MARCELO DE VARGAS ESTRELLA[1]
(Orientador)
RESUMO: Este artigo tem como objetivo demonstrar como é aplicado o princípio da insignificância e sua repercussão no O presente trabalho tem por escopo discutir o direito ao Esquecimento, enquanto direito fundamental aplicado aos egressos do sistema carcerário. Foi elaborado de acordo com o método de abordagem indutivo, procedimento descritivo e através de documentação indireta. Para isso, será elaborada uma pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, incluindo livros e artigos jurídicos específicos sobre o tema, bem como a posição de doutrina quanto à viabilidade de utilização do referido princípio no contexto do Direito Trabalhista e Penal contemporâneos. No desenvolvimento do trabalho, foi apresentado o posicionamento da doutrina e jurisprudência sobre o Direito ao Esquecimento e sua aplicação a população egressa do sistema prisional, uma vez que estes enfrentam graves problemas ao buscar um trabalho o que muitas vezes os fazem retornar ao cárcere. De tal forma, o tema estudado mostra-se importante não só para a sociedade como também para a academia de Direito, pois aborda um tema atemporal que envolve não só os reflexos sociais/trabalhistas na vida de cada ex-detento mas também os reflexos que impactam toda a sociedade.
Palavras-chave: Direito do trabalho; Direito ao esquecimento; Sistema carcerário.
ABSTRACT: This article aims to demonstrate and start a discussion about the right to be forgotten, as a fundamental right applied even to those people who came from the prison system. It was written according to the inductive approach method, descriptive procedure and through indirect documentation. Thus, it will be elaborated a bibliographic and jurisprudence research, including books and specific law articles about the topic, as well as the doctrine view about the right to be forgotten concept use to those people who came from the prison system, once they face really enormous problems while trying to get a job, problems that can lead them back to the prison. The topic is very important not just for our society but also to those who are at the law university, jurists, lawyers and even to those not directly involved with law studies, because the topic brings a timeless discussion that involves not just the social/labor reflections in the workers lives but also the reflects in the hole human society.
Keywords: labor law; right to be forgotten; jail system.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho trata acerca do direito ao esquecimento, sendo este direcionado aos condenados que já cumpriram a pena que lhes foi imposta, e agora terão a árdua tarefa de se reintegrarem à sociedade. Os institutos da reabilitação criminal e o que está previsto no art. 202 da lei de execução penal, são os fundamentos do direito ao esquecimento, a partir do momento que versam acerca do dever de manter em sigilo quaisquer informações que digam respeito ao processo ou à condenação do apenado.
Esse sigilo tem por escopo a efetivação do direito que tem o egresso do sistema prisional, de novamente poder viver em sociedade, procurando restabelecer os laços perdidos durante o tempo que passou encarcerado.
O grande problema enfrentado é a falta da efetivação dos instrumentos criados pela lei, para garantirem o sigilo dessas informações, sigilo esse que é essencial para que tais indivíduos consigam se restabelecer na sociedade, conquistando oportunidades de emprego e aconfiança da comunidade e da família, que havia perdido devido a sua prática delituosa.A reabilitação criminal é de fundamental importância, pois é a partir dela e do art. 202 da lei de execução penal, que surge o fundamento do direito ao esquecimento, quando trazem à baila o direito que tem os ex-detentos de não terem seus registros divulgados e nem disponibilizados para consultas, vigorando o dever de sigilo pelos detentores de tais informações.
Outro ponto importante é a questão dos direitos e garantias individuais, dando ênfase ao direito à imagem, que é o que mais sofre lesões na situação de egressos do sistema carcerário, pois os tais terão que enfrentar, além das barreiras já esperadas do preconceito e da falta de oportunidades, a violação, por parte da mídia, de sua imagem e de sua vida privada, quando noticiam os passos daqueles que cometeram algum crime de grande repercussão na sociedade.
A efetivação do direito ao esquecimento é um requisito básico para que o apenado tenha o direito a conviver em sociedade novamente, acredita-se ser importante para conseguir diminuir os índices de reincidência, pois aqueles que cumprirem sua pena e após sua saída, decidirem trilhar por caminhos corretos, encontrarão oportunidades e não terão que buscar trabalho junto a organizações criminosas, que tem recrutado pessoas para estarem atuando no mundo do crime.
1. O DIREITO AO ESQUECIMENTO COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL
Há a discussão se o direito de não ver uma informação passada relacionada a si mesmo voltar a ser divulgada, o denominado direito ao esquecimento, pode ser considerado um direito de personalidade ou um direito fundamental, mesmo não se encontrando positivado em nosso ordenamento jurídico. Além disso, questiona-se se o controle das informações a respeito de si próprio se relaciona com os direitos de personalidade do direito à honra, à privacidade e à intimidade.
Dessa forma, para analisar se o direito ao esquecimento configura um direito de personalidade ou ainda um direito fundamental, é necessário que se faça uma análise dos direitos fundamentais, entendidos como positivação dos direitos humanos, bem como dos direitos de personalidade.
Para isto será feita uma breve recapitulação histórica dos direitos humanos, a fim de poder defini-los, para posteriormente relacioná-los com os direitos fundamentais e com os direitos de personalidade, em especial o direito à honra e à privacidade. Assim, poderá se analisar se o direito ao esquecimento pode ser considerado um direito de personalidade ou um direito fundamental, ou ainda um desdobramento do direito do direito à honra ou do direito à privacidade.
1.1 CONCEITUAÇÃO E CARACTERÍSTICAS
A construção de um conceito direto e resumido que defina o que são os direitos humanos não é uma tarefa fácil. Para alguns, pode ser entendido como o conjunto de direitos que existem para resguardar os valores mais preciosos para o homem, independentemente de lugar, raça, idade, credo, etc.
Ou seja, tais normas são entendidos, de forma mais ampla, como direitos inerentes às pessoas em razão unicamente de serem seres humanos, ―estabelecendo um nível protetivo mínimo que todos os Estados devem respeitar (MAZZUOLI, 2014). Assim, os direitos humanos têm por objetivo proteger a dignidade da pessoa humana, independentemente de qualquer fator. Sidney Guerra (2013) conceitua os direitos humanos da seguinte forma:
Direitos da pessoa humana (consagrados no plano internacional e interno) tem por escopo resguardar a dignidade e condições de vida minimamente adequadas ao indivíduo, bem como coibir excessos que porventura sejam cometidos por parte do Estado e de particulares (GUERRA, 2013, p.43)
Muitas são as características atribuídas aos direitos humanos, destacando-se a universalidade, ou seja, os direitos humanos são devidos a todos os seres humanos independentemente de nacionalidade, gênero, raça, cor ou credo. Nesse sentido, Robert Alexy (2014, p.173) atribui cinco características aos direitos humanos:
a) universalidade: Todo ser humano enquanto ser humano é portador ou titular de direitos humanos
b) fundamentalidade de seu objeto: Os direitos humanos não protegem todas as fontes e condições imagináveis do bem-estar, mas somente interesses, capacidades e necessidades fundamentais.
c) Os direitos humanos são direitos abstratos: Eles se referem simplesmente, por exemplo, à liberdade e à igualdade, à vida e à propriedade, à livre manifestação e à proteção da personalidade. Como direitos abstratos, direitos humanos inevitavelmente colidem com outros direitos humanos e com bens coletivos como a proteção do meio-ambiente e a segurança pública.
d) caráter moral: Um direito vale moralmente se ele pode ser justificado em relação a todo aquele que admite participar de um discurso racional. Nesse sentido, a validade moral é uma validade universal.
e) prioridade. Os direitos humanos, enquanto direitos morais, não podem ter sua força invalidada por normas jurídico-positivas. Ao contrário, direitos humanos são padrões de avaliação do direito positivo.
Contemporaneamente a noção de direitos humanos foi introduzida pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1948 que estabeleceu em seu artigo primeiro que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. (PIOVESAN, 2013).
A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão influenciou a criação de constituições escritas, com a incorporação de direitos humanos, visando criar limites ao poder político. Assim, quando os direitos humanos são positivados nas constituições dos estados nacionais passam a serem denominados Direitos Fundamentais (MORAES, 2014).
Sobre o assunto, Pedro Lenza (2012) assevera que os direitos fundamentais têm eficácia indireta ou mediata (são aplicados de maneira reflexiva) e eficácia direta ou imediata (Podem ser aplicados às relações privadas, sem intermediação legislativa). Verifica-se assim, os direitos fundamentais, além de imporem limites ao Estado e aos legisladores, obrigam também a todo povo, que tem o dever de respeitar os direitos fundamentais de seu próximo. Dessa forma, a Constituição irradia seus efeitos por todas as esferas da sociedade, obrigando a todos o seu cumprimento.
No mesmo sentido, Arnaldo Rizzardo (2011,p.137):
Os direitos de personalidade são essenciais à plena existência da pessoa humana, à sua dignidade, ao respeito, à posição nas relações com o estado e com os bens, à finalidade última que move todas as instituições, eis que tudo deve ter como meta maior o ser humano.
Os direitos de personalidade são, portanto um ponto de intersecção entre o direito civil e o direito constitucional35. Consequentemente, podem ser considerados pluridisciplinares, pois não se pode dizer se são de caráter civil ou constitucional exclusivamente (TEPEDINO, 2008).
Assim, os direitos humanos foram positivados constituindo os direitos fundamentais, os quais não constituem número exaustivo. Entre os direitos fundamentais constam os direitos de personalidade, previstos tanto na Constituição quanto no Código de Processo Civil, e que também não constituem cláusula exaustiva. Dessa forma, é possível que novos direitos fundamentais e novos direitos à personalidade venham a ser criados.
Dessa forma, aduz-se que novos direitos podem ser acrescentados ao rol de direitos fundamentais e de direitos de personalidade na medida em que a sociedade avança e novas necessidades de proteção por parte do direito vão surgindo. Com a era atual da superinformação, fatos passados podem ser relembrados por meios de comunicação, causando sofrimento ao indivíduo, de forma que surgiu a necessidade de tutelar o direito de ser esquecido.
Esse direito de ser esquecido vincula-se aos direitos à privacidade, à honra, à imagem e à intimidade, podendo também ser considerado um desdobramento destes direitos. Isto porque ao ter uma informação do passado revelada, podem-se afrontar os referidos direitos.
Neste sentido se faz necessária uma análise dos direitos previstos constitucionalmente a fim de verificar em que medida esses direitos podem ser afrontados pela retomada constante de informações passadas a respeito de alguém. Além disso, busca-se descobrir se o direito ao esquecimento pode ser considerado um desdobramento de um destes direitos de personalidade previstos constitucionalmente.
1.2 DIREITOS PREVISTOS CONSTITUCIONALMENTE
A constituição, como principal lei do Estado brasileiro, deve apresentar as regras e princípios que devem ser seguidos por todos sob o comando de determinada entidade política. Assim, contém regras que determinam não só a organização estatal, mas também os direitos e deveres considerados fundamentais e em grau hierárquico superior às demais espécies normativas.
Os direitos humanos surgiram como resposta ao poder ilimitado do Estado sobre os cidadãos. Embora não exista consenso entre os estudiosos do tema acerca da real diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais, uma parcela majoritária adota a conceito de que direitos humanos são as regras internacionais que visam a proteção da dignidade da pessoa humana e suas relações em sociedade enquanto que direitos fundamentais, “são posições jurídicas essenciais extraídas do ordenamento jurídico pátrio que visam a tutelar a dignidade da pessoa humana” (SANDIM, 2009, p. 159).
Os direitos de personalidade previstos pela Constituição garantem proteção à vida privada, à imagem, à honra e à intimidade, conforme artigo 5º, X, que dispõe que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. A Constituição prevê os sigilos de dados pessoais, que pode ser considerado âmbito do direito à privacidade, conforme se constata no artigo 5º, XII45:
Art. 5º […] XII—é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual pena.
Direito a Privacidade: se encontra em diversas constituições. Pode ser traduzido pelo direito de estar só, ou direito de ser deixado em paz – não permitindo a divulgação de informações pessoais, bem como garantindo a proteção ao repouso do lar e o anonimato em ambiente público (Sampaio, 2013). Assim, como o direito à intimidade compreende proteção contra ―injeções, intromissões ou interferências na vida pessoal do indivíduo e da sua família, sem qualquer relação com o interesse público ou social Porém o direito à vida privada, tal como referido no texto constitucional, compreende aspecto bem mais amplo que o direito à intimidade, englobando o direito à liberdade sexual, à vida familiar, à intimidade, entre outros. Assim, o direito à intimidade constitui aspecto do direito à privacidade, estando aquela englobada nesta (Rizzardo, 2011).
Direito à honra vincula-se com o direito à dignidade da pessoa humana, dizendo respeito ao bom nome e a reputação. Segundo Gagliano (2012) é também um direito de personalidade que pode se manifestar de forma objetiva ou subjetiva e operar tanto em sentido negativo (direito de defesa), quanto em sentido positivo (direito de se defender de ofensas à sua honra).
O direito à imagem, referido no art.5º, X da Constituição, refere-se à imagem retrato, no aspecto material. Assim, é garantido aos indivíduos que não sejam feitas ou divulgadas fotografias suas, sem autorização. Caso se refira ao direito à exposição de uma fotografia feita pelo indivíduo, será campo dos direitos autorais.
1.3 O DIREITO AO ESQUECIMENTO COMO UM DIREITO DE PERSONALIDADE
O direito ao esquecimento é o direito de não ter uma informação pretérita a respeito de si mesmo, a qual se deseja esquecer, ser retomada pela mídia ou por usuários da internet. Também, pode ser relacionado com o direito de autotutela dos dados pessoais, ao se possibilitar tirar de circulação informações antigas referentes a si mesmo.
Também pode ser caracterizado pela divulgação no presente de um fato passado que não tenha mais relevância para a sociedade, sendo que sua violação caracterizaria um dano moral65. Como exemplo de violação ao direito ao esquecimento o caso de uma pessoa, julgada inocente do cometimento de determinado crime, ter seu nome veiculado ao episódio.
Andre Francez (2013, p.61) conceitua o direito ao esquecimento da seguinte forma:
O direito ao esquecimento pode ser definido como o direito da pessoa de apagar informações pretéritas suas e que não têm nenhum interesse público, ou seja, algo que não fere o direito à informação ou à liberdade de expressão e que, também, respeita os princípios constitucionalmente protegidos da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (art. 5o, X, da CF/88).
Nesse sentido, verifica-se que o direito ao esquecimento vincula-se ao direito de determinar o que fazer com dados a respeito de si mesmo, permitindo-se apagá-los ou retificá-los. Também se refere ao direito de não ter aspectos da sua vida expostos sem seu consentimento.
O Direito ao esquecimento tem origem no âmbito do direito penal, de forma a garantir que o condenado por determinado crime não seja obrigado a ser perseguido indefinidamente pelo crime o qual já pagou (Francez, 2013).
Nesse sentido, o art. 93 do Código Penal prevê o instituto da reabilitação, que “alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre seu processo e condenação70”.Na mesma linha, o art. 748 do Código de Processo Penal afirma que, concedida a reabilitação, “a condenação ou condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado, nem em certidão extraída dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por juiz criminal”. Além o artigo 202 da Lei de execuções penais dispõe:
Art. 202 Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei. (BRASIL, 1984)
Fora do âmbito penal, pode-se considerar que o direito ao esquecimento está positivado no nosso ordenamento jurídico no instituto da prescrição, bem como na determinação de incinerar processos após cinco anos de arquivamento, prevista no artigo 1215 do Código de Processo Civil.
2. PENA E REABILITAÇÃO
2.1 A PENA E SUAS FINALIDADES
Pena é o castigo imposto àqueles que violam algum dos preceitos estabelecidos em lei que são regras de conduta a serem seguidas por todos, são impostas pelo Estado, e a partir de sua violação surge para o mesmo, o poder/dever de punir, para que seja mantida a ordem social.
Rogério Greco (2006, p. 519) corroborando com a definição acima proposta, aduz que:
A pena é a consequência natural imposta pelo Estado quando alguém pratica uma infração penal. Quando o agente comete um fato típico, ilícito e culpável, abre-se a possibilidade para o Estado de fazer valer o seu ius puniendi.
Como visto na citação acima a pena é imposta pelo Estado a alguém que praticou uma infração penal, ou como ensina Damásio E. de Jesus (2005, p. 519):
Pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo o fim é evitar novos delitos. Apresenta a característica de retribuição, de ameaça de um mal contra o autor de uma infração penal. Tem a finalidade preventiva, no sentido de evitar a prática de novas infrações.
No conceito trazido por Damásio, fica clara a presença além do conceito, de elementos que indicam as finalidades da aplicação da pena, que são a retribuição pelo ato cometido e a prevenção, com o fim de evitar a prática de novos delitos, e esta prevenção é feita com a busca da reeducação e ressocialização do indivíduo que se encontra cumprindo uma pena por ter infringido uma norma penal.
Porém, a realidade evidenciada, é a da falta de uma estrutura que propicie que essas finalidades da pena sejam realmente alcançadas, e essa realidade dificulta a vida daqueles que, mesmo sem essa estrutura, conseguiram perceber o erro que cometeram e buscaram trilhar por caminhos corretos, pagaram sua dívida com a justiça, e após o seu regresso à sociedade desejam retomar sua vida junto a esta, seguindo os padrões éticos, morais e legais.
A falta de estrutura do sistema prisional colabora, para que apenas uma minoria da população carcerária do país, consiga se recuperar da criminalidade, isso implica em uma rejeição aos egressos do sistema prisional, levando em conta a descrença da sociedade, que já tem em suas mentes a idéia de que, o indivíduo que passa por uma prisão, não se recupera e portanto deve ter saído pior do que entrou, ou seja, continua propenso à prática de delitos.
Rogério Greco (2006) preleciona que a prisão, como sanção penal de imposição generalizada não é uma instituição antiga e que as razões históricas para manter uma pessoa reclusa foram, a princípio, o desejo que mediante a privação da liberdade retribuísse à sociedade o mal causado por sua conduta inadequada; mais tarde, obrigá-la a frear seus impulsos antissociais a mais recentemente o propósito teórico de reabilitá-la.
Atualmente, nenhum especialista entende que as instituições de custódia estejam desenvolvendo atividades de reabilitação e correção que a sociedade lhes atribui. O fenômeno da prisionização ou aculturação do detento, a potencialidade criminalizante do meio carcerário que condiciona futuras carreiras criminais (fenômeno de contágio) os efeitos da estigmatização, a transferência de pena e outras características próprias de toda instituição total inibem qualquer possibilidade de tratamento eficaz as próprias cifras de reincidência são por si só eloquentes. Ademais, a carência de meios, instalações e pessoal capacitado agravam esse terrível panorama (Silva, 2006).
O texto acima vai diretamente ao problema antes abordado, a falta de credibilidade do sistema prisional brasileiro, que por suas falhas criou o terrível panorama da descrença na possibilidade de reabilitação, daqueles que passam pelo mesmo, fazendo surgir os efeitos da estigmatização, ou seja, da marca que tais pessoas terão que levar para o resto de suas vidas, o rótulo de ex-presidiários.
Os graves problemas enfrentados pelo sistema prisional, acarretam na dificuldade de as penas cumprirem com suas finalidades, quais sejam, a punição, reeducação e ressocialização do apenado, como já visto anteriormente, pois como é sabido de todos, o sistema prisional está superlotado, e não tem estrutura que ofereça a possibilidade de uma reeducação eficiente, possibilitando o retorno dessas pessoas à sociedade, o que faz com que poucos se arrisquem a dar uma oportunidade a essas pessoas, devido ao medo que impera em meio à sociedade.
A constituição da República de 1988, em seu artigo 5°, inciso XLVII, b, vem assegurar que, “não haverá penas de caráter perpétuo”, mas apesar de não existirem penas privativas de liberdade ou restritivas de direitos, com essa característica, o que se facilmente é percebido é que a estigmatização daquele que já cumpriu sua pena, é sim uma forma de perpetualização da sanção, quando não lhe é oferecida uma estrutura para que, ao retornar ao convívio social tenha a chance de demonstrar sua recuperação e seja extinto o estigma de ex-presidiário. E é justamente no direito que aquele que já cumpriu a pena que lhe foi imposta tem, de não ter que carregar esse estigma de criminoso para o resto de sua vida, que se funda o direito ao esquecimento.
2.2 A REABILITAÇÃO CRIMINAL
Reabilitar significa recuperar, regenerar, recapacitar, recobrar os direitos anteriormente perdidos. Ou seja, na seara criminal, trata-se de instituto criado para deixar em sigilo informações “desabonadoras” da conduta de qualquer cidadão com antecedentes criminais.
Moura Teles (2006, p.462) traz um conceito bastante preciso sobre o que é a reabilitação criminal, qual seja:
É o instituto por meio do qual o condenado tem assegurado o sigilo sobre os registros acerca do processo e de sua condenação, podendo, ainda, por meio dele, adquirir o exercício de direitos interditados pela sentença condenatória, com a suspensão condicional de alguns efeitos penais da condenação.
A reabilitação, por isso, é a recuperação, pelo condenado, de seu status quo anterior à condenação. Por ela, terá ficha de antecedentes ou boletim de vida pregressa sem qualquer referência à condenação sofrida, sem nenhuma notícia do crime praticado. No próprio conceito é fácil a percepção da essência desse instituto, que visa minorar as dificuldades que serão enfrentadas pelos egressos do sistema prisional, quando estiverem se reintegrando à sociedade.
A reabilitação veio prevista pelos artigos 93 a 95 do código penal, in verbis:
Art. 93 - A reabilitação alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação.
Parágrafo único - A reabilitação poderá, também, atingir os efeitos da condenação, previstos no Art. 92 deste Código, vedada reintegração na situação anterior, nos casos dos incisos I e II do mesmo artigo.(BRASIL, 1940)
Já o artigo 94 do código Penal vem para regular a forma de concessão desse benefício, trazendo os requisitos necessários para tanto.
Art. 94 - A reabilitação poderá ser requerida, decorridos 2 (dois) anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua execução, computando-se o período de prova da suspensão e o do livramento condicional, se não sobrevier revogação, desde que o condenado: I - tenha tido domicílio no País no prazo acima referido;
II - tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado;
III - tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre a absoluta impossibilidade de o fazer, até o dia do pedido, ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida.(BRASIL, 1940)
A reabilitação criminal, é também uma espécie de reafirmação de que a pena cumpriu com as suas finalidades, uma vez que é baseada em critérios subjetivos, ou seja, critérios pessoais do indivíduo, que deve demonstrar que realmente tem mérito para receber tal benesse por parte do Estado.
Ante ao previsto na norma retromencionada, fica clara a ideia de que a reabilitação criminal só é concedida em casos específicos, casos em que haja realmente a reiteração de práticas, por parte do apenado, que demonstrem a sua mudança de comportamento e que tenha condições de estar em meio à sociedade novamente, e assim se proceda ao cancelamento (não a extinção) dos seus antecedentes penais, que é o fim da reabilitação judicial.
Além do disposto nos institutos acima mencionados, acercada reabilitação criminal, existe outro instituto que também garante, e com muito mais celeridade, o sigilo da vida pregressa daquele que já cumpriu sua pena ou teve-a extinta, é o que expressa o artigo 202 da lei de execução penal, citada anteriormente.
A esse respeito escreve Rogério Greco (2006, p. 720), ser muito mais vantajosa a aplicação do instituto mencionado, do que esperar a sentença de reabilitação criminal:
Assim, muito mais vantajosa a aplicação imediata do art. 202 da lei de execução penal após cumprida ou extinta a pena aplicada ao condenado do que esperar o decurso de dois anos do dia em que foi extinta a pena, ou terminar a sua execução para solicitar a reabilitação. Verifica-se, portanto, que a orientação contida no caput do art. 93 do código penal cairá no vazio, pois que o art. 202 da lei de execução penal regula a mesma hipótese, só que de forma mais benéfica e menos burocrática para o condenado.
O direito a ser esquecido funda-se na ideia de que, o indivíduo que foi condenado pela prática de determinado crime, por mais cruel que tenha sido, após cumprir a pena que lhe foi imposta e ter recebido a sua declaração de reabilitação criminal, ou mesmo sem ela, conforme preceitua o artigo 202 da lei de execução penal, terá o direito de não ser mais lembrado como aquele que cometeu determinado crime.
Ele tem o direito de não ter mais seu nome veiculado como um criminoso, conforme previsto nos institutos acima mencionados, uma vez que pagou sua dívida com a justiça, e deve voltar ao convívio social, mas para a ressocialização desse indivíduo, necessária se faz a proteção ao seu direito à imagem, à honra e à vida privada, para ver efetivado o seu direito a uma vida digna.
Corroborando com esse entendimento Ney Moura Teles (2006, p. 463), infere que:
A norma do caput do art. 93 do código penal,in fine, não é, todavia, desnecessária. O sigilo sobre o processo e a condenação deve ser observado por toda e qualquer pessoa e não apenas pela autoridade policial e pelos auxiliares da justiça, aos quais se destina a norma do art. 202 da lei de execução penal.
É da mais importância o respeito a essa norma para que o condenado possa alcançar efetivamente a reinserção social. Enquanto for estigmatizado, marginalizado, impedido de obter trabalho lícito, por força de informações sobre a condenação, o egresso do sistema penitenciário não terá mínimas possibilidades de voltar ao convívio social normal em condições que possibilitem sua recuperação.
O respeito ao sigilo imposto pelo art. 93 dirige-se a todas as pessoas que não podem lançar mão de informações contidas no processo, nem acerca da condenação sofrida pelo reabilitado. Nessa lição, encontram-se mais do que apenas informações sobre a importância do instituto da reabilitação criminal, encontra-se também o espírito do direito ao esquecimento, quando ele conclama, que o sigilo das informações referentes ao processo e a condenação do indivíduo devem ser preservadas, por toda e qualquer pessoa, para que possa alcançar uma efetiva reintegração à sociedade.
3. O EGRESSO DO SISTEMA PRISIONAL E O DIREITO AO ESQUECIMENTO
Muitas têm sido as tragédias noticiadas pela mídia ultimamente, crimes bárbaros e que comovem todo o País, talvez pelos meios utilizados para sua execução ou até pelas pessoas envolvidas neles, pessoas que tinham o dever de cuidar tirando a vida dos que deveriam ser cuidados, como por exemplo, o caso da Menina Isabela Nardoni, que foi morta pelo seu pai e madrasta.
E este não foi um fato isolado, vários são os casos que chocam a sociedade, mas apesar da repercussão desses casos, muitos outros ocorrem com as mesmas características, porém sem grande alarde, e tanto em um como noutro as pessoas serão condenadas e terão que pagar pelo erro cometido, a grande diferença está após o cumprimento de suas penas, quando tiverem que voltar ao convívio em sociedade.
Então, o que cumpriu a pena, por aquele caso tão cruel quanto o outro, mas que não teve tanta repercussão, vai tornar a viver em sociedade, e se quiser terá uma vida digna. Já aquele condenado pelo caso que gerou um clamor social muito grande, após o término do cumprimento de sua pena, enfrentará o grande problema da continuidade da condenação por parte da sociedade e pela mídia.
E no dia que for posto em liberdade, dezenas de repórteres divulgarão sua saída e reacendendo o sentimento de desprezo em toda a sociedade, e por mais que ele mude de cidade ou até de país, sentirá o peso dessa condenação onde estiver, uma vez que os meios de comunicação tomaram uma proporção tão grande, que em questão de segundos o que acontece num lugar já se torna notícia em todo o mundo.
Se a quantificação da pena que foi imposta a tais indivíduos, foi ou não suficiente, já é o caso de se pensar em uma possível alteração da lei penal, pois o magistrado se baseia nos critérios preestabelecidos pelo legislador para fazer a dosimetria da pena, entendendo ser o suficiente, para que o condenado seja punido, reeducado e ressocializado.
A dosimetria da pena segundo Ney Moura Teles (2006, p. 359) é feita da seguinte maneira:
O artigo 68 do código penal estabeleço o caminho que o juiz deve seguir para encontrar a pena justa a ser aplicada ao condenado. Com base nele e no disposto no art. 59 pode-se construir o seguinte roteiro, ao qual o juiz está necessariamente vinculado.
O primeiro passo a ser dado é o da fixação da pena –base, devendo o Juiz fazê-lo observando minudentemente as circunstâncias judiciais estabelecidas no art. 59 do Código Penal.
Depois de encontrar a pena-base o Juiz deverá considerar a existência das circunstâncias atenuantes (descritas nos arts. 65 e 66, CP) e das circunstâncias agravantes (definidas nos arts. 61 e 62, CP), com observância da regra do art. 67 do Código Penal.
Depois deverá verificar a presença ou não das chamadas causas de diminuição e das causas de aumento de pena, previstas tanto na parte geral, quanto na parte especial do Código Penal.
Finalmente, se se tratar de pena privativa de liberdade, o Juiz deverá verificar a possibilidade de sua substituição por pena restritiva de direitos ou de multa, e, caso não o possa fazer, fixará o regime inicial de cumprimento da privação de liberdade.
Portanto, não é justo que mesmo após ter sua liberdade cerceada, cumprindo a pena que lhe foi imposta, e isto conforme previsão legal, seguindo os parâmetros acima expostos, saldando sua dívida com a sociedade e com a justiça, o indivíduo continue a ser punido com a violação do seu direito a uma vida digna, à imagem e à honra, quando tem seu nome rotineiramente vinculado ao crime cometido no passado.
4. REINSERÇÃO DE EX-PRESOS NO MERCADO DE TRABALHO
É interessante que após o cumprimento de pena ou de parte dela, o ex detento venha ser reinserido no mercado de trabalho, até com o intuito de não voltar a praticar novos delitos.
Todavia, o que tem acontecido é que além da falta de profissionalização dos ex-detentos, os estabelecimentos não desejam contratar quem já passou pelo sistema prisional.
As politicas públicas de reinserção ainda não possuem muita força ou fiscalização, o que não torna obrigatório a contratação desses homens e mulheres que carecem de um novo olhar e de novas chances. O erro no sistema também pode ser observado quando os apenados não recebem nenhum tipo de auxílio para a profissionalização enquanto estão presos, a maioria possui baixa ou nenhuma escolaridade.
O apenado precisa ter a ressocialização dentro do sistema prisional como pode ser observado na LEP, em seu art. 28: “o trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva”.Sendo assim, o trabalho se transforma numa fonte produtiva de educação ou de reeducação, o Estado não deve apenas punir, também deve ressocializar e reinserir.
Foucault (1997, p. 216) em suas análises conclui que:
“Não é como atividade de produção que o trabalho é extremamente útil, mas sim, pelos efeitos que produz na mecânica humana. É um princípio de ordem e de regularidade; através das exigências que lhe são próprias, transmitem de maneira insensível, as regras de um poder rigoroso; proporciona aos corpos movimentos regulares, relega a agitação e a distração, determina uma hierarquia e uma vigilância que devem ser bem aceitas, e adentrarão mais profundamente no comportamento dos condenados, por fazerem parte de sua lógica”.
Em resumo Foucault rege que o trabalho irá trazer dignidade para o homem, pois produzirá efeitos físicos e comportamentais. Assim, resta cristalino que a reinserção é de suma importância para os ex-detentos e para a sociedade.
CONCLUSÃO
O estudo permite uma reflexão a respeito das finalidades da pena, ficou clara a ideia de que, não existe e nem poderá existir, nenhuma pena que tenha a finalidade de punir perpetuamente uma pessoa por ter violado alguma norma legal, a esse respeito, Rogério Greco traz o seguinte ensinamento:
Deve ser reputada como algo que conflita com os princípios gerais do direito, dentre eles o da humanidade, sendo que vários foram alcançados constitucionalmente, ou seja, a vedação quanto ao tratamento degradante, desumano. Se a pena tem função terapêutica, reeducadora, socializante, não pode haver pena de morte ou perpétua, que não atendam a função da pena.
Considerando então, que não pode existir nenhuma pena com esse caráter de perpetuidade, surge o dever do Estado em efetivar o direito ao esquecimento, que tem aquele que já cumpriu a pena que lhe foi imposta, para que a condenação que sofreu pelo delito cometido, não continue estigmatizado nele para o resto de sua vida, o que representará para essa pessoa grades tão cruéis quanto as que enfrentou enquanto estava encarcerado.
Apesar da existência de normas como essa do art. 202 da lei de execução penal, que proíbem a divulgação de informações referentes aos egressos do sistema carcerário, em alguns casos, nem mesmo a total observância a essas normas, serão eficazes para efetivar o direito ao esquecimento, como por exemplo, os casos anteriormente citados, que causaram um grande clamor social, os quais foram tão explorados pela mídia, que marcaram nas mentes das pessoas os rostos e os nomes dos envolvidos em tais crimes, que mesmo após anos se passarem, um simples comentário do nome dessas pessoas, já trará à memória todo o episódio ocorrido.
E esse acontecimento é que traz o caráter de uma punição perpétua a quem passa por essa situação, que mesmo após cumprir sua pena, não tem, por parte do Estado, instrumentos capazes de efetivar o direito a reintegrar-se à sociedade de maneira que não seja eternamente reconhecido como um criminoso.
Demonstrar a necessidade, que tem os condenados por crimes que geraram grande repercussão na sociedade, da efetivação do direito de ser esquecido, que já tem previsão legal, com o instituto da reabilitação criminal e com o art. 202 da lei de execução penal, como forma de preservação do direito à imagem,à honra e a uma vida digna, para que logrem êxito em seu retorno à sociedade, sem o estigma de serem eternos criminosos, que devem ser mantidos às margens da sociedade, é o objetivo do presente trabalho.
A falta de efetividade dos institutos que visam preservar a imagem e a vida privada de tais pessoas é o grande problema a ser enfrentado, a prova disso é a quantidade de notícias que tratam acerca da vida dessas pessoas, notícias que tem como única finalidade a obtenção de audiência, não sendo informações que de fato interessam à coletividade, um exemplo disso são notícias sobre o fim da pena de algum condenado, dezenas de repórteres vão para a porta do presídio aguardar a saída dessa pessoa, e mesmo após, continuam sua perseguição noticiando todos os passos da mesma.
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[1] Professor Mestre e Orientador do Artigo. Endereço para acessar este CV: https://www.escavador.com/sobre/5640310/marcelo-de-vargas-estrella
Bancário, funcionário público federal, graduando em Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas - CIESA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVEIRA, jonathan Rodrigues. O direito ao esquecimento como direito fundamental dos trabalhadores egressos do Sistema Carcerário brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 out 2019, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53510/o-direito-ao-esquecimento-como-direito-fundamental-dos-trabalhadores-egressos-do-sistema-carcerrio-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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