CLEIDILENE FREIRE SOUZ
(Orientadora)
Resumo: O presente artigo objetiva analisar as questões atinentes ao instituto do Abandono Afetivo Inverso e as possíveis consequências jurídicas face a violação do dever de cuidado por parte dos filhos. Consoante dita a doutrina civilista, a Responsabilidade Civil cuida em obrigar o causador do dano, desde que presentes os seus requisitos, quais sejam: dano, nexo de causalidade e culpa, a indenizar ou reparar prejuízo de ordem material ou moral ao ofendido. Em que pese o Direito de Família ter como premissa a organização da família como um todo, seja ela ligada pelo vínculo consanguíneo, afetivo ou de afinidade, elencando inclusive direitos e deveres entre pais e filhos, o que se percebe é que o abandono dos pais pelos filhos é matéria tormentosa e não pacificada na doutrina e jurisprudência pátrias. O arcabouço legal brasileiro que trata de assuntos relativos a família e proteção ao idoso é extremamente vasto, entretanto, o direito de ser cuidado e de conviver com seus familiares, bem como outros que deveriam ser garantidos à pessoa idosa pelos filhos, em muitas situações são violados no seio familiar, ocorrendo o abandono afetivo inverso. Desta forma, este trabalho tem como objeto de estudo a análise da possibilidade da Responsabilidade Civil e o Dever de Reparação do Dano no Âmbito do Direito de Família e Estatuto do Idoso pelo Abandono Afetivo Inverso. A pesquisa desenvolveu-se pelo método hipotético-dedutivo, elegendo um conjunto de proposições hipotéticas, as quais foram adequadas para analisar o objeto da mesma, sendo esta qualitativa, tendo o pesquisador se valido de diplomas legais, doutrinas como as de Maria Berenice Dias, Paulo Lôbo, Rolf Madaleno, dentre outras, bem como artigos e matérias indexadas em sites de internet. Após análises dos dispositivos legais e doutrinas do tema em foco, os achados desta pesquisa permitem afirmar que estão presentes todos os requisitos autorizadores para aplicação da responsabilidade civil por abandono afetivo inverso, tendo como consequente a reparação pelo dano causado. Considera-se, que embora o ato de abandono em análise não seja fato contemporâneo, requer amplo debate, novas análises e discussões por parte do Estado, doutrina, juristas e profissionais de várias áreas, bem como a busca incessante para que o tema objeto de estudo seja refletido por toda a sociedade como forma minimizadora do abandono afetivo inverso.
Palavras-chave: Abandono Afetivo. Responsabilidade Civil. Estatuto do Idoso.
ABSTRACT: The present article aimed to analyze the issues related to the institute of abandonment and economic needs in relation to the violation of the duty of care on the part of the children. According to civilian doctrine, Civil Liability must be liable for the damage, which presents its requirements, such as: damage, causation and fault, indemnify or repair the material or moral damage to the offended. In spite of family law as a premise, the organization of the family as a whole, whether linked by the bond of affection or affinity, attaches rights and duties between parents and children, which is perceived as the abandonment of parents. It is a child which is not held accountable and is not controlled by country doctrine and jurisprudence. The Brazilian legal framework that deals with matters related to a family and health protection is extremely broad, thus the right to care and coexistence with family members, as well as others who are guaranteed to an elderly person by their children, in large numbers violated in the family, and the reverse affective abandonment occurs. In this way, this work has as object of study an analysis of the possibility of Civil Responsibility and the Duty to Repair Damage in the Scope of Family Law and Statute of the Elderly by Affective Abandonment Inverse. The search arose by the hypothetical-decadent method, since a set of hypothetical propositions were chosen, as they were complete for the subject of the same one, being this qualitative one, having, besides, the investigator like source of instructions like of Maria Berenice Dias, Paulo Lôbo, Rolf Madaleno, among others. After the analysis of the legal images and bibliography of the subject in the focus, the findings of the and the review of the human subject in the human support for abandonment affective invero. Therefore, when an act of abandonment is present, the successor must be legitimated by a civil action for the regularization of constitutional norms and other legal diplomas, without legal order. It is considered, that the following at the abandono in analyze is even date the issue, the subject required debate the possible, multiple analytics and discussions for the state of the dictators, existencies and several actions are incidents in the quest the subject of study be reflected by society as a minimizing instrument of this act.
Keywords: Affective abandonment. Civil responsability. Statute of the Elderly.
Sumário: 1. Introdução – 2 Evolução legislativa para a proteção de idosos no Brasil ; 3 Abandono e afetividade; 4 Abandono afetivo Inverso. Estatuto do Idoso. Normas Constitucionais.; 4.1 Circunstâncias caracterizadoras do abandono afetivo inverso; 4.2 Princípios constitucionais do direito de família como reflexão para minimização do abandono afetivo inverso; 4.3 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; 4.4 Princípio da Solidariedade; 4.5 Princípio da Afetividade; 5 Situação de Abandono de Idosos no Brasil; 6 Abandono afetivo inverso ante a ausência de previsão expressa no ordenamento jurídico brasileiro como garantidor da responsabilidade civil; 7 Considerações Finais; REFERÊNCIAS
1 Introdução
O presente trabalho tem por escopo discutir e analisar a hipótese de responsabilização civil dos filhos pelo abandono afetivo de seus pais com base no estudo das regras de Direito de Família, do instituto da Responsabilidade Civil e demais normas constitucionais.
Os tribunais têm construído jurisprudências e esposado entendimento acerca do que se convencionou chamar abandono afetivo, assim considerado como a falta de afeto dos pais com relação aos filhos. Essa abordagem foi feita na primeira parte do trabalho, eis que grande parte dos precedentes tratam somente dessa modalidade de abandono.
Já no estudo quanto ao abandono afetivo inverso, - quando praticado pelos filhos em relação aos seus pais, geralmente em condições de avançada idade se observou o ditado na Constituição Federal, no art. 229, o qual prevê um dever de assistência mútuo, dos pais com relação aos filhos, mas também dos filhos com relação aos pais, o que ocorre normalmente quando aquele tem a idade avançada ou encontra-se enfermo. Ademais disso, seria possível também a aplicação e consequente ponderação de princípios como o da isonomia e da solidariedade aos casos de abandono afetivo inverso.
Lado outro, discussão não menos importante se fundou nas questões acerca da valoração das indenizações ou reparações quando comprovado o abandono afetivo inverso, vez que a quantificação de tal espécie de dano se mostra tarefa árdua, ante a falta de parâmetros de quantificação da indenização dessa natureza.
Os requisitos do ato ilícito passíveis de ressarcimento também foram analisados no presente trabalho, bem como houve um aprofundamento da discussão sobre a viabilidade de reconstrução do vínculo afetivo como solução primeira a ser adotada nos casos de abandono, de forma a privilegiar os princípios constitucionais que protegem e permeiam o seio familiar.
O objetivo, pois, do presente trabalho é discutir acerca de toda a problemática que envolve o abandono afetivo inverso, verificando a premissa para precificar bens imateriais para fins de responsabilidade civil e a necessidade de reflexão social do tema, tendo sido analisados os diplomas legais anteriores a atual legislação e construções jurídicas aplicáveis como as de Maria Berenice Dias, Paulo Lôbo, Rolf Madaleno, dentre outras, bem como artigos e matérias indexadas em sites de internet.
A pesquisa é desenvolvida pelo método hipotético-dedutivo, uma vez que pretende-se eleger um conjunto de proposições hipotéticas, as quais são adequadas para analisar o objeto da mesma. Assim, o objeto desta pesquisa jurídica é qualitativa, tendo-se valido da bibliografia pertinente à temática em foco, utilizando-se os descritores: Abandono Afetivo. Responsabilidade Civil. Estatuto do Idoso.
2 Evolução legislativa para a proteção de idosos no Brasil
Consoante se observa da evolução legislativa acerca do tema em comento, tem-se que até a promulgação da Constituição de 1988, nenhuma Constituição Brasileira anterior contemplou como garantia fundamental os direitos da pessoa idosa. As constituições de 1934 a 1969 apenas instituíram uma garantia de assistência médica e sanitária para as pessoas idosas que fossem contribuintes da previdência social, a qual se afigurava como uma garantia condicionada à contribuição, sem o condão de garantir ao idoso uma proteção efetiva.
Diante do inconteste processo de envelhecimento e consequente aumento da expectativa de vida, o legislador buscou salvaguardar os direitos dos idosos e criou mecanismos de responsabilização aos responsáveis por aqueles que, ao final de suas vidas, carecem de cuidados especiais.
O ano de 1982 é considerado um marco histórico tendo em vista a realização em Viena da primeira Assembleia das Nações Unidas a fim de se elaborar planos de ação e medidas a nível mundial para a proteção das pessoas idosas, tendo o Brasil ratificado o compromisso de seguir uma agenda global na adoção de medidas protetivas aos idosos, dentre elas saúde e nutrição, proteção ao consumidor idoso, moradia e meio ambiente, família, bem-estar social, trabalho, educação e previdência social.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a pessoa idosa passou a ter garantias mais específicas, estampadas nos artigos 229 e 230, também nos artigos 1º, III e 2º os quais trazem como garantia a não discriminação em virtude da idade.
Também nas décadas de 80 e 90, diante dos fortes debates internacionais acerca do envelhecimento populacional e da crescente pressão da sociedade brasileira representada por entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, a Associação Nacional de Gerontologia, a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, houve a sanção a Lei 8.842/94, intitulada de Política Nacional do Idoso, sendo regulamentada em 1996 mediante decreto de número 1.948/96.
Tal lei tem como premissa várias ações governamentais a fim de garantir os direitos sociais da pessoa idosa, de forma que o idoso tenha autonomia, integração e uma participação efetiva na sociedade, além de trazer uma série de garantias quanto à dignidade da pessoa humana. A Política Nacional do Idoso, seguindo a orientação da Organização Mundial de Saúde, estabeleceu o critério cronológico e etário a fim de definir quem é o idoso no Brasil, sendo a pioneira a definir tal critério.
Ocorre que diante da ausência de efetividade da lei de Política Nacional do Idoso e de grandes protestos de movimentos sociais em favor dos idosos, após dois anos de tramitação no congresso nacional, foi sancionada a Lei 10.741 de 1º de Outubro de 2003, intitulada Estatuto do Idoso com objetivo de efetivar a garantia dos direitos à pessoa idosa não observada pela Lei de Política Nacional do Idoso.
O Código Civil de 2002 também elencou algumas prerrogativas para a proteção da pessoa idosa no Brasil, dentre elas o dever dos filhos em pagar alimentos em decorrência do princípio da solidariedade familiar, os critérios específicos acerca do regime de bens no caso de casamento, dentre outras com o escopo de proteger a pessoa idosa.
3 Abandono e afetividade
Observa-se que a palavra abandono, ao ser analisada conforme o senso comum pode ser substituída como um ato de desistir, renunciar, afastar, desleixo, relaxamento ou qualquer outra palavra que faça alusão a distanciamento ou descuido.
Do ponto de vista jurídico, conforme SANTOS (2001), o abandono seria a interrupção espontânea de uma relação de natureza jurídica que se dá por uma abstenção ou renúncia ao exercício do direito desta relação ou ainda o ato pelo qual uma pessoa nega a outrem o direito de amparo ou apoio moral ou material renegando o exercício deste dever.
No que toca a palavra afeto, partindo do senso comum pode ser substituída por amizade, amor, estima ou outra palavra que remeta a um sentimento de cuidado e querer bem.
Já na seara jurídica, a palavra afeto tem sido motivo de uma grande discussão, controvérsias e tumulto, uma vez que a causa de tamanha repercussão se dá pelo fato de não ser objeto subjetivo, imaterial, algo que se torna inalcançável e intangível pelo direito, pois neste caso o afeto não se colaciona como no senso comum, estando ligado a sentimentos e emoções, mas relaciona-se com um dever jurídico.
Existe uma linha que separa o abandono afetivo, do abandono material, pois o abandono material encontra-se pacificado no âmbito jurídico, estando tipificado no Código Penal em seu art.244:
Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo. (BRASIL, 1940)
É claro o dispositivo do art. 224, Código Penal o que evita repercussões por ausência de polêmicas.
Ao contrário, o termo abandono afetivo não se vê em uma norma expressa no ordenamento jurídico brasileiro, como afirma (STOLZE E PAMPLONA, 2017): o afeto pode ser visto de forma implícita através do princípio da afetividade, decorrente de outros dois princípios expressos no texto constitucional brasileiro, tais sejam o da solidariedade familiar e o da valorização da dignidade da pessoa humana, sendo provável ser o afeto, fundamento principal das relações familiares.
Importante destacar que para a doutrina e decisões de tribunais superiores o abandono afetivo se caracteriza pela ausência do dever de cuidado dos pais para com seus filhos.
Observa-se que o dever de cuidado aqui elencado, não está relacionado à ausência de amor ou qualquer sentimento inalcançável ou intangível pelo direito como já mencionado, tão pouco está relacionado com o cuidado simples e puramente material, mas relaciona-se com um cumprimento de um dever jurídico, como previstos tanto no Código Civil de 2002, como no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao instituir aos pais o dever de guarda, educação, convivência familiar, entre outros.
De acordo com ANDRIGHI, (Resp. nº 1.159.242/SP), não se pode ofender o dever de cuidado, já que este possui um valor jurídico ao ponto de estar integrado no ordenamento jurídico Brasileiro.
Destarte percebe-se que o dever de cuidado deve ser observado como uma norma jurídica a ser seguida e que uma vez violada, deve o infrator responder pelo ilícito civil praticado.
4 Abandono afetivo Inverso. Estatuto do Idoso. Normas Constitucionais.
É inconteste que diante de um novo cenário no âmbito do Direito de Família, muitos são os casos de ações cíveis nos tribunais em razão de abandono afetivo, entretanto pouco ainda se discute pela doutrina situação não menos gravosa que diz respeito ao Abandono Afetivo Inverso, que se dá diante da ocorrência do abandono afetivo dos filhos em relação aos pais idosos.
Ressalta-se que a doutrina clássica e majoritária de Direito Civil ainda não voltou o olhar para este tema e tal assertiva se justifica ao se verificar na parte de Direito de Família a ausência de referencial teórico sobre a temática.
Preceitua LÔBO (2011):
Portanto, a pluridisciplinaridade e o foco nas pessoas humanas da
criança e do idoso, que marcam esses grandes estatutos, recomendam seu
estudo destacado, como matérias autônomas, com diálogo normativo permanente com o direito material de família, nos pontos comuns. (LOBO, 2011, p. 40)
É pacífico que quando se discute direitos do idoso, por ser um tema interdisciplinar este contempla uma pluralidade de áreas desde saúde mental e física à políticas públicas, porém não se pode olvidar ser urgente o debate da questão que trata do abandono afetivo inverso no direito de família, tendo em vista ser uma situação latente nos dias atuais.
A Lei 10.741/2003, que instituiu o Estatuto do Idoso, classifica a pessoa idosa, como aquela que possui idade igual ou superior a sessenta anos.
Não se pode contestar a ciência quanto ao processo de envelhecimento ser um acontecimento natural da vida humana, fazendo parte deste as limitações físicas, psíquicas e intelectuais, entretanto observa-se que o cenário brasileiro é composto por atores sociais que em sua grande maioria comungam de uma cultura que ainda não aprendeu a valorizar o dever de cuidado para com os mais velhos, considerando que a sociedade Brasileira ainda custa a reconhecer e aceitar que os idosos são componentes essenciais de uma parte fragilizada que a incorpora.
Diante de tantas limitações ocorridas em virtude da idade, faz-se necessária proteção especial ao idoso, porém nem sempre a família se digna a dispor de elementos essenciais e indispensáveis para o cumprimento do dever jurídico de cuidado, ao invés disso, transferem tal dever a pessoas estranhas, como cuidadores de idosos ou instituições de longa permanência, asilos, dentre outras.
Para DIAS (2016), o abandono afetivo inverso, é o descumprimento de deveres dos filhos para com seus pais idosos no que diz respeito ao cuidado e ao afeto.
Desta forma, percebe-se que a inobservância do dever de cuidado ao idoso está intimamente relacionada ao abandono.
Conforme preceitua o art. 229 da Constituição Federal de 1988, de onde advém o Princípio da Solidariedade Familiar, os filhos maiores possuem o dever de auxílio e amparo aos pais quando estes estiverem enfermos, carentes ou idosos. Percebe-se que o legislador em 1988, ciente das limitações inerentes enfrentadas pela pessoa idosa, não hesitou em delegar aos filhos maiores o dever de amparo e ajuda aos pais em sua velhice, o que pode ser traduzido como o dever de cuidado.
Destaca-se que o dever de amparo elencado na Constituição Federal de 1988, é um dever jurídico constitucional, onde não cabe refutabilidade, não cabe transgressão ou qualquer outro meio de esquivar-se com a transferência deste dever a outrem, seja a pessoa física ou jurídica, ou a ninguém, exercendo o fiel descumprimento desta norma, já que existem muitos casos de abandono afetivo inverso dentro do “seio familiar”.
O Estatuto do Idoso não destoa em seu art. 3º, ao delegar prioritariamente à família a garantia de direitos básicos ao idoso:
Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 2012)
Destarte, percebe-se a importância da família no processo de envelhecimento da pessoa idosa, garantindo a esta, a oportunidade do envelhecimento com dignidade no convívio do seio familiar e da sociedade.
4.1 Circunstâncias caracterizadoras do abandono afetivo inverso.
O abandono afetivo inverso ocorre quando o filho tendo condições de manter o idoso em seio familiar o coloca em uma instituição de maneira não excepcional, em várias situações o prometendo que irá retornar para visitas, mas nunca o faz e quando o visita, esta se concretiza de maneira esporádica, ocasionando a privação do idoso ao convívio familiar. (DIAS, 2016).
Observa-se que tal ato, é totalmente contrário ao ditado no art. 3º do Estatuto do Idoso que prevê ser obrigação da família prioritariamente assegurar-lhe o direito à convivência familiar.
Por outro lado, não se pode olvidar de idosos que são abandonados por seus filhos dentro do próprio seio familiar. É o idoso que reside com a família, mas não convive. Não está abandonado materialmente, mas afetivamente.
Este idoso dispõe da contratação de um cuidador, muitas vezes desqualificado para a função, onde o idoso até possui a assistência material, como medicamentos, vestimentas, calçados e comida, mas que já não se lembra de qual foi a última vez que recebeu a visita de um ente familiar, e quando a recebe ocorre também de forma esporádica. (FRAIMAN, 2016).
Já se usa atualmente o termo “Idosos Órfãos de Filhos Vivos” sendo os idosos considerados “Os novos desvalidos do século XXI”, expressões intituladas pela psicóloga Ana Fraiman (2016), ao fazer duras críticas à nova geração de filhos que substituem o carinho e atenção aos pais idosos por tecnologias, compromissos, etc.
De acordo com FRAIMAN (2016), tal comportamento praticado pelos filhos em relação aos seus pais idosos, transferem-se aos netos, dando a esses uma noção equivocada do que seja o cumprimento de um dever.
Destarte, percebe-se que a sociedade brasileira de forma geracional não foi e não tem sido preparada para lhe dar com o envelhecimento dos pais.
Observa-se a vivência de um processo de involução cultural e social, embora o abandono afetivo inverso não seja fato contemporâneo, mas intensifica-se com o novo modelo de vida da família, que na busca de cumprir compromissos sociais, profissionais e na busca pela conquista da estabilidade financeira ou manutenção da mesma, deixa de herança a cada geração o esquecimento do dever jurídico do cuidado às pessoas idosas.
As novas gerações herdam a falta de senso de dever jurídico do cuidado com os mais velhos, sendo urgente a desconstrução de velhos costumes culturais que só será possível à partir da educação ao se dar visibilidade ao tema em questão, através da disseminação da importante observação aos princípios do direito de família não apenas por estudiosos do direito mas por todos os indivíduos nas mais variadas classes sociais, independente de grau de instrução, desde a infância até a vida adulta.
4.2 Princípios constitucionais do direito de família como reflexão para minimização do abandono afetivo inverso
Conforme DIAS (2016), os princípios constitucionais perderam seu papel de apenas orientadores ao sistema jurídico infraconstitucional quando estes eram desprovidos de forma normativa e passaram a ser considerados, leis das leis, sendo que ao se ofender um princípio se ofende todo um sistema jurídico mandamental.
Desta forma, percebe-se a importância à observância aos princípios de direito, considerando sua força dentro de um sistema jurídico.
4.3 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Vários são os títulos dados ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana pela doutrina, sendo superprincípio, princípio máximo, macroprincípio, princípio dos princípios, dentre outros, vez que a Dignidade da Pessoa Humana é sem dúvida um direito fundamental que deve ser assegurado a todo o indivíduo.
Assim Preceitua MÁRIO (2017):
Em verdade, cuida – se de princípio cuja conceituação, de tão extensa, deve ser evitada, sob pena de se limitar o seu campo de incidência, sendo certo, contudo, que, como macroprincípio, nunca poderá sofrer qualquer tipo de relativização, mas apenas a dos subprincípios que compõem o seu conteúdo.
(MÁRIO 2017, p.83)
Verifica-se que o princípio da Dignidade da pessoa humana, torna-se muitas vezes difícil de ser conceituado, pois a dignidade abarca toda a existência da vida em sociedade em suas mais variadas áreas, devendo tal princípio ser observado de acordo com a realidade vivida pelo indivíduo, já que esta deve acompanhar a pessoa desde o seu nascimento até a sua morte.
Segundo LÔBO (2011, p.61) “A dignidade da pessoa humana é o núcleo existencial que é essencialmente comum a todas as pessoas humanas, como membros iguais do gênero humano, impondo-se um dever geral de respeito, proteção e intocabilidade”.
Destaca-se que conforme prevê o texto constitucional da carta maior, a família é a base da sociedade, logo, sendo o princípio da dignidade da pessoa humana base do direito de família, tal princípio é aquele que sustenta não só a família, mas a vida do ser humano em sociedade.
4.4 Princípio da Solidariedade
A CF de 1988 por meio do seu art. 3º, inciso I expressa o princípio da solidariedade ao constituir como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
O Princípio da Solidariedade novamente no art. 226, CF se repete ao garantir a proteção à família, no art. 227, CF reafirmando a proteção às crianças e adolescentes e em seu art. 230, CF ao proteger os idosos, de quaisquer formas de criminalidade, bem como garantir o zelo por seus direitos fundamentais.
Para MÁRIO (2017) quando o art. 226 em seu inciso I se refere à sociedade solidária, tal artigo inclui a base da sociedade, no caso a família, sendo esta composta pelas crianças, adultos e idosos.
Verifica-se que o princípio da solidariedade é um princípio não egoísta, mas que tem liame fraterno mútuo e que de forma altruísta é capaz de transcender qualquer tipo de egoísmo e individualismo.
4.5 Princípio da Afetividade
Entendimento pacificado pela doutrina é que o princípio da afetividade não está previsto no texto constitucional, mas decorre de dois princípios, sendo da Dignidade da Pessoa Humana e da Solidariedade, estando entrelaçado com o princípio da convivência familiar. De comum acordo o entendimento doutrinário é que a afetividade não se restringe a liames consanguíneos, sendo estendida a outras pessoas que convivam entre si.
Porém tal princípio embora pacificado que não esteja no texto constitucional, por outro lado gera de certa forma uma instabilidade no entendimento doutrinário quanto ao seu conceito.
De acordo com (MADALENO 2016), o princípio da afetividade é movido pelo sentimento e pelo amor que dá sentido e dignidade à existência humana, servindo de mola propulsora dos laços familiares e interpessoais que movem tais sentimentos.
De forma diferente entende LÔBO (2011):
A afetividade, como princípio jurídico, não se confunde com o afeto, como fato psicológico ou anímico, porquanto pode ser presumida quando este faltar na realidade das relações; assim, a afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles. O princípio jurídico da afetividade entre pais e filhos apenas deixa de incidir com o falecimento de um dos sujeitos ou se houver perda do poder familiar. (LÔBO 2011, p.72)
Muito se discute sobre a afetividade, porém já é entendimento de uma parte da doutrina e de tribunais superiores que a afetividade tem valor jurídico.
De forma lapidar a Ministra Nancy Andrighi em sede de recurso especial proferiu seu voto em caso de abandono afetivo ao expressar que “Amar é faculdade, cuidar é dever”. (STJ, REsp 1.026.981/RJ, 2010).
Desta forma percebe-se no princípio da afetividade a íntima relação com o dever de cuidado, estando a afetividade alheia a qualquer tipo de sentimento.
Para ANDRIGHI (2010) não cabe ao direito discutir ou não o amor, mas sim a imposição biológica e legal do cuidado sendo um dever jurídico, que dá a liberdade às pessoas de gerarem ou adotarem seus filhos.
Conforme destacado anteriormente, o dever jurídico de cuidado é um dever ao qual não se pode eximir, não cabendo refutabilidade, já que este estando incorporado ao ordenamento jurídico tem eficácia de norma que deve ser observada e de aplicação imediata.
5 Situação de Abandono de Idosos no Brasil
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que entre os anos de 2012 e 2017, o número de idosos no Brasil cresceu 18%, ou seja, de 25,4 milhões para mais de 30,2 milhões.
Informação do site ISTOÉ, aponta que segundo o IBGE neste mesmo período, o número de idosos entre homens e mulheres cresceu 33% nos albergues públicos, passando de 45,8 mil para 60,8 mil.
O número total de idosos fora do seio familiar que se encontra em albergues públicos e privados em 2017 somou uma população de 100 mil, o que de acordo com a pesquisa, é crescente em maior velocidade o número de abandono e desamparo familiar no país que a própria expectativa de vida.
Segundo informações do site G1, os registros efetuados pelo Disque 100, (serviço de denúncia do governo federal), revelaram que o percentual de abandono e violência contra a pessoa idosa somente nos primeiros semestres de 2014 e 2015 cresceu 16,4% no Brasil em apenas um ano. Sendo que no primeiro semestre de 2014 os registros de denúncia de violência contra a pessoa idosa somaram 13.752, ao passo que no primeiro semestre de 2015 os mesmos registros somaram 16.014.
Segundo ainda o site G1, dentre os registros do Disque 100, a maior parte das denúncias é de abandono ou negligência contra o idoso, alcançando um percentual de 77,6% enquanto as denúncias registradas de violência psicológica, abuso financeiro e violência física correspondem a percentual de 51,7%, 38,9% e 26,5% respectivamente. De acordo com a Secretaria dos Direitos Humanos, responsável por apoiar e monitorar tal serviço, os percentuais alarmantes decorrem do fato de em algumas situações, serem as vítimas objeto de mais de uma forma de agressão.
6 Abandono afetivo inverso ante a ausência de previsão expressa no ordenamento jurídico brasileiro como garantidor da responsabilidade civil
Nas palavras de NADER (2016), a responsabilidade civil ocorre quando em uma situação jurídica houver o descumprimento de um determinado dever jurídico causando dano moral ou material a ser reparado.
Destaca-se que a responsabilidade civil pode ocorrer de forma objetiva ou subjetiva, sendo que na objetiva, o indivíduo que causou o dano deverá ressarcir a outrem em virtude do prejuízo causado, como em casos de dano contratual.
Já a responsabilidade civil subjetiva depende de elementos indispensáveis para sua configuração, quais sejam, o ato ilício e o abuso do direito decorrentes da conduta do agente; o dano, o nexo causal e a culpa.
No caso do ato ilícito e do abuso do direito, prevê os artigos 186 e 187 do código civil de 2002 que decorre de uma ação ou omissão voluntária (conduta), por negligência ou imprudência capaz de violar o direito de outrem a ponto de causar-lhe um dano ainda que exclusivamente moral.
Quanto ao elemento do dano, o artigo 927, CC discorre que aquele que causar a outrem um dano por ato ilícito será obrigado a indenizar.
É pacífica na doutrina a conceituação de dano, entendendo-se pela ofensa, perda, lesão a um bem jurídico protegido.
Existe no âmbito do direito de família grande polêmica e controvérsia por parte da doutrina e nas decisões judiciais no que toca a responsabilidade civil e o dever de indenizar nas questões de família que abarca a Indenização por Abandono Afetivo Inverso, vez que o instituto da responsabilidade civil não é um instituto do direito de família, não havendo previsão normativa expressa para a questão.
Assim assevera NADER (2016)
A reparação civil no âmbito familiar, em nosso país, ainda é incipiente. Os autores, de um modo geral, pouco se dedicam à matéria. Não se formou, ainda, a noção de que a quebra de deveres familiais geradora de danos morais ou materiais é suscetível de indenização... Não há, sequer, uma orientação jurisprudencial sobre a matéria. (NADER 2016, p.431).
Destarte, percebe-se que o abandono afetivo inverso sendo instituto do direito de família não encontra respaldo em previsão expressa, entretanto com a evolução da família, muito se discute os princípios constitucionais basilares de Direito de Família, vez que a ofensa a esses princípios, é violação da lei, geram danos e necessitam de reparação.
Para (CARDIN 2012), a negação de reparação de danos morais e materiais decorrentes das relações familiares, estimula-se a sua reiteração, ocasionando o processo de desintegração familiar, vez que o dano moral causado pelo membro de uma família a outrem é em sua maioria causa de destruição da mesma, servindo a reparabilidade de tal dano como forma de fortalecimento dos valores atinentes à dignidade e ao respeito humano para aquele que jamais recebeu afeto.
Para (NADER 2016) o fato de se haver uma despatrimonialização dos vínculos familiares não há impedimento do reconhecimento de danos morais nas relações entre cônjuges e pais e filhos.
Percebe-se que há inclinação de parte da doutrina quanto a possibilidade de reparação, bem como a inibição para que condutas geradoras de danos de cunho moral não se alastrem ainda mais nas relações familiares, vez que a família é a base da sociedade conforme previsão constitucional, não podendo esta ficar à mercê de tamanha vulnerabilidade.
Assim ensina de forma brilhante MADALENO (2016):
O Direito de Família não se basta por si mesmo, pertence a todo um sistema legal, sendo aplicado e interpretado em conjunto com as demais ramificações do Direito em afinada sintonia com a teoria geral do Direito Civil. (MADALENO 2016, p.528).
Entende-se que não se pode levar a cabo o fato de o direito de família não ser instituto de responsabilidade civil e por tal motivo, não ser objeto de reparação por danos morais, pois entendimento contrário não observa os princípios constitucionais de dignidade da pessoa humana e solidariedade como garantias fundamentais àquele que se viu lesado dentro do seio familiar.
Ocorre que como destacou-se anteriormente, não existe previsão normativa para que os danos ocasionados ainda que moralmente dentro do seio familiar sejam reparados, servindo-se de inibidor e garantidor para qualquer tipo de violação de dever jurídico que ligam os membros de uma família, em específico no caso de dano por abandono afetivo inverso.
Observa-se que não se objetiva a monetização ou patrimonialização no direito de família, nem se discutir a obrigação ao amor diante do abandono afetivo inverso, porém busca-se amenizar a dor sofrida à vitima da ausência do dever jurídico de cuidado.
Sendo assim, faz-se urgente a pacificação do entendimento doutrinário e jurisprudencial através de normas que regulem tal instituto, com o fim de garantir à pessoa idosa, a reparação do dano causado frente ao abandono afetivo inverso.
Destarte, refutar a existência de violação de um dever jurídico de cuidado que ocasione um dano ainda que de cunho moral no âmbito familiar é descrer que o ser humano seja propenso e a qualquer tipo de negligência ou imprudência, estando imune a sentimentos de ódio, rancor, mágoa e ressentimentos, inexistindo neste qualquer tipo de mácula capaz de o elevar à perfeição.
7 Considerações Finais
O estudo em tela possui como principal objeto a discussão e análise da possibilidade da responsabilização civil dos filhos por abandono afetivo inverso, tendo como base as normas constitucionais, direito do idoso e direito de família, bem como as diretrizes do instituto da responsabilidade civil, considerando a ausência de previsão expressa no ordenamento jurídico pátrio.
Após análise dos dispositivos legais que tratam do objeto em discussão, bem como análises doutrinárias e jurisprudenciais, os achados desta pesquisa permitem afirmar que estão presentes todos os requisitos autorizadores para aplicação da responsabilidade civil por abandono afetivo inverso e consequências jurídicas, tendo em vista que o abandono afetivo não é objeto de discussão na seara jurídica quanto ao amor ou afeto que deve ser dispensado pelos pais aos filhos e vice-versa conforme o senso comum, mas trata-se pura e simplesmente de um dever jurídico de cuidado constitucional, devendo então ser observado como uma norma jurídica de aplicação imediata, o contrário a isso, causa lesão a um bem jurídico que deve ser tutelado, cabendo ao infrator responder pelo ilícito civil praticado.
Ademais, embora o abandono afetivo inverso não seja fato contemporâneo, requer amplo debate, novas análises e discussões por parte do Estado, doutrina, pesquisadores e profissionais de várias áreas, tendo em vista que os cuidados com a pessoa idosa é um tema interdisciplinar, tornando-se imprescindível a busca incessante para que o tema objeto de estudo seja refletido por toda a sociedade como instrumento minimizador deste ato, ao passo que onde se fizer presente o abandono afetivo inverso, deve o estado, o idoso ou demais legitimados pleitear a reparação civil para a efetivação das normas constitucionais e demais diplomas legais presentes no ordenamento jurídico brasileiro.
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Acadêmica do 10º período do curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC Teófilo Otoni-MG. Pós-Graduanda em Direito Público pela Faculdade Legale.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SIDMARA DE JESUS LEOCáDIO, . Abandono afetivo inverso. Análise sobre a responsabilidade civil dos filhos no ordenamento jurídico brasileiro. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 out 2019, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53693/abandono-afetivo-inverso-anlise-sobre-a-responsabilidade-civil-dos-filhos-no-ordenamento-jurdico-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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