de outorga por ambas as partes nas várias transações que podem ser realizadas com o patrimônio do casal, salvo se o regime for o da separação absoluta. Esta outorga evita que uma das partes onere a outra, utilizado os bens de forma desacerbada, sem controle ou realizando maus negócios e acabando com todo o patrimônio.
O mais importante para o contexto do respectivo trabalho é que a outorga também garante a preservação da respectiva parte de cada cônjuge, pois cada um deles possui direito a 50% (cinquenta por cento) de todo o patrimônio que fora adquirido de forma onerosa na constância da união ou casamento, salvo as exceções descritas no tópico relacionado aos regimes de bens.
A outorga marital e uxória só pode ser suprimida por sentença judicial, como reza o “art 1.648: cabe ao juiz, nos casos do artigo antecedente, suprir a outorga, quando um dos cônjuges a denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível concedê-la” (CURIA et al., CC/02, 2012, p. 256). Ou seja, haverá a necessidade de se pleitear a supressão da outorga marital no judiciário, e o juiz analisará se deve suprimi-la ou não. Não pode um artigo de uma lei extravagante afastar tal procedimento que garante a isonomia e a vontade das partes no negócio jurídico.
A falta de autorização recai sobre a validade do negócio jurídico. Desta forma: “art. 1.649: a falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art. 1.647), tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal” (CURIA et al., CC/02, 2012, p. 256). Esta regra demonstra que o negócio jurídico pode ser desfeito, pode ser anulado pelo cônjuge que consentiu com a realização dele.
O art. 73-A, como pode ser verificado, afasta importantes institutos do direito que garantem a segurança jurídica de negociações de patrimônio oriundo da sociedade conjugal. Tal liberalidade é excessiva, inviabiliza que o cônjuge possa buscar a participação nos bens que ele ajudou a adquirir e afasta um procedimento legal, que traz a forma correta do devido processo legal para a supressão da outorga, seja ela marital ou uxória, uma obrigação judicial. O dado procedimento judicial não pode ser afastado por uma MP, ratificando a insegurança se esta for realizada.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A edição de uma medida provisória deve atender a uma série de requisitos contidos no artigo 62 da CRFB de 1988. O não atendimento a tais requisitos configura a inconstitucionalidade da medida provisória e a sua não conversão em lei pelo Congresso Nacional. Primeiramente, ela é editada e tem força de lei a partir de sua publicação, e a posteriori, tem de passar pelo crivo das duas casas do Congresso Nacional, em sessão separada, onde poderá sofrer alterações, as quais podem ser aditivas, supressivas, substitutivas ou modificativas.
Após análise dos requisitos necessários para edição de uma medida provisória, foi feita uma análise da Medida Provisória nº 561 de 08 de março de 2012, mais precisamente de seu art. 3º, que é o artigo que modifica a Lei Federal nº 11.977/09, que dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida e dá outras providências. Verificou-se que a dada medida não atende aos requisitos da relevância e urgência, não podendo assim ser convertida em lei.
A Medida Provisória nº 561 de 08 de março de 2012 encontra-se atualmente em vigor no ordenamento jurídico desde esta data e em tramitação de apreciação pelo Congresso Nacional. A sua vigência cria uma insegurança jurídica em um nível imensurável, pois confronta como fora visto, institutos do Regime de Bens pertencente ao Direito de Família brasileiro e os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, que são consagrados no ordenamento jurídico brasileiro.
Por tudo isto, conclui-se que a Medida Provisória nº 561/2012 não deve ser convertida em lei pelo Congresso Nacional quando analisada apenas pelo foco de seu artigo 3º, que altera a Lei 11.977/09, pois esta não possui a relevância e a urgência que são requisitos obrigatórios de edição de uma medida provisória.
Levando-se em consideração os outros artigos contidos na medida provisória em apreço e que não foi foco de estudo no presente trabalho, o mais coerente seria o Congresso Nacional fazer uma alteração supressiva na Medida Provisória nº 561/2012, que seria a rejeição do art. 3º dela, e conseguinte, não seria incluído na Lei 11.977/09 os artigos 35-A e 73-A, dos quais afrontam os institutos do direito brasileiro e os princípios constitucionais apresentados, tendo que o Congresso Nacional, no prazo de 60 (sessenta) dias publicar decreto legislativo para regulamentação das relações jurídicas decorrentes da vigência deste texto suprimido.
Verifica-se também que já se passou o prazo legal de 60 (sessenta) dias para apreciação da referida medida provisória pelo Congresso Nacional, já estando sendo utilizado o prazo prorrogado. Se não for analisado pelo Congresso Nacional dentro deste prazo restante, a Medida Provisória nº 561/2012 perderá a sua eficácia. A decadência da Medida Provisória nº 561/2012 pelo decurso do prazo constitucional, faz com que haja a desconstituição, com efeitos retroativos, dos atos produzidos durante sua vigência, tendo que o Congresso Nacional no prazo de 60 (sessenta) dias publique o decreto legislativo para dirimir as relações jurídicas produzidas durante a vigência da respectiva medida provisória que perdeu a eficácia e também no caso dela ser rejeitada.
REFERÊNCIAS
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[1] Advogada. Especialista em Direito Público e Privado. Contato: [email protected].
Advogado. Especialista em Direito Constitucional, Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, MANFREDO BRAGA. A Medida Provisória nº 561/2012 em confronto com institutos do direito brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 set 2019, 05:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53412/a-medida-provisria-n-561-2012-em-confronto-com-institutos-do-direito-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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