FERNANDO BEZERRA DE OLIVEIRA LIMA[1]
(Orientador)
RESUMO: O princípio da insignificância surgiu da necessidade de exclusão da esfera penal, de ações carentes de tipicidade material, onde não há ofensa aos bens juridicamente acobertados por tutela. Este princípio conecta-se ao bem jurídico penalmente tutelado, a partir do elemento material. O presente trabalho tem por objetivo discutir a aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial na seara do inquérito policial. Para o alcance desse objetivo foi elaborada uma pesquisa de cunho bibliográfico no acervo de livros e artigos da literatura pertinente. No desenvolvimento do trabalho, foram abordados diversos tópicos relativos a jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre o princípio da insignificância de forma a construir o arcabouço teórico para sustentação da discussão proposta. O trabalho utilizou uma metodologia clara e objetiva, de natureza dedutiva e exploratória, para fins de permitir o alcance de resultados qualitativos sobre o tema proposto, contribuindo não só em seus aspectos acadêmicos, mas também social.
Palavras-chave: Princípio da Insignificância; Autoridade Policial; Inquérito Policial.
ABSTRACT: The principle of insignificance arose from the need to exclude the criminal sphere, from actions lacking materiality, where there is no offense to the legally covered property under guardianship. This principle is linked to the criminally protected legal property, from the material element. This paper aims to discuss the application of the principle of insignificance by the police authority in the area of police inquiry. To achieve this goal, a bibliographic research was elaborated in the collection of books and articles of the relevant literature. In the development of the work, several topics related to the jurisprudence of the Superior Courts on the principle of insignificance in order to build the theoretical framework to support the proposed discussion were addressed. The work used a clear and objective methodology, of deductive and exploratory nature, purposes to allow the achievement of qualitative results on the proposed theme, contributing in its academic but also social aspects.
Keywords: Principle of Insignificance; Police authority; Police Inquiry.
princípio da insignificância merece destaque em seu aspecto jurisprudencial, dado o aumento da sua aplicação pelos tribunais, independentemente de sua tipicidade material, tornando-a atípica. Sua aplicação fundamenta-se na premissa de que enquanto operador de direito a autoridade policial, possui a competência para distinguir e peneirar ações que não são relevantes do ponto de vista penal, tendo como embasamento os juízos da política criminal.
A partir deste posicionamento, entende-se que o princípio da insignificância vincula-se ao bem jurídico penalmente tutelado, a partir da figura do material da infração, portanto classificando como atípicos os delitos com lesões ao bem jurídico mínimas. No que tange as autoridades, estas representam os agentes públicos com arbítrio sobre à liberdade do indivíduo, em particular a figura do Delegado de polícia que necessita atender requisitos técnicos curriculares, estabelecidos na norma, de forma a representar com legitimidade os interesses do Estado.
O trabalho foi dividido em 4 sessões, onde são abordados respectivamente no capítulo 01, o princípio da Insignificância, seu conceito e natureza jurídica; No capítulo 02 a Polícia e sua autoridade judiciária; no capítulo 03, os Requisitos para aplicabilidade do princípio da Insignificância e por fim no capítulo 04 A aplicação do princípio pela autoridade policial.
A construção do referencial, assim como a metodologia aplicada, tem como objetivos uma abordagem qualitativa, de forma a contribuir em seus aspectos acadêmicos, mas também social para a discussão do tema proposto.
1. PRINCÍPIOS DA INSIGNIFICÂNCIA
O conceito de Princípio da Insignificância está intrinsicamente ligado à sua natureza jurídica. O impacto causado pela conduta sobre o valor tutelado pela norma é tão pequeno, que não esteia a pena, não havendo, portanto, o crime.
O princípio da insignificância, compreende quatro conjunturas fundamentais: a ofensividade da conduta diminuta, a ausência de periculosidade social do ato, o grau de reprovabilidade do comportamento minimizado e a inexpressividade da lesão provocada (ZAFFARONI, 2004).
1.1 Conceito e Natureza Jurídica
A natureza jurídica do princípio da insignificância é retirar a tipicidade material do ocorrido, eximindo a conduta da esfera de proteção do Direito Penal, ou seja uma apuração das condutas que pressupõe um crime de gravidade maior para a sociedade (WELZEL, 2001).
Segundo Greco (2006, p. 93) cabe ao legislador a criação dos gêneros penais
de acusação se extrapolados os obstáculos sugeridos pelos juízos da intervenção mínima e adaptação social. Essa visão diminuta e mais moderada do Direito Penal, pressupõe que apenas os bens jurídicos mais relevantes, alvos de agressões mais graves carecem da proteção penal.
Desta forma, caberá aos operadores do direito, a análise e interpretação da infração penal e seu ajuste a lógica minimalista, excluindo a tipicidade das ações que envolvam os bens jurídicos. Portanto, o princípio da insignificância preserva os tipos penais de envolver delitos que não acarretem prejuízos consideráveis a sociedade, ou seja, desempenha o papel interpretativo e restritivo do tipo penal.
A tipicidade penal requer que os prejuízos causados aos bens protegidos possuam relevância necessária para caracterizar o injusto típico ou seja há de existir proporcionalidade entre a seriedade da ação passível de punição e a intervenção estatal (BITENCOURT, 2003).
Ainda assim, alguma conduta socialmente adequada ou insignificante pode ser alcançada pelo tipo legal do crime, não se podendo exigir que o agente esteja amparado por alguma causa excludente de ilicitude ou de culpabilidade para que sua conduta não configure crime.
Portanto, o princípio da insignificância surge para evitar que os tipos penais abarquem os comportamentos que não provocam prejuízos relevantes para o corpo social. Em outras palavras, ele atua como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático e político-criminal de expressão da regra constitucional do nullum crimen sine lege, o que revela a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal.
Bitencourt (2003, p. 19) afirma que a tipicidade penal exige que a ofensa aos bens jurídicos protegidos tenha alguma gravidade, pois nem toda ofensa a bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Assim, pelo princípio da insignificância, também chamado de princípio da bagatela por autores como Klaus Tiedemann, deve haver uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta a ser punida e a intervenção estatal.
Nesse diapasão, há condutas que se ajustam ao tipo penal formalmente, mas não apresentam relevância material, razão pela qual se deve afastar prontamente a tipicidade penal, porque não houve lesão ao bem jurídico protegido.
1.2 Relação com outros princípios
Existe uma rede de relacionamento entre o princípio da insignificância e outros princípios do Direito Penal, sem haver, entretanto, confusão de princípios. Destacam-se os princípios da intervenção mínima ou da subsidiariedade, vindo a atuar em última instância.
Portanto, é uma característica do Direito Penal a possibilidade de subsidiação. Há uma relação do princípio da intervenção mínima com o processo legislativo considerado na composição das leis. A aplicação do Direito Penal ocorre no caso de falha dos demais, ou seja, uma última opção do sistema jurídico. (PRESTES, 2003, p. 25).
A partir do princípio da fragmentariedade, que complementa o princípio da intervenção mínima, deve-se proteção aos bens jurídicos de maior importância. Este princípio fundamenta o princípio da insignificância, ao ponto que possibilita a aplicação de penalidade as condutas com graves perdas ao bem. Em contrapartida o princípio da adequação social presume que a tipicidade está vinculada a sua importância social.
Portanto, o princípio da adequação social possui dupla função: a orientação quanto a criação ou revogação das tipicidades e interpretação dos tipos penais (SILVA, 2004, p. 124).
O princípio da intervenção mínima possui a função de orientar e limitar o poder “incriminador” do Estado. Neste contexto, outros meios de controle social demonstraram eficácia, não sendo necessário o emprego de ações penais se as medidas civis ou administrativas forem suficientes para o alcance da ordem jurídica violada.
O Direito Penal, portanto, só deve ser utilizado mediante ineficácia dos demais ramos do Direito. Quanto a sua tutela penal nas relações de consumo, esta encontra amparo tanto nos contextos históricos quanto atual da economia, uma vez que a defesa do consumidor é vista como sendo um meio de restabelecimento do equilíbrio nas relações entre consumidor e fornecedor. A partir deste conceito, fica delimitado, portanto, o grau de dificuldade de compreensão do tipo de criminalidade, uma vez que as conceituações se baseiam em conceitos de outras ciências (DINAMARCO, 2004).
Por sua vez, o princípio da adequação social determina que só há tipicidade quando há relevância social. Assim, se a conduta é socialmente adequada, a sua tipicidade é excluída pela relevância social. De acordo com Rogério Greco (2006, p. 90) o princípio da adequação social serve tanto para orientar o legislador quando da criação ou revogação das figuras típicas, como também de instrumento para a interpretação dos tipos penais existentes.
Os princípios da adequação social e insignificância contribuem, portanto, para a constituição material do tipo de injusto, ou seja, este ocupa-se da proteção do bem jurídico. Quanto a gradação quantitativa e qualitativa do delito, esta consente, que fatos cuja pena seja irrelevante, sejam expurgadas, reservado o tratamento adequado, quando cabível (TOLEDO, 1994, p. 134).
2. A POLÍCIA JUDICIÁRIA E A AUTORIDADE POLICIAL
Os órgãos de segurança pública garantem por intermédio do desempo de suas funções a preservação da ordem pública, das pessoas e do patrimônio em caráter de prevenção, mas também repreensão. Para uma compreensão deste cenário, é importante o entendimento e diferenciação entre os poderes da polícia. Neste sentido, o conceito de poder, se traduz pela competência de sentenciar e determinar uma determinada sentença.
Portanto o poder abarca todas as esferas do convívio social e inclusive o próprio Estado, cuja sustentação se encontra no poder político, advindo do cunho popular e, portanto, a soberania do Estado (DINAMARCO, 2004).
2.1 Polícia judiciária e polícia investigativa
O Poder de polícia é um aparato do Estado, que visa a garantia dos interesses públicos, ainda que, com consequente restrição da liberdade individual. Esta conjectura, valida a repressão por parte do Estado, a toda atividade que se encontre na contramão do bem-estar social e interesse coletivo.
Para enfrentar este ponto abordado, definimos, em poucas palavras, poder como a capacidade de deliberar e cominar a decisão aos seus destinatários. Nessa acepção, o poder exprime-se em todos os grupos e comunidades, desde a família, que se apoia no pátrio poder, até o Estado, que se sustenta no poder político, emanado da aspiração popular, que é o suporte da Soberania Nacional. Poder, assim, é a própria emanação de soberania do Estado. (DINAMARCO, 2004).
O Poder de polícia é um instrumento do Estado, para garantir o interesse público, sendo que para isso restringe em regra a liberdade individual. Por meio desse mecanismo, utilizada por toda Administração Pública, o Estado reprime as atividades dos particulares que for contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, em outras palavras, ao interesse público, coletivo.
Poder de polícia, em seu significado amplo, envolve um sistema total de regulamentação interna, pelo qual o Estado procura não só preservar a ordem pública, senão também instituir para a vida de relações dos cidadãos aquelas regras de boa conduta e de boa vizinhança que se supõem imprescindíveis para serem evitados conflitos de direitos.
Por outro lado, a polícia administrativa se diferencia da polícia judiciária. A polícia administrativa é aquela que incide sobre bens, direitos ou atividades, enquanto que a polícia judiciária incide sobre as pessoas. Desse modo, poder de polícia judiciária é privativa dos órgãos auxiliares da Justiça, enquanto que o poder de polícia administrativa difunde-se por todos os órgãos administrativos, de todos os Poderes e entidades públicas.
Esta composição abrange um sistema regimental, com premissa na preservação da ordem pública e instituição de relações de convívio em harmonia com a boa conduta, de forma a prevenir desentendimentos de direitos. Existe, todavia, uma diferenciação entre polícias administrativa e judiciária. A primeira atua sobre a tutela de bens de direitos e a segunda sobre os cidadãos, sendo privativa das entidades auxiliares da Justiça.
O inquérito policial é uma peça procedimental, devidamente disciplinado pelo Código de Processo Penal. Embora prescindível, o inquérito policial não é mera peça de informação, como a doutrina e a jurisprudência denominam. De fato, o caderno inquisitorial, carreado de elementos probatórios, p. ex. perícias, seguramente propiciará uma maior probabilidade de sucesso na fase judicial.
Cabe a autoridade policial a apuração de delitos penais na identificação da autoria e pormenores, por intermédio de inquérito policial. Numa sequência de ações e etapas ocorre o processamento do inquérito policial e posterior julgamento pelo Estado. Este processo, representa uma ação inquisitiva, não havendo ainda menção a aplicação judicial, por tratar-se de uma fase pré-processual (PEDROSO, 2006)
2.2 Conceito de autoridade policial
A autoridade policial destaca-se na organização da Polícia Judiciária do Estado, onde a autoridade policial se confunde com a figura do delegado de polícia. Desta forma, cabe apenas a autoridade policial, com formação acadêmica em Direto em legitima atribuição do seu cargo, a consumação de juízo de valor e o entendimento da possibilidade de autenticação de um flagrante.
Segundo Nucci (2008, p. 241):
Devemos entender tratar-se somente do delegado de polícia. Este seria a autoridade policial autêntica. Investigadores de polícia ou detetives, bem como policiais militares, devem ser considerados apenas agentes da autoridade policial.
Assim, as expressões “autoridade policial” e “delegado de polícia” são sinônimas dentro do ordenamento jurídico pátrio. Com efeito, se a Constituição Federal ressalvou que a Polícia Civil será dirigida por delegados de carreira e o Código de Processo Penal reza que a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais, deixa claro que tais nomenclaturas devem estar intimamente relacionadas aos delegados de polícia, entender o contrário seria desvirtuar o próprio interesse do Poder Constituinte Originário.
Verifica-se que a figura do Delegado de Polícia representa um elemento com formação técnica e saber jurídico necessário, para a tipificação da conduta e representação judicial de prisões preventivas.
3. REQUISITOS PARA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
A aplicação do princípio da insignificância, que permite o afastamento da tipicidade material em decorrência da ausência de lesão ao bem jurídico protegido, ou do seu ataque periférico, ou em mínimo grau de extensão. Em termos de aplicabilidade do princípio da insignificância, o dano produzido é mínimo e, portanto, injustificável em termos punitivos.
3.1 O princípio da insignificância afasta a tipicidade material
Tratando-se de tipicidade penal indispensável à definição da ocorrência típica, há uma divisão em tipicidade Formal e Conglobante, onde a primeira refere-se à adequação da proceder do agente ao tipo presumido na lei penal e a segunda deve considerar a conduta do agente quanto a normativa e a relevância material do fato (GRECO, 2007).
Paulo Queiroz (2002, p. 98):
É realmente preciso ir além do convencional automatismo que, alheio à realidade, à gravidade do fato, à intensidade da lesão, concretamente valorados em função de suas consequências, sobretudo, se perde e se desacredita na persecução penal de condutas de mínima ou nenhuma importância social. A intervenção penal – traumática, cirúrgica e negativa – há de ficar reservada para a repressão de fatos que assumam magnitude penal incontrastável; havendo-se, assim, de recusar curso aos chamados delitos de bagatela.
Existem divergências, quanto a essência jurídico-penal do princípio da insignificância no tocante a infração, haja visto que para alguns autores ocupa-se de causa excludente de tipicidade ou antijuridicidade ou ainda culpabilidade (SILVA, 2004).
3.2 Infração bagatelar própria e infração bagatelar imprópria
A doutrina na seara penal divide o crime de bagatela em duas espécies: infração bagatelar própria e imprópria. A primeira é aquela que desde o início não é relevante ao direito penal, uma vez que não houve um desvalor na conduta, no resultado ou na combinação de ambos. Já a infração bagatelar imprópria nasce relevante para o Direito Penal, uma vez que há relevância da conduta ou do resultado, mas ao da persecução penal se verifica que a aplicação de qualquer pena no caso concreto apresenta-se totalmente desnecessária.
Segundo Gomes (2009, p. 25):
infração bagatelar própria = princípio da insignificância; infração bagatelar imprópria =princípio da irrelevância penal do fato. Não há como se confundir a infração bagatelar própria (que constitui fato atípico – falta de tipicidade material) com a infração bagatelar imprópria (que nasce relevante para o Direito Penal). A primeira é puramente objetiva. Para a segunda, importam os dados do fato assim como uma certa subjetivação, porque também são relevantes para ela o autor, seus antecedentes, sua personalidade etc.
Em outras palavras, na infração bagatelar própria, o fato é irrelevante desde sua origem e, sendo assim, não há crime, pois o fato é totalmente irrelevante e não merece a repressão do Direito Penal, principalmente devido à ausência da tipicidade material que acaba por excluir o crime, conforme já dito alhures.
Quanto à infração bagatelar imprópria, o fato nasce desde a origem relevante. O fato é típico, antijurídico e culpável, entretanto no decorre da instrução criminal, a aplicação de uma sanção penal é desnecessária, com fulcro no princípio da proporcionalidade.
Neste ponto, é necessário estabelecer a diferença entre o princípio da insignificância e o princípio da irrelevância penal do fato. O primeiro se aplica em todos os casos que se constatar que houve uma infração bagatelar própria. Por outro lado, o princípio da irrelevância penal do fato está ligado à infração bagatelar imprópria.
4. A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PELA AUTORIDADE POLICIAL
A doutrina não é uniforme quanto à natureza jurídica da prisão em flagrante, pois para uns seria ato administrativo, outros seria medida acautelatória e outro a considera ato complexo com duas fases, sendo a primeira a prisão captura, de ordem administrativa e a segunda de natureza processual, quando homologada pelo juiz (SILVA JÚNIOR, 2008, p. 879).
4.1 Delegado de polícia: relaxamento da prisão em flagrante
Conforme o art. 5º, LXV, da CF a prisão quando ilegal “será relaxada pela autoridade judiciária”. Neste caso, constata-se que se atribuiu ao Juiz de Direito a competência para relaxamento de prisão. Há, contudo na doutrina o relaxamento da prisão em flagrante delito pela Autoridade de Polícia Judiciária, não havendo uniformidade no tocante à natureza jurídica desta, uma vez que pode consistir tanto em ato administrativo, quanto uma medida acautelatória (SILVA JÚNIOR, 2008).
Alencar (2010, p. 475-476) afirma sobre o tema relaxamento de prisão pela autoridade policial:
Ao final, convencida a autoridade que a infração ocorreu, que o conduzido concorreu para o fato e que se trata de hipótese legal de flagrante delito, determinará ao escrivão que lavre e encerre o auto de flagrante. A toda evidência, não assiste razão para a autoridade determinar a lavratura do auto se não houver lastro legal para tanto, devendo até mesmo apurar a responsabilidade do condutor, se houver algum excesso. Assim, é factível que a autoridade policial relaxe a prisão, liberando o conduzido e deixando de proceder à lavratura do auto.
Entendemos que o § 1º do art. 304 deve ser interpretado à luz do caput, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 11.113/2005. A lavratura do auto é o termo final, ocorrida após a oitiva dos envolvidos. Não estando convencida a autoridade de que o fato apresentado autorizaria o flagrante, deixará de autuar o conduzido, isto é, não lavrará o auto, relaxando a prisão, que já existe desde a captura, e por isso, não mandará recolher o indivíduo ao xadrez (§ 1º), pois a liberdade é de rigor.
Portanto, caso um Delegado de Polícia, no exercício de suas atribuições venha a definir um determinado fato como sendo atípico, o mesmo possui autoridade para declarar em liberdade o conduzido, o que caracteriza o relaxamento da prisão em flagrante. No caso de não constituição de crime, cabe ao Delegado de Polícia a não ratificação da voz de prisão em flagrante delito, podendo admitir o relaxamento da prisão (ALENCAR, 2010).
4.2 Relaxamento da prisão em flagrante pela atipicidade material da conduta
A doutrina majoritária assevera que o princípio da insignificância, como já dito, na seara penal, afasta a tipicidade material do fato, o que retira a conduta do âmbito de proteção do Direito Penal. Em caso concreto, cabe ao Delegado de Polícia, mediante um caso de infração bagatelar, aplicar o princípio da insignificância. Nesse cenário, não ocorrerá ratificação da voz de prisão, por inexistência de tipicidade material, assim como instauração de inquérito policial para apuração.
Para Capez (2008, p. 262):
Antes da lavratura do auto, a autoridade policial deve entrevistar as partes (condutor, testemunhas e conduzidos) e, em seguida, de acordo com a sua discricionária convicção, ratificar ou não a voz de prisão do condutor. Não se trata, no caso, de relaxamento da prisão em flagrante, uma vez que, sem a ratificação, o sujeito encontra apenas detido, aguardando a formalização por meio da ordem de prisão em flagrante determinada pela autoridade policial.
Em termos de fundamentação legal, cabe a aplicação do princípio da insignificância, por inexistência de tipicidade material em um caso que pode ser de natureza criminosa, conforme artigo 304, §1º, do Código de Processo Penal:
Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá está o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a esta cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto.
§ 1o Resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido, a autoridade mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiança, e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo, se para isso for competente; se não o for, enviará os autos à autoridade que o seja.
Em caso de não haver comprovação da ação criminosa, não caberá à ratificação da voz de prisão em flagrante e, portanto, do encarceramento e o acusado será posto em liberdade.
4.3 A autoridade policial atuando no caso concreto para aplicar o princípio da insignificância
Destaca-se a autoridade policial, na aplicação do princípio da insignificância sem usurpação do magistério. Uma vez que o em termos de juízo de valor para denunciação. Todavia a autoridade policial lida em primeira mão com os possíveis atos criminosos. Cabe a ele a análise mais aprofundada acerca da possibilidade de encarceramento, não havendo, entretanto, um descontrole jurisdicional. Ele realiza uma análise mais aprofundada da necessidade de encarceramento em situações de infração bagatelar própria, sem que isto naturalmente saia ao controle jurisdicional e ao controle externo do Ministério Público.
Ressalta-se que não se trata de questionamento quanto autoridade policial no tocante ao arquivamento, já que cabe ao Ministério Público esta solicitação. O Código de Processo Penal impede o arquivamento de inquérito policial de ofício, pela autoridade policial: “Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito”. Não cabe a autoridade policial a realização de juízo de valor sobre a antijuridicidade e a culpabilidade.
Segundo Rangel (2010, p. 90):
O inquérito policial tem um único escopo: apuração dos fatos objeto de investigação (cf. art. 4º, in fine, do CPP). Não cabe à autoridade policial emitir nenhum juízo de valor na apuração dos fatos, como, por exemplo, que o indiciado agiu em legítima defesa ou movido por violenta emoção ao cometer o homicídio. A autoridade policial não pode (e não deve) se imiscuir nas funções do Ministério Público, muito menos do juiz, pois sua função, no exercício das suas atribuições é meramente investigatória.
É pacifico na doutrina a jurisprudência que a autoridade policial não deve realizar qualquer juízo de valor sobre a antijuridicidade e a culpabilidade. Ainda há parte da doutrina que perfilha do entendimento que a autoridade policial cabe apenas a análise da tipicidade formal.
Respeita-se este posicionamento, todavia é preciso verificar que a aplicação do Direito Penal e Processual Penal pela autoridade policial, a qual possui a formação jurídica, não pode ser meros expectadores da evolução do Direito Penal. De fato, o Ministro do STF Gilmar Mendes deixa claro que autoridade policial pode retirar do âmbito penal condutas tipicamente formal.
O Direito Penal brasileiro, nos traz uma perspectiva interessante sobre sua função garantidora, desta forma a autoridade policial passa de figurar como agente político de perseguição. O delegado de polícia encontra-se em uma nova ordem jurídica, passando a função de garantir os direitos humanos e da Lei.
Opor-se contra a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial, em casos específicos e de clara hipótese de infração bagatelar própria, é impor a violação de uma série de princípios jurídicos que se originam na própria dignidade da pessoa humana.
É sustentável, à luz do sistema jurídico, que é um conjunto de leis e de princípios que se entrelaçam sob a égide dos ditames maiores lançados na Constituição Federal, que a Autoridade Policial possa, por meio da sua discricionariedade, não lavrar autos de prisão em flagrante acerca de infrações que são, em tese, materialmente atípicas.
A decisão de valoração a ser levado a efeito pela Autoridade Policial bastará que contenha fundamentação razoável, fulcro no princípio da persuasão racional, como, de resto, é a atribuição de todos aqueles que levam a efeito atos administrativos em geral.
O princípio da insignificância não foi estruturado para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de condutas ínfimas e isoladas, sejam sancionados pelo rigor do direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido a sua reprovabilidade, perdem a característica da bagatela e devem se submeter ao direito penal.
Desta forma, atribui-se ao Delegado de Polícia o uso princípios criminais como a exclusiva proteção de bens jurídicos, da intervenção mínima, da proporcionalidade, e outros no ensejo de construir a alegação legal jurídica no caso concreto, para aplicação do princípio da insignificância na seara penal.
O princípio da insignificância pode ser considerado uma ferramenta interpretativa, com relativa notoriedade, no Direito Penal. No presente trabalho apresentou-se o posicionamento da doutrina quanto a sua aplicabilidade e viabilização para utilização no contexto Penal. Foi explorado ainda o conceito de autoridade policial e investigativa nos casos passiveis de aplicação do princípio de insignificância
Conforme demonstrado no texto, cabe a autoridade policial a aplicação do princípio da insignificância na fase pré-processual penal, onde a figura do delegado tem a competência para o lavramento do não flagrante, relevado o fato de que tal situação é atípica, uma vez que inexiste tipicidade material. Estas atribuições do delegado de polícia não constituem ação automática.
O trabalho apresentou 04 sessões, onde foram abordados: o princípio da Insignificância, seu conceito, natureza jurídica e a relação outros princípios como o princípio da intervenção mínima e o princípio da subsidiariedade; A figura da Polícia e sua autoridade judiciária, a partir de sua conceituação e a diferenciação entre polícia judiciária e polícia investigativa; Os requisitos para aplicabilidade do princípio da Insignificância e pôr fim a aplicação do princípio pela autoridade policial, através de uma investigação acerca do Relaxamento da prisão em flagrante pela atipicidade material e a atuação da autoridade policial.
Frente ao sistema processual atual, a autoridade policial possui competência para decisão de execução do flagrante, sendo esta sustentável, sob a ótica jurídica, formada por um compêndio de regulamentações. Conclui-se, portanto que cabe ao Delegado de Polícia, enquanto operador do Direito e a partir dos princípios de política criminal aplicar ou não o princípio da insignificância na seara penal.
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Graduando em direito 2019 no CIESA/AM
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AGUIAR, Andrew Rebouças de. A aplicação do princípio da insignificância pela Autoridade Policial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 out 2019, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53585/a-aplicao-do-princpio-da-insignificncia-pela-autoridade-policial. Acesso em: 23 dez 2024.
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