LEONARDO NAVARRO AQUILINO[1]
(Orientador)
RESUMO: Este artigo tem por objetivo analisar e esclarecer os principais problemas decorrentes do assédio moral cometido no ambiente de trabalho, e as consequências desta prática na saúde do empregado. Busca-se uma reflexão sobre a competitividade e a demanda crescente por profissional especializado no mercado de trabalho,se contrapondo com princípios básicos de respeito e ética nas relações interpessoais. Abordar os efeitos mentais que o assédio moral incide ao trabalhador e os efeitos jurídicos atuais aplicáveis ao assediante. Por meio de pesquisa exploratória de vasto acervo literário, pretende-se estabelecer as causas, consequências (físicas e psicológicas) e os efeitos sociais decorrente do assédio moral nas relações de trabalho.A metodologia de pesquisa será através de legislações correlatas, fontes bibliográficas, artigos, e direcionamentos constitucionais.A finalidade deste artigo é demonstrar o impacto que o assédio moral causa à saúde do trabalhador e à sociedade de modo geral, e os instrumentos necessários para se coibir esta prática no meio laboral.
PALAVRA CHAVE: Assédio Moral; Trabalhador; Saúde.
ABSTRACT: This article aims to analyze and clarify the main problems arising from workplace bullying, and the consequences on employee health. We seek a reflection on competitiveness and the growing demand for a specialized professional in the labor market, contrasting with basic principles of respect and ethics in interpersonal relationships. Address the mental effects that bullying has on the worker and the current legal effects applicable to the harasser. Through exploratory research of vast literary collection, it is intended to establish the causes, consequences (physical and legal) and social effects resulting from bullying in labor relations. The research methodology will be through related legislations, bibliographic sources, articles, and constitutional guidelines. The purpose of this paper is to demonstrate the impact that bullying has on the health of workers and society in general, and the instruments needed to curb this practice in the workplace.
KEYWORDS:Moral Harassment; Worker; Cheers.
SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Conceito e Características do Assédio Moral: 2.1. As Consequências do Assédio Moral na Saúde do Empregado; 2.1.1.Estresse; 2.1.2. Síndrome de Burnout; 2.1.3. Depressão; 2.2 Instrumentos Adotados no Brasil para Coibir a Prática de Assédio Moral. 3. Considerações Finais. 4.Referências.
1. INTRODUÇÃO
O direito ao trabalho é uma garantia fundamental prevista na Constituição Federal, que assegura ao cidadão, o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, XIII CFRB/88).
No Brasil, o ramo do Direito responsável pelo estudo desta matéria é o Direito do Trabalho, formado por um arcabouço jurídico-normativo que regulamenta a relação empregador e empregado.
Discorrendo sobre esta área de estudo, Nascimento (2011, p. 279) traz a seguinte reflexão sobre trabalho:
Uma das concepções de direito do trabalho que procura reagir contra a tendência flexibilizadora da época recente é a do direito do trabalho como um direito de primeiro grau compreendido como um conjunto de direitos fundamentais ou uma parte dos direitos humanos, expressões que não têm o mesmo significado.
A Constituição (1998) usa terminologia nesse ponto diversificada, referindo-se ora a direitos e garantias fundamentais (art. 5º, I), a direitos humanos (art. 4º, II) e a direitos e liberdades constitucionais (art. 5º, LXXI) e ao trabalho como um dos direitos sociais (art. 6º).
Direitos humanos é expressão de matriz jusnaturalista, de direito natural. Nesse caso, os direitos do trabalhador teriam de ser compreendidos como direitos existentes em todos os tempos e acima do direito positivo, o que não corresponde, na história, à construção do direito do trabalho, que nasceu como decorrência da Revolução Industrial do século XVIII, fruto de períodos mais recente da história. Como direito fundamental, o direito do trabalho teria de ser direito de todos em todos os lugares, em certo tempo. Esses direitos são constitucionais quando inserido na Constituição de um país. É O enquadramento mais razoável. O direito do trabalho nem sempre existiu, suas leis vigoram por certo tempo até a sua revogação, e em diversos países as principais leis têm nível constitucional. O trabalho humano é um valor, e a dignidade do ser humano como trabalhador um bem jurídico de importância fundamental.
Esta garantia constitucional pressupõe ao Estado, o dever de assegurar e proteger os direitos do trabalhador brasileiro, de modo a atingir a finalidade social, no qual está inserido.
O trabalho não é somente o meio de subsistência do ser humano, está atrelado à princípios constitucionais e políticas públicas voltadas à erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais.
De acordo com Nascimento (2011, p. 57), “ O direito ao trabalho, bem como o direito ao lazer são, pois, duas premissas básicas e fundamentais para o ser humano que trabalha para que o trabalho seja um meio de vida e não de penosidade ou de angústia”.
O empregado deve estar, portanto, em um ambiente saudável, que lhe permita ser produtivo e explorar o seu potencial. O ambiente saudável é tudo o que envolve o organismo; seja físico, como bens tangíveis; social, como costumes e cultura; e psíquico, sentimentos do homem, expectativas, segurança, etc. (PADILHA, 2002, p. 20).
Contrapondo-se com este ambiente, tem-se na atualidade, um aumento significativo oe Assédio Moral nas relações de trabalho, que para além de tornar a vida penosa e angustiante, conforme citação supratranscrita, afeta a saúde psíquica e física do trabalhador.
Este artigo tem como proposta demonstrar os tipos de Assédio, conceitos e características, os motivos pelos quais ocorrem, quais os impactos que são gerados na vida e na saúde do trabalhador, e quais as ferramentas disponíveis no Brasil, para combater este tipo de prática.
2. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DO ASSÉDIO MORAL
As primeiras pesquisas sobre Assédio Moral surgiram no começo de 1984, com Heinz Leymann, que após uma longa pesquisa, publicou um ensaio científico no qual ficou estabelecido que para uma ação ser caracterizada como mobbing, seria necessário que as humilhações sofridas por um empregado, se repetissem pelo menos uma vez na semana e tivessem duração mínima de seis meses (GUEDES, 2003, p. 27)
O assédio moral, a partir de então, passou a ser objeto de inúmeros estudos, e uma das primeiras necessidades surgiu: distinguir o assédio moral de dano moral.
Discorrendo sobre o assunto, Zanetti (2008, p. 49-50) faz as seguintes ponderações:
O assédio moral exige que sejam realizadas práticas hostis de forma reiterada, com certa frequência e duração. A frequência, estatisticamente, como disse HeizLeymann é de uma vez por semana. A duração é estatisticamente comprovada por Heinz de pelo menos 6 meses. Aqui existe de uma forma geral uma diferença com o dano moral, pois, no dano moral não são feitas estas exigências, um simples ato pode caracterizar o dano moral.
Em matéria de provas, entende-se que no dano moral o fato deve ter sido levado a conhecimento de terceiros enquanto no assédio moral não existe esta necessidade.
Ocorre o assédio moral, quando o empregado de forma repetitiva ou prolongada é exposto a situações vexatórias e humilhantes, afetando sua dignidade e identidade (BARRETO, 2002, p. 13).
O assédio moral retira a autonomia da vítima, quando o assediador não transmite informações importantes para realização de tarefas, quando contesta diuturnamente todas as suas decisões, quando crítica de forma exagerada o trabalho realizado, pressiona para que não faça valer seus direitos, como férias, por exemplo. Age de modo que o impeça de conseguir promoção, ou atribui contra a sua vontade trabalhos perigosos ou incompatíveis com sua saúde (HIRIGOYEN, 2002, p. 108).
Quanto às suas formas, Zanetti (2008, p. 67-72) elenca que o assédio pode ser Vertical Descendente, Vertical Ascendente, Assédio Horizontal ou Assédio Misto.
Ocorre o assédio vertical descendente quando o ato é realizado por um responsável hierárquico que abusa de seu poder. Já no descendente um ou mais subordinados atentam contra o superior hierárquico.
O assédio horizontal se manifesta entre empregados de mesmo nível hierárquico, de forma simples quando um trabalhador assedia o outro colega, ou coletivo, quando um grupo atua contra um empregado. O assédio misto é a junção dos anteriores, ocorrendo tanto numa relação de hierarquia como entre colegas do mesmo nível hierárquico.
Segundo a cartilha elaborada pelo Conselho Nacional do Ministério Público Federal (2016):
A forma mais comum do assédio moral acontece em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, nas quais predominam condutas negativas, relações desumanas e antiéticas de longa duração. Essa forma de assédio pode partir de um ou mais superiores e se dirigir a um ou mais subordinados, desestabilizando a relação da(s) vítima(s) em seu ambiente de trabalho. Embora a situação mais comum seja a de o assédio moral partir de um superior para um subordinado, muitas vezes pode ocorrer entre colegas de mesmo nível hierárquico, ou mesmo partir de subordinados para um superior, sendo este último caso, entretanto, mais difícil de ocorrer. O que é importante para configurar o assédio moral, dessa forma, não é o nível hierárquico do assediador ou do assediado, mas sim as características da conduta: a prática de situações humilhantes no ambiente de trabalho, de forma reiterada.
Como visto, o que configura o assédio moral nas relações de trabalho, não são as formas/tipos de agentes, mas as características da conduta, onde, de forma reiterada, o trabalhador é submetido a situações vexatórias e humilhantes.
Dentre os maiores motivadores da ocorrência deste ato no âmbito laboral, são as próprias organizações, haja vista que algumas facilitam comportamentos abusivos e humilhantes. São estes ambientes permissivos, que tornam os relacionamentos desrespeitosos e complacentes com o erro e abuso intencionais. Nestes locais, existem uma competição exacerbada que gera um álibi permanente, em que comportamentos degradantes são considerados normais. Além da supervalorização de hierarquias, onde os chefes não são questionáveis e torna falho o comportamento democrático (FREITAS, 2007, p. 03).
Os efeitos decorrentes do assédio moral, afetam vários cenários, como pode ser observado nas afirmativas de Falkembach (2007):
O assédio moral, além de gerar efeitos maléficos sobre a personalidade e a saúde do empregado, projeta seus efeitos sobre a sociedade, pois conduz ao desemprego. Nesse caso, a vítima do assédio moral pode se tornar um encargo para o Estado, pois gozará de benefícios previdenciários; e, ainda, engendra prejuízos à própria organização do trabalho, posto que o empregado assediado tem queda na produtividade, dificuldade de integração e interação com o grupo de trabalhadores, além de absenteísmo, tudo capaz de resultar em déficit para o empregador. O assédio moral afeta, além da vítima, os custos operacionais da empresa, com a baixa produtividade daí advinda, absenteísmo, falta de motivação e de concentração que aumentam os erros do serviço. A consequência econômica é bastante preocupante, não se limitando à vida do empregado, mas tendo reflexos na produtividade, atingindo, também, a sociedade como um todo, uma vez que mais pessoas estarão gozando de benefícios previdenciários temporários, ou mesmo permanentes em virtude da incapacidade laborativa, sobrecarregando, dessa forma, a Previdência Social.
A maioria dos impactos citados pela autora decorre de um mesmo denominador comum, a saúde do assediado. Quando o empregado sofre o assédio, a saúde mental e a capacidade laborativa são imediatamente afetadas, culminando em afastamentos, doenças e dependência do Estado (Previdência Social).
Em 2015, fora publicada uma matéria jornalística[2]acercade uma pesquisa realizada no Brasil sobre a incidência do Assédio Moral no ambiente de trabalho, os resultados da pesquisa podem ser observados dos excertos abaixo:
Ao buscar relatos de profissionais que tenham sofrido assédio no trabalho, a reportagem ouviu uma dezena de pessoas sempre sob a condição de que seu nome e da empresa não fossem revelados. A quantidade e velocidade com que os depoimentos surgiram indicam que este é um problema comum no mercado brasileiro, como aponta uma pesquisa feita pelo site Vagas.com e publicada com exclusividade pela BBC Brasil
Dos 4.975 mil profissionais de todas as regiões do país ouvidos no fim de maio, 52% disseram ter sido vítimas de assédio sexual ou moral. E, entre quem não passou por esta situação, 34% já presenciaram algum episódio de abuso.
(...)
O Vagas.com enviou o questionário para 70 mil profissionais de sua base de dados, escolhidos entre os que tinham atualizado seu currículo nos seis meses anteriores e tinham ao menos um emprego em seu histórico.
(...)
Nos resultados, o assédio moral foi identificado como o tipo de abuso mais comum, apontado por 47,3% dos profissionais que responderam a pesquisa, enquanto 9,7% disseram ter sofrido assédio sexual. Entre os entrevistados, 48% disseram não ter sofrido assédio. Alguns entrevistados declararam ter sofrido os dois tipos de assédio.
Mas os resultados mostram que, enquanto o assédio moral foi relatado em proporções semelhantes por homens (48%) e mulheres (52%), o sexual é quatro vezes mais comum entre elas: 80% das pessoas que disseram ter sido vítimas de abuso são do sexo feminino.
(...)
Entre os receios mais comuns entre as vítimas de assédio que não o denunciaram, estão perder o emprego (39%) e sofrer represália (31,6%). Não se trata de um medo infundado, pois, entre os que denunciaram, 20,1% afirmaram terem sido demitidos e 17,6% disseram ter sofrido algum tipo de perseguição.
(...)
Para os organizadores do estudo, o alto índice de respostas mostra que este é um assunto urgente no mercado profissional brasileiro. Dos 70 mil questionários enviados para os cadastros no site, 7% participaram, bem acima da média de 0,5% registrada em outras pesquisas. Destes, 98% responderam a todas as perguntas.
Os dados demonstram que o Assédio é uma realidade no Brasil e um problema a ser combatido em todas as áreas de atuação.
As pesquisas de campo e os estudos acadêmicos são extremamente importantes para identificar estes problemas, e discutir os instrumentos necessários para que o ambiente de trabalho seja adequado à saúde do trabalhador.
2.1AS CONSEQUÊNCIAS DO ASSÉDIO MORAL NA SAÚDE DO EMPREGADO
O trabalho é o meio pelo qual o ser humano se desenvolve e se transforma na natureza. Tais transformações são responsáveis pelo seu comportamento e pelas suas condições físicas e mentais. Quando o ambiente de trabalho é penoso e as condições são desfavoráveis, essas transformações tendem a ter consequências negativas, que pode inclusive incidir na saúde física e mental do trabalhador.
Segundo Vasconcelos (2015 apud CUNICO, 2014, p. 824) o assédio moral configura-se:
Como o emprego deliberado de poder ou influencia psicológica, na forma de ameaça contra terceiros, com potencial de causar lesões, danos psicológicos, privações, ou mesmo transtornos ao desenvolvimento psicofísico do indivíduo.
Para Barreto (p. 157, apud ALKIMIN, 2013, p. 83) o assédio moral:
Gera grande tensão psicológica, angustia, medo, sentimento de culpa e autovigilância acentuada. Desarmoniza as emoções e provoca danos á saúde física e mental constituindo-se em fator de risco à saúde nas organizações de trabalho.
As consequências do assédio moral vão além do ambiente de trabalho, pois sua interferência gera danos, tanto no convívio das relações interpessoais laborativas, como na vida familiar e social do assediado.
Segundo Alkimin (2013, p.84):
O assédio moral gera sentimentos de indignidade, inutilidade e de desqualificação, refletindo em baixa autoestima pessoal e profissional, não sendo o trabalho encarado como fonte de satisfação e dignidade para o trabalhador.
Os problemas causados pelo assédio moral, não gera impacto somente na estrutura psicológica, comportamental, social e familiar da vítima de assédio, afeta, de modo geral, toda a sociedade. Fato este, que o assédio moral, além de estar inserido em programas nacionais de saúde pública, figura como tema de organizações internacionais.
A relevância da matéria fez com que a Organização Mundial da Saúde – OMS caracterizasse os sintomas decorrentes do assédio moral, classificando-os em: psicossomáticos, psicopatológicos ou comportamentais (OMS apud FREIRE, 2009, p. 06):
a) Psicopatológicos: estão neste sintoma, todas síndromes de ansiedade, depressão, sendo incluso apatia, insônia, pensamento introvertido, problemas de concentração, humor depressivo, perda de interesse por coisas ou situações que antes o despertavam, introversão, insegurança, falta de inciativa, melancolia, pesadelos, etc, mudança de humor (ciclotimia), irritabilidade (distimia).
b) Psicossomáticos: neste estão todos os sintomas físicos, mas que têm uma origem ou uma gênese psíquica, como, hipertensão arterial, ataques de asma brônquica, úlceras estomacais, enxaqueca, perda de equilíbrio (labirintite ou síndrome de Menière), torcicolos, lumbagos, queda de cabelo, dores musculares e/ou articulares de origem tensional, estresse.
c) Comportamentais: São reações agressivas (consigo mesmo ou com outras pessoas do convívio social), transtornos alimentares, aumento no consumo de álcool e/ou drogas, aumento do tabagismo, disfunção sexual e isolamento social.
O Ministério da Saúde (2009, p. 09), de maneira mais didática, elencou os seguintes sintomas em sua Cartilha:
Estresse emocional; sentimento de culpa; perda do poder de concentração; transtornos de adaptação; ansiedade; insegurança; baixa autoestima; perda de produtividade; falta de motivação
Vê-se claramente que a saúde do trabalhador pode ser afetada nos seus aspectos físicos, psicológicos ou comportamentais.Por este motivo, diversos autores, realizam pesquisas de campo, para saber concretamente, como os trabalhadores se sentem em relação ao ambiente de trabalho e, se possuem algum transtorno oriundo da sua atividade laborativa.
Ao tratar destas pesquisas em sua obra, BARRETO apud ALMEIDA (2016), apresenta os seguintes levantamentos:
Nessa pesquisa, elaborada por Barreto, inicialmente foram ouvidos 2.072 trabalhadores, destes 1.311 do sexo masculino e 761 do sexo feminino, vinculados ao Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas, Plásticas, Farmacêuticas e Similares de São Paulo. Na entrevista inicial forma selecionados para o prosseguimento do estudo todos os trabalhadores que relataram terem sofrido humilhações no ambiente de trabalho. Entre as 2.072 pessoas, 870 obreiros, sendo 494 mulheres e 376 homens, o que representa 42% do total de entrevistados, alegaram terem sofrido alguma humilhação no emprego em 97 empresas distintas.(BARRETO citado por ALMEIDA; RODRIGO DE SOUZA, 2016, p. 34-35)
Os números apresentados impressionam pela quantidade de pessoas que relataram terem sofrido humilhações no ambiente de trabalho, e para a autora, embora os dados sejam reveladores, acredita-se que tais números estejam subestimados, eis que o silêncio, nos casos de assédio moral, é comum.
Dos aspectos abordados até o presente, verifica-se que todas as doenças decorrentes do assédio moral, originam-se, e, estão atreladas inicialmente à saúde mental e comportamental do trabalhador. Há, portanto, uma preponderância de afetação de foro intrínseco, íntimo, ligado à falta de autoestima e autodesvalorização, que podem desencadear os problemas físicos.
Para uma melhor compreensão destas doenças psicopatológicas, serão abordados nos próximos tópicos o Estresse, a Síndrome de Bournout e a Depressão.
2.1.1 ESTRESSE
De acordo com Zanetti (2008, p. 41) “estresse é o conjunto de perturbações biológicas e físicas provocadas por diversos fatores: excesso de pressão no trabalho, certos estilos de administração, a deficiência estrutural para cumprimento de tarefas, condições ruins de trabalho”.
O estresse não é uma doença, entretanto, se for prolongado e intenso, pode gerar problemas como esgotamentos nervosos, doenças cardiovasculares e depressão. É o ambiente no qual o trabalhador está inserido que dá início a este processo, provocado pelas imposições excessivas que excedem a competência do trabalhador, ou pela forma como são organizadas as tarefas na organização, e o tipo de trabalho que se realiza (ANDRADE, 2018).
Tecendo reflexões sobre o assunto, Tarcitano e Guimarães(2004, p. 12-13) estabelecem que:
Mesmo que o estresse constitua verdadeiro desgaste psíquico e sofrimento, não constitui, em si, assédio moral, mas somente o terreno fértil que pode favorecer sua instalação. O assédio moral é muito mais do que o estresse, mesmo que ele passe por uma fase de estresse. Neste caso, se uma pessoa está sobrecarregada, incumbida de tarefas sem lhe terem dado os meios para executá-la, portanto estressada, precisa de certo tempo para julgar se é ou não tratamento exclusivamente destinado a ela. As consequências dessa agressão sobre sua saúde serão pouco diferentes de uma sobrecarga de trabalho, pois, mesmo que seu corpo reaja fortemente, ela não terá consciência do que lhe sucede.
O estresse decorrente do assédio moral, portanto, difere do estresse de acúmulo de trabalho, uma vez que, no assédio moral há a presença de violência psicológica. Nesta linha, Guedes (2003, p. 132) afirma que o estresse é gênero, do qual integra o straining e o assédio moral. Nas palavras da referida autora straining é “uma situação de estresse forçado, na qual a vítima ou um grupo de trabalhadores de um determinado setor ou repartição, são obrigados a trabalhar, sob grave pressão psicológica e ameaça iminente de sofrer castigos humilhantes”.
O estresse de forma geral é fruto da globalização e da pressão do mercado de trabalho cada vez mais exigente, no entanto, quando decorre de situações vexatórias e humilhantes, o estresse pode evoluir para outros tipos de diagnósticos, que podem inclusive incapacitar permanentemente o trabalhador.
2.1.2SÍNDROME DE BURNOUT
O conceito da Síndrome de Burnot está disponível no sítio eletrônico do Ministério da Saúde[3], o qual é apresentado da seguinte forma:
Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional é um distúrbio emocional como sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade. A principal causa da doença é justamente o excesso de trabalho. Esta síndrome é comum em profissionais que atuam diariamente sob pressão e com responsabilidades constantes, como médicos, enfermeiros, professores, policiais, jornalistas, dentre outros.
Traduzindo do inglês, "burn" quer dizer queima e "out" exterior. A Síndrome de Burnout também pode acontecer quando o profissional planeja ou é pautado para objetivos de trabalho muito difíceis, situações em que a pessoa possa achar, por algum motivo, não ter capacidades suficientes para os cumprir. Essa síndrome pode resultar em estado de depressão profunda e por isso é essencial procurar apoio profissional no surgimento dos primeiros sintomas.
Nota-se que a síndrome é causada por situações extremas, seja de estresse, cansaço ou esgotamento físico, decorrente de trabalho desgastante. Nesta mesma página eletrônica, o Ministério da Saúde ainda elenca os principais sintomas da Síndrome, vejamos:
A Síndrome de Burnoutenvolve nervosismo, sofrimentos psicológicos e problemas físicos, como dor de barriga, cansaço excessivo e tonturas.O estresse e a falta de vontade de sair da cama ou de casa, quando constantes, podem indicar o início da doença. Os principais sintomas que podem indicar a Síndrome de Burnout são: cansaço excessivo, físico e mental; dor de cabeça frequente; alteração no apetite; insônia; dificuldades de concentração; sentimentos de fracasso e insegurança; negatividade constante; sentimentos de derrota e desesperança; alterações repentinas de humor; isolamento; fadiga; pressão alta; dores musculares; problemas gastrointestinais; alteração nos batimentos cardíacos.
Ao discorrer sobre o que seria a exaustão emocional caracterizadora da Síndrome de Burnout, Pereira (2012) ensina que:
A exaustão emocional é a dimensão que se refere mais diretamente ao estresse e alude ao esgotamento, tanto físico como mental, levando à sensação de que não se dispõe mais de energia para as atividades cotidianas, em especial a laboral. Em seu bojo traz uma série de sintomas como transtornos do sono, dificuldade de atenção, lapsos de memória, insônia, problemas cardiovasculares, perturbações gastrointestinais, ansiedade, depressão entre outros. Esta é a dimensão considerada central da síndrome e representativa do estresse ocupacional.
A Síndrome de Burnout está mais propensa a se manifestar em ambientes de trabalho onde impera o assédio moral, uma vez que a relação entre o assediador e a vítima é de constante humilhação e ameaça. Mesmo quando cessa o assédio, os efeitos da síndrome, em regra, permanecem no trabalhador, e pode ser associada a outros tipos de transtornos psíquicos de forma concomitante, agravando sobremaneira a sua saúde (ALMEIDA, 2016, p. 39).
2.1.3 DEPRESSÃO
De acordo com Almeida (2016, p. 37), a depressão é:
Um distúrbio emocional que produz alterações no modo de ver o mundo e sentir a realidade. O sintoma da doença é, basicamente, o transtorno do humor. A falta de esperança e de vitalidade são sentimentos constantes na vida de uma pessoa deprimida. Seus sintomas podem ser a insegurança, o isolamento social e familiar, a apatia, a desmotivação, ou seja, a perda de interesse e prazer por coisas que antes gostava, com o agravante de que podem também ocorrer perda de memória, do apetite e da concentração, além da insônia.
A depressão é considerada uma doença, pela Organização Mundial da Saúde – OMS, sendo assim, não pode ser confundida com a tristeza, em sua concepção primária.
Seguindo este raciocínio, Almeida (2016, p. 38), afirma que: “a tristeza muitas vezes vem acompanhada de sintomas típicos da depressão como insônia e falta de apetite, mas podem ser superados mais facilmente (...)”.
No intuito de esclarecer a população e dirimir eventuais dúvidas, o Ministério da Saúde oferta em seu sítio eletrônico[4], as seguintes explicações:
A depressão (CID 10 – F33) é uma doença psiquiátrica que afeta o emocional da pessoa, que passa a apresentar tristeza profunda, falta de apetite, de ânimo, pessimismo, baixa autoestima, que aparecem com frequência e podem combinar-se entre si.
É imprescindível o acompanhamento médico tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento adequado.
Considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o "Mal do Século". No sentido patológico, há presença de tristeza, pessimismo, baixa autoestima, que aparecem com frequência e podem combinar-se entre si.
A depressão provoca ainda ausência de prazer em coisas que antes faziam bem e grande oscilação de humor e pensamentos, que podem culminar em comportamentos e atos suicidas.
O tratamento é feito com auxílio médico profissional, por meio de medicamentos, e acompanhamento terapêutico conforme cada caso. O apoio da família é fundamental.
Está presente na literatura médica e científica mundial que a depressão também incita alterações fisiológicas no corpo, sendo porta de entrada para outras doenças.
Pessoas acometidas por depressão podem, além da sensação de infelicidade crônica e prostração, apresentar baixas no sistema de imunidade e maiores episódios de problemas inflamatórios e infecciosos.
A depressão, dependendo da gravidade, pode desencadear, também, doenças cardiovasculares, como enfarto, AVC e hipertensão.
A depressão como visto no excerto acima, se apresenta como o “Mal do Século”, eis que, cada vez mais aumenta o número de pessoas com esse quadro clínico.
A depressão está sendo considerada pela jurisprudência trabalhista, como uma doença ocupacional, consoante se depreende dos julgados abaixo:
DEPRESSÃO. CARACTERIZAÇÃO. DOENÇA OCUPACIONAL. Para caracterizar a depressão como doença profissional, faz-se necessário que se concretize o nexo causal entre as atividades do empregado e a depressão. O entendimento contido no item II da Súmula nº 378 desta Corte não faz restrição a nenhum tipo de doença, concluindo-se, a par do já afirmado, que a depressão pode ser enquadrada na categoria das doenças profissionais. No presente caso, tendo o Regional, soberano na análise do conjunto fático-probatório (Súmula nº 126 do TST), constatado a existência do nexo causal entre a patologia adquirida e a condição de trabalho a que o Obreiro estava submetido, inadmissível se falar em violação dos arts. 20, § 2, e 118 da Lei nº 8.213/91" (TST - 4ª T. - AIRR 30740-82.2005.5.20.0001 - Relª Minª Maria de Assis Calsing - DJe 23.09.2011)
DEPRESSÃO. DOENÇA PROFISSIONAL. NEXO CAUSAL PROVADO. REINTEGRAÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DEVIDOS. O reclamante encontra-se doente, sendo portador de depressão severa com incapacidade temporária para o trabalho, moléstia ocupacional de nexo causal com as atividades executadas na ré, em virtude de ambiente de trabalho muito estressante. Assim, fixadas as premissas de que: a) há a doença do trabalho, b) que desta resultou a incapacidade laborativa parcial e temporária do autor; c) que o trabalho executado, excessivamente estressante, era indutor da moléstia contraída, torna-se devida a pretensão indenizatória em atenção aos danos morais experimentados pelo trabalhador. Manifesto o sofrimento do demandante resultante do comprometimento de sua higidez, de tudo resultando o dever de indenizar. No mais em razão da possibilidade de aproveitamento em outras atividades na ré, constitui corolário lógico o direito do trabalhador à reintegração pretendida, em função compatível com seu estado de saúde, até porque a incapacitação é parcial e o recorrido apresenta condições de exercer qualquer outro mister que leve em conta sua capacidade laboral reduzida pela doença que o acomete. Recurso empresarial ao qual se nega provimento" (TRT da 2ª Região - 4ª T. - RO 01903000620085020050 - Rel. Ricardo Artur Costa e Trigueiros - DOE/SP 10.06.2011)
As doenças como depressão, estresse grave e a Síndrome de Burnout, são reconhecidas pela Lei nº 8.213/91 como doenças profissionais, ou seja, o trabalhador que sofre destas enfermidades é beneficiário do regime de previdência social e podendo, inclusive, obter afastamentos visando a sua plena recuperação.
2.2 INSTRUMENTOS ADOTADOS NO BRASIL PARA COIBIR A PRÁTICA DE ASSÉDIO MORAL
Como visto no decorrer desta pesquisa, o assédio moral é alvo de várias políticas públicas voltadas para a conscientização e combate desta prática, por meio da publicação de cartilhas e informações em sítios eletrônicos, a exemplodas elaboradas pelo Ministério Público Federal e Ministério da Saúde.
O Ministério Público Federal promoveu uma campanha divulgada em seu site (2019), definindo o dia 02 de Maio como o “Dia de Combate ao Assédio Moral”. Na página, ficou consignada os seguintes objetivos:
Durante todo o mês, os canais internos e externos de comunicação do MPF trarão informações ao público sobre como identificar práticas de assédio moral e sexual e de discriminação no ambiente de trabalho. Também serão disseminadas orientações sobre o que fazer, em caso de presenciar ou de ser vítima dessas práticas nocivas, e como denunciar. “A iniciativa busca conscientizar tanto os profissionais que atuam no MPF, quanto trabalhadores em geral sobre a gravidade do problema, que traz grandes prejuízos para as pessoas, para as relações de trabalho e também para o desempenho dos serviços”, afirma o ouvidor-geral do MPF, Juliano Baiocchi.
Não obstante as diversas medidas públicas de conscientização ante a gravidade das consequências do assédio moral, para a saúde do trabalhador para a sociedade de modo geral, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 4.742/2001 (2001), que visa tipificar no Código Penal Brasileiro o crime de assédio moral no trabalho.
Tal projeto já foi aprovado pela Câmara dos Deputados, e aguarda a apreciação pelo Senado.
Tornar o assédio moral um crime, certamente contribuirá positivamente para a mudança de postura, cultura e de paradigmas, tanto das organizações quanto dos colaboradores.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa pesquisa delineou o conceito, as características e as formas de assédio moral no âmbito laborativo, ao passo que enfatizou os seus efeitos à saúde do empregado.
Restou patente que o assédio moral decorre de uma violência psicológica no ambiente de trabalho, fomentado geralmente, por políticas de extrema competitividade, cumprimento de metas exaustivas, jornadas extenuantes e tratamentos vexatórios e degradantes.
É neste ambiente marcado por pressões de desempenho que o assediador de forma repetitiva e recorrente, gera danos irreparáveis à saúde física e mental do trabalhador.
Independentemente da forma como o assédio moral se manifesta, o assediado pode desenvolver transtornos Psicopatológicos (síndromes de ansiedade, apatia, insônia), Psicossomáticos (enxaqueca, úlceras estomacais, asma crônica) ou Comportamentais (aumento do tabagismo, consumo de álcool ou drogas excesso, disfunção sexual).
Dentre as diversas doenças psíquicas desenvolvidas pelo indivíduo que sofre assédio moral em seu ambiente de trabalho, destacam-se o Estresse, a Síndrome de Burnout e a Depressão.
Tais doenças, quando originadas pelas relações de trabalho, são consideradas pela legislação previdenciária vigente, doenças profissionais, passíveis de afastamentos do ambiente laborativo e respectivo pagamento de benefício social.
O assédio moral é um comportamento de inúmeras discussões no âmbito acadêmico,e objeto de fomento de políticas públicas nacionais e de organizações internacionais voltadas para coibir esta prática.
Com a intensificação destas medidas instrucionais e a aprovação do Projeto de Lei que visa tipificar o assédio moral no trabalho como crime, espera-se que o ambiente de trabalho seja um local saudável e que desenvolva de maneira edificante, o potencial e os reais valores do trabalhador brasileiro.
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[1] AQUILINO, Leonardo Navarro, Mestre em Direito pela Universidade de Brasília. Professor de Direito da Faculdade Serra do Carmo. Advogado. E-mail: [email protected]
[2]Nota Explicativa: matéria jornalística veiculada no site G1. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/concursos-e-emprego/noticia/2015/06/metade-dos-brasileiros-ja-sofreu-assedio-no-trabalho-aponta-pesquisa.html> Acesso em: 16 set. 2019
[3]Nota Explicativa: Não há indicação de autor, informação disponibilizada no site. Ministério da Saúde. Disponível em: <http://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/saude-mental/sindrome-de-burnout>. Acesso em 21 ago. 2019.
[4]Nota Explicativa:Não há indicação de autor, informação disponibilizada no site. Ministério da Saúde. Disponível em: <http://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/saude-mental/depressao>. Acesso em: 21 ago. 2019.
Acadêmica de Direito da Faculdade Serra do Carmo - TO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACIEL, BRENDA DE CASTRO GARCIA. Assédio moral no ambiente de trabalho e seus impactos na saúde mental do empregado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 nov 2019, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53732/assdio-moral-no-ambiente-de-trabalho-e-seus-impactos-na-sade-mental-do-empregado. Acesso em: 23 dez 2024.
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