VITOR DE SOUZA VIEIRA
(Orientador)
RESUMO: Este artigo tem como intuito apresentar novos meios de estudo sobre o direito ao esquecimento, mostrando o conflito entre princípios fundamentais de modo que evidencie a importância deles para o ordenamento brasileiro. Além de debater sobre meios de ponderação a serem usados para resolver o conflito entre princípios, estabelecendo um possível método de aplicação para esses casos, como também mostrar de que forma o direito ao esquecimento já foi empregado dentro do ordenamento jurídico brasileiro e a maneira na qual poderia ser regulamentado e melhor utilizado para solucionar situações envolvendo questões mais atuais, tendo em vista que o direito acompanha a evolução social. Mediante o que foi exposto este artigo tem como método de abordagem o hipotético dedutivo, e por este, conclui-se que se faz necessário a criação de uma lei que verse sobre o direito a intimidade dentro da esfera digital sociocomunicativa.
Palavra-chave: Princípios, direito ao esquecido, conflito, liberdade de expressão e direito a privacidade.
ABSTRACT: This article aims to present new means of study on the right to oblivion, showing the conflict between fundamental principles so as to highlight their importance for the Brazilian legal system. In addition to discussing ways of weighting to be used to resolve the conflict of principles by establishing a possible method of application for such cases, showing how the right to oblivion has already been used within the Brazilian legal order and the way in which it could be regulated and better used to solve situations involving more current issues, in view of the fact that the law accompanies social developments. This article is based on the hypothetical deductive approach, and it is therefore concluded that it is necessary to create a law that deals with the right to privacy within the digital socio-communicative sphere.
Keywords: Principles, the right to oblivion, conflict, freedom of expression and the right to privacy.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo mostrar o conflito de princípios fundamentais, na tentativa de equilibrar o direito à informação e a expressão e o direito à privacidade, á proteção da memória individual, à honra, à imagem e à intimidade, em decorrência da facilidade de divulgação e permanência de informações na rede. Apresentando as repercussões sobre o assunto na esfera internacional, assim como de que maneira fora aplicado dentro do ordenamento jurídico Brasileiro, concomitante a isso, a possibilidade de regulamentação de tal direito.
Portando decisões atuais do Supremo Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, pertinentes aos assuntos debatidos, buscando formas de explorar um entendimento doutrinário diferenciado sobre os que já foram abordados anteriormente. Assim, trazendo como foco principal o direito ao esquecimento, que se conceitua como o direito de uma pessoa a não ter exposto ao público um fato que, mesmo verídico, possa lhe causar sofrimento e transtornos, ou seja, é a capacidade postulatória de um individuo de retirar informações pessoais constrangedoras ou comprometedoras das plataformas de comunicação.
O direito acompanha a evolução social, na tentativa de se adequar ao meio, em uma sociedade marcada pela tecnologia o padrão é a lembrança e o esquecimento a exceção, com isso surgem algumas violações a privacidade no âmbito virtual, atualmente é muito fácil juntar informações sobre qualquer pessoa de modo prático e acessível. A internet proporciona um mundo de conhecimento, efetivando o direito da livre expressão, ao mesmo tempo, que evidenciou o que o mau uso desse direito pode acarretar na vida das pessoas, de forma particular ou geral, a informação é uma arma poderosa capaz de mudar a vida das pessoas de forma variável a depender de quem as usa. Logo, mostra-se necessária uma análise mais aprofundada da problemática em questão, com intuito de adequar o ordenamento jurídico ao atual momento vivido.
1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS:
Os princípios fundamentais são usados para estabelecer bases políticas, sociais e jurídicas, que regem a República Federativa Brasil e as normas constitucionais, cada um com sua característica e formas de aplicação, são os alicerces para qualquer individuo e estão presentes na Constituição Federal Brasileira de 1988, muitos deles são tidos como cláusulas pétreas.
Dessa forma, será feito o estudo dos direito à personalidade, dando ênfase ao direito à privacidade e a proteção da memoria individual, assim como o direito à informação e a liberdade de expressão.
Nesse sentido, Caio Mário da Silva Pereira afirma que:
A personalidade é atributo inerente ao homem; não requer o preenchimento de qualquer requisito, nem depende do conhecimento ou da vontade do ser humano. Mesmo que o indivíduo não tenha consciência da realidade, é dotado de personalidade, pelo simples fato de ser pessoa (PEREIRA, 2001, p. 142).
Pertinentemente, consoante aos ensinamentos de Pontes de Miranda (2000, p. 216) sobre o tema:
“O direito de personalidade, os direitos, as pretensões e ações que dele se irradiam são irrenunciáveis, inalienáveis, irrestringíveis. São direitos irradiados dele os de vida, liberdade, saúde (integridade física e psíquica), honra e igualdade”.
Conforme conceitua Carlos Alberto Bittar
“São da personalidade os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico, exatamente para a defesa de valores inatos ao homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros”. (BITTAR, 2002, p. 17)
O direito à privacidade é algo intrínseco e individual, inerentes a cada pessoa, que tem como traço relevante a proteção da intimidade e a vida particular, todos têm o direito de viveram suas vidas sem a interferência de outros.
Tendo respaldo na legislação brasileira, nas normas gerais Constitucionais dispostas no artigo 5º, X, XI e XII da Constituição Federal de 1988.
Art. 5º da CF/88:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (BRASIL, 1988).
O direito à privacidade é derivado diretamente da dignidade da pessoa humana, sendo indispensável para sua realização, o mesmo trata de um conjunto de princípios e valores que tem a função de garantir que cada cidadão tenha seus direitos respeitados pelo Estado, o principal objetivo é garantir o bem-estar de todos os cidadãos.
Por seguimento, relevante se faz a transcrição do Enunciado de número 274 aprovado na Jornada de Direito Civil:
274 – Art. 11. Os direitos da personalidade, regulados de maneira não exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação; (BRASIL, 2006).
A proteção da memória individual é uma vertente da privacidade, como se fosse um dos gêneros que versa o direito e defende as experiências vividas pelos indivíduos, trazendo consigo a correlação entre a privacidade e a veiculação de informações, com base no momento vivido pela sociedade atual. Não se pode falar de divulgação de informações, sem envolver outros princípios fundamentais, nomeadamente como o direito à informação e a liberdade de expressão.
Assim sendo, assegurado ao cidadão o direito de informar e ser informado, podendo exteriorizar livremente a informação e o pensamento, através dos meios de comunicação, representando o enorme avanço social alcançado pela humanidade nos últimos tempos, em detrimento dos regimes totalitários e ditatoriais ocorridos no passado.
Em razão disso, a Carta Magna brasileira de 1988, tida como Constituição cidadã, reconhece a liberdade de informação e de expressão como direito fundamental do homem.
Conforme expressa em seu Art. 5º, inciso XIV:
“É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.
E em seu Art. 5º, inciso IV:
“É livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato”.
Assim como no inciso IX:
“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença”.
Para um melhor entendimento sobre o assunto, José Afonso da Silva, define a liberdade de informação:
“[...] a liberdade de informação compreende a procura, o acesso, o recebimento e a difusão de informações ou ideias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada qual pelos abusos que cometer. O acesso de todos à informação é um direito individual consignado na Constituição, que também resguarda o sigilo da fonte, quando necessário ao sigilo profissional [...]” (SILVA, 2001, p. 245).
Ambos se consagram como fundamentais os que, definem o direito a personalidade humana, que garantem as diretrizes da cidadania e capacidade do individuo de exercer seus direitos de forma ampla.
2. DO DIREITO Á INFORMAÇÃO E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO.
É inegável que o direito à informação e a liberdade de imprensa tem um papel fundamental nas sociedades atuais, pois é através dela que a população obtém as informações sobre o mundo inteiro, o papel da imprensa é levar essas informações ao povo com seriedade e imparcialidade.
As informações levadas à população pela imprensa devem ser comprometidas ao máximo com a verdade dos fatos. Isso porque ela é um forte instrumento de persuasão, manipulação e formação de opiniões.
Segundo Valdir Filho:
“O papel da imprensa nos dias atuais é informar a população de todo e qualquer acontecimento e até mesmo sair em defesa dos interesses da sociedade, agindo assim, como um órgão fiscalizador”. (VALDIR, 2012)
Nesse sentido, vale ressaltar, o pensamento de Karl Marx:
“A imprensa livre é o olhar onipotente do povo, a confiança personalizada do povo nele mesmo, o vínculo articulado que une o indivíduo ao Estado e ao mundo, a cultura incorporada que transforma lutas materiais em lutas intelectuais, e idealiza suas formas brutas. É a franca confissão do povo a si mesmo, e sabemos que o poder da confissão é o de redimir. A imprensa livre é o espelho intelectual no qual o povo se vê, e a visão de si mesmo é a primeira confissão da sabedoria.” (Apud SILVA, 2005, p. 246).
Cabe salientar que a Constituição ao reconhecer a liberdade de expressão como um direito fundamental, também assegura que serão aplicadas sanções caso ocorra um abuso do mesmo.
Além disso, com a facilidade em que as noticias correm atualmente, resta um número incalculável de informações, sem que seja visto a procedência das fontes na integra, dando margens para as ditas “Fake News”, ou inverdades ditas na rede, propagadas de forma perigosa, tendo em vista que informação é poder e muitas das vezes por serem falsas ou mal interpretadas são divulgadas de forma sensacionalista e errônea.
O Supremo Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal tenta regulamentar essa situação através de julgados e decisões proferidas por acórdãos, em sede de Recurso Especial.
Análogo a isso, um dos julgados:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. 1. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. AUSÊNCIA. 2. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO CONFIGURADO. 3. PROVEDOR DE APLICAÇÃO DE PESQUISA NA INTERNET. PROTEÇÃO A DADOS PESSOAIS. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. DESVINCULAÇÃO ENTRE NOME E RESULTADO DE PESQUISA. PECULIARIDADES FÁTICAS. CONCILIAÇÃO ENTRE O DIREITO INDIVIDUAL E O DIREITO COLETIVO À INFORMAÇÃO. 4. MULTA DIÁRIA APLICADA. VALOR INICIAL EXORBITANTE. REVISÃO EXCEPCIONAL. 5. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Debate-se a possibilidade de se determinar o rompimento do vínculo estabelecido por provedores de aplicação de busca na internet entre o nome do prejudicado, utilizado como critério exclusivo de busca, e a notícia apontada nos resultados. 2. O Tribunal de origem enfrentou todas as questões postas pelas partes, decidindo nos estritos limites da demanda e declinando, de forma expressa e coerente, todos os fundamentos que formaram o livre convencimento do Juízo. 3. A jurisprudência desta Corte Superior tem entendimento reiterado no sentido de afastar a responsabilidade de buscadores da internet pelos resultados de busca apresentados, reconhecendo a impossibilidade de lhe atribuir à função de censor e impondo ao prejudicado o direcionamento de sua pretensão contra os provedores de conteúdo, responsáveis pela disponibilização do conteúdo indevido na internet. Precedentes. 4. Há, todavia, circunstâncias excepcionalíssimas em que é necessária a intervenção pontual do Poder Judiciário para fazer cessar o vínculo criado, nos bancos de dados dos provedores de busca, entre dados pessoais e resultados da busca, que não guardam relevância para interesse público à informação, seja pelo conteúdo eminentemente privado, seja pelo decurso do tempo. 5. Nessas situações excepcionais, o direito à intimidade e ao esquecimento, bem como a proteção aos dados pessoais deverá preponderar, a fim de permitir que as pessoas envolvidas sigam suas vidas com razoável anonimato, não sendo o fato desabonador corriqueiramente rememorado e perenizado por sistemas automatizados de busca. 6. O rompimento do referido vínculo sem a exclusão da notícia compatibiliza também os interesses individual do titular dos dados pessoais e coletivo de acesso à informação, na medida em que viabiliza a localização das notícias àqueles que direcionem sua pesquisa fornecendo argumentos de pesquisa relacionados ao fato noticiado, mas não àqueles que buscam exclusivamente pelos dados pessoais do indivíduo protegido. 7. No caso concreto, passado mais de uma década desde o fato noticiado, ao se informar como critério de busca exclusivo o nome da parte recorrente, o primeiro resultado apresentado permanecia apontando link de notícia de seu possível envolvimento em fato desabonador, não comprovado, a despeito da existência de outras tantas informações posteriores a seu respeito disponíveis na rede mundial. 8. O arbitramento de multa diária deve ser revisto sempre que seu valor inicial configure manifesta desproporção, por ser irrisório ou excessivo, como é o caso dos autos. 9. Recursos especiais parcialmente providos.
(STJ - Resp.: 1660168 RJ 2014/0291777-1, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 08/05/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/06/2018)
O objetivo é garantir o uso dos princípios de forma correta, sem que sejam feitas interpretações equivocadas, influenciados por informações falsas.
3. DO DIREITO AO ESQUECIMENTO
O direito ao esquecimento, não se classifica exatamente como um direito, porque não foi regulamentado como tal, se define como um entendimento doutrinário e jurisprudencial, com um grande potencial ainda não explorado devidamente. Vale-se do direito da autonomia da informação e a defesa do livre desenvolvimento da personalidade, é a capacidade que a pessoa possui de impedir a exposição de um fato anterior, ainda que seja legítimo, para a sociedade. Buscando evitar algum tipo de adversidade, discriminação ou sofrimento, por fatos ocorridos no passado, tendo em vista que atualmente a simples divulgação ou exposição indevida de informações, pode gerar um grande transtorno na vida de alguém, não pelo simples fato de ter sua intimidade exposta, mas por automaticamente uma quantidade incalculável de pessoas, atentas ao que foi divulgado, manifestam-se de forma deliberada, tecendo todo o tipo de comentário possível sobre o caso, mesmo sem ter nenhum embasamento ou conhecer o que de fato gerou o ocorrido.
O direito ao esquecimento está relacionado diretamente à proteção à privacidade, que pela legislação brasileira tem respaldo nas normas gerais Constitucionais dispostas no artigo 5º, X, da Constituição Federal de 1988.
Art. 5º da CF/88:
X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (BRASIL, 1988).
Sendo objeto de estudo para alguns juristas, neste sentindo:
Para Cavalcante, 2013, p. 198, o direito ao esquecimento pode ser conceituado como:
“[...] o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos.” (CAVALCANTE, 2013, p. 198).
Fortalecido por Dotti ao definir o direito ao esquecimento como:
[...] faculdade de a pessoa não ser molestada por atos ou fatos do passado que não tenham legítimo interesse público. Trata-se do reconhecimento jurídico à proteção da vida pretérita, proibindo-se a revelação do nome, da imagem e de outros dados referentes à personalidade; (DOTTI, 1998, p. 92).
Por mais que seja um tema já debatido dentro do ordenamento jurídico brasileiro, não restam muitos casos da sua aplicação na esfera civil, mas graças à incidência de casos envolvendo esfera virtual terem aumento com o passar do tempo, atual se faz mais do que nunca necessária a sua aplicação e estudo.
3.1 Da aplicação em outros países
O direito ao esquecimento é motivo de diversos debates ao redor do mundo, principalmente nos países europeus.
Com base nessa compreensão, teve aplicações nos Estados Unidos em 1931 e na Alemanha 1973, com o Caso Lebach, em que um ex-condenado por homicídio venceu no Tribunal Constitucional Alemão uma ação inibitória contra um canal de televisão, que exibiria um programa sobre o crime após o condenado obter liberdade.
Em 13 de maio de 2014, foi sancionado pela Corte da União Europeia, "right to be forgotten", onde de forma especifica decidiu por aplica-lo a informações "inadequadas, não pertinentes ou excessivas em relação ao objetivo pelo qual foram processadas tendo em conta o tempo decorrido". Nesse aspecto o Google foi obrigado a prover este serviço aos cidadãos da União Europeia quando solicitado redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
Concomitante com essa decisão, outro caso teve repercussão, aconteceu na Espanha o “alcunhado de derecho al olvido” como é chamado, foi aplicado quando um cidadão solicitou à empresa Google que retirasse uma publicação em que se afirmava que seu imóvel teria sido levado a leilão para quitar dívida com a previdência social, quando na realidade o valor devido, já havia sido pago antes do leilão. A empresa negou o pedido feito pelo indivíduo e a matéria foi submetida à apreciação da Corte de Justiça Europeia, a qual reconheceu o direito de todo cidadão europeu de retirar as informações erradas ou não pertinentes da ferramenta de busca do Google. Por ser uma informação que se modificar ao longo do tempo, tornando-se ilícita a sua divulgação após determinado período.
O jurista ALEXY (2012) que diz que futuramente o direito ao esquecimento, tende a se enquadrar como regra em situações, que o direito à privacidade, teria um peso maior, que o do direito à informação, não que um invalide o outro, mas aconteceria um sacrifício parcial para uma maior aplicação nos casos de exposição de informações constrangedoras pela internet.
O direito ao esquecimento também tem incidência no Brasil, estando presente em situações de grande relevância, como o caso “Aída Curi”, ocorrido em 1958, que envolveu a jovem Aída como vítima de um homicídio. Anos após do crime, o programa televisivo chamado “Linha Direta-Justiça”, transmitido pela emissora TV Globo, que divulgou o caso trazendo o nome e a imagem da jovem falecida. A família entrou com pedido de indenização por danos morais, materiais e à imagem, após o programa contar a história do crime em um de seus episódios e divulgar foto da vitima ensanguentada, sem consentimento da família, trazendo a tona o dor e o sofrimento vividos na época.
Outro caso que ficou evidente foi o da Chacina da Candelária, no Rio de Janeiro. J.G.F. ajuizou ação de reparação de danos morais em face da TV Globo Ltda. O autor da ação foi denunciado por ter, supostamente, participado de homicídios em série ocorridos no ano de 1993 em frente à Igreja da Candelária, na cidade do Rio de Janeiro, ao final do processo, submetido a Júri, foi absolvido por negativa de autoria.
Após anos do ocorrido e da absolvição de J.G.F., a emissora exibiu, no programa “Linha Direta”, a história do aludido caso, citou o nome do autor da ação e divulgou que ele tinha sido absolvido.
Mas por ter tido sua imagem vinculada a essa noticia sofreu grande repudio público, de forma que a sua vida pessoal foi totalmente afetada, tendo a sua paz sido perturbada por um equivoco da emissora.
Nessa perspectiva, o direito ao esquecimento pode e deve ser visto como uma nova faceta dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, como inclusive já se consignou expressamente no Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil, realizada em 2013 pelo Conselho de Justiça Federal.
3.2 Do conflito entre princípios
Os princípios fundamentais são usados para estabelecer bases políticas, sociais e jurídicas, que regem a República Federativa Brasil e as normas constitucionais, cada um com sua característica e formas de aplicação. De maneira que, por serem concepções abrangentes, que buscam a proteção do individuo tendem a entrar em choque.
Como afirma MARMELSTEIN:
“As normas constitucionais são potencialmente contraditórias, já que refletem uma diversidade ideológica típica de qualquer Estado democrático de Direito. Não é de se estranhar, dessa forma, que elas frequentemente, no momento aplicativo, entrem em rota de colisão.” (MARMELSTEIN, 2008, P. 365).
Com esse efeito, um dos pontos mais polêmicos do direito ao esquecimento é o embate entre os princípios fundamentais do Direito à informação X Direito à privacidade, para os juristas favoráveis a esse entendimento, a dignidade e privacidade da pessoa humana se sobrepõe ao direito de informação, sobre fatos pretéritos, que não tenha relevância pública e que não seja alvo de interesse do estado.
Já os desfavoráveis defendem que o direito à informação deve se sobrepor ao direito à privacidade, tendo três vertentes de informação, o direito de informar, o direito de se informar e o direito de ser informado.
Entretanto, há o pensamento intermediário, que busca o equilíbrio do direito por meio da ponderação, quando ambos os princípios são postos em uma balança imaginária, com o objetivo de harmoniza-los conforme os casos concretos. Tendo sido estabelecidos possíveis parâmetros de julgamento, tais como o tempo que sucedeu fato e se o caráter informativo é de interesse público ou não. Ressaltando que nos casos que gerem interesse histórico, social ou público é necessário que prevaleça o direito à informação.
Análogo a isso, cita-se a decisão do Tribunal de Justiça de Pernambuco, sobre o caso do desembargador que pleiteou ação contra ao Google, porque ao acessa-lo e colocar no campo de pesquisa seu nome aparecia noticias, relacionadas a fatos ocorridos a mais de onze anos, que remetiam ao inicio de seu mandato, onde ele fora acusado de portar documentos falsos, dentre outras acusações. Entretanto ao ser julgado, foi declarado inocente e absolvido de todas as demandas da inicial.
Após ser declarado improcedente pela juíza de 1º grau, em sede de instancia superior o mesmo alegou o uso do direito ao esquecimento, sendo deferido pelos colegiados após votação, com argumento de que as notícias relacionadas se associam a fatos pretéritos, onde o magistrado respondeu a supostas alegações de irregularidade a ele atribuídas, mas que fora declarado inocente e absolvido de todas as acusações, estando tais processos arquivados há anos, não restando motivos pra ter sua imagem vinculada a atos de improbidade pelo resto da vida.
3.2.1 Entendimento do STJ sobre o assunto
O Supremo Tribunal de Justiça tem julgado diversos casos que pedem reflexão sobre quando deve prevalecer o direito à informação ou o direito à privacidade e a dignidade humana.
Como foi mencionado acima, ambos são direito fundamentais, assegurados pelas Constituição Federal de 1988, o choque de princípios é debatido pelos ministros, de maneira incidental, em inúmeros processos, pois as respostas a essas perguntas passam usualmente por uma discussão de fundo constitucional, de competência do Supremo Tribunal Federal.
O STJ não tem um meio concreto de resolver esses conflitos, sendo utilizada a ponderação e a análise minuciosa do caso concreto, como meio de resolver conflitos, sendo passível de divergências, uma hora prevalecerá um direito e outra hora outro. A depender das singularidades de cada situação, sempre na busca pelo entendimento mais justo.
Em decorrência disso, com base em decisões mais atuais, vimos à ramificação do direito, de forma que em algumas decisões existe o reconhecimento do direito ao esquecimento, mas a inaplicabilidade da indenização sobre os danos e vice- versa. Outro ponto levado em consideração é a notoriedade dos envolvidos e se as alegações processuais são pertinentes ao interesse público, da mesma forma se existe violação à dignidade e honra do individuo.
Podemos deslumbrar alguns exemplos dessa aplicação nos casos já mencionados nesse presente artigo, destacando a Resp. 1.660.168/RJ, onde em julgamento apertado, a 3ª turma do STJ garantiu a uma promotora de Justiça que seu nome seja desvinculado do tema “fraude em concurso para juiz” nos resultados de pesquisas na internet. A promotora foi inocentada pelo CNJ da acusação de fraudar um concurso para magistratura, no qual foi reprovado, fato ocorrido em 2007, entretanto a busca por notícias relacionadas ao tema retornava com resultados que citavam a servidora de forma inidônea.
3.2.2 Entendimento do STF sobre o assunto
O STF através do Recurso extraordinário 1.010.606/RJ, que trata sobre o direito ao esquecimento na esfera civil, quando for invocado pela vítima ou seus familiares, interpostos pelos irmãos de Aída Curi, pleiteando o direito ao esquecimento em relação à reportagem divulgada pela emissora Rede Globo e pleiteando indenização pela exibição de imagens sem anuência dos familiares, como já foi citado no presente artigo em posicionamentos anteriores.
O Supremo Tribunal Federal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. Assegurando que a matéria abordada no recurso extraordinário, além de apresentarem nítida consistência constitucional, superava os interesses subjetivos das partes, uma vez que abordam tema relativo à harmonização de importantes princípios dotados de status constitucional, de um lado, a liberdade de expressão e o direito à informação; de outro, a dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade da imagem, da intimidade e da vida privada. Assim, a Corte entendeu que a definição das questões postas no feito repercutirá em toda a sociedade, revelando-se de inegável relevância jurídica e social.
Em resumo, foram decididos improcedentes os pedidos suscitados no recurso extraordinário, por ser um fato considerado de relevância, sendo utilizado como meio de conscientização da violência contra mulher com o passar dos anos. Entretanto alguns julgadores em fase de audiência deixaram claros o seu posicionamento favorável ao direito ao esquecimento, no que consta sobre a época em que vivemos, onde as informações repercutem de forma mundial em poucos minutos por intermédio da internet e como é necessária a criação de um marco, que verse tanto sobre os crimes da internet e suas punições, quanto o direito de apagar dados constrangedores, postos de forma ilegal na rede.
3.2.3 Possibilidade de aplicações do direito ao esquecimento no Brasil
Com base no momento vivido pela sociedade, através da globalização e da era digital, pode-se afirmar que o mundo está interligado e que as informações se propagam de forma frenética para população mundial, por meio diversas plataformas de mídias sociais, sendo um marco no que tange a tecnologia, qualidade de informação, a busca por conhecimento e a interação entre pessoas.
Paralelamente, a internet por facilitar a divulgação de dados e opiniões de seus usuários, trouxe consigo outro lado da moeda. A falsa sensação de anonimato tem levado centenas de internautas a publicarem conteúdos ofensivos de todo tipo para milhares de pessoas, abrindo precedentes para o uso indevido dos veículos de informação, tais como a divulgação de imagens, sem nenhum tipo de autorização, com a intenção de expor a intimidade do indivíduo, assim como postagens com intuito de retalhar a autoimagem das pessoas, da mesma forma, a disseminação de informações falsas, com a intenção de denegrir a imagem e a dignidade do indivíduo.
Nesse contexto, foram criadas leis relacionadas aos crimes na internet, uma delas foi sancionada em 2012, alterando o Código Penal e instituindo penas para crimes específicos cometidos no mundo digital. A primeira delas é a Lei dos Crimes Cibernéticos, Lei Nº 12.737/2012, conhecida como Lei Carolina Dieckmann, que tipifica atos como invadir computadores (“hacking”), roubar senhas, violar dados de usuários e divulgar informações privadas (como fotos, mensagens etc.), sendo acrescida na mesma que fosse determina a instalação de delegacias especializadas para o combate de crimes digitais.
A segunda foi o Marco Civil da Internet, Lei Nº 12.965/2014, que foi sancionado em 2014 e regulam os direitos e deveres dos internautas, ele protege os dados pessoais e a privacidade dos usuários. Dessa forma, somente mediante ordem judicial pode haver quebra de dados e informações particulares existentes em sites ou redes sociais.
Uma das grandes inovações da lei diz respeito à retirada de conteúdos do ar, antes de sua entrada em vigor, não havia uma regra clara sobre este procedimento. A partir da Lei do Marco Civil da Internet, a retirada de conteúdos do ar só é feita mediante ordem judicial, com exceção dos casos de “pornografia de vingança” (“revenge porn“), que já está nas diretrizes da rede social, pessoas vítimas de violações da intimidade podem solicitar a retirada de conteúdo, de forma direta, aos sites ou serviços que hospedem este conteúdo.
Voltando ao que tange ao direito ao esquecimento e sua aplicação, é incontestável que todos os principais casos que versam sobre tal direito, tem incidência sobre fatos, arquivos, imagens, ou informações, divulgadas de forma equivocada em plataformas sócias e midiáticas. Trazendo a tona o principal objetivo desse artigo que é encontrar meios de regulamentar esse direito dentro da esfera jurisprudencial e de que melhor forma do que o relacionando as injustiças ocorridas no mundo midiático.
Como já se foi dito por diversos juristas é emblemático que se crie um ponto de equilíbrio entre o direito ao esquecimento, o confronto entre princípios fundamentais e o atual momento vivido pela sociedade.
O direito ao esquecimento teria melhor aplicação no que se refere a informações de forma lato sensu, divulgadas na internet de maneira equivocada, sendo passíveis de serem esquecidas por seus usuários, por figurarem inverdades. Segundo que, pode ser aplicado à ponderação usado pelos juristas do STJ para resolver conflitos pertinentes a tais fatos, estabelecidos como critérios o tempo em que ocorreu o episodio, se as informações eram consideradas de natureza duvidosa ou comprovadamente falsas, se a vitima foi declarada inocente pela justiça brasileira e se as imagens, notícias ou publicações representam uma clara invasão à intimidade da vitima e não tendo essa nenhuma relevância para o interesse público, histórico ou social.
CONCLUSÃO
O desenvolvimento do presente estudo teve como um dos objetivos, estabelecer critérios para ponderação de princípios fundamentais, aplicados ao direito ao esquecimento, mostrando de que forma o mesmo pode ser aplicado dentro do ordenamento jurídico, trazendo casos atuais como objeto de estudo.
Com tudo, este artigo buscou aplicar conjuntamente, as técnicas de ponderação de conflitos, com o uso do direito ao esquecimento, demonstrando qual o fundamento jurídico deve prevalecer a depender do caso concreto. Ao mesmo tempo em que faz uma concomitância entre o direito ao esquecimento e a era da informação e da internet.
Dado o exposto demonstra-se a importância de criar uma lei, que verse sobre a privacidade e a abrangência de todos os direitos a ela inerentes, considerando que o direito acompanha situações atuais e que se renovam a cada dia por meio de projetos de lei e etc. Desse modo, sempre tentando alcançar e solucionar os problemas da sociedade, nada mais lógico que a criação de uma lei que estabeleça limites, não somente ao uso de imagens ou sobre casos específicos de exposição de pessoas na internet, mas sim de uma maneira geral, que englobe todas as ramificações da vida social e virtual, que fosse cabível a todos os meios de comunicação.
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ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.
ENUNCIADO 274 - IV Jornada de Direito Civil- Art.11 do C.C.
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Bacharelanda no Curso de Direito do Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas – CIESA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Suzana Monteiro de. O direito ao esquecimento: conflito de direitos fundamentais, liberdade de informação e expressão x proteção da memória individual e privacidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 out 2019, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53583/o-direito-ao-esquecimento-conflito-de-direitos-fundamentais-liberdade-de-informao-e-expresso-x-proteo-da-memria-individual-e-privacidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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