RESUMO: O estudo presente tem como finalidade discutir a legalidade de acesso aos dados existentes em dispositivos de telefonia móvel por ocasião de abordagem policial. É legal essa prática? Trata-se de discussão pertinente em razão do aparato tecnológico que caracteriza a sociedade atual. No tocante ao método adotado, o trabalho, quanto à natureza, é pesquisa aplicada; em relação aos objetivos, é descritiva; e, no tocante à pesquisa, é bibliográfica. Trata o Direito como ciência que se molda ao progresso. Ao falar da segurança, apresenta reflexões sobre o poder de polícia e seu caráter discricionário. A abordagem policial é apresentada através de seu conceito e princípios que regem-na em seu formato mais adequado. Explana, também, sobre as provas e sua importância para o desenvolvimento processual, destacando o caráter ilegal das mesmas, quando obtidas por meios contrários às normas legais. Essa leitura é ratificada através de julgados proferidos por tribunais pátrios, nos quais fica evidenciada a ilegalidade da prova colhida em telefone celular, sem que haja determinação judicial para tal.
Palavras chave: Abordagem Policial. Dispositivo de Telefonia Móvel. Ilegalidade da Prova.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 ABORDAGEM POLICIAL. 2.1 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA ABORDAGEM POLICIAL. 2.1.1 Princípio da Segurança. 2.1.2 Princípio da Rapidez. 2.1.3 Princípio da Surpresa. 2.1.4 Unidade de Comando. 2.1.5 Ação Vigorosa. 3 A ABORDAGEM POLICIAL E OS DISPOSITIVOS DE TELEFONIA MÓVEL. 3.1 AS PROVAS. 3.2 A JURISPRUDÊNCIA. 4 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea é palco de grandes inovações tecnológicas. A vida moderna reclama do tecido social as necessárias adaptações às mudanças que são impostas pelo avançar da tecnologia.
Nesse sentido, não se pode olvidar que o Direito, como ciência que se volta à aplicação e cumprimento das normas jurídicas de um país, também se mostra maleável à quebra de certos paradigmas, em razão das mudanças observadas na sociedade hodierna a partir do progresso técnico.
O mundo encontra-se globalizado e a informação é disseminada com velocidade voraz, cenário no qual a rede mundial de computadores é a grande protagonista, sendo o veículo maior dessa propagação. Dentre os dispositivos utilizados nesse processo, os aparelhos de telefonia móvel ocupam destacada posição.
Tendo como cenário o estágio de desenvolvimento técnico ora praticado no mundo moderno, o processo penal deve acompanhar o desenvolvimento da tecnologia, sem distanciar-se, no entanto, dos princípios que o regem. Assim, deve o mencionado processo ser executado à luz das previsões contidas na Constituição Federal, com vistas a preservar as garantias fundamentais no decurso da apuração dos fatos.
Nessa fase, as provas coligidas aos autos constituem importantes ferramentas para a formação do convencimento do magistrado. Faz-se, por conseguinte, imprescindível que o arcabouço probatório seja obtido com rigorosa observância aos ditames legais.
Tal observação possui agasalho na própria Carta Constitucional. Dessa realidade, percebe-se a necessidade de que se tenha um processo penal saudável, com vistas a dotar o Estado de condições para aplicar a punição devida, isenta de qualquer vício.
Nesse contexto, a discussão acerca da legalidade do acesso a dados em dispositivos de telefonia móvel por ocasião de abordagem policial faz-se válida, dado o enfoque controvertido que envolve a matéria.
Um aspecto a ser considerado e que, de certa forma responde, em parte, pela polêmica, é o lapso temporal necessário para a realização da perícia devida, que pode representar a perda de tais elementos probatórios.
Atualmente, os telefones celulares deixaram de ser meros instrumentos de comunicação, funcionando como pequenos computadores com capacidade para armazenar e processar dados das mais variadas naturezas.
Tem-se por indubitável a riqueza de informações, materializadas em provas, que podem ser obtidas nos aparelhos celulares de pessoas abordadas em ações policiais.
Assim, a pesquisa ora apresentada busca discutir a legalidade do acesso a dados existentes em aparelhos de telefonia móvel por parte de agentes policiais em ações de abordagem.
2 ABORDAGEM POLICIAL
A segurança e a estabilidade em qualquer segmento social são variáveis da capacidade das organizações em garantir o cumprimento das leis, através do exercício dos direitos e cumprimento dos deveres, por parte da população.
Contudo, registre-se que, inobstante o caráter necessário da observância aos preceitos legais, esta não se mostra suficiente para a manutenção da paz social. Sob esse enfoque, acertada é a manifestação de Lazzarini (1997, p. 9), quando afirma ser a segurança pública:
o afastamento, por meio de organizações próprias, de todo perigo, ou de todo o mal, que possa afetar a ordem pública, em prejuízo à vida, da liberdade, ou dos direitos de propriedade do cidadão. A segurança pública, assim, limita as liberdades individuais, estabelecendo que a liberdade de cada cidadão, mesmo em fazer aquilo que a lei não veda, não pode ir além da liberdade assegurada aos demais, ofendendo-a.
A discussão da segurança pública no estado democrático de direito envolve o debate e a validação da permissão da população diante da possibilidade do aparato coercitivo do Estado. Significa, em outras palavras, dotar o Estado das ferramentas capazes de garantir a observância dos preceitos legais, ainda que por meio da coação, respeitados os direitos humanos.
Trata-se, pois, da legitimação da atuação policial, dando-se materialidade ao poder de polícia.
Tamanha é a importância dessa prerrogativa que a própria Constituição Federal trata da matéria. É o que se depreende do art. 144, § 5º do texto constitucional, cuja redação é a que segue:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
[...]
§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
E com base nesse preceito constitucional, a Polícia, na condição de agente de manutenção da segurança pública, adota inúmeros procedimentos capazes de atingir essa finalidade.
Acerca da polícia, conveniente é a leitura ofertada por Bittner (2017, p. 26), quando destaca que:
a polícia, e apenas a polícia, está equipada (armada e treinada), autorizada (respaldo legal e consentimento social) e é necessária para lidar com toda exigência (qualquer situação de perturbação da paz social) em que possa ter que ser usada a força para enfrenta-la.
Ressalte-se, por oportuno, que a polícia não pode ter sua atividade limitada somente a incidentes criminais, votando-se também a atendimentos a solicitações individuais, assistência em casos de acidentes automobilísticos, sinistros domésticos, entre outros. É o que se conclui da lição de Greene (2002, p. 82):
Solicitações de serviços não relacionadas a crimes são as que envolvem conflito. Tais solicitações somam cerca de um quarto de todas as solicitações de serviço e dizem respeito a brigas entre cônjuges, pais e crianças, proprietários e inquilinos, entre vizinhos, ou entre fregueses e proprietários de tavernas. São situações em geral bastante carregadas emocionalmente, e solucioná-las requer perícia e controle do temperamento por parte dos policiais, exigências bem diversas daquelas requeridas para lidar com a maioria dos incidentes relacionados a crimes.
Outra importante categoria de solicitações é a de emergências diversificadas. As forças policiais vão a auxílio de pessoas física ou mentalmente doentes, pessoas que são feridas em acidente domésticos ou são mordidas por animais, ou mesmo pessoas com tendência ao suicídio, ou, ainda, deficientes e idosos em várias situações difíceis, pessoas perdidas e outros semelhantes.
Dentre os procedimentos utilizados pela Polícia, no exercício de seu ofício, destaca-se a abordagem pessoal como sendo ferramenta indispensável da atividade policial. É, pois, uma atividade constante no desenvolvimento das ações de policiamento ostensivo.
Na brilhante definição de Bueno (2016, p. 27), abordagem é a “primeira exploração; primeiro contato com um assunto ou problema”. De fato, é por meio da busca pessoal, que o policial tem o contato inicial com a situação que lhe traduz suspeita suficiente a exigir sua atuação.
Matéria propiciadora de inúmeras discussões que fogem ao escopo do presente estudo, a abordagem policial é desenvolvida em meio a um tecido social complexo, que envolve relações pessoais das mais variadas naturezas.
Na esteira da lição de Ramos e Musumeci (2005), a abordagem policial faz referência a “situações peculiares de encontro entre a polícia e a população, em princípio não relacionadas ao contexto criminal”.
Oportuna é a definição apresentada pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (2009, p. 43), que assim conceitua:
Abordagem policial é o ato de aproximar-se com segurança e deter pela surpresa um indivíduo (ou grupo de pessoas), a fim de ratificar ou não fundada suspeita em relação ao mesmo, ou ainda para deter um criminoso e/ou cessar uma ação delituosa.
Do enunciado retro, ratifica-se a importância da abordagem policial como ferramenta de manutenção da paz social. O elemento humano, imbuído da função policial, reveste-se de grande importância, uma vez que, ao agir dentro de suas atribuições e em consonância com a legalidade, confere à sociedade a tranquilidade necessária para uma convivência pacífica e harmoniosa. Ganha-se, assim, um ambiente saudável e, acima de tudo, seguro, isento dos ricos da criminalidade.
Sobre o texto constitucional que trata do poder facultado ao policial em realizar abordagens, Lazzarini (2007) atribui ao poder discricionário da polícia o controle sobre “a situação de convivência pacífica e harmoniosa da população, fundada nos princípios vigentes na sociedade (o direito, o costume e a moral)”.
A atividade policial, na feliz lição de Bayley (2006, p. 20), encontra-se relacionada a:
pessoas autorizadas por um grupo para regular as relações interpessoais dentro deste grupo, através da aplicação de força física. Esta definição possui três partes essenciais, quais sejam: força física, uso interno e autorização coletiva.
Percebe-se que o poder de polícia é um ato administrativo. Este, na lição de Carvalho Filho (2019), é “a exteriorização da vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição, que sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público”.
Corroborando esse entendimento, tem-se a leitura de Miguel (2006), ao afirmar, com propriedade, que:
O policial é o agente público que mais representa a manifestação do Estado na preservação da segurança e, mesmo agindo legitimamente, empregando a força, não pode descurar-se dos direitos fundamentais que decorrem os direitos do ser humano, a sua dignidade. Há uma linha tênue entre o uso da força pelo Estado e os Direitos Humanos que pode levar o profissional de segurança pública a ser responsabilizado por sua conduta, quer no plano jurídico interno, quer no externo.
Na execução das ações policiais, o agente policial é imbuído do chamado poder de polícia que, na lição de Meirelles (2006), “é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em beneficio da coletividade ou do próprio Estado”.
O Código Tributário Nacional apresenta, em seu art. 78, o conceito de poder de polícia, in verbis:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade (sic) pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Para Carvalho Filho (2019), o poder de polícia é “a prerrogativa do direito público que, calcada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade”.
Destarte, a abordagem policial nada mais é que uma ferramenta da qual o Estado lança mão para alcançar o objetivo maior de dar proteção à sociedade, eliminando qualquer ameaça.
Faz-se, assim, imperiosa a necessidade analisar a maneira como a atividade policial é exercida, na perspectiva de que os direitos legalmente garantidos à população não sejam atropelados pelo despreparo e, por vezes, pela negligência dos agentes policiais.
À luz desse entendimento, com vistas à garantia da ordem pública, tem o policial a faculdade de ação no fato concreto para aplicar a lei.
O Código de Processo Penal, em seu art. 240, § 2º define a abordagem policial, conforme segue:
Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.
[...]
§ 2º Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.
As alíneas mencionadas no dispositivo acima transcrito fazem referência a:
[...]
b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;
c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;
d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;
e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;
f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;
[...]
h) colher qualquer elemento de convicção.
Do exposto acima, percebe-se ser a abordagem policial legítima quando praticada diante da suspeita fundada em alguma conduta, por parte do abordado.
A lei adjetiva penal prevê, em seu art. 244, a possibilidade da abordagem ser levada a efeito sem determinação judicial. Eis o que determina a lei:
Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
Também o Código de Processo Penal Militar, em seu art. 182, assim estabelece:
Art. 182. A revista independe de mandado:
a) quando feita no ato da captura de pessoa que deve ser prêsa;
b) quando determinada no curso da busca domiciliar;
c) quando ocorrer o caso previsto na alínea a do artigo anterior;
d) quando houver fundada suspeita de que o revistando traz consigo objetos ou papéis que constituam corpo de delito;
e) quando feita na presença da autoridade judiciária ou do presidente do inquérito.
Dos textos retro, observa-se que a expressão fundada suspeita é, exaustivamente, repetida. Uma vez que esse componente é o principal fomentador da decisão de abordar, ideal seria que o mencionado requisito não pudesse se fundamentar exclusivamente na desconfiança do agente, através de elementos subjetivos.
Assim, inobstante a natureza discricionária da ação do policial, este, em seu ofício, deve servir-se sempre do conceito de razoabilidade.
Sobre o tema, didático é o ensinamento emanado do Supremo Tribunal Federal, que, em julgamento do Habeas Corpus 81305 GO, posicionou-se da seguinte forma:
HABEAS CORPUS. TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA LAVRADO CONTRA O PACIENTE. RECUSA A SER SUBMETIDO A BUSCA PESSOAL. JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL RECONHECIDA POR TURMA RECURSAL DE JUIZADO ESPECIAL. Competência do STF para o feito já reconhecida por esta Turma no HC n.º 78.317. Termo que, sob pena de excesso de formalismo, não se pode ter por nulo por não registrar as declarações do paciente, nem conter sua assinatura, requisitos não exigidos em lei. A “fundada suspeita”, prevista no art. 244 do CPP, não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causa. Ausência, no caso, de elementos dessa natureza, que não se pode ter por configurados na alegação de que trajava, o paciente, um “blusão” suscetível de esconder uma arma, sob risco de referendo a condutas arbitrárias ofensivas a direitos e garantias individuais e caracterizadoras de abuso de poder. Habeas corpus deferido para determinar-se o arquivamento do Termo. (HC: 81305 GO, Relator: Ministro ILMAR GALVÃO, julgado em 13/11/2011, publicado em 22/02/2002)
Destaque-se, por oportuno, que a atuação policial registrada em dissonância ao que é estabelecido e em desacordo ao bom senso tem recebido do Judiciário enérgica repressão. É o que se depreende de decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas que, em julgamento do Mandado de Segurança 1.0000.00.283122-0/000, assumiu o seguinte entendimento:
Constitucional. Processo Penal. Direito de livre locomoção. Busca forçada. Revista. Possibilidade, quando no interesse da segurança coletiva. O direito individual à liberdade deve ser combinado com medidas preventivas de defesa da incolumidade pública e da paz social. A revista, ante suspeita séria de irregularidade que possa causar distúrbio à vida, à saúde ou à segurança das pessoas, é defensável quando efetivada em estado de necessidade coletiva. (MS 1.0000.00.283122-0/000, Relator: Desembargador ALMEIDA MELO, julgado em 27/11/2002, publicado em 14/02/2003)
Decisões desse nível traduzem a máxima de que em nome da Administração, não pode o Estado adotar medidas que não encontrem agasalho jurídico.
É sabido que toda e qualquer ação social deve ser desenvolvida em observância rigorosa ao que ditam as leis. Com a atividade policial, o entendimento é o mesmo. Não pode, portanto, o policial, que em seu ofício representa o Estado, adotar atitudes que contrariem o estado democrático de direito, ainda que tomadas em prol do que julga ser o mais interessante para a coletividade.
2.1 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA ABORDAGEM POLICIAL
As circunstâncias que exigem a atuação policial são, quase sempre, eivadas de caráter imediatista, de modo a exigir rapidez na tomada de decisão. Não se pode, contudo, esperar que o agente daquela medida conduza sua atuação com base em seu próprio instinto.
Na tentativa de debelar essa possibilidade, espera-se do policial amplo conhecimento das técnicas de abordagem, bem como dos princípios que a regem. O domínio desse binômio representa grande possibilidade de acerto e eficácia do trabalho desenvolvido.
Entre os princípios que norteiam a abordagem policial, Ramos e Musumeci (2005) estabelecem os seguintes: segurança, rapidez, surpresa, unidade de comando e ação vigorosa.
2.1.1 Princípio da Segurança
É a regra que orienta a ação policial fundada em mecanismos que garantam, em princípio, a segurança do próprio agente. Afinal, não se concebe a ideia de alguém desprovido de condições seguras promover segurança à população.
Destaque-se, ainda, que esse princípio deve ser observado não apenas em relação à abordagem propriamente dita, como também com respeito ao lado externo da operação. Todo o procedimento da abordagem deve ser desenvolvido sob critérios que garantam a segurança dos elementos envolvidos na ação, devendo o mesmo cuidado ser observado em relação a pessoas que, externas à operação, não participam da mesma.
2.1.2 Princípio da Rapidez
A ação da força policial deve ser desenvolvida no menor tempo possível, de modo a não permitir qualquer reação por parte do abordado. Quando a abordagem policial não atenta para esse princípio, sua efetividade corre o risco de não ser atendida, na medida em que oferece ao alvo da ação condições de reação que, eventualmente, pode não ser a esperada pelo policial.
O procedimento conduzido de forma lenta, uma vez que se mostra ineficiente, conduz o alvo da abordagem ao entendimento de que é possível a inversão de posições entre os sujeitos da medida.
2.1.3 Princípio da Surpresa
Tem por finalidade fazer com que a ação de abordagem seja processada de maneira inesperada aos abordados, isentando-os da possibilidade de qualquer reação. Guarda, portanto, próxima ligação com o princípio anterior.
Não pode ser a abordagem anunciada previamente, sob pena de serem descaracterizados os elementos que a configuram necessária.
2.1.4 Unidade de Comando
Requisito dinâmico, por meio do qual, deve a abordagem ter todos os seus procedimentos estabelecidos a partir do comando de um só policial, não sendo aconselhável que as respectivas orientações originem-se em vários policiais. Busca-se, assim, garantir unidade na ação, de modo a evitar confusão de determinações, o que, seguramente, fragiliza o procedimento.
É importante que a operação policial seja conduzida a partir de uma determinação que especifique as ações a serem adotadas, o momento e o mecanismo de sua efetivação. A ausência desse elemento pode provocar uma celeuma capaz de comprometer o andamento da ação.
2.1.5 Ação Vigorosa
Consiste na necessidade de o agente policial assumir, no comando de uma abordagem, uma postura firme e impositiva, o que não pode, é claro, ser confundido com arbitrariedade e/ou violência.
O suposto infrator, ao ser confrontado com uma abordagem policial enérgica, sofre, de imediato, abalo psicológico. Nesse contexto, fragilizado o aspecto emocional do abordado, tem o policial, com base em treinamento especializado, condições de ratificar ou não a suspeita que motivou a operação.
3 A ABORDAGEM POLICIAL E OS DISPOSITIVOS DE TELEFONIA MÓVEL
3.1 AS PROVAS
O Processo Penal tem nas provas obtidas importante ferramenta para elucidação das mais variadas condutas.
A própria Constituição Federal, em seu art. 5º, LVI, assim estabelece:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
Esse entendimento é também observado no Código de Processo Penal, o qual, no art. 157, § 1º, assim dispõe:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
Verifica-se o peso das provas coligidas aos autos que o legislador, na perspectiva de garantir um procedimento de julgamento justo, incluiu sua abordagem no capítulo reservado aos direitos e garantias fundamentais do cidadão, considerado cláusulas pétreas.
As provas ditas ilegais, obtidas em desrespeito ao ordenamento jurídico, dividem-se em duas espécies, a saber: ilegítimas e ilícitas.
A prova é ilegítima quando sua obtenção deu-se a partir da inobservância de alguma norma processual. Nesses casos, a prova é anulada, contudo é possível produzi-la novamente, desde que observadas as normas processuais.
Por seu turno, a prova é ilícita quando adquirida em desacordo com as normas de direito material ou em desobediência às garantias fundamentais. Essa prova não é admitida no processo e, identificada sua origem, deve ser desentranhada dos autos, não sendo possível sua repetição.
À luz dessa leitura, conveniente é a lição de Badaró (2008, p. 206), quando afirma:
A Constituição, ao assegurar a inadmissibilidade processual de provas ilícitas, estabeleceu uma “ponte” entre os dois planos, do direito material e do direito processual. A “inadmissibilidade” é uma “sanção” processual, para a violação de uma regra material. Com isso, uma violação de regra material (p. ex.: violação de correspondência) também uma sanção processual. Em suma, as provas ilícitas, atualmente, são sancionadas tanto no plano material, com a pena pelo delito correspondente, como no campo processual, com a inadmissibilidade de tal prova.
Sobre a matéria, Pacelli (2017, p. 350) assim se manifesta:
Em relação aos direitos individuais, a vedação das provas ilícitas tem por destinatário imediato a proteção do direito à intimidade, à privacidade, à imagem (art. 5º, X), à inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI), normalmente os mais atingidos durante as diligências investigatórias. No que se refere à questão da qualidade da prova, o reconhecimento da ilicitude do meio de obtenção da prova já impende o aproveitamento de métodos cuja idoneidade probatória seja previamente questionada, como ocorre, por exemplo, na confissão obtida mediante tortura, ou mediante hipnose, ou, ainda, pela ministração de substâncias químicas (soro da verdade etc.). De outro lado, a vedação das provas obtidas ilicitamente também oferece repercussão no âmbito da igualdade processual, no ponto em que, ao impedir a produção probatória irregular pelos agentes do Estado – normalmente os responsáveis pela prova -, equilibra a relação de forças relativamente à atividade instrutória desenvolvida pela defesa. Na realidade, o tema da inadmissibilidade das provas ilícitas oferece inúmeros desdobramentos, não só no âmbito da prova, como também no campo da própria concepção do Direito que haverá de revelar o intérprete, por ocasião da tarefa hermenêutica.
Consoante entendimento de Badaró (2006), a aceitação de provas obtidas ilicitamente no processo penal configura maculação ao mandamento constitucional que as rejeita. Ainda que desentranhadas dos autos, as provas derivadas das ilícitas provocam o mesmo impacto processual.
3.2 A JURISPRUDÊNCIA
Em relação à matéria ora abordada, diversos tem sido os julgados proferidos pelos tribunais pátrios. Tais decisões convergem para o entendimento da ilegalidade praticada pelo agente policial que, desprovido de ordem judicial, acessa os dados constantes nos dispositivos de telefonia móvel dos abordados.
O Ministro Edson Facchin, do Supremo Tribunal Federal, ao proferir decisão nos autos do Habeas Corpus 157578 SP – São Paulo, versando sobre o tema em questão, assim ponderou, verbis:
Decisão: Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão proferido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, assim ementado: “PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. ACESSO AOS DADOS ARMAZENADOS EM TELEFONE CELULAR (MENSAGENS DO APLICATIVO WHATSAPP). AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. NULIDADE DAS PROVAS. CONFIGURAÇÃO. ANTERIOR APREENSÃO DE CERCA DE UM QUILO DE ENTORPECENTES. DIVERSIDADE, FRACIONAMENTO E FORMA DE ACONDICIONAMENTO. VALORES EM DINHEIRO. CONDENAÇÃO FUNDADA EM PROVAS AUTÔNOMAS. FONTE INDEPENDENTE. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade, seja possível a concessão da ordem, de ofício. II - A jurisprudência deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de ser ilícita a prova oriunda do acesso aos dados armazenados no aparelho celular, relativos a mensagens de texto, SMS, conversas por meio de aplicativos (WhatsApp), obtidos diretamente pela polícia no momento da prisão em flagrante, sem prévia autorização judicial. III - In casu, os policiais tiveram acesso aos dados do aplicativo WhatsApp contidos no aparelho celular do paciente no momento da prisão em flagrante, sem autorização judicial. Todavia, ainda que a referida prova seja desconsiderada, porquanto nula, subsistem elementos autônomos suficientes para manter a condenação pelo crime de tráfico de drogas. IV - Antes que ocorresse o acesso dos policiais aos dados do celular, foram apreendidos em poder do paciente quase um quilo de entorpecentes variados ("75 porções de cocaína, com peso líquido de 19,13 gramas, 50 porções individuais e uma porção grande de crack, com peso líquido de 350,87 gramas e 42 porções individuais e uma porção grande de maconha, com peso líquido de 575,64 gramas" (fl. 16), além de determinada quantia em dinheiro. V - A apreensão de elevada quantidade de drogas, cuja diversidade, fracionamento e forma de acondicionamento, além de valores em dinheiro, constituem provas autônomas da traficância, e emanam de fonte independente, não restando evidenciado nexo causal com a ilicitude originária. Precedentes. VI - "A ilicitude da prova, por reverberação, alcança necessariamente aquelas dela derivadas (Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada), salvo se não houver qualquer vínculo causal com a prova ilícita (Teoria da Fonte Independente) ou, mesmo que haja, seria produzida de qualquer modo, como resultado inevitável das atividades investigativas ordinárias e lícitas (Teoria da Descoberta Inevitável)." (EDcl no RHC 72.074/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 04/12/2017) Habeas corpus não conhecido.” (HC 422.299/SP) Narra a impetrante que: a) o paciente foi condenado à pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão em regime inicial fechado, pela suposta prática do crime de tráfico de drogas; e b) deve-se reconhecer a existência de nulidade na ação penal originária, pois “depreende-se dos elementos coligidos no autos, que os policiais militares, após realizarem a abordagem do paciente, promoveram a apreensão de seu telefone celular e, subsequentemente, acessaram arquivos de mensagens latu sensu, sem que, para tanto, possuíssem aquiescência do paciente ou, ainda, ordem judicial, as quais se afiguram indispensáveis”. À vista da acima exposto, pugna pela concessão da ordem, “a fim de que reste nulificada a r. sentença, tendo-se em vista que a ilegal ação dos policiais vulnerou disposição constitucional insculpida no art. 5º, XII, da CF, que visa a salvaguardar a inviolabilidade das comunicações telefônica (latu sensu), afigurando-se, assim, patente o constrangimento ilegal que subsiste em face do paciente, haja vista que a autoridade coatora não vislumbrou qualquer mácula na prova carreada aos autos.” A PGR manifestou-se pela denegação da ordem (eDOC.10). É o relatório. Decido. 1. Cabimento do habeas corpus: O sistema de recursos e meios de impugnação previsto na Constituição Federal, lida enquanto regra de distribuição de competências, tem uma razão de ser. Até então, acompanhando entendimento fixado na Primeira Turma, sustentei que não há como se admitir habeas corpus impetrado em substituição a instrumento recursal constitucionalmente previsto, como é o recurso ordinário. Nesse sentido: “A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento no sentido da inadmissibilidade do uso da ação de habeas corpus em substituição ao recurso ordinário previsto na Constituição Federal” (HC 128617 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 04.08.2015). Contudo, a Segunda Turma desta Corte uniformizou posicionamento para admitir writ substitutivo de recurso ordinário constitucional. Nessa esteira: “A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal admite a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso ordinário constitucional (art. 102, II, a, da Constituição Federal).” (HC 122.268, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 24.03.2015). Outros precedentes: HC 112.836, Ministra Cármem Lúcia, DJe 15.8.2013; e HC 116.437, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJe 19.6.2013. Sendo assim, ressalvado posicionamento pessoal sobre a matéria, agora como integrante da Segunda Turma, em observância ao princípio da colegialidade, admito o habeas corpus. 2. Análise do caso concreto: No caso dos autos, a apontada ilegalidade não pode ser aferida de pronto. No que tange à alegação de nulidade, em razão de suposto acesso indevido, por policiais, ao conteúdo de mensagens que constavam no aplicativo Whatsapp, armazenadas no telefone celular do paciente, registro que a existência de efetivo prejuízo, “a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta, eis que (…) o âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades pas de nullité sans grief compreende as nulidades absolutas” (HC 85.155/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, grifei). Esse gravame não se traduz, simplesmente, a partir do resultado processual desfavorável. É imperioso que o interessado evidencie certo nexo causal entre a suposta irregularidade e o resultado da ação penal, bem como que indique, ao menos de forma indiciária, a possibilidade efetiva de reversão do julgamento se ausente a nulidade ventilada. Na mesma linha: “Ademais, o reconhecimento de nulidade dos atos processuais demanda, em regra, a demonstração do efetivo prejuízo causado à defesa técnica. Vale dizer, o pedido deve expor, claramente, como o novo ato beneficiaria o acusado. Sem isso, estar-se-ia diante de um exercício de formalismo exagerado, que certamente comprometeria o objetivo maior da atividade jurisdicional.” (HC 119372, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 04.08.2015)” No caso concreto, a autoridade coatora, afastou a alegação de nulidade de forma fundamentada, nos seguintes termos: “No caso em apreço, os policiais acessaram conversas realizadas por meio do aplicativo "WhatsApp", extraídas, sem autorização judicial, do aparelho celular do paciente, ato que se reveste de ilicitude. Todavia, ainda que a referida prova seja desconsiderada, porquanto nula, subsistem elementos suficientes para manter a condenação do paciente pelo crime em testilha. Senão vejamos. Conforme se extrai dos autos, ao contrário do alegado pelo impetrante, o paciente foi condenado por ter sido encontrado em seu poder quase 01 quilo de entorpecentes variados, sendo que, de acordo com a conclusão do eg. Tribunal sobre a questão, "As ligações telefônicas ou mensagens de Whatsapp eventualmente verificadas pelos policiais, foram checadas após a apreensão das drogas, de modo que não serviram para que os policiais chegassem até os entorpecentes" e "De toda forma, nem se alegue violação do sigilo telefônico, eis que a verificação de chamadas efetuadas no celular apreendido na posse de suspeito de crime, não é o mesmo que escuta clandestina. Este entendimento é o mesmo adotado pelo Supremo Tribunal Federal" (fl. 16- grifei). Ainda de acordo com o eg. Colegiado, "o paciente foi processado e condenado pelo crime de tráfico de drogas, porque, no dia 11 de maio de 2017, agindo em concurso e com unidade de desígnios com o corréu Douglas Camargo da Silva, trazia, para fins de tráfico, 75 porções de cocaína, com peso líquido de 19,13 gramas, 50 porções individuais e uma porção grande de crack, com peso líquido de 350,87 gramas e 42 porções individuais e uma porção grande de maconha, com peso líquido de 575,64 gramas, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar" (fl. 16). Em tal contexto, conclui-se que a condenação do ora paciente, deu-se não só em razão das mensagens verificadas pelos policiais em seu aparelho celular, mas na apreensão de elevada quantidade de drogas, cuja diversidade, fracionamento e forma de acondicionamento, além de valores em dinheiro, constituem fonte independente, não restando evidenciado nexo causal com a ilicitude originária. No ponto, transcrevo excerto da sentença: "Para reconhecimento do delito, desnecessária da comprovação da venda efetiva do entorpecente. A quantidade, diversidade e a forma de acondicionamento em “tijolo” bem como em porções individuais, acrescido da apreensão de valores em dinheiro, são suficientes para conclusão de existência de crime de tráfico de entorpecente" (fl. 208). Importante ressaltar, ainda, que "Conforme a jurisprudência desta Corte, demonstrada a existência de fonte independente, a nulidade do ato não tem o condão de invalidar as provas subsequentes." (AgRg no REsp 1573910/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 03/04/2018, grifei).” (grifei) O entendimento acima exarado, a meu ver, não importa constrangimento ilegal ou teratologia, pois é consentâneo com a consolidada jurisprudência desta Corte. Nesse sentido: “Recurso ordinário em habeas corpus. Penal e Processual Penal. Crime contra a ordem tributária (art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90). Condenação calcada em prova ilícita decorrente de quebra ilegal de sigilos fiscal e bancário. Não ocorrência. Existência de fonte autônoma de prova que não guarda relação de dependência com a suposta prova originariamente ilícita. Admissibilidade. Precedentes. Adesão a programa de recuperação fiscal na vigência da Lei nº 10.684/03. Pretendida extinção da punibilidade nos termos do art. 34 da Lei nº 9.249/95. Questão não analisada pelas instâncias antecedentes. Dupla supressão de instância não admitida. Precedentes. Inexistência de constrangimento ilegal a justificar a concessão da ordem de habeas corpus de ofício. Ausência de comprovação da quitação integral do débito tributário. Recurso não provido. 1. A questão relativa à extinção da punibilidade do recorrente pelo pagamento do tributo deixou de ser analisada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região e pelo Superior Tribunal de Justiça. Portanto, sua análise, de forma originária, pelo Supremo Tribunal, configuraria dupla supressão de instância, a qual não se admite. 2. Não se verifica a presença de constrangimento ilegal a justificar a concessão da ordem de habeas corpus de ofício, uma vez que que não há comprovação da quitação integral do débito tributário após a adesão ao programa de recuperação fiscal. 3. A Suprema Corte já assentou que, “se (…) o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com es[s]a não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária” (HC nº 93.050/RJ, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe 31/7/08). 4. Recurso ao qual se nega provimento. (RHC 121496, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 24.11.2015) Não bastasse, como bem consignado pela PGR em parecer (eDOC.10), aplicável à matéria ora tratada o princípio da pas de nulitte sans grief, norteador do reconhecimento de nulidades na seara do processo penal (art. 563, CPP). Com efeito, não tendo o impetrante deduzido em que medida a decretação de invalidação poderia conduzir a desfecho diverso na ação penal, não há como reconhecer a ilegalidade invocada. Quanto ao ponto, registro, ademais, que a dinâmica da ocorrência delitiva, sumariamente narrada nas decisões prolatadas pelas instâncias antecedentes, indicam que o acesso às mensagens constantes no aplicativo whatsapp não foram relevantes para o desenlace dado à ação penal, haja vista que quando os policiais lograram acesso ao material, já haviam custodiado o paciente e apreendido significativa quantidade de entorpecente em seu poder. Assim, não se revela presente hipótese de nulidade que, a teor do art. 563 do CPP, pressupõe a existência de gravame. Consigno, ademais, que conclusão diversa somente poderia ser obtida mediante reexame do conjunto fático-probatório, inviável na estreita via. 3. Destarte, ausente hipótese de constrangimento ilegal, não é o caso de concessão da ordem. Posto isso, com fulcro no art. 21, § 1º, do RISTF, nego seguimento ao habeas corpus. Publique-se. Brasília, 12 de setembro de 2018. Ministro Edson Fachin Relator Documento assinado digitalmente. (HC 157578 SP, Relator: Min. EDSON FACHIN, julgado em 12/09/2018, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-193 DIVULG 13/09/2018 PUBLIC 14/09/2018, grifo nosso)
Destaque-se que, conforme mencionado em recentíssima decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao julgar o Habeas Corpus 5028365-63.2019.4.04.0000/RS, a prévia autorização judicial para verificação, em abordagem policial, de dados constantes em telefones celulares passou a ser exigida a partir de abril de 2016. Naquela data, o Superior Tribunal de Justiça, em apreciação ao Recurso Ordinário em Habeas Corpus 51.531 RO, decidiu nos seguintes termos:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DA PROVA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA A PERÍCIA NO CELULAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 1. Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de whatsapp, obtidas diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial. 2. Recurso ordinário em habeas corpus provido, para declarar a nulidade das provas obtidas no celular do paciente sem autorização judicial, cujo produto deve ser desentranhado dos autos. (STJ – RHC 51.531 RO 2014/0232367-7, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 19/04/2016, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/05/2016)
Em julgamento realizado em abril do corrente ano, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao analisar Habeas Corpus Substitutivo de Recurso Próprio, assim se manifestou:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. TORTURA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. REVISÃO FÁTICO-PROBATÓRIA. ACESSO A DADOS CONSTANTES DOS CELULARES APREENDIDOS SEM ORDEM JUDICIAL. VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE. NULIDADE DA PROVA. BUSCA DOMICILIAR. PROVA DERIVADA RECONHECIDA NO ACÓRDÃO IMPUGNADO. NULIDADE. LEGALIDADE DO FLAGRANTE. APREENSÃO DE DROGAS E DINHEIRO QUANDO DA ABORDAGEM POLICIAL EM VIA PÚBLICA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal - STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça - STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal que justifique a concessão da ordem de ofício. 2. A suposta tortura sofrida pelo paciente não foi analisada pelo Tribunal de origem no julgamento do acórdão impugnado, o que impede o conhecimento da matéria por esta Corte Superior, sob pena de incorrer em indevida supressão de instância. Ademais, não consta dos autos a existência de prova pré-constituída de que o paciente tenha sido "espancado" pelos policiais durante a abordagem, sendo que a aferição de tais alegações demanda aprofundado revolvimento de conteúdo fático-probatório, procedimento vedado na via estreita do habeas corpus. 3. Esta Corte Superior de Justiça considera ilícito o acesso aos dados do celular extraídos do aparelho celular apreendido em flagrante, quando ausente de ordem judicial para tanto, ao entendimento de que, no acesso aos dados do aparelho, se tem a devassa de dados particulares, com violação à intimidade do agente. Precedentes. 4. A obtenção de fotos no celular do paciente se deu em violação de normas constitucionais e legais, a revelar a inadmissibilidade da prova, nos termos do art. 157, caput, do Código de Processo Penal - CPP, de forma que, devem ser desentranhadas dos autos, bem como aquelas derivadas. No caso, somente após a violação dos dados constantes no aparelho celular é que o paciente confirmou a posse de outra porção de entorpecentes em sua residência. Assim, inevitável a conclusão de que as provas apreendidas na residência do paciente são derivadas daquela obtida mediante a indevida violação da intimidade, sendo, portanto, nulas por derivação. 5. Subsiste, contudo, a legalidade do flagrante decorrente da abordagem policial em via pública, em que foi apreendido dinheiro e cocaína embalada em pequenas porções. 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, apenas para declarar a nulidade das provas obtidas nos aparelhos de celular vistoriados pela autoridade, sem ordem judicial, e daquelas obtidas quando da busca domiciliar. (STJ – HC: 459824 SP 2018/0177299-6, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 09/04/2019, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/04/2019, grifo nosso)
O mesmo Órgão Julgador do Tribunal da Cidadania, em decisão proferida nos autos do Habeas Corpus 421249 / SC, em 08 de fevereiro de 2018, assim se manifestou:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. VIOLAÇÃO AO CONTEÚDO DAS MENSAGENS DE WHATSAPP NA ABORDAGEM POLICIAL. NULIDADE E DESENTRANHAMENTO DESTA PROVA E DEMAIS ENVENENADAS. DESRESPEITO À PRIVACIDADE. INTERROGATÓRIO REALIZADO COMO ATO INAUGURAL DA INSTRUÇÃO. ATO REALIZADO APÓS O JULGAMENTO DO HC-127.900/STF. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL RECONHECIDO. PREJUDICADA A REAVALIAÇÃO DA DOSIMETRIA DA PENA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. CONCEDIDA, NO ENTANTO, ORDEM DE OFÍCIO. 1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício. 2. Violou garantia constitucional da intimidade e da vida privada, prevista no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, o policial que, ao verificar o conteúdo de mensagem de 'watsapp' no celular do paciente, por ocasião de abordagem, sem requerimento prévio judicial para quebra do sigilo dos dados armazenados. 3. Tratando-se de ofensa a preceito constitucional, a violação à intimidade pode ser arguida a qualquer momento e grau de jurisdição, não podendo o fundamento da preclusão, mencionado no acórdão combatido, afastar a nulidade, tendo em vista que o tema foi ventilado na apelação, recurso que possui efeito devolutivo pleno. Ademais, nem mesmo a perícia dos dados armazenados nas conversas de 'whatsapp', autorizada em momento posterior à violação, é capaz de apagar tal mácula. 4. Também houve violação da ordem do interrogatório, visto que em recente decisão do plenário da Suprema Corte, no exame do HC n. 127.900/AM, julgado em 3/3/2016, ficou assentado que "a norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum aplica-se, a partir da publicação da ata do julgamento, aos procedimentos penais regidos por legislação especial, incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado". No caso, a audiência de instrução foi realizada no dia 12/12/2016, momento em que, primeiramente, o réu foi interrogado, e somente depois, duas testemunhas, em desrespeito ao HC ora mencionado (ata de julgamento publicada em 11/3/2016), o que configura o apontado constrangimento ilegal. No mais, a defesa arguiu, antes mesmo da instrução, em defesa preliminar, a necessidade do réu ser interrogado somente ao final da instrução. 5. Diante das nulidades reconhecidas, fica prejudicado o reexame da dosimetria da pena. 6. Habeas corpus não conhecido e concedida a ordem, de ofício, para determinar a nulidade e desentranhamento da prova obtida por violação ao conteúdo das mensagens via 'whatsapp', bem como as demais provas contaminadas, a serem valoradas pelo Juízo de 1º grau. Determinando, ainda, que o interrogatório do paciente seja refeito, antes de proferida nova sentença. (STJ – HC: 421249 SC 2017/0271942-4, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 08/02/2018, T5 – Quinta Turma, Data de Publicação: DJe 22/02/2018, grifo nosso)
4 CONCLUSÃO
Verifica-se que o Direito, como ciência que acompanha o avanço tecnológico, sem perder sua essência, submete-se ao necessário ajuste, com vistas a evitar a alcunha de ciência morta.
Nesse sentido, ao tratar do acesso, em situações de abordagem policial, a dados existentes em dispositivos de telefonia móvel, os tribunais convergem para o entendimento de que a prática, desprovida da prévia determinação judicial, é ilegal. E como tal, deve ser desconsiderada.
O entendimento dominante é o de que a conduta fere frontalmente a Constituição Federal, especificamente, o estabelecido no art. 5º, X.
Sob esse enfoque, resta pacificada a compreensão de que o policial não possui legitimidade para acessar dados constantes em telefones celulares.
O requisito da decisão judicial é imprescindível para que seja feita a análise do conteúdo do aparelho celular, sob pena de ser a conduta do policial entendida como abuso de autoridade.
Conclui-se, portanto, do exposto que o agente policial não pode executar seu ofício pautado apenas em suas convicções, devendo, nesse mister, agasalhar-se das regras correlatas, com o fito de obter o mais efetivo resultado de sua atuação.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DAVI PEREIRA TEIXEIRA JÚNIOR, . Acesso a dados em dispositivos de telefonia móvel durante abordagem policial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 nov 2019, 04:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53743/acesso-a-dados-em-dispositivos-de-telefonia-mvel-durante-abordagem-policial. Acesso em: 23 dez 2024.
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