Resumo: O presente artigo tem como objeto demonstrar a contrariedade entre o edital do concurso da Polícia Rodoviária Federal e as normas e políticas públicas de inclusão aos deficientes físicos, em desarmonia aos ditames constitucionais e legais aplicáveis.
Palavras-chave: Concursos Públicos; Atividade Policial; Deficientes físicos.
Abstract: The purpose of this article is to demonstrate the contradiction between the Federal Road Police competition and the inclusion norms and public policies for the disabled, in disagreement with applicable constitucional and legal dictates.
Keywords: Public tender; Police Activity; Federal Road Police; Physically Handicapped.
Sumário: Introdução; 1 – Da equiparação dos deficientes físicos aos demais candidatos sem deficiência; 2 – Da política de inclusão e princípios vigentes no ordenamento – Da proteção ao deficiente físico; 3 – Do momento para aferição da compatibilidade da deficiência ao cargo pretendido; Considerações Finais. Referências bibliográficas.
Introdução
Os deficientes físicos, através de políticas afirmativas, obtiveram, após longo processo evolutivo legal, garantia de reserva de vagas em concursos públicos, nos termos da Constituição Federal em seu artigo 37,VIII, bem como pela legislação infraconstitucional, destacando-se a Lei 8.112, o Decreto nº 9.508/2018, e principalmente o Estatuto da Pessoa Com Deficiência, Lei 13.146/15.
Entretanto, convém ressaltar que as leis, como ordens imaginadas que são, precisam sempre ser lembradas aos seus aplicadores, sob pena de serem esquecidas e descumpridas, em cenário de verdadeira insegurança jurídica.
Nessa toada, importante aferirmos se estaria a Administração cumprindo com a legislação no concurso destinado ao cargo de Policial Rodoviário Federal ou apenas simulando o seu cumprimento, explico:
No ano de 2018 foi lançado edital para o concurso da PRF, com previsão de 500 vagas, distribuídas entre os Estados brasileiros, garantindo-se em cada Estado, nos termos do item 5.1 o atendimento ao percentual exclusivo para candidatos portadores de deficiência.
Para concorrer às vagas reservadas deveria o candidato informar tal escopo no ato da inscrição, bem como apresentar imagem do CPF e um parecer emitido nos últimos 12 meses antes da publicação do edital por equipe multiprofissional e interdisciplinar formada por três profissionais, entre eles um médico, em que deveria ser apontado os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo, os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais, a limitação no desempenho de atividades e a restrição de participação.
Encaminhados os documentos exigidos, competia a banca concursal conceder ou não ao candidato o direito de concorrer nas vagas reservadas.
Ocorre que, ao aprofundarmos nos preceitos editalícios começamos a perceber verdadeiros disfarces aos direitos dos deficientes físicos. Estavam eles fadados à exclusão do certame, vejamos:
1. Da equiparação dos deficientes físicos aos demais candidatos sem deficiência
Forçoso salientar que, em prática discriminatória e sem observar o princípio da igualdade material, o edital simplesmente igualou as pessoas com deficiência às pessoas sem deficiência.
Conforme item 5.3.2.1 “as condições clínicas, sinais ou sintomas que incapacitam o candidato, com deficiência ou não, no concurso público, bem como para a posse no cargo, constam do subitem 2.2 do Anexo IV deste edital”. (grifo do autor)
E, nos termos do item 5.4 “Não haverá adaptação do exame de capacidade física, da avaliação de saúde, da avaliação psicológica e do curso de formação profissional às condições do candidato com deficiência ou não”. (grifo do autor)
Ante o exposto, percebemos que o Anexo IV listava todos os fatores incapacitantes ao exercício do cargo, apontando todas as doenças, condições clínicas, sinais ou sintomas que eliminam o candidato do concurso público, sem qualquer diferenciação de critério quanto aos portadores ou não de deficiência.
Dessa forma, um candidato portador de visão monocular, que nos termos da súmula 377 do STJ é considerado deficiente físico, que tenha sido aprovado a concorrer nas vagas reservadas e que tenha obtido êxito na prova objetiva, prova subjetiva e teste físico, fatalmente estaria eliminado do certame, pois conforme item 2.2, inciso III alínea “a” do Anexo IV, é condição incapacitante a todos candidatos, inclusive aos deficientes: “acuidade visual a seis metros (avaliação de cada olho separadamente): acuidade visual com a melhor correção óptica: na qual serão aceitas as acuidades visuais de até 20/20 (1,0) em um olho e até 20/30 (0,66) no outro olho OU de até 20/40 (0,5) em ambos os olhos”.
Dessa forma, inexoravelmente, todos os portadores de visão monocular, submetidos e aprovados nas provas objetiva, subjetiva e exame físico, estariam eliminados no exame de avaliação de saúde exatamente pelo fator que os habilitaram a concorrer às vagas destinadas aos deficientes físicos, em clara violação ao preceito da razoabilidade.
Ao se incluir no certame vagas destinadas aos candidatos com deficiência, obviamente não se pode exigir-lhes condições pares às pessoas sem deficiência física, sob pena de violarmos, dentre outros, o princípio da igualdade material. Nessa toada, eliminar o candidato do certame público em razão de sua limitação física está na contramão do percurso perquirido pela legislação nacional e internacional, violando o preceito maior da dignidade da pessoa humana, além de ser contraditório e ilegal.
A Administração Pública admitiu a participação do candidato deficiente, porém, preparou verdadeira armadilha quando da avaliação de saúde, inviabilizando assim sua participação, desprestigiando as normas protetivas das minorias e a política inclusiva estabelecida ao mercado de trabalho e ingresso em cargos públicos.
Outro detalhe merece ser destacado. A avaliação física e o exame de saúde possuíam o mesmo escopo de aferir se os candidatos gozavam ou não de condições de suportar os exercícios a que seriam submetidos no curso de formação profissional e para desempenhar as tarefas típicas da categoria funcional. Entretanto, em clara contradição, durante o concurso, diversos deficientes exitosos na avaliação física, submetidos ao teste sem qualquer adaptação ou privilégio, restaram excluídos do certame.
Nos termos do item 11.1.2: “O exame de capacidade física, de caráter unicamente eliminatório, com pontuação mínima e máxima, realizados em ordem pré-estabelecida, por candidatos habilitados por atestado médico específico, será realizado pela banca examinadora e visa avaliar a capacidade do candidato para suportar, física e organicamente, as exigências da prática de atividades físicas a que será submetido durante o Curso de Formação Profissional e para desempenhar as tarefas típicas da categoria funcional”.
A avaliação de saúde encontra-se disciplinada no item 12 do edital cumulado com o anexo IV, tendo por objetivo, nos termos do item 12.3 “aferir se o candidato, com deficiência ou não, goza de boa saúde física e psíquica para suportar os exercícios a que será submetido durante o curso de formação profissional e para desempenhar as tarefas típicas da categoria funcional, sendo motivo de exclusão do certame o candidato que não conseguir executar plenamente as atividades exigidas na rotina do curso de formação”.
Qual seria a razão de permitir ao deficiente físico concorrer ao cargo policial, concedendo-lhe expectativas de ingressar na instituição, exigindo avaliação multidisciplinar, para aprova-lo nas provas objetiva, subjetiva e avaliação física, para depois, em verdadeira armadilha o declarar incompatível ao cargo pretendido?
2. Da política de inclusão e princípios vigentes no ordenamento – Da proteção ao deficiente físico
O ordenamento nacional, ao criar normas inclusivas e protetivas às minorias tem como norte o princípio da dignidade da pessoa humana, da igualdade material e a prevalência dos direitos humanos, e assim o fez com relação aos deficientes físicos, ao estabelecer na Lei 8.112/90 reserva de vagas em concursos públicos.
A Administração, com suporte no texto legal, deve caminhar ao lado de tal escopo inclusivo, em obediência aos ditames afirmativos e políticas de inserção no serviço público, sem criar barreiras, sob pena de contrariar preceitos fundamentais.
A vigente Constituição da República, ao proclamar e assegurar a reserva de vagas em concursos públicos para os portadores de deficiência, consagrou cláusula de proteção viabilizadora de ações afirmativas em favor de tais pessoas, o que veio a ser concretizado com a edição de atos legislativos, como as Leis nº 7.853/89 e nº 8.112/90 (art. 5º, § 2º), e com a celebração da Convenção Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2007), já formalmente incorporada, com força, hierarquia e eficácia constitucionais (CF, art. 5º, § 3º), ao plano do ordenamento positivo interno do Estado brasileiro[1].
A Administração Pública atua por presunção, pois elimina o candidato deficiente apenas pelo fato de ser deficiente, presumindo que este não seria apto ao exercício funcional, o que pode destoar da realidade fática, consistindo em verdadeira discriminação.
Às pessoas com deficiência são garantidos todos os direitos e liberdades fundamentais, dentre eles o de concorrer a cargos públicos, não podendo haver limitações desarrazoadas ao seu direito constitucional, bem como exigências desproporcionais e violadoras à razoabilidade.
Nos termos do artigo 34, §3º do Estatuto das Pessoas Com Deficiência:
“É vedada restrição ao trabalho da pessoa com deficiência e qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação profissional, bem como exigência de aptidão plena”, prevendo ainda o §5º “É garantida aos trabalhadores com deficiência acessibilidade em cursos de formação e de capacitação”.
Complementa o artigo 38 do diploma supracitado que:
“A entidade contratada para a realização de processo seletivo público ou privado para cargo, função ou emprego está obrigada à observância do disposto nesta Lei e em outras normas de acessibilidade vigentes”.
O critério utilizado pela Administração Pública para avaliação dos deficientes físicos, no edital para o concurso da PRF, encontra-se manchado pela ilegalidade, destoando do razoável a exclusão do certame em razão da causa que lhe imprimiu tal condição, por supostamente não possuir aptidão para a função a ser exercida.
A Administração, ao assim agir, retira do candidato deficiente, aprovado na avaliação física, a oportunidade de provar sua aptidão. E isso se deve apenas pelo fato de ser deficiente e não se enquadrar no Anexo IV, que descreve as contrariedades físicas padronizadas.
Exige-se do candidato deficiente arquétipo injustificável de adequação, caminhando para verdadeira discriminação, violando a dignidade da pessoa humana.
3. Do momento para aferição da compatibilidade da deficiência ao cargo pretendido
A avaliação de saúde encontra-se disciplinada no item 12 do edital cumulado com o anexo IV, tendo por objetivo, nos termos do item 12.3 “aferir se o candidato, com deficiência ou não, goza de boa saúde física e psíquica para suportar os exercícios a que será submetido durante o curso de formação profissional e para desempenhar as tarefas típicas da categoria funcional, sendo motivo de exclusão do certame o candidato que não conseguir executar plenamente as atividades exigidas na rotina do curso de formação”.
Obviamente o candidato deficiente possui alguma restrição, pois caso não tivesse não poderia assim ser considerado, entretanto, a avaliação de saúde não é o momento nem o meio adequado para atestar a capacidade de exercer a função pretendida.
Aqui, importante mencionar que não se quer afirmar que o candidato deficiente não possa ser eliminado no exame de saúde. Apenas que não pode ser eliminado pelo fator que o habilitou a concorrer em tal condição. Explico:
O portador de visão monocular não pode ser excluído do certame pelo item 2.2, inciso III alínea “a” do Anexo IV, pois exatamente por não possuir tal acuidade visual é considerado deficiente. Entretanto, portador de fator não alusivo a sua deficiência que contrarie o edital, temos então uma justa possibilidade de eliminação.
A avaliação de saúde dos deficientes físicos deve analisar outros fatores que não a deficiência, pois tal fato já foi objeto de preexistente parecer multidisciplinar, como requisito a concorrer nas vagas exclusivas.
Dessa forma, o melhor caminho é aquele que vem sendo adotado pelos Tribunais Pátrios, que determinam a aferição da aptidão física no Estágio Probatório, por meio de equipe multidisciplinar, tratando-se a eliminação durante o concurso, na etapa de avaliação de saúde, de ato ilegal e violador dos princípios do ordenamento, vejamos:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE AGENTE DA POLÍCIA FEDERAL. EXAME DE SAÚDE. ELIMINAÇÃO DO CERTAME NA FASE DE EXAMES MÉDICOS SOB O FUNDAMENTO DE INCOMPATIBILIDADE DA DEFICIÊNCIA COM O EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES DO CARGO PRETENDIDO. COMPROVAÇÃO DA DEFICIÊNCIA E APTIDÃO DO CANDIDATO PARA O EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES. PERICIA JUDICIAL E APROVAÇÃO NO CURSO DE FORMAÇÃO. DEMONSTRAÇÃO. COMPATIBILIDADE. SENTENÇA REFORMADA SOMENTE NA PARTE REFERENTE A HONORÁRIOS. (...) 4. A jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que não se afigura razoável que, na fase de exame médico se constate ou não a aptidão do candidato para o exercício das atribuições do cargo, sendo o momento adequado para tanto o Curso de Formação e, posteriormente, o estágio probatório. (...) 6. "A eliminação de um candidato por ser portador de uma doença ou em face de uma limitação física que não o impedede exercer as atividades inerentes ao cargo representa ato discriminatório que viola os princípios da isonomia, da razoabilidade e, ainda, da dignidade da pessoa humana. Precedentes." (AC 0006782-52.2014.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, QUINTA TURMA, e-DJF1 de 18/04/2017), razão pela qual não pode ser invocada a previsão editalícia de exclusão de candidato tão somente pelo fato de ter "ausência parcial ou total, congênita ou traumática de qualquer segmento das extremidades". A tutela buscada e deferida encontra-se em sintonia com o exercício de direito previsto na Constituição Federal (art. 37, inc. VIII) e com a Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência, que compreende um conjunto de orientações normativas que objetivam assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas deficientes. (...) 9. Apelação do CEBRASPE e remessa oficial conhecidas e, nomérito, não providas. (TRF-1 - AC: 00402670920154013400 0040267-09.2015.4.01.3400, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES, Data de Julgamento: 21/08/2017, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 01/09/2017 e-DJF1).
ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA FEDERAL. PORTADOR DE VISÃO MONOCULAR. POSSIBILIDADE DE DISPUTAR VAGA DESTINADA A PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. EXAME MÉDICO PRÉ-ADMISSIONAL. REPROVAÇÃO. AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE AS ATRIBUIÇÕES DO CARGO E A DEFICIÊNCIA APRESENTADA A SER REALIZADA DURANTE ESTÁGIO PROBATÓRIO. POSSIBILIDADE. APELAÇÃO PROVIDA. 1. O impetrante, portador de visão monocular, tem o direito de participar do concurso público para provimento de cargo de Policial Rodoviário Federal, concorrendo às vagas destinadas a deficiente físico, conforme entendimento consolidado na Súmula n. 377 do STJ e registrado na Súmula n. 45 da AGU. Ressalvado o ponto de vista do relator. 2. A jurisprudência pátria tem entendido que se afigura ilegal o ato da autoridade administrativa que exclui o candidato aprovado em concurso público, em vaga destinada aos portadores de deficiência física, em razão de supostas limitações físicas, detectadas por ocasião da avaliação médica, tendo em vista que, em casos que tais, o exame da compatibilidade no desempenho das atribuições do cargo e a deficiência apresentada deverá ser realizado por equipe multiprofissional, durante o estágio probatório. 3. Apelo provido. 4. Segurança concedida para reconhecer ao apelante o direito de participar das demais fases do certame. (TRF-1 - AMS: 00734460220134013400007344602.2013.4.01.3400, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO, Data de Julgamento: 22/05/2017, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 30/05/2017 e-DJF1)
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. CARGO DE AGENTE DOS CORREIOS, ATENDENTE COMERCIAL. APROVAÇÃO EM VAGA RESERVADA PARA DEFICIENTE FÍSICO. EXAME MÉDICO PRÉ-ADMISSIONAL. REPROVAÇÃO. AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE AS ATRIBUIÇÕES DO CARGO E A DEFICIÊNCIA APRESENTADA A SER REALIZADA DURANTE ESTÁGIO PROBATÓRIO. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. A jurisprudência pátria tem entendido que se afigura ilegal o ato da autoridade administrativa que exclui o candidato aprovado em concurso público, em vaga destinada aos portadores de deficiência física, em razão de supostas limitações físicas, detectadas por ocasião da avaliação médica, tendo em vista que, em casos que tais, o exame da compatibilidade no desempenho das atribuições do cargo e a deficiência apresentada deverá ser realizado por equipe multiprofissional, durante o estágio probatório. 2. Sentença mantida. 3. Remessa oficial desprovida. (REO n. 0012973-55.2011.4.01.4100/RO – Relator Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro – e-DJF1 de 16.06.2015, p. 1646).
Nesse sentido a Corte Cidadã fixou a seguinte tese (Edição nº 100): “De acordo com as disposições do Decreto nº 3.298/1999, a avaliação da compatibilidade entre as atribuições do cargo e a deficiência do candidato deve ser feita por equipe multiprofissional durante o estágio probatório e não no decorrer do concurso público”.
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE PENITENCIÁRIO FEDERAL. CANDIDATO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. DESCLASSIFICAÇÃO DECORRENTE DE DECLARAÇÃO DE INAPTIDÃO EM PERÍCIA MÉDICA. LEI 7.853/1989 E DECRETO 3.298/1999. OBRIGATORIEDADE DO PODER PÚBLICO DE ASSEGURAR ÀS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA O PLENO EXERCÍCIO DE SEUS DIREITOS. EXAME DE COMPATIBILIDADE QUE DEVE OCORRER DURANTE O ESTÁGIO PROBATÓRIO POR EQUIPE MULTIPROFISSIONAL. 1. Preliminarmente, constata-se que não se configura a ofensa aos arts. 489 e 1.022 do Código de Processo Civil/2015, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada. 2. Nos termos da jurisprudência do STJ, em julgamento de processos análogos que procederam ao exame do disposto na Lei 7.853/1989 e no Decreto 3.298/1999, deve-se observar a obrigatoriedade do Poder Público de assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos. Inclui-se a adoção de ações que propiciem sua inserção no serviço público, assegurando-se ao candidato aprovado em vaga destinada aos portadores de deficiência física que o exame da compatibilidade ocorra no desempenho das atribuições do cargo, durante o estágio probatório, e seja realizada por equipe multiprofissional. A proteção legal conferida a essa categoria de vulneráveis não é apenas retórica, o que faz com que, sobretudo na hipótese dos autos em que a vaga destina-se a apoio administrativo, a exclusão prévia do candidato mostre-se descabida. 3. Dessume-se que o acórdão recorrido não está em sintonia com o atual entendimento do STJ, razão pela qual, no mérito, merece prosperar a irresignação. 4. Recurso Especial provido. (REsp 1777802/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 22/04/2019).
Apesar da revogação do decreto supracitado, as normas vigentes preceituam tal escopo, mantendo-se a jurisprudência nesse sentido, conforme precedente acima, proferido em abril de 2019, estando tal matéria pacificada jurisprudencialmente.
Imperioso mencionarmos também o artigo 9º do Decreto nº 9.508/2018, que trata da acessibilidade e inclusão do deficiente nos cargos públicos:
“Os órgãos da administração pública federal direta e indireta, as empresas públicas e as sociedades de economia mista deverão providenciar a acessibilidade no local de trabalho e a adaptação razoável, quando requerida, para o efetivo exercício laboral da pessoa com deficiência”.
Em consulta a jurisprudência do Tribunal Regional da 1ª Região notamos que a egrégia Corte de Justiça encontra-se pacificada no sentido do aqui exposto.
ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. PORTADOR DE VISÃO MONOCULAR. POSSIBILIDADE DE DISPUTAR VAGA DESTINADA A PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. EXAME MÉDICO PRÉ-ADMISSIONAL. REPROVAÇÃO. AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE AS ATRIBUIÇÕES DO CARGO E A DEFICIÊNCIA APRESENTADA A SER REALIZADA DURANTE ESTÁGIO PROBATÓRIO. POSSIBILIDADE. ENTREGA DE EXAMES CLÍNICOS. FALTA DE APRESENTAÇÃO DE ALGUNS EXAMES. CANDIDATO EXCLUÍDO DO PROCESSO SELETIVO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. NOMEAÇÃO E POSSE ANTES DO TRANSITO EM JULGADO. POSSIBILIDADE. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL, DESPROVIDAS. 1. O autor, portador de visão monocular, tem o direito de participar do concurso público para provimento de cargo de Policial Rodoviário Federal, concorrendo às vagas destinadas a deficiente físico, conforme entendimento consolidado na Súmula n. 377 do STJ e registrado na Súmula n. 45 da AGU. Ressalvado o ponto de vista do relator. 2. A jurisprudência pátria tem entendido que se afigura ilegal o ato da autoridade administrativa que exclui o candidato aprovado em concurso público, em vaga destinada aos portadores de deficiência física, em razão de supostas limitações físicas, detectadas por ocasião da avaliação médica, tendo em vista que, em casos que tais, o exame da compatibilidade no desempenho das atribuições do cargo e a deficiência apresentada deverá ser realizado por equipe multiprofissional, durante o estágio probatório. 3. Age com excesso de rigor a banca examinadora que exclui o candidato do processo seletivo, sob o argumento de que não foram entregues alguns exames clínicos, especialmente ante a falta de conferência da respectiva documentação, a qual, segundo disposição do edital, somente ocorreria em momento posterior e seria levada a efeito pela junta médica. 4. No que se refere à posse, em diversas oportunidades, este colegiado tem manifestado entendimento de que é possível "a nomeação e posse antes do trânsito em julgado nos casos em que o acórdão do Tribunal seja unânime e o candidato tenha logrado sucesso em todas as demais fases do certame." (AC n. 0010630-75.2009.4.01.3900/PA, Relator Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, e-DJF de 16.09.2016; AC n. 0056518-73.2013.4.01.3400/DF, Relator Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, e-DJF1 de 08.04.2016). 5. Apelação e remessa oficial, desprovidas.
Interessante aduzirmos ainda que existem instrumentos que amenizam as limitações causadas pela deficiência dos candidatos. Podemos exemplificar:
O candidato portador de encurtamento em um dos membros inferiores, poderá utilizar palmilha para compensação da diferença entre os membros, possibilitando que desempenhe com otimização adequada as funções postas pela Administração Pública.
A utilização de tecnologia assistiva encontra previsão legal no artigo 3º, III do Estatuto da Pessoa com Deficiência, sendo assim considerados “produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social”;
A palmilha atua de modo assistencial à deficiência do candidato promovendo funcionalidade adequada à sua mobilidade e desempenho de atividades funcionais e físicas, dentre elas a atividade de Policial Rodoviário Federal.
Por tal razão devem também ser sopesadas pela Administração as tecnologias assistivas, voltadas a otimização funcional de funções e movimentos, como forma de inclusão social e laboral.
Conclusão
Necessário que sejam revistos os critérios adotados pela União para seleção de deficientes físicos para o cargo de Policial Rodoviário Federal, de forma a permiti-los provar sua plena capacidade ao exercício do cargo, sem impor barreiras durante o certame, sob pena de lhes conceder expectativa de direito simulada, em flagrante conduta discriminatória.
Os critérios de avaliação da compatibilidade da deficiência ao cargo policial devem seguir padrões objetivos e plausíveis, sob pena de inviabilizar a concorrência, perfazendo verdadeira política de exclusão social.
O deficiente físico merece ser integrado na sociedade em amplo espectro, pois a deficiência nunca será um obstáculo a proposta de vida por ele perquirida. Sendo assim, ao deficiente que tem como sonho ingressar nos quadros da Polícia Rodoviária Federal não se deve impor obstáculos indevidos, pelo contrário, deve haver incentivos, no ritmo objetivado pela inclusiva legislação vigente.
Referências bibliográficas
Brasil, Constituição Federal. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 31 de julho de 2019;
Brasil, Lei 8.112/90. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8112cons.htm > Acesso em 23 de agosto de 2019.
Brasil – Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei 13.146/15. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm > Acesso em 23 de agosto de 2019.
Edital do Concurso da PRF – Disponível em < https://cdn.cebraspe.org.br/concursos/PRF_18/arquivos/ED_1_PRF_2018_ABT.PDF > Acesso em 23 de agosto de 2019.
Brasil, Decreto nº 9.508/2018 – Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Decreto/D9508.htm > Acesso em 23 de agosto de 2019.
[1] Trecho de acórdão proferido no RMS 32732 AGR / DF de relatoria do Ministro Celso de Mello.
Advogado no escritório DMC Advogados Associados [www.dmcadvogadosassociados.com.br]; Pós-graduado em Direito Corporativo e Compliance pela Escola Paulista de Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Rafael Bemfeito. Violações aos direitos dos deficientes físicos no concurso da Polícia Rodoviária Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 nov 2019, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53727/violaes-aos-direitos-dos-deficientes-fsicos-no-concurso-da-polcia-rodoviria-federal. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Ursula de Souza Van-erven
Por: André dos Santos Luz
Por: Jorge Henrique Sousa Frota
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