HELOYSA SIMONETTI TEIXEIRA
(Orientadora)[1]
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo o estudo da aplicabilidade da arbitragem como método resolutivo de lides envolvendo a Administração Pública após o advento da lei n°13.129/2015, que regulamentou o tema. Com essa premissa, a pesquisa será baseada na doutrina e leis brasileiras buscando fundamentos para a sua concretização. Inicialmente, será abordado sobre o instituto da arbitragem, fazendo uma análise histórica de sua origem e aplicação no Brasil, seus conceitos e principais premissas, bem como suas vantagens em sua utilização para o administrador público. Em seguida será abordado argumentações de ideias a respeito do tema, principalmente, sobre as correntes favoráveis e as que ainda olham com estranheza ao tema. Serão, ainda, discutidas questões específicas essenciais para o entendimento do assunto, como também, será demonstrado que o instituto da arbitragem tem se mostrando uma ferramenta muito interessante para os conflitos envolvendo a Administração Pública, principalmente, alinhados aos princípios constitucionais.
Palavras-chave: Arbitragem. Administração Pública. Interesse Público. Contratos Administrativos.
ABSTRACT:The purpose of this article is to study the applicability of arbitration as a method of resolving disputes involving the Public Administration after the advent of Law 13,129 / 2015, which regulated the issue. With this premise, the research will be based on Brazilian doctrine and laws seeking grounds for its implementation. Initially, it will be approached about the arbitration institute, making a historical analysis of its origin and application in Brazil, its concepts and main assumptions, as well as its advantages in its use for the public administrator. Then we will discuss arguments of ideas about the theme, especially about favorable currents and those that still look strangely at the theme. It will also be discussed specific issues essential to the understanding of the subject, as well as, it will be shown that the arbitration institute has shown itself to be a very interesting tool for the conflicts involving the Public Administration, mainly aligned with the constitutional principles.
Keywords: Arbitration. Public administration. Public interest. Administrative Contracts.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1.EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ARBITRAGEM ENVOLVENDO A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 1.1 A importância de Petrônio Muniz para arbitragem. 2.A ARBITRAGEM. 3.(IN)ASFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL.4.A CONVENÇÃO, CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA E O COMPROMISSO ARBITRAL 5.A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 6.ARBITRABILIDADE DA ADMNISTRAÇÃO PÚBLICA 7.A PUBLICIDADE NOS PROCEDIMENTOS ARBITRAIS “ADMINISTRATIVOS” CONCLUSÃO REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Por muito tempo o ordenamento jurídico brasileiro teve extrema dificuldade em aceitar outro meio de resolução de conflitos que não fosse a tradicional jurisdição estatal. Isso se deve ao que estabelece a Constituição Federal em seu art. 5°, XXXV, que ensina não ser possível excluir da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito. Em consequência, muito se discutiu sobre a constitucionalidade da arbitragem, ainda que essa seja utilizada no Brasil desde o Império.
Com o advento da lei n° 9.307/96 a arbitragem conquistou espaço no cenário jurídico do país. Aspectos como sua celeridade, respeito à vontade das partes e, principalmente, a equiparação do laudo arbitral à sentença judicial, fizeram com que esse instituto ganhasse força. Inúmeros avanços foram conquistados, entretanto, seu uso ainda ficou restrito majoritariamente à resolução de conflitos entre pessoas jurídicas, aspecto que difere do cenário internacional, onde o referido meio de resolução de conflitos é amplamente utilizado.
Ainda que a referida lei tenha promovido diversos progressos, questões como a possibilidade da administração pública ingressar em uma arbitragem para resolução de conflitos decorrentes de seus contratos, ainda eram extremamente controversas. Os tribunais discordavam da sua aplicação alegando indisponibilidade do interesse público, corolário do princípio da legalidade e incompatibilidade com o sigilo e confidencialidade característicos do procedimento arbitral. Após muita discussão, foi sancionada a lei n° 13.129/15, qual acabou com a controvérsia. Acrescentou ao art. 1° da antiga lei um parágrafo que dispõe sobre a possibilidade da administração pública direta e indireta dispor da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Em que pese a vigente lei brasileira de arbitragem não ter completado duas décadas de vigência, uma análise histórica demonstrará que a arbitragem envolvendo a Administração Pública é muito mais antiga, remontando ao descobrimento do Brasil, tendo tido sua evolução exponencialmente nas discussões sobre o assunto ao longo do tempo.
A reinserção da arbitragem, no ano de 1996, no sistema jurídico pátrio reacendeu discussões já ultrapassadas nos sistemas jurídicos pretéritos, especialmente no que tange a arbitrabilidade da Administração Pública, que mesmo, contando com disposições legas expressas, força uma nova construção doutrinária e jurisprudencial, haja vista que a corrente que sustenta a inaplicabilidade do instituto quando envolvidos entes públicos conta com autoridades doutrinárias de renome. Portando, serão analisadas as corretes que criticam a aplicabilidade da arbitragem pela máquina pública, como também, a contrário sensu, a respeito da possibilidade da administração se valer desse método quando for necessário
Para tanto, inicialmente será estudado de forma isolada as principais características da utilização da arbitragem no Brasil, passando pelas discussões estabelecidas antes e depois da lei n° 9.307/96 (BRASIL, 1996) e os progressos trazidos pela mesma. Em seguida, serão analisados os aspectos que fizeram necessária sua modificação e consolidaram consideráveis avanços para uma maior utilização da arbitragem, inclusive a autorização de seu uso pela administração pública, foco do presente estudo.
Em seguida, por meio do estudo de casos e análise doutrinária visa-se avaliar as vantagens e desvantagens do uso do referido instituto nos conflitos envolvendo a administração pública, assim como o entendimento de sua aplicação ao longo do tempo.
Por fim, questões específicas que cercam a matéria serão expostas para maiores esclarecimentos no que toca em aspectos essenciais ligados a presença da administração pública em um litígio. Ressalta-se que o trabalho visa apresentar as melhores propostas com objetivo de compatibilizar e viabilizar a utilização da arbitragem nos referidos conflitos.
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ARBITRAGEM ENVOLVENDO A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
De forma preliminar, pode-se indicar arbitragem como um método alternativo (DINAMARCO, 2013, p.32) – adequado (CARMONA, 2009, p.32) – e facultativo (AMARAL, 2012, p.33) de solução de controvérsias, que possui caráter subsidiário por conta do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional consagrado desde a constituição brasileira de 1946 (BRASIL, 1946), e atualmente previsto no art. 5º XXXV, da CF/88 (BRASIL, 1988).
O presente tópico justifica-se diante da dificuldade em localizar com precisão as datas e os fatos envolvendo as arbitragens brasileiras, em especial aquelas em que o país figurou como parte antes do advento do presente sistema constitucional.
Nesta senda, a arbitragem envolvendo a administração está umbilicalmente ligada a história do Brasil (ESCOBAR, 2017, p. 131), desde o seu descobrimento, defesa de bens públicos, e até indenizações decorrentes de guerra.
Quando se analisa o acordão proferido no caso Lage – vide item II.5 (a) – ele chama atenção para os motivos pelos quais devemos percorrer, com detalhamento acadêmico, a presente cronologia, ao trazer à tona que “a tradição doutrinária brasileira, assentada desde o Império, em aceitar a arbitragem nas casas da Fazenda’’ (NETO, 2007, p. 15).
O instituto é advindo da Grécia antiga, havendo vestígios de sua ocorrência entre as divergências havidas em 752 a.C. entre as cidades gregas de Messênia e Esparta:
“[...] Esparta logo estaria em guerra com os messênios, um povo vizinho. Esta foi igualmente cruel e injusta. Em vão os messênios anuíram submeterem-se à arbitragem do Amphitryouns, ou a do Areópago de Atenas. Durante três anos, os espartanos mantiveram o seu ressentimento por uma lesão insignificante, e baixaram inesperadamente na cidade fronteiriça dos messênios (BC 752), massacrando todos os habitantes sem distinção de idade ou sexo. Os lacedaemonianos foram então governados por seu rei Nicandro, filho Charilaus, que comandou, ou pelo menos permitiu, este ato de barbárie.” (ROBINSON, 1831, p. 73)
Ademais, observando o pararelo entre mito e fato pode-se identificar onde teria surgido a primeira arbitragem, datada de 710 A.C:
“Ténekides sugere que a arbitragem era tão comum na Grécia Antiga que os helenos a faziam remonstar na sua origem à própria Mitologia grega refere-se a Paris, filho de Príamo e Hécula, no monde Ida, funcionando como árbitro entre Atena, Príamo e Afrodite, que disputavam a maçã de ouro, destinada à mais bela. O litígio foi decidido em favor de Afrodite, que subornou o árbitro, prometendo-lhe, em troca, o amor de Helena, raptada, posteriormente, por Paris, daí resultando a Guerra de Tróia. E o rei Acrision, da cidade de Argos, pai de Danae, teria instituído o primeiro tribunal internacional, ao qual se referem Pausanias e Plutarco, em suas obras. A mais antiga arbitragem teria ocorrido entre Messenia e Esparta, em 740 a. C.” (CRETELLA NETO, 2004, p. 6)
Iniciando os precedentes brasileiros de arbitragem envolvendo a Administração Pública tem-se que “na ausência de um direito internacional que regulasse a situação, coube à autoridade papal garantir o direito à posse” (BECKER, 1999, p. 8-9). Os primeiros limites das grandes fronteiras foram, assim, as bulas papais, e tratado de Tordesilhas, assinado em 1494, é o Brasil mais legítimo filho de Tordesilhas.
Partindo, deste pensamento, podemos afirmar que a arbitragem surgiu concomitantemente com o descobrimento do Brasil, um vez que, em 07 de junho de 1494, o Tratado de Tordesilhas, presidido pelo Papa Alexandre VI, marca o esgotamento da função da Santa Fé para regular a função entre os Estados sem uma autoridade supranacional, lançando mão do direito natural como meio de solução de controvérsia entre os Reis católicos de Portugal – João II – e Espanha – Fernando e Isabel – na divisão das terras descobertas.
Durante o Brasil Colônia (1500-1808), há certa dificuldade em localizar um registro sistemático dos atos que regiam o país, uma vez que se aplicavam as normas jurídicas portuguesas, como colônia de Portugal, submetia-se às Ordenações do Reino – compilações de todas as leis vigentes em Portugal – que passavam a constituir base para o Direito vigente, dividindo-se cronologicamente em: (i) Ordenações Afonsinas – promulgadas por D. Afonso V, em 1480; (ii) Ordenações Manoelinas – promulgadas por D. Manuel I, em 1520; e (iii) Ordenações Filipinas – promulgadas por D. Filipe III, em 1603). (MARTINS FILHO, 1999, P. 98).
E foi nas últimas Ordenações do Reino – Filipinas – que localizamos o primeiro registro normativo da arbitragem no Brasil, no Livro III, Títulos XVI e XVII, denominados respectivamente: “Dos Juízes árbitros” e “Dos Arbitradores”.
Verifica-se que tal previsão continha a possibilidade de apelação, apenando o recorrente caso a decisão incialmente proferida pelos árbitros fosse mantida pelos Juízes ordinários. Com o advento da “ Constituição Política do Império do Brazil”, em 25 de março de 1824, elaborada por um Conselho de Estado e outorgada pelo Imperador D. Pedro I, a arbitragem figurou expressamente no artigo 160, figurando juntamente com a organização do Poder Judicial – Título 6º “Do Poder Judicial”, em capítulo único intitulado “Dos Juizes, e Tribunais de Justiça”:
Título 6º – Do Poder Judicial Capitulo Único – Dos Juizes, e Tribunais de Justiça
Art. 160. Nas civeis, e nas penaes civilmente intentadas, poderão as Partes nomear Juizes Arbitros. Suas Sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas Partes.
A previsão retirou a possibilidade de recurso da decisão proferida pelos árbitros, mas condicionou a irrecorribilidade da decisão arbitral à convenção nesse sentido pelas partes.
Em 17 de agosto de 1827, advém a Carta de Lei de 17 de agosto de 1827, que ratifica o trabalho de amizade, navegação e comercio entre o “Império do Brazil” e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda, abrigando em seu artigo III previsão de arbitragem relativa a questões decorrentes dos súditos, mestres e tripulações de navios de ambos Estados, bem como matérias relacionadas ao direito sucessório:
ARTIGO III
Os Consules, e Vice-Consules de ambas as nações exercitarão cada um no seu respectivo lugar, a autoridade de arbitros nas duvidas que nascem entre subditos, mestres e tripolações dos navios das suas respectivas nações, sem a intervenção das autoridades territoriaes, senão quando a tranqullidade publica exigir esta intervenção, ou as Partes a requererem, intentando as suas causas perante os tribunaes do paiz, em que estas duvidas nascerem. Da mesma sorte exercitarão o direito de administrarem a propriedade dos subditos da sua nação que fallecerem ab intestato, á benefício dos legítimos herdeiros da dita propriedade, e dos credores a herança, tanto quanto o admitirem as Leis dos paizes respectivos.
Em que pese o resultado das deliberações não ter sido divulgada, há registro doutrinário de que em 1829 o Brasil e a Grã-Bretanha figuraram na arbitragem internacional conhecida por “Maritime Captures”, em que a Grã-Bretanha buscou indenização pela captura de seus navios ocorrida entre 1826 e 1827 (DARBY, 1904, p. 776).
A convenção de arbitragem foi assinada em 05 de maio de 1829 no Rio de Janeiro, estipulando uma comissão mista de quatro membros que seriam nomeados pelos respectivos governos ou seus ministros, determinando que: “se a maioria não concordar, a questão deverá ser submetida ao Secretário de Estado brasileiro e do Ministro britânico no Rio de Janeiro”, e que deveriam dar prioridade aos pedidos de embarcações e cargas condenadas pelo Decreto de 21 de maio de 1828, que tinha tratado de vinte e cinco navios.
Em 1842, o Brasil voltaria a figurar em uma arbitragem internacional, mas dessa vez contra os Estados Unidos da América.
O caso decorreu da apreensão da escuna “ John S. Bryan” na Província do Pará em junho de 1836, e culminou na nomeação de um comissário de cada país, no dia 15 de outubro de 1842. Em 12 de junho de 1843 os comissários condenaram o Brasil a pagar 26 contos de réis a título de indenização pelas perdas e danos decorrentes da apreensão, pagamento realizado em valor histórico e com quase três anos de atraso, em 20 de maio de 1846 – o que ensejou um pedido de pagamento dos juros, bem como das despesas do procedimento arbitral. (DARBY, 1904, p. 779)
Com o advento do Código de Processo Civil – Decreto-Lei n. 1.608, de 18 de setembro de 1939, que apesar de dedicar ao chamado “Juizo Arbitral” um Título inteiro em seu bojo não é considerado pela doutrina especializada como um grande avanço, estampou entre os arts. 1.031 a 1.035 as disposições gerais, e nos arts. 1.036 a 1.046 as formas de andamento da causa de do julgamento.
Como previsões diferenciais destacamos a contida no art. 1.034 que determinava que um dos árbitros pudesse figurar como escrivão do juízo arbitral, caso outra pessoa não fosse designada no compromisso, bem como a do art. 1.037 estipulando apenas dois árbitros, sendo convocado o terceiro apenas em havendo necessidade de desempate, o que certamente diminuía o custo do procedimento.
Com a redemocratização do país, em 18 de setembro de 1946 entra em vigor o quinto texto constitucional, o quarto da República, contudo, quanto à estrutura voltada à arbitragem, muito próxima à da Constituição de 1934, posto que com a mesma numeração – art. 4º, consta a necessidade de uma arbitragem prévia antes de se declarar guerra, e também no art. 6º ADCT prevê a necessidade de acordo – não mais textualmente arbitragem como na de 1932 –, entre os Estados nas questões territoriais.
Já a Constituição de 1967, considerada um retrocesso político aos níveis da carta de 1937 (ESCOBAR, 2017, p. 131), foi outorgada em 24 de janeiro daquele ano, previa em seu art. 7º397 que os conflitos internacionais deveriam ser resolvidos, dentre outros métodos, pela arbitragem.
Transcorridos praticamente seis anos, um novo Código de Processo Civil é instituído através da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973– considerado pela doutrina silente quanto a “um tratamento vanguardeiro ao juízo arbitral” (CARMONA, 2009, p.32) por também ignorar a cláusula compromissória, e, consequentemente, não aceitar a previsão de subsunção à arbitragem antes do surgimento do litígio –, e a exemplo do antigo digesto, dedica ao instituto um capítulo inteiro, dividido entre os arts. 1.072 a 1.102, todos revogados com o advento da Lei Brasileira de Arbitragem, que será pormenorizada no item II.4 (i).
Quando vigentes, das disposições do código extraímos que os árbitros seriam indicados sempre em número ímpar, retirando, assim, a figura do terceiro apenas em caso de empate, a responsabilidade por perdas e danos do árbitro que não proferir o laudo no prazo constante no compromisso, nos casos de causas pendentes, algo que seria posteriormente formalizada e aperfeiçoada como carta arbitral, ou seja, o requerimento formal por parte dos árbitros destinado ao juízo já instaurado para que entregasse os autos, e a necessidade de homologação do laudo arbitral perante o juiz togado, um dos grandes obstáculos para o desenvolvimento do instituto no país.
Como será visto no próximo item, as legislações atualmente vigentes, conjuntamente com o atual texto constitucional, resgataram o prestígio da arbitragem – que como visto até 1900 foi densamente utilizado no âmbito da Administração Pública –, possibilitando a sua utilização por diversos outros ramos do direito.
1.1 A importância de Petrônio Muniz para arbitragem
Desde 1991, viu-se que não seria tarefa fácil ocorrer uma reformulação na legislação brasileira referente ao juízo arbitral. Apesar de nos anos 80 ter havido três projetos de lei sobre o tema, nenhum deles logrou êxito.
Dessa forma, ao procurar uma alternativa de soluções judiciais que fossem mais céleres, o advogado Petrônio R.G. Muniz iniciou a investigação e estudos procurando alternativas e soluções para o problema, deparando-se com o instituto do juízo arbitral do Código de Processo Civil de 1973.
O trabalho de Petrônio Muniz, iniciado neste período, buscou angariar parceiros que o apoiassem na busca de revitalizar a ideia da arbitragem no Brasil, que para muitos já era considerada “extinta”. Sendo assim, Petrônio obteve adesão do empresariado nacional da comunidade acadêmica, dos membros do Poder Judiciário, na pessoa do desembargador carioca Claudio Viana de Lima e do legislativo, por meio do Senador Marco Antônio Maciel, da comissão relatora do anteprojeto: Pedro Batista Martins, Carlos Alberto Carmona e Selma Lemes, bem como de tantas outras pessoas por esse Brasil afora, foi empreitada de especialista.
Sobre essas parcerias, a doutrinadora Selma Lemes relata que:
“Com seu trabalho perseverante e do senador Marco Maciel, conseguiu-se vencer os entraves impostos por uma legislação superada, mofada e em desalinho com o momento de então. Desde a década de 80 se apregoava no exterior as denominadas ondas renovatórias do direito, propondo reformas nas legislações processuais, no sentido de tornar a prestação jurisdicional efetiva, com leis mais simples e menos recursos, bem como o incentivo aos métodos extrajudiciários de solução de conflitos. Hoje, testemunhamos ser esta a bandeira do CPC de 2015, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e da magistratura nacional, propugnando a adoção dos métodos adequados de solução de conflitos: mediação, conciliação e arbitragem.” (LEMES, 2016, p. 2)
Bastou apenas um ano, e o projeto de arbitragem foi aprovado sem alterações no Senado Federal. Contudo, na Câmara o debate prolongou-se por mais de três anos e recebeu 12 (doze) emendas que pela comunidade acadêmica “fulminavam a morte do projeto de lei da arbitragem” (LEMES, 2016, p. 3), sendo todas elas rebatidas pela relatoria do projeto.
Assevera a autora supracitada que apesar das dificuldades ocorridas durante o período constante na Câmara, todos os soldados de Petrônio cumpriram seu papel com maestria sob o comando do mesmo.
“Como dito acima, a palavra batalha, metaforicamente, é a melhor forma para descrever o que foi o trabalho empreendido em mais de 4 anos para termos o texto aprovado e de forma adequada. Petrônio travou o bom combate e soube utilizar as técnicas de estratégia militar, coligidas com estudos sobre o tema. Ele cursou a Escola Superior de Guerra. Em seu escritório tinha um quadro de Churchill na parede atrás de sua mesa. Indaguei-lhe a respeito e era impossível não perceber o entusiasmo em suas palavras e a admiração pelo estadista inglês.” (LEMES, 2016, p. 3)
Por sempre ter afeição a estratégias militares, Petrônio foi um grande conhecedor na “arte de guerrear”, há relatos que tinha coleções de livros sobre guerra em sua biblioteca e a partir daí compreenderam que não se tratava somente de um advogado liderando um grupo na criação da lei de arbitragem, mas tinham a frente um verdadeiro estrategista.
Seu pai era livreiro e desde sempre esteve na companhia dos livros. Nasceu em Recife em 09 de dezembro de 1930. Formou em Direito em 1954, na Faculdade de Direito de Recife. Era enciclopédico. Escreveu uma peça de teatro “Auto da Vitória, uma encenação verdadeira da Batalha do Monte de Tabocas”, encenada em Recife em 2014. Deixou um livro para ser editado denominado “De Bello Annis, 1942-1945, Considerações Relevantes sobre o combatente brasileiro na 2º Guerra Mundial”, e outros, especialmente “A Busca pela Justiça”, que se encontrava em elaboração.
Em decorrência de seu estado de saúde foi se afastando do círculo jurídico. Petrônio nos deixou em 01 de junho de 2016. Redigiu seu epitáfio: ”Estremeceu a Pátria. Cavaleiro foi. Nunca desertou os ideais. Cumprimentos, Amigos. ”
Toda a comunidade acadêmica nacional e internacional reconheceram seu trabalho, inclusive, a Câmara de Arbitragem Empresarial Brasil – CAMARB, criou o prêmio anual Petrônio Muniz Uma competição de arbitragem simulada, que há anos conta com a participação de estudantes de Faculdades de Direito de todo o país. Foi homenageado pelo ICDR em um seminário em São Paulo em 2008 e em Recife em 2014, pelo CONIMA.
2. A ARBITRAGEM
A arbitragem é "mecanismo privado de solução de litígios, através do qual um terceiro, escolhido pelos litigantes, impõe sua decisão, que deverá ser cumprida pelas partes" (CARMONA, 2004, p. 32). Através deste método que este terceiro escolhido pelas partes, o árbitro, decide questões litigioso, colocando um ponto final na disputa (BARABINO e VALENTE, 2016, p. 10)
Neste diapasão, a arbitragem pode ser definida ainda como "meio extrajudicial de solução de conflitos, por meio do qual, os árbitros resolvem divergências relativas a direitos patrimoniais disponíveis, com base na convenção de arbitragem pactuada entre as partes (ROSENVALD, 2002, p. 107). Dessa forma, a arbitragem se mostra um instrumento alternativo onde as pessoas dirimem conflitos de interesses fora do âmbito judicial (CARVALHO FILHO, 2007, p. 854).
Este instituto sempre é usado como um meio alternativo para dirimir conflitos inter partes, sejam estas pessoas físicas ou jurídicas e de livre consentimento aceitam acatar as suas regras, pois, na maioria dos casos, o desfecho do litígio é rápido e eficaz, ao contrário da imensa demanda presente no Poder Judiciário que arrastam as decisões dos processos por anos, ou décadas, sem que, ao menos, traga satisfação à pretensão das partes.
Grande parte dos doutrinadores consideram que a arbitragem é caracterizada pela expertise[2], celeridade, consensualidade, confidencialidade e informalidade procedimental (ACCIOLY, 2015, p. 5; BARABINO e VALENTE, 2016, p. 6; LEMES, 2016, p. 9). Essa premissa tem contribuído para uma maior segurança jurídica.
Ademais, é importante destacar que a decisão arbitral é definitiva, não cabendo recurso contra ela, embora, em algumas poucas hipóteses, possa ser anulada pelo Judiciário (BARABINO e VALENTE, 2016, p. 10).
Para além dos campos materiais e políticos, aqui citados com o intuito introdutório, a preocupação com a segurança também se revela presente no âmbito estritamente jurídico, em que exsurge como norma jurídica o princípio da segurança jurídica. No plano constitucional brasileiro, por exemplo, a segurança é um valor invocado já desde o preâmbulo da Constituição (BRASIL, 1988) e igualmente destacado no caput de seu art. 5º, dispositivo que elenca o principal rol de direitos fundamentais e garantias individuais e sociais na Constituição brasileira.
Para além dos riscos e da pluralidade inerentes à atual sociedade mundial em que se vive, elementos como a proliferação de leis, a utilização de conceitos jurídicos indeterminados, a indeterminação de seus conteúdos, a instabilidade de entendimentos jurisprudenciais, a demora na prestação da tutela jurisdicional, a ausência de capacidade institucional para lidar com assuntos de elevada complexidade técnica contribuem para uma menor calculabilidade das possibilidades jurídicas, representando decréscimo para a previsibilidade e a confiança dos cidadãos no Poder judiciário como um todo.
Em situações como essas, por vezes, “alternativas privadas à atuação estatal parecem ser mecanismos fortalecedores da segurança jurídica, ao representarem soluções mais céleres, mais técnicas e mais participativas, atendendo, mesmo quando elas se colocam em situações de conflito ou contraposição” (LEMES, 2016, p. 9).
No ponto, exsurgem, os debates relativamente à arbitragem, como um mecanismo alternativo – ou por muitos dito mais adequado – de solução de controvérsias, que intimamente se relaciona com uma mais forte manutenção das expectativas e da segurança jurídica das partes envolvidas em determinada pretensão resistida de interesses.
No ordenamento jurídico brasileiro, a arbitragem não encontra previsão constitucional direta, que assenta a inafastabilidade da jurisdição como garantia fundamental a seus cidadãos[3]. No âmbito infraconstitucional, destaca-se como primeiro ato normativo especialmente destinado a disciplinar seu regime jurídico a Lei n. 9.307/1996 (BRASIL, 1996) que posteriormente sofreu atualizações através da Lei 13.129/2015 (BRASIL, 2015) .
Apesar de se privilegiar a autodeterminação de cada um, a Lei brasileira não descuida das partes mais vulneráveis, seja econômica, jurídica, técnica ou informacionalmente.
“Nesse sentido é que a redação original do referido ato normativo já previa a utilização da arbitragem de forma limitada a litígios que versassem sobre direitos patrimoniais disponíveis e que envolvessem pessoas com capacidade civil para contratar” (SANTOS, 2019, p. 140).
Nesse mesmo afã, são estabelecidos limites específicos para as cláusulas compromissórias constantes de contratos de adesão, em que a liberdade contratual das partes é limitada por cláusulas predispostas com as quais se estabelecem duas opções: aderir ou não contratar.
Ademais, com o intuito declarado de fortalecimento da segurança jurídica e da estabilidade da sentença arbitral, assenta-se expressamente na legislação brasileira que a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário, que inclusive possui a mesma validade e eficácia de título executivo.
Não bastasse, afirma-se serem os árbitros os juízes de fato e de direito da sentença arbitral, que não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário. Apenas nos casos de sentença arbitral nula (como nos casos de nulidade da convenção de arbitragem, extrapolação de seus limites, comprovada existência de prevaricação, concussão ou corrupção passiva, dentre outras hipóteses) é que se faculta aos interessados pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a declaração de nulidade da sentença arbitral. Ainda assim, o nível de proteção à segurança jurídica é tão forte que essa ação de nulidade só poderá ser ajuizada no breve prazo de até 90 (noventa) dias após o recebimento da notificação da respectiva sentença arbitral, parcial ou final, ou da decisão do pedido de esclarecimentos. E, no caso de nulidade, não é o Poder Judiciário que proferirá a nova decisão, mas determinar-se-á que o árbitro ou o tribunal arbitral profira nova sentença.
Além disso, em previsão que também favorece a calculabilidade, a previsibilidade e a confiança nas relações interacionais – cada vez mais inevitáveis na atual sociedade globalizada –, a partir da edição dessa lei, passou-se a dispensar a necessidade de dupla validação da sentença arbitral estrangeira, a fim de que essa possa produzir efeitos internos. “A partir da Lei, exige-se apenas a sua homologação pelo Superior Tribunal de Justiça, tal qual exigido, em nome da soberania nacional, para qualquer outra decisão judicial estrangeira” (VERÇOSA, 2018, p. 40).
À época de sua publicação, a Lei brasileira foi objeto de impugnação junto ao Supremo Tribunal Federal, que em 2001 decidiu pela constitucionalidade da lei. O leading case[4] (SE 5.206) dizia respeito a uma ação originalmente iniciada em 1995, pela qual se buscava a homologação judicial no Brasil de laudo de sentença arbitral proferida na Espanha. Incidentalmente, exsurgiu no caso o debate sobre a constitucionalidade da Lei n. 9.307/1996 (BRASIL, 1996), resultando vencedora a tese de que a previsão da arbitragem é compatível com o direito de acesso ao Judiciário e de inafastabilidade da jurisdição, já que se trataria de um direito à ação e não a um dever.
Sobre o ponto, destaca-se o seguinte excerto do trecho da ementa do acórdão proferido naquele julgado (BRASIL, 2001):
Lei de Arbitragem (L. 9.307/96): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV).
Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o artigo 5º, XXXV, da CF.
Votos vencidos, em parte - incluído o do relator - que entendiam inconstitucionais a cláusula compromissória - dada a indeterminação de seu objeto - e a possibilidade de a outra parte, havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao Poder Judiciário para compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso, e, consequentemente, declaravam a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9.307/96 (art. 6º, parág. único; 7º e seus parágrafos e, no art. 41, das novas redações atribuídas ao art. 267, VII e art. 301, inciso IX do C. Pr. Civil; e art. 42), por violação da garantia da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário.
Constitucionalidade - aí por decisão unânime, dos dispositivos da Lei de Arbitragem que prescrevem a irrecorribilidade (art. 18) e os efeitos de decisão judiciária da sentença arbitral (art. 31).
Mais recentemente, a regime jurídico brasileiro de arbitragem foi atualizado e revigorado pelas Leis n. 13.105 (BRASIL, 2015) e n. 13.129 (BRASIL, 2015). Esta primeira corresponde ao Novo Código de Processo Civil brasileiro.
Mais especificamente sobre a arbitragem, o Novo Código e a Lei n. 13.129 (BRASIL, 2015) trouxeram finalmente o tema a um estágio de consolidação da arbitragem no Brasil e de superação de preconceitos que inicialmente havia em relação à sua utilização. Avança-se, até mesmo, o qual é o tema deste projeto, a possibilidade e os limites de sua aplicação e utilização para litígios que envolvam a Administração Pública, a qual, por natureza, administra interesses públicos dos quais não pode isoladamente dispor.
Nesse sentido, já nos parágrafos do artigo inicial da Lei, conforme inclusão da Lei n. 13.129/2015, passa-se a prever expressamente que a administração pública direta e indireta pode se valer da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, sendo competente para a celebração de convenção de arbitragem a mesma autoridade ou o órgão competente para a realização de acordos ou transações em geral. Passa-se, assim, a ter uma previsão mais geral, para além de outras específicas já anteriormente existentes, como a do art. 23-A da Lei n. 8.987/1995 (BRASIL, 1995), conforme inclusão empreendida pela Lei n. 11.196/2005 (BRASIL, 2005), que autoriza a previsão, pelo contrato de concessão, da utilização de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas a tal relação contratual, inclusive a arbitragem, desde que realizada no Brasil e em língua portuguesa. Sobretudo para aqueles contratos de concessão mais complexos e que, mais do que aspectos jurídicos, albergam controversas questões técnicas, a medida pode ser uma solução mais adequada.
3. (IN)ASFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL.
Nenhum autor nega a existência da arbitragem, mesmo em tempos imemoriais. O doutrinador francês Charles Jarrosson, em tese de doutorado, dá início a seu trabalho com esta introdução: “L´arbitrage remonterait à la nuit des temps. Certains prétendent qu´il est aussi ancien que l´humanité, ou qu´il a toujours existé. Il s´agirait d´un phénomène plus qu´il international: ´interculturel`”[5] (JARRASON, 1987, p. 1)
Uma das questões básicas mais discutidas em tema de arbitragem diz respeito à sua natureza jurisdicional. Discutida porque, não obstante a opinião da esmagadora maioria na doutrina, ainda existem alguns autores que defendem a jurisdição como oriunda da soberania do Estado e como fenômeno reservado à justiça estatal, mercê de seu “poder de império”, bem assim, entre nós, em face da aparente exclusividade do Poder Judiciário para dizer o direito e apresentar soluções aos litígios que lhes são submetidos. Daí estas considerações preliminares para deixar patente, em consonância com a melhor doutrina, a posição de vanguarda do Superior Tribunal de Justiça a admitir, nos limites precisos da lei, mercê dos matizes jurisdicionais da legislação arbitral (Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1998, com as alterações da Lei n. 13.129, de 26 de maio de 2015 e disposições esparsas em outras leis), a dualidade de jurisdições, ou seja, a jurisdição estatal e a jurisdição arbitral. Relembra-se, nesta oportunidade, antes do exame da natureza da arbitragem que a lei básica sobre a arbitragem foi declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2001), há 18 (dezoito) anos, como amplamente divulgado na literatura sobre o tema.
Ao se analisar a suposta inafastabilidade do controle jurisdicional, tem-se que, “após um longo período de evolução de processos de composição e autotutela, o controle jurisdicional sedimentou-se como monopólio do Estado” (ESCOBAR, 2017, p. 131).
Ainda sobre as origens e evoluções do princípio e inafastabilidade do controle jurisdicional pode-se observar que:
“Nas fases primitivas da civilização dos povos, quando ainda inexistiam leis gerais e abstratas ou um órgão estatal que, com soberania e autoridade, garantisse o cumprimento do direito, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão. Tratava-se da autotutela, naturalmente precária e aleatória, que não garantia a justiça, mas a vitória do mais forte, astuto ou ousado. Além da autotutela, nos sistemas primitivos, existia a autocomposição, pela qual uma das partes em conflito, ou ambas, abriam mão do interesse ou de parte dele. Pouco a pouco, foram sendo procuradas soluções imparciais por decisão de terceiros, pessoas de confiança mútua das partes, que resolvessem seus conflitos. Surgiram assim os árbitros, sacerdotes ou anciãos, que agiam de acordo com a vontade dos deuses ou por conhecerem os costumes do grupo social integrado pelos interessados. Só mais tarde, à medida que o Estado foi se afirmando e conseguiu impor-se aos particulares, nasceu gradativamente a tendência a absorver o poder de ditar as soluções para os conflitos, passando-se da justiça privada para a justiça pública. E nasceu assim a jurisdição, atividade mediante a qual os juízes estatais examinam as pretensões e resolvem os conflitos, substituindo-se à vontade das partes. A jurisdição acabou absorvendo todo o poder de dirimir conflitos e pacificar pessoas, tornando-se monopólio do Estado.” (GRINOVER, 2007)
Também há de se destacar a reflexão arguida pelo professor Diogo Fiqueiredo Moreira Neto quando analisa a arbitragem nos contratos administrativos, suscita que o advento da lei n. 9.307/1996 acrescentou novas perplexidades, como a jurisdicidade da submissão de conflitos de interesses envolvendo entidades públicas a uma composição extrajudicial via arbitragem, concluindo que o Estado contemporâneo vem perdendo o monopólio não apenas na produção normativa, mas também o da distribuição da justiça:
“Essa dúvida tem, todavia, uma raiz cultural, pois o positivismo jurídico, enfatizando a sobrevalorização das fórmulas escritas, aliado ao estatismo, que magnifica o papel do Estado, e ainda a uma kafkiana processualística, entre outros equívocos, têm sido responsáveis pela elementar confusão reinante entre monopólio da jurisdição e monopólio da justiça. [...]
Foi necessário, portanto, mais de meio século de evolução juspolítica para que se viesse a lograr a superação da adoração hegeliana do Estado, dos preconceitos ideológicos das extremas esquerda e direita e da crença, um tanto ingênua, no valor absoluto das formas, e se restabelecesse o respeito à liberdade de buscar a justiça como exercício do consenso, o que recentemente ocorreu com a promulgação da Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996, que veio dar nova configuração legal à arbitragem.
Efetivamente, numa sociedade contemporânea, que exalta os valores liberais e democráticos, a jurisdição é e deve continuar a ser um monopólio indisputável do Estado, uma vez que é absolutamente necessário que exista este terceiro, parte neutra e dotada do atributo da coercitividade, para dar apenas que essa prerrogativa não envolve, não elimina nem prejudica a busca pela justiça, enquanto anseio e atividade humana, que não é monopólio de ninguém, nem mesmo de organizações políticas.
Assim como o Estado contemporâneo vai perdendo o monopólio da produção normativa, para quedar-se com o da política legislativa, tendência que se manifesta com o desenvolvimento da regulática; assim como, também, já não mais detém ele o monopólio da execução administrativa, para reservar-se a função, esta sim essencial, de seu controle, com a expansão das parcerias; tampouco pode ele irrogar-se o monopólio da distribuição da justiça, em sociedades que valorizam cada vez mais o consenso como instrumento privilegiado da convivência social.” (NETO, 2007)
Nos dias atuais, a realidade no tocante à aplicação da Lei de Arbitragem vigente entre nós, revela sua plena aceitação pelos operadores do direito e acolhida uniforme pelos tribunais do País, inclusive dos tribunais superiores, o que espelha a convicção de que a arbitragem tem natureza jurisdicional, porquanto é uma atividade inerte, substitutiva da composição de controvérsias, acolhe integralmente o devido processo legal em seu procedimento, com destaque ao contraditório, o árbitro é imparcial e dotado de poderes decisórios, sendo sua sentença equivalente à sentença judicial, apta a fazer coisa julgada.
Nesta senda, “a função jurisdicional é de índole substitutiva, destinada a solucionar um conflito de interesses, tal como tenha sido trazido ao Estado-Juiz, sob a forma e na medida da lide” (ALVIM, 2016, p. 133-144), daí, em virtude da atividade jurisdicional, o que ocorre, em regra, é a substituição de uma atividade/vontade privada por uma atividade pública, que é a ´vontade da lei` a imperar. O mesmo autor ainda assevera:
“Observe-se, todavia, para que tal substituição ocorra com eficácia imutável, como dissemos, necessário se faz que uma qualidade seja agregada a essa atividade substitutiva, ou seja, mais precisamente, que se some à autoridade da solução a qualidade de imutabilidade da própria sentença, na sua parte decisória. O que caracteriza, na quase totalidade dos casos, verdadeiramente essa função da sentença – enquanto síntese da atividade jurisdicional, e, tendo em vista a parte dispositiva da sentença – é a autoridade da coisa julgada.” (ALVIM, 2016, p. 133-144)
Defender que haveria uma suposta inafastabilidade do controle jurisdicional do Estado não encontra atualmente qualquer sorte de sustentação, inclusive em razão de ausência previsão constitucional ou estrutural nesse sentido, posto que a Carta Magna em momento algum indica qualquer monopólio do exercício da função jurisdicional pelo Judiciário.
Da leitura do art. 5º, inciso XXXV, da CF/88 extrai-se a faculdade – permissão –, para que o cidadão recorra ao Judiciário, não uma obrigação, configurando uma proibição constitucional ao legislador vedar esse direito.
Trata-se de entendimento do próprio STF, que, ao analisar a constitucionalidade do instituto da arbitragem nos autos da SE n. 5.206-AgR pacificou esse entendimento.
Do voto do Ministro Nelson Jobim extraímos que nessa regra constitucional não se “tem como destinatário o legislador, a proibição das partes renunciarem à ação judicial quanto a litígios determináveis [...] lá não se encontra essa proibição. Pelo contrário, o texto proíbe o legislador, não o cidadão.”[6]
Ainda, há posicionamentos que declaram que “mesmo na falta de uma previsão constitucional expressa, não haveria dúvidas quanto à possibilidade dessa categoria de tribunais, “que adiante denomina como exceção a jurisdição estatal, e meio alternativo da justiça estatal, concluindo que a instituição de tribunais arbitrais voluntários é uma exceção aparente a reserva da jurisdição.” (GONÇALVES, 2008, p. 17).
Portanto a doutrina ao recordar a lição de um dos mais brilhantes processualistas brasileiros, que, como Sálvio, também enriqueceu o quadro de Ministros do STJ, Athos Gusmão Carneiro, de quem transcreve o trecho ora reproduzido:
“[...] o atual sistema da arbitragem brasileira, por natureza e por definição tem indiscutível caráter jurisdicional, não cabendo mais, depois da Lei n. 9.307/1996, falar-se em contratualidade, salvo no que concerne à sua origem, por resultar da vontade das partes”. (STEIN, 2014, p. 50)
E para concluir este capítulo, nada melhor do que a palavra de Carlos Alberto Carmona, um dos primeiros comentadores da Lei de Arbitragem, a respeito do tema aqui focado:
“O art. 31 determina que a decisão final dos árbitros produzirá os mesmos efeitos da sentença estatal, constituindo a sentença condenatória título executivo que, embora não oriundo do Poder Judiciário, assume a categoria de judicial. O legislador optou, assim, por adotar a tese da jurisdicionalidade da arbitragem, pondo termo à atividade homologatória do juiz estatal, fator de emperramento da arbitragem. Certamente continuarão a surgir críticas, especialmente de processualistas ortodoxos que não conseguem ver atividade processual – e muito menos jurisdicional – fora do âmbito da tutela estatal estrita. Para rebater tal ideia tacanha de jurisdição, não há lição mais concisa e direta que a de Giovanni Verde: ´[A] experiência tumultuosa destes últimos quarenta anos nos demonstra que a imagem do Estado onipotente e centralizador é um mito, que não pode (e talvez não mereça) ser cultivado. Deste mito faz parte a ideia que a justiça deva ser administrada em via exclusiva pelos seus juízes`.” (CARMONA, 2004, p. 22)
4. A CONVENÇÃO, CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA E O COMPROMISSO ARBITRAL
A Lei 9.307 (BRASIL, 1996) traz em seu art. 3° que "as partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral". E a mesma traz no artigo seguinte, art. 4°, a definição dos conceitos, explicando que "a cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se à submeter a arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente à tal contrato".
A cláusula compromissória, também conhecida como cláusula arbitral, se diferencia do compromisso na medida em que a primeira visa submeter ao procedimento arbitral questões futuras, enquanto a segunda é fruto de uma controvérsia já existente, a partir da qual as partes firmam acordo para resolve-la em arbitragem.
Os efeitos da referida cláusula também estão estabelecidos em lei. O primeiro deles seria a obrigação, por parte do juiz estatal, de extinguir qualquer demanda levada ao judiciário na qual tenha sido convencionado em contrato que um possível litígio seria resolvido por meio de arbitragem, ou seja, em um contrato que continha cláusula arbitral válida.
O segundo efeito é a possibilidade de instaurar arbitragem, por meio de requerimento dirigido à câmara, sem que seja necessária comunicação prévia para a parte adversária, desde que se trate de uma cláusula cheia, como já será especificado. As cláusulas compromissórias podem ser classificadas como cheias, vazias ou patológicas.
As cláusulas cheias são aquelas que já determinam como será feita a indicação dos árbitros assim como a indicação de uma instituição de arbitragem. De forma contrária, a cláusula vazia apenas indica a arbitragem como meio de resolução de um possível conflito, sem especificar como a mesma se dará.
Já as cláusulas patológicas são aquelas que possuem algum defeito. Ou seja, possuem algum elemento que dificulte ou impossibilite sua interpretação. Como por exemplo a indicação de uma câmara arbitral inexistente.
Dessa forma, “a doutrina não ressaltou qualquer distinção entre convenção, cláusula e compromisso arbitral, conceituando este em sentido técnico como “quem se submete a juízo arbitral” (MIRANDA, 1959, p. 317), e advertiu que qualquer outro sentido que se dê a ‘compromisso’ é extensão devida à linguagem vulgar e imprópria de juristas. No fundo, teste para se saber até onde vão os conhecimentos de quem escreve sobre direito.
Tomando por base a ressalva do jurista, e despido de qualquer jactância, mas apenas seguindo o cunho acadêmico do presente estudo, imperioso percorremos os pensamentos doutrinários correntes, posto que divergentes.
Essa jornada se justifica porque identificamos uma tendência cíclica na doutrina e na legislação, que partiram da ausência de distinção entre cláusula compromissória e compromisso arbitral – tal como advertido por Pontes de Miranda acima –, rumando para a diferenciação entre ambos, para novamente retroceder à simplicidade e elegância eficaz de sua unicidade.
Também em relação à unicidade conceitual entre cláusula e compromisso arbitral, alguns autores entendem que “essa distinção não ocorreria, por exemplo, na Espanha, que em sua ótica trata ambas como “convênio arbitral”, indicando nitidamente as duas formas de convencioná-la, mas se posiciona no sentido de não vislumbrar diferença entre elas.” (BERALDO, 2014, p. 117).
Em outras palavras a distinção entre cláusula compromissória e compromisso arbitral reside no critério temporal do surgimento do litígio, "apontando a doutrina internacional “que a cláusula é pactuada antes do surgimento do litígio, ao passo que o compromisso é firmado após o surgimento da controvérsia. ” (FOUCHARD, GAILLARD, et al., 1999, p. 193-236).
Diferentemente da cláusula compromissória que se encontra incluída em um contrato e antecede o conflito, o compromisso arbitral é uma convenção específica através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem, podendo ser tanto judicial como extrajudicial.
Em sendo judicial, estabelece a lei (BRASIL, 1996) que será celebrada nos próprios autos onde tramite a demanda– “não por escrito que se junte aos autos, seguido de homologação” (MIRANDA, 1959, p. 320) –, e formalizada extrajudicialmente deverá o ser por escrito, assinada por duas testemunhas, ou por instrumento público, encontrando esteio também no art. 851 do Código Civil.
CAPÍTULO XX Do Compromisso
Art. 851. É admitido compromisso, judicial ou extrajudicial, para resolver litígios entre pessoas que podem contratar
5. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A análise etimológica do vocábulo “administração” remete à manus, mandare, tendo por raiz o vernáculo man, “sendo-lhe intrínseca a ideia de comando, orientação, chefia, paralelamente à de subordinação, obediência e servidão, ou seja, relação de hierarquia e de um comportamento dinâmico. ” (GASPARINI, 2011, p. 96).
Portanto, extrai-se que o sentido material de administração pública “corresponde à assistência regular prestada por estruturas constituídas por agentes estáveis, tarefas definidas e dotação orçamentária e de poderes jurídicos decorrentes do caráter permanente das necessidades coletivas” (CAETANO, 2010, p. 5).
Na mesma linha a doutrina brasileira define a Administração Pública “em seu sentido funcional e lato, como a gestão de interesses gerais constitucionalmente cometida às organizações políticas” (NETO, 2007, p. 17). No mesmo sentindo, que a doutrina brasileira tem destacado a administração pública tanto em seu aspecto formal, quando organizacional, nos seguintes termos:
Contextualizando a sua aplicação, é pontuado que uma das obscuridades da acepção clássica da separação de poderes reside na ausência da Administração Pública que aparecia no século XIX, sempre inserida no Poder Executivo, “refletindo um excesso de formalismo, resultando na Administração por documentos, onde o que não é documentação não existia, mantendo o indivíduo na condição de súdito. ” (MEDAUAR, 2003, p. 124 - 126).
Prossegue a autora supracitada indicando que no século XX, entre as décadas de 1930 e 1990, a Administração se ampliou e assumiu novos papéis, tanto na estrutura quanto nos campos de atividade, adquirindo dimensões gigantescas e tornando-se imprescindível à coletividade. Foi nesse período, em especial entre o final da década de 1970 e a de 1980, que passou a existir um descompasso entre as transformações ocorridas na sociedade e no Estado e o modo de atuar da Administração Pública, pregando-se recíproco condicionamento entre a conformação da Administração, o quadro constitucional e o sistema político-social.
Fincada essa premissa e levando-se em consideração que o objeto do presente trabalho não é o aprofundamento de questões de Direito Administrativo para justificar a adoção da arbitragem envolvendo a Administração Pública, mas sim demonstrar que essa é uma prática corrente no Brasil, plenamente consentânea com os ditames constitucionais podendo-se afirmar “que está superada a concepção de que o Poder Público jamais poderia se submeter à solução de conflitos pela via arbitral” (CARDOSO, 2010, p. 16).
Nesse mesmo sentido aponta o professor Paulo Brancher:
“Muito se discute, não somente no Brasil, mas também em ordenamentos jurídicos alienígenas, sobre questões ligadas à arbitragem e o Poder Público. O enfoque é dado basicamente sobre a possibilidade jurídica da submissão do Estado (considerando nele tanto a Administração direta como indireta) a processos de arbitragem, para fins de solução de litígios que envolvam direitos patrimoniais disponíveis. Várias são as questões e os argumentos pró ou contra referida possibilidade, havendo, inclusive, entendimentos radicais em ambos os lados.” (BRANCHER, 2004, p. 40).
O percurso que se deve transcorrer não é o de discutir se a Administração Pública pode ou não se submeter à arbitragem – questão já ultrapassada, conforme acima destacado, mas sim se há restrições para a arbitrabilidade de determinadas questões envolvendo esse ator.
6. ARBITRABILIDADE DA ADMNISTRAÇÃO PÚBLICA
Na Arbitragem existe o que se chama de “arbitrabilidade” que possui duas características: “a arbitrabilidade de aspecto subjetivo, ligada à capacidade de quem poderá ser parte num procedimento arbitral, e a arbitrabilidade de aspecto objetivo, onde quais matérias poderão ser objeto da tutela arbitral.” (SALOMÃO, 2011, p. 3)
O artigo 1º da Lei 9.307/96 (BRASIL, 1996) delimita sobre o objeto da arbitragem que somente pode versar sobre os direitos patrimoniais disponíveis e, se durante o curso da arbitragem observar o árbitro ou tribunal arbitral de que a matéria é de direitos indisponíveis, deverá remeter as partes ao Poder Judiciário, suspendendo-se imediatamente o procedimento arbitral.
Imperioso conceituarmos arbitrabilidade, para somente então prosseguirmos. Para tanto, trazemos o conceito proposto por Cláudio Finkelstein, para quem arbitrabilidade é:
“[...] uma condição pela qual um determinado caso se enquadra ou não aos fatos de uma certa disputa para determinar se a controvérsia é ou não sujeita à resolução pela via arbitral. Assim, temos que, a despeito de qualquer disputa ser passível de revisão judicial, somente algumas podem ser solucionadas pela via arbitral. Arbitrabilidade, nesta perspectiva, é uma condição distinta e mais ampla do que a questão de validade do pacto arbitral.” (FINKELSTEIN, 2007, p. 24)
É claro que nem todas as disputas envolvendo a administração pública são possíveis de se realizarem a arbitragem, ocorrendo a difícil tarefa de identificar o que é permitido e o que não é para ser objeto de uma arbitragem.
Assim, a verificação da possiblidade das diversas matérias potencialmente sujeitas à arbitragem consiste na análise de aspectos da arbitrabilidade: (i) subjetiva – quem pode se sujeitar à arbitragem[7]; e (ii) objetiva – o que é suscetível à arbitragem: direitos patrimoniais disponíveis[8].
Impinge destacar, no que concerne à arbitrabilidade objetiva, que o art. 841 do CC/2002 (BRASIL, 2002) apenas permite transacionar direitos patrimoniais de caráter privado[9], e o art. 852 do CC/2002 (BRASIL, 2002) veda o compromisso para matérias que não tenham caráter estritamente patrimonial, de direito pessoal e de família, bem com questões de estado[10], o que, nas palavras de Carlos Alberto Carmona, “nada acrescentou (e nada retirou) ao art. 1º da Lei de Arbitragem”
“Para chegar a essa conclusão o autor precede o comentário dos seguintes dizeres: “Estas constatações não são suficientes, porém para excluir de forma absoluta do âmbito da arbitragem toda e qualquer demanda que tanja o direito de família ou o direito penal, pois as consequências patrimoniais tanto num caso como noutro podem ser objeto de solução extrajudicial. Dizendo de outro modo, se é verdade que uma demanda que verse sobre direito de prestar e receber alimentos trata de direito indisponível, não é menos verdadeiro que o quantum da pensão pode ser livremente pactuado pelas partes (e isto torna arbitrável esta questão); da mesma forma, o fato caracterizador de conduta antijurídica típica deve ser apurado exclusivamente pelo Estado, sem prejuízo de as partes levarem à solução arbitral a responsabilidade civil decorrente de ato delituoso”. (CARMONA, 2004, p. 31)
Essa postura altamente restritiva à participação do Poder Público em arbitragens parece decorrer, em alguma medida, dos dogmas insepultos do administrativismo francês e da dualidade de jurisdições. Como a análise da validade dos compromissos arbitrais firmados pela Administração é geralmente “examinada pela justiça administrativa, que tem como órgão de cúpula o Conselho de Estado, há uma tendência de que a jurisprudência sobre a matéria preze pela exclusividade da jurisdição estatal” (ACCIOLY, 2017, p. 33). Zelar por suas competências, é preservar poder e prestígio.
Noutro giro, aqueles que apoiam a utilização da arbitragem pela administração pública declaram que isso não é renunciar nenhum direito e ainda estaria ligada a seguir o mesmo padrão da ordem econômica vigente:
“[...] os defensores da arbitragem na Administração Pública entendem que aquele que recorre à arbitragem não renuncia a direito algum, apenas opta por outra via, diversa do Poder Judiciário, para defender os interesses que acredita possuir. Assim, a noção de arbitrabilidade como renúncia deve ser afastada, pois engendra concepções ideológicas que não mais se coadunam com a atual ordem econômica, política e social, o que consolida o entendimento de que o julgamento de litígios pelo Estado não é superior ao julgamento realizado pelos árbitros.” (FRANZONI, 2015, p. 109 - 110 )
Ainda no que tange aos aspectos da arbitrabilidade objetiva a doutrina tem tropeçado em injustificada confusão entre indisponibilidade do interesse público e disponibilidade de direitos patrimoniais. Um e outro não se confundem”; e mais, afirma que “indisponível é o interesse público primário, não o interesse da Administração ” (GRAU, 2002, p. 51), esta entendida como interesse público secundário.
No que concerne a doutrina internacional, é cediço que no Direito arbitral, devem existir “algumas pequenas ilhas de inarbitrabilidade em meio a um oceano de arbitrabilidade”[11] (RACINE, 1999, p. 57). A permissão para que a Administração se valha, de modo amplo, da arbitragem atrai investimentos internacionais; propicia a diminuição dos preços praticados por seus contratados; contribuí para que os litígios contra o Estado sejam dirimidos de modo mais célere e especializado e, em maior ou menor medida, ainda ajuda a desafogar um Poder Judiciário atulhado.
“Em razão de todos esses fatores, a arbitragem vem ganhando cada vez mais espaço mundo afora, inclusive no campo das contendas com a Administração Pública.” (ACCIOLY, 2017, p. 12). O movimento internacional é de ampliação dos sujeitos e matérias suscetíveis de apreciação arbitral e, nessa esteira, os países vão progressivamente adaptando os seus respectivos ordenamentos para permitir que entidades governamentais participem de procedimentos do gênero.
Tal como ressaltado por Carmona no âmbito privado, também em relação à Administração Pública a dúvida quanto ao que se pode considerar como direitos patrimoniais disponíveis persiste, tal como será pormenorizado abaixo.
Quanto à arbitrabilidade subjetiva, sendo a Administração capaz de contratar, teria, em princípio, essa faculdade, pelo confronto direto do fato com o antecedente da norma contida no “caput” do art. 1º da Lei n. 9.307/1996 (BRASIL, 1996): “Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”
Com a alteração legislativa, porém, a discussão a respeito da arbitrabilidade subjetiva da Administração Pública deve ser minorada, na medida em que o § 1º, acrescido ao art. 1º da Lei 9.307/96 (BRASIL, 1996), é expresso no sentido de que “a administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis” (ACCIOLY, 2017, p. 29).
Diante de uma análise inicial do caput em questão, “a rigor, não estão isentas de seu alcance, portanto, as pessoas jurídicas que possam validamente assumir obrigações de natureza sinalagmática” (BRANCHER, 2004, p. 436), como a própria Administração Pública quando contrata em âmbito privado.
Ainda de acordo com uma das principais conhecedoras do ramo, a professora Selma Lemes afirma que:
“A arbitrabilidade subjetiva refere-se aos aspectos da capacidade para poder submeter-se a arbitragem, que no âmbito do direito público administrativo, seja como pessoa jurídica de Direito Público (União, Estados, Municípios, Territórios e Autarquias) ou de Direito Privado (sociedade de economia mista e empresa pública), qualificadas como entidades da administração pública direta e indireta, todas possuem capacidade parar firmar convenção de arbitragem.” (LEMES, 2007, p. 60)
Neste mesmo sentido que a doutrina brasileira tem se tornado uníssona sobre o tema:
“Desse modo, podem submeter-se à arbitragem pessoas naturais ou jurídicas, de direito privado ou de direito público. As entidades integrantes da Administração Pública, direta ou indireta, por terem capacidade de contratar, atendem à exigência da Lei nº 9.307/96 para submeter litígios à arbitragem.” (PEREIRA, 2017, p. 48 - 63 )
Seguindo essa linha e analisando os desdobramentos da contratação estatal na órbita privada sob a ótica da arbitragem, Carlos Alberto Carmona discorre:
“Quando o Estado atua fora de sua condição de entidade pública, praticando atos de natureza privada – onde poderia ser substituído por um particular na relação jurídica negocial – não se pode pretender aplicáveis as normas próprias dos contratos administrativos, ancoradas no direito público. Se a premissa desta constatação é de que o Estado pode contratar na órbita privada, a consequência natural é de que pode também firmar um compromisso arbitral para decidir os litígios que posam decorrer da contratação. Em conclusão, quando o Estado pratica atos de gestão, desveste-se da supremacia que caracteriza sua atividade típica (exercício de autoridade, onde a Administração pratica atos impondo aos administrados seu obrigatório atendimento), igualando-se aos particulares: os atos, portanto, “tornam-se vinculantes, geram direitos subjetivos e permanecem imodificáveis pela Administração, salvo quando precários por sua própria natureza”. (CARMONA, 2004, p. 44 - 46 )
O tema não passou desapercebido pelo Judiciário, sendo que o STJ, em interessante decisão sobre o tema, diferencia as atuações das empresas estatais quando firmam contratos que tenham por objeto atividade econômica em sentido estrito, e aponta para a disponibilidade desses direitos, bem como sua consequente sujeição à arbitragem:
Visando apaziguar os ânimos, a recente modificação da lei brasileira de arbitragem, advinda com a publicação da Lei n. 13.129/2015, acresceu os parágrafos primeiro e segundo ao art. 1º:
§ 1º – A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. (Incluído pela Lei n. 13.129, de 2015).
§ 2º – A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações. (Incluído pela Lei n. 13.129, de 2015).
A grande discussão gira em torno do que se pode considerar como direito patrimonial disponível para a Administração Pública em relação à arbitragem, e, tal como já afirmado, as alterações perpetradas não resolveram essa importante questão. Essa divergência em relação à disponibilidade de direitos patrimoniais no âmbito da Administração Pública decorre do confronto de ideais entre os pensamentos clássicos do Direito Administrativo e os doutrinadores hodiernos.
Para que possamos avançar no presente estudo, definindo o que se pode considerar como direito patrimonial disponível em relação à Administração Pública, cumpre-nos percorrer o que se entende por “interesse público”, suas subdivisões, bem como os conflitos de pensamento entre os estudiosos do tema. Para Celso Antônio Bandeira de Mello, interesse público primário é “àquele que a lei aponta como sendo interesse da coletividade: da observância da ordem jurídica estabelecida a título de bem curar o interesse de todos” (BANDEIRA DE MELO, 2015, p. 67).
Pode-se compreender então que os “interesses secundários do Estado só podem ser por ele buscados quando coincidentes com os interesses primários, isto é, com interesses públicos propriamente ditos.
A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público –, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis.
Em suma, o necessário é encarecer na administração os bens e os interesses não se acham entregues à livre disposição da vontade do administrador. Antes, para este, coloca-se a obrigação, o dever de curá-los nos termos da finalidade a que estão adstritos. É a ordem legal que dispõe sobre ela. Relembre-se que a Administração não titulariza interesses públicos. O titular deles é o Estado, que, em certa esfera, os protege e exercita através da função administrativa, mediante o conjunto de órgãos (chamados administração, em sentido subjetivo ou orgânico), veículos da vontade estatal consagrada em lei.
O interesse público secundário, todavia, como já pincelado acima – o que será retomado com maior ênfase na próxima seção –, é aquele tido por disponível e assim, passível de se submeter à arbitragem. É o que dispõe a doutrina ao tratar sobre um direito disponível:
“quando ele pode ser ou não exercido livremente pelo seu titular, sem que haja norma cogente impondo o cumprimento do preceito, sob pena de nulidade ou anulabilidade do ato praticado com sua infringência. Assim, são disponíveis (do latim disponere, dispor, pôr em vários lugares, regular) aqueles bens que podem ser livremente alienados ou negociados, por encontrarem-se desembaraçados, tendo o alienante plena capacidade jurídica para tanto. De maneira geral, não estão no âmbito do direito disponível as questões relacionadas ao direito de família (em especial ao estado das pessoas, tais como filiação, pátrio poder, casamento, alimentos), aquelas atinentes ao direito de sucessão, as que têm por objeto as coisas fora do comércio, as obrigações naturais, as relativas ao direito penal, entre outras tantas, já que ficam estas matérias todas fora dos limites em que pode atuar a autonomia da vontade dos contendentes.” (CARMONA, 2004, p. 38).
Contudo, o referido autor faz ainda exceções do que poderiam ser objeto de arbitragem:
“Estas constatações não são suficientes, porém para excluir de forma absoluta do âmbito da arbitragem toda e qualquer demanda que tanja o direito de família ou o direito penal, pois as consequências patrimoniais tanto num caso como noutro podem ser objeto de solução extrajudicial. Dizendo de outro modo, se é verdade que uma demanda que verse sobre direito de prestar e receber alimentos trata de direito indisponível, não é menos verdadeiro que o quantum da pensão pode ser livremente pactuado pelas partes (e isto torna arbitrável esta questão); da mesma forma, o fato caracterizados de conduta antijurídica típica deve ser apurado exclusivamente pelo Estado, sem prejuízo de as partes levarem à solução arbitral a responsabilidade civil decorrente de ato delituoso.” (CARMONA, 2004, p. 38 - 39 ).
O que se extrai, segundo a doutrina analisada, é que, para os administrativistas clássico-conservadores, o óbice seria radical, uma vez que nenhum direito da Administração Pública seria arbitrável, posto que indisponíveis, ao passo que, para os arbitralistas, mesmo dentre a indisponibilidade há exceções, posto que, estando o objeto do contrato de serviço público atribuído à entidade estatal estritamente vinculado à atividade econômica desenvolvida, inexiste óbice a que seja pactuada a respectiva cláusula compromissória na hipótese de descumprimento da avença,[13] por estar caracterizado o interesse público secundário.
7. A PUBLICIDADE NOS PROCEDIMENTOS ARBITRAIS “ADMINISTRATIVOS”
A questão da confidencialidade envolvendo a arbitragem e a Administração Pública, possui relevo, uma vez que diametralmente oposta aos princípios que regem a Administração.
Vamos ao encontro da doutrina portuguesa por entender que “sem prejuízo da salvaguarda dos elementos de natureza pessoal das partes, entendemos que a mesma não deve existir nos processos e decisões arbitrais tributários” (ROMÃO, 2010, p. 52).
O art. 37 da CF/88 (BRASIL, 1988) coloca o princípio da publicidade como um desses princípios, mas o trata de forma genérica, devendo a regra ser sopesada juntamente com previsão contida no art. 5º, inciso XXXIII, da CF/88693, que trata do direito ao franqueamento de informações públicas.
Lembramos ainda, que a recente alteração promovida na lei brasileira de arbitragem (BRASIL, 2015), dentre outras providências, acresceu o parágrafo 3º ao art. 2º da lei, reiterando a previsão constitucional ao determinar que “a arbitragem que envolva a administração pública [...] respeitará o princípio da publicidade”, sem, contudo, buscar esclarecer a generalidade do preceito constitucional. Evidente que a lei ordinária não poderia afrontar um dispositivo constitucional, sendo que a simples menção ao respeito ao princípio da publicidade não resolve a questão em definitivo, restando ao intérprete verificar as formas práticas de respeitá-lo.
Pensemos nas convenções arbitrais administrativas celebradas antes da modificação da Lei Brasileira de Arbitragem, e que não contiveram a previsão de publicidade. Em que pese entendermos que, mesmo antes das modificações acima mencionadas, as arbitragens envolvendo a Administração Pública já deveriam respeitar a publicidade por conta de uma interpretação teleológica dos preceitos constitucionais, é certo que, na prática, isso nem sempre foi observado.
Por exemplo, quando da assinatura do contrato que celebrou a parceria público privada para a reforma do Mineirão (analisada na seção II.6 (d)), nada se previu quanto a publicidade. Além de ser silente quanto à publicidade, o contrato indicou em sua cláusula 39.4 a CAMARB como administradora do procedimento, “conforme as regras do seu regulamento”, e, tal como ressalvado na seção II.1 (a) (4), o seu regulamento de arbitragem determina expressamente no art. 12.1 que “o procedimento arbitral será rigorosamente sigiloso, sendo vedado à CAMARB, aos árbitros e às próprias partes divulgar quaisquer informações”.
Ou seja, a própria Administração Pública celebrou um contrato administrativo manifestando expressamente a sua vontade de que eventual arbitragem dele decorrente fosse rigorosamente sigilosa, vedando, ainda, àqueles que tiverem acesso ao caso, a divulgação de qualquer dado.
A cláusula seria nula por afrontar um preceito constitucional? Pode a própria Administração Pública relativizar esse preceito da publicidade através de sua manifestação de vontade num contrato administrativo?
Alguns doutrinadores consideram que não há debate quanto a publicidade, pois consideram que a Administração Púbica sempre deverá respeitá-la:
“[...] antes disso, observe-se que a Lei de Arbitragem foi alterada pela lei 13.129/15, que incluiu o parágrafo 3º ao artigo 1º, onde se lê que "a arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade". Quanto a este último aspecto, a mudança correspondeu tão somente a chover no molhado, pois esse princípio sempre fez parte integrante da posição do Estado diante dos particulares, o que incluía também a arbitragem.”
[...] “Não é necessário aprofundar-se na doutrina para reconhecer que os princípios da transparência e da publicidade são inerentes aos regimes políticos democráticos. Assim sendo, não se poderia falar em sigilo quando se tratasse da realização de uma arbitragem no âmbito da administração pública. Mas, tanto quanto é possível em relação à iniciativa privada, em alguns momentos poder-se-ia estar diante de uma situação que levasse à necessidade da quebra da regra geral. A questão está em se saber se existe alguma base legal que possa indicar o caminho. E, para mim, um deles pode ser encontrado nos princípios que regem o desusado instituto do habeas data, insculpido no art. 5º, XXXIII da CF, segundo o qual "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado". (VERÇOSA, 2018, p. 33 - 36)
[...] “Dentre as inovações previstas em lei temos a expressa previsão da possibilidade de utilização da arbitragem por entidades da Administração Pública direta e indireta, com o escopo de mediar conflitos atinentes a direitos patrimoniais, sendo, porém, vedado o julgamento por equidade e sempre respeitando o princípio da publicidade.” (CLARO, 2015, p. 21)
Deixar esses problemas a cargo do Judiciário seria postergar o debate, que, entendemos, deve nascer e amadurecer no âmbito acadêmico. Para responder a essas colocações, deve-se controlar o ímpeto de defender cegamente o pronto acesso à informação contida na arbitragem.
Do início da redação do inciso XXXIII do art. 5º da CF/88 (BRASIL, 1988), encontramos o destinatário específico da norma, pois, ao estabelecer que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse”, não restam dúvidas que quem deve conceder o acesso são os próprios órgãos públicos.
Vale ainda enfatizar que, da parte final do mesmo inciso, consta, ainda, a exceção da regra do dever de prestar informações sobre “aquelas [informações] cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.
Já do inciso X do art. 5º da CF/88 (BRASIL, 1988), retiramos a inviolabilidade da vida privada, bem como o direito a indenização em caso de sua violação, de modo que forçar uma entidade privada a entregar uma informação pactuada pelas partes – uma delas a própria Administração Pública – como sigilosa ensejaria também o direito a reparação patrimonial e extrapatrimonial.
Uma primeira interpretação seria a de que, ao estipular a cláusula de sigilo no contrato do Mineirão, o Estado de Minas Gerais teria apenas privilegiado o sigilo perante das informações junto à Câmara de Arbitragem; todavia, o governo mineiro não poderia se escusar de fornecer a informação caso instado diretamente por qualquer interessado.
Ora, se o destinatário da norma é a própria Administração, deveria o estudante, ou qualquer pessoa bater à sua porta e não à do particular que administra o procedimento; afinal, como já expusemos acima, ao afirmar que o Estado não possui o monopólio da jurisdição, forçoso pacificar, que o Tribunal Arbitral exerce uma função jurisdicional, porém não estatal.
Essa informação possui guarida, posto que o poder dos árbitros decorre da liberdade contratual e da autonomia privada, não da lei: “a arbitragem não se apresenta como um caso de exercício privado da função pública jurisdicional, [mas] uma atividade jurisdicional que se processa no âmbito do direito privado” (GONÇALVES, 2008, p. 487).
A cláusula que estabeleceu o sigilo da arbitragem envolvendo a Administração Pública não será nula, se observados os requisitos acima elencados, em espacial a decisão fundamentada, proferida por autoridade competente.
Não seria o caso de relativização do sigilo por parte da Administração Pública, posto que a opção possui respaldo constitucional e legal.
Por fim, caso o estudante de direito – exemplificado na pergunta – se socorra de uma ação judicial, a obtenção de uma antecipação parcial dos efeitos da tutela poderia ser deferida, para que o acesso lhe fosse prontamente franqueado.
Todavia, vislumbramos uma rota mais célere para o presente exemplo, que consiste em procurar o destinatário direto tanto da norma constitucional quanto da Lei de Acesso a Informação (LAI) que é o poder público, cessando a obrigação da instituição arbitral com a publicação das informações básicas na Internet, posto que o art. 25, § 2º, da LAI determina que “o acesso à informação classificada como sigilosa cria a obrigação para aquele que a obteve de resguardar o sigilo”.
Ademais, os funcionários das câmaras arbitrais devem observar as normas da LAI, e, sendo o procedimento sigiloso, como já aventado, a instituição deve cingir-se a publicar o seu extrato, contendo informações básicas na Internet. Diante de todo o exposto, conclui-se quanto à publicidade que essa é a regra e deve ser seguida pela Administração Pública ao se deparar com a arbitragem jurídica; todavia, se houver algum caso de sigilo, esse deverá ser devidamente fundamentado e publicado pela autoridade pública, responsável pelos efeitos dessa decisão, nos termos preconizados à LAI, restando às instituições arbitrais apenas a divulgação de dados básicos do procedimento.
CONCLUSÃO
Tendo em vista todo o exposto, ainda que tenha sido mencionado que a arbitragem é utilizada no Brasil desde o Império, sua consolidação dentro do ordenamento jurídico brasileiro passou por inúmeras dificuldades.
Ainda hoje, no ano de 2018, vinte anos após a aprovação da lei de arbitragem, a resistência quanto a aplicação de alguns pontos persiste. Fato que se restou claro nas discussões que visavam preencher as lacunas deixadas pela lei e ampliar a aplicação do instituto, que tinham como consequência grande divergência doutrinária e jurisprudencial.
Toda essa discussão, conforme visto, se concretizou na reforma trazida pela lei 13.129 de 2015 (BRASIL, 2015), a qual representou um grande avanço para a arbitragem no cenário nacional, autorizando a atuação da administração pública direta e indireta em procedimentos arbitrais.
Foi demonstrado como esse ponto em especial era motivo de grande discordância, na medida em que a lei não deixava clara a possibilidade de participação da administração. A instabilidade quanto ao tema existia desde as discussões do Caso Lage, no qual um Decreto de 1946 previa a utilização da arbitragem pelo Poder Público, passando por previsões espaças dadas por algumas leis, como a lei de concessões, datada de 1995, e persistindo até que a reforma trouxesse previsão definitiva.
Conforme abordado ao longo do presente trabalho, sabe-se que a lei trouxe algumas das peculiaridades da atuação da administração perante juízo arbitral, determinando condições como a limitação do conflito ao que tange os direitos patrimoniais disponíveis, a impossibilidade de escolha pela confidencialidade assim como a impossibilidade de um julgamento por equidade.
Nesse sentido, a lei prezou por princípios basilares presentes na Constituição Federal (BRASIL, 1988) em seu art. 37 , que regem o Poder Público em sua atuação. São eles, entre outros, o princípio da publicidade e da legalidade. Da mesma forma, a lei, na medida em que veda o julgamento por equidade, além de respeitar a legalidade, vai de acordo com os limites do poder discricionário da administração.
Entretanto, ainda que a referida reforma tenha sido um avanço significativo dentro do tema, trouxe consigo outros tópicos de discussão.
A escolha por firmar cláusula compromissória é derivada da autonomia das partes, sendo a administração pública responsável, dentro do seu poder discricionário, por ponderar em que situações o procedimento arbitral está de acordo com o princípio da eficiência que rege a mesma, podendo contratar a arbitragem somente em situações nas quais essa se mostre o meio mais eficaz, evitando desperdício de dinheiro público e principalmente, como forma de atender ao interesse coletivo. Ainda que essa possa se mostrar um meio mais oneroso de resolver conflitos quando comparada ao procedimento judicial, sua celeridade traz vantagens para ambos os lados, sendo, portanto, uma escolha extremamente eficiente nesse sentido.
É importante ressaltar que em nenhum momento do procedimento arbitral podem ser deixados de lado os princípios norteadores da atividade administrativa, sendo eles os responsáveis por gerar algumas dúvidas quanto a aplicação da lei. Isso porque, conforme demonstrado, a administração é balizada pela legalidade, ou seja, só pode agir em conformidade com a lei. Em contrapartida, a arbitragem é um instituto que preza pela autonomia da vontade das partes, sendo sua aplicação flexível em diversos sentidos, como por exemplo na possibilidade de escolha da lei aplicável. Dessa forma, a necessidade de observação dos princípios muitas vezes cria uma limitação quando à aplicação do referido método de resolução de conflitos.
As lacunas deixadas pela lei e as discussões expostas pelo presente trabalho, como por demonstram a necessidade de regulamentação por parte do Poder Público.
Essa regulação teria por objetivo balizar e dar diretrizes ao comportamento da administração como parte de um procedimento arbitral. Dessa forma, garantiria um tratamento uniforme e evitaria possível insegurança jurídica que enfraquece o poder de aplicação da lei.
São claros os desafios que ainda devem ser enfrentados, no entanto, pode-se afirmar que, cada vez mais, a arbitragem se consolida e ganha prestígio no ordenamento jurídico brasileiro, garantindo para aqueles que optam pela mesma um julgamento célere e especializado.
No caso, o uso da arbitragem na administração pública, as dificuldades são ainda mais sensíveis, tendo em vista a linha de pensamento do nosso ordenamento jurídico que possui resistência em mitigar as barreiras entre o direito público e privado.
Entretanto, ainda que reste a necessidade de regulamentação do tema para que esse possa ser melhor aplicado, a lei 13.129 de 2015 representou grande avanço no sentido em que confirmou que a arbitragem é uma solução possível e eficaz para resolução de conflitos da administração pública.
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[1] Orientadora e Professora do Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas – CIESA da Graduação em Direito e da Pós-Graduação em Direito Público e Auditoria Fiscal, Procuradora do Estado do Amazonas, Diretora da Escola de Advocacia Pública, Mestre em Direito Ambiental e Doutoranda em Direito Constitucional UNFOR/CIESA.
[2] Expertise é um substantivo feminino derivado do idioma francês e significa avaliação por peritos, experiência ou especialização. É um termo comumente usado para se referir aos grandes conhecimentos e habilidades de uma pessoa em determinada área ou sistema.
[3] Art. 5º, XXXV, da CRFB/88: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”
[4] Leading case: a doutrina compreende quem é uma decisão que tenha se constituído em uma regra (SOARES, 2000, p. 55)
[5] “A arbitragem voltaria ao início dos tempos. Alguns afirmam que é tão antiga quanto a humanidade ou que sempre existiu. Seria um fenômeno mais que internacional: 'intercultural”
[6] Trecho do voto do Ministro Nelson Jobim nos autos da SE n. 5.206-7, p. 1064
[7] Tal como preconiza na parte inicial do art. 1º da Lei n. 9.307/96: “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem”
[8] Assim como previsto na parte final do art. 1º da Lei n. 9.307/96 “[...] para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”
[9] Art. 841. Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação.
[10] Art. 852. É vedado compromisso para solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial.
[11] Expressão Original: “Le droit de l'arbitrage est dominé par um mouvement général de favor arbitrandum. Il existe quelques ilôts d'inarbitrabilité au milieu d'um océan d'arbitrabilité".
Graduando do último período de Direito do CIESA, Assessor Jurídico na Procuradoria Geral do Município. Escolhido no ano de 2016 como melhor Estagiário da Procuradoria Geral do Município, Competidor na III Concurso Estadual sobre o Sistema Interamericano de Direitos Humanos – AM – 2016 – 3º Lugar, Competidor na Regional Norte de Arbitragem da XIII Competição de Arbitragem e Mediação Empresarial da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial Brasil - CAMARB – 2017 – 2º Lugar, Competidor na XIII Competição Nacional de Arbitragem e Mediação Empresarial da CAMARB – 2017, Competidor da Regional Norte da V Competição de Arbitragem Empresarial (CAEMP) realizada em Manaus – 2018 – 1º Lugar, Competidor da V Competição de Arbitragem Empresarial (CAEMP) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – 2018, - 5º Lugar, Competidor da Twenty Sixth Annual Willen C. Vis International Commercial Arbitration Moot realizado em Viena-Áustria – 2019.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASTRO, GABRIEL BASTOS DE. A aplicabilidade da arbitragem como método resolutivo de conflito da Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 out 2019, 05:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53588/a-aplicabilidade-da-arbitragem-como-mtodo-resolutivo-de-conflito-da-administrao-pblica. Acesso em: 23 dez 2024.
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