RESUMO: Pretende-se neste artigo abordar aspectos técnicos e experimentais sobre as Políticas de Contra as Drogas estabelecidas pelos governos federal e estadual, alertando que peca o Estado em não implementar políticas públicas voltadas não só contra o grande investidor, mas sobremodo àqueles que estão na base da organização criminosa e que são a base para sua evolução. Este artigo está dividido em três partes: na primeira, foca a falta de critério na concretização do princípio da insignificância. Na segunda, enfatizaremos os efeitos nocivos que o tráfico de drogas traz para a Sociedade em geral, implodindo a família brasileira. E, na terceira, destacaremos soluções para estancar ou ao menos diminuir a evolução do tráfico de drogas mediante aplicação de politicas públicas de cunho social.
Palavras-chaves: Organização Criminosa; Tráfico de Drogas; Politicas Públicas
ABSTRACT: The aim of this article is to address technical and experimental aspects of the drug policies established by the federal and state governments, warning that the State does not implement public policies aimed not only at the big investor, but also at those that underlie the drug, criminal organization and which are the basis for its evolution. This article is divide into three parts: In the first, it focuses on the lack of criteria in the implementation of the principle of insignificance. In the second, we will emphasize the harmful effects that drug trafficking has on the society in general, imploding the Brazilian family. And in the third, we will highlight solutions to stop or at least slow the evolution of drug trafficking by applying social policies of a social nature.
Keywords: Criminal Organization; Drug Trafficking; Public Policy.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. REVISÃO DE LITERATURA. 2. FALTA DE PROFISSIONALIZAÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA. 3. MANUTENÇÃO DE UMA ESTRUTURA ARCAICA DE SEGURANÇA PÚBLICA E SUAS CONSEQUÊNCIAS. 4. SOLUÇÕES PARA DIMINUIR A CRIMINALIDADE. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
Não é de hoje o conhecimento jurídico-fático-social de que as drogas atormentam a Sociedade de forma perene, uniforme e continuada. Estragando famílias, das mais variadas formas e classes sociais, colocando em risco não só o presente, mas, sobretudo, o futuro deste país de proporções continentais. Característica esta que de certo modo contribui para a difusão da produção, da venda e do consumo das drogas, eventos estes catalisados pelo fato desta Nação possuir o pulmão do mundo, qual seja: a floresta amazônica.
De uns tempos para cá, o tráfico tomou dimensões avassaladoras, circulando riquezas das mais variadas estirpes, ao ponto de os grandes investidores sequer terem condições de dissimular os valores, escondendo e protegendo os mesmos até mesmo sob a forma de aterramento.
Peca o Estado e as autoridades competentes pela persecução penal, pois, ao invés de focarem no caminho de tais valores, vislumbram prisões e apreensões dos entorpecentes de maneira final, sem se preocuparem com a cadeia financeira que vincula aquele pequeno traficante ao grande investidor da produção em massa, tornando letra morta as finalidades da pena elencadas pelo legislador, tanto em nível constitucional como infraconstitucional.
Atestando esta evolução do tráfico de entorpecentes e transparecendo, diametralmente oposta, a inoperância do Estado, organizações criminosas foram sendo criadas dentro do Sistema Penitenciário, usando os grandes chefões de pessoas livres para alocarem drogas em seu interior, praticando a traficância sob a fiscalização do Estado, desmistificando e desmoralizando o sistema como um todo.
Chegou a hora de o Estado mostrar outras formas de contenção do tráfico de entorpecentes, agindo enfaticamente não só contra o grande investidor, mas também sobre aqueles que mecanizam a organização criminosa na sua base, pois são eles a bateria propulsora do crime organizado.
Descuida o Poder Judiciário ao aplicar indiscriminadamente o princípio da insignificância em âmbito do tráfico de drogas, pois é intrínseco a tais crimes a pequena quantidade de entorpecentes, bem como a alta reprovabilidade de sua ação, visto que é de sua essência as pesadas consequências trazidas pelo seu consumo.
Desta feita, este presente trabalho tem o desiderato em trazer soluções para conter e diminuir o crescimento do tráfico de entorpecentes, trazendo retratos reais do sistema penal deste país para, ao final, oferecer uma forma de reprimenda útil ao controle do crime, mas sem se descuidar dos efeitos maléficos que atitudes omissas podem trazer.
Alguns estudos foram encontrados sobre o assunto, vislumbrando as drásticas consequências nocivas do tráfico de drogas na Sociedade, todavia, não globalizam as ações a serem tomadas pelo Estado, ao contrário, tendem a separar o lado jurídico e social, esquecendo que tais aspectos devem permanecer em eterna simbiose.
Dentre tais estudos, merece aplausos os levantamentos alocados pelo Desembargador e Doutrinador Guilherme de Souza Nucci, onde o mesmo trás as vicissitudes da realidade brasileira no seu mister como magistrado, demonstrando sensibilidade, postura e senso crítico frente a tão acalorado problema.
2. TRÁFICO DE DROGAS E O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Criado com o objetivo em diminuir as injustiças existentes de um outrora positivismo exacerbado, doutrina e jurisprudência traçaram os primeiros alicerces do princípio da insignificância para o trato dos pequenos crimes patrimoniais, onde pessoas eram encarceradas pelas mais comezinhas subtrações, circulando iniquidades e proporcionando ao crime organizado matéria-prima fácil e vasta para angariar novos operantes do crime, funcionando como fator de profissionalização de criminosos.
Fundamentado em valores de política criminal, tem o princípio da insignificância a finalidade em restringir a lei penal, evitando uma leitura abrangente do tipo penal, afastando a tipicidade material da conduta, haja vista a inexistência de lesões ao bem jurídico protegido penalmente. Neste sentido é a posição do Supremo Tribunal Federal, in verbis:
O princípio da insignificância é vetor interpretativo do tipo penal, tendo por escopo restringir a qualificação de condutas que se traduzam em ínfima lesão ao bem jurídico nele (tipo penal) albergado. Tal forma de interpretação insere-se num quadro de válida medida de política criminal, visando, para além da descarcerização, ao descongestionamento da Justiça Penal, que deve ocupar-se apenas das infrações tidas por socialmente mais graves.
Numa visão humanitária do Direito Penal, então, é de se prestigiar esse princípio da tolerância, que, se bem aplicado, não chega a estimular a idéia de impunidade. Ao tempo que se verificam patentes a necessidade e a utilidade do princípio da insignificância, é imprescindível que aplicação se dê de maneira criteriosa, contribuindo sempre tendo em conta a realidade brasileira, para evitar que a atuação estatal vá além dos limites do razoável na proteção do interesse público. (HC 104.787/RJ, rel. Min. Ayres Britto, 2ª Turma, j. 26.10.2010).
Considerada causa excludente da tipicidade, necessário se faz o preenchimento de certos requisitos para a incidência do princípio da insignificância, estipulando doutrina e jurisprudência tais condições: a) mínima ofensividade da conduta; b) ausência de periculosidade social da ação; c) reduzida reprovabilidade do comportamento e d) inexpressividade da lesão jurídica. Critérios estes que são cumulativos para a aplicação no caso concreto.
Entrementes, de uns tempos para cá a jurisprudência pátria vem alargando o âmbito de vigência do princípio da insignificância de maneira irresponsável, olvidando a possibilidade de geração de impunidade mediante sua aplicação desregrada, sem qualquer análise detalhada sobre os variados bens jurídicos protegidos pela norma penal.
Tal situação vai contra o próprio julgado acima, onde o eminente ministro expõe que avaliações criteriosas devem ser tomadas para evitar que a atuação estatal vá além dos limites do razoável na proteção do interesse público.
No caso especifico deste artigo, qual seja: aplicação do princípio da insignificância ao tráfico de drogas, vasta interpretação deverá ser realizada nos mais variados crimes alocados na lei, pois o legislador tratou diferentemente as condutas de traficar e de ter drogas para consumo pessoal, circunstância que viabiliza posicionamentos dúbios.
Quando interpretamos o art. 28, da lei 11.343/06, constatamos que é da essência da norma a pequena quantidade de drogas para consumo pessoal, evento que impossibilita a aplicação do princípio da insignificância a tal delito, principalmente se levarmos em conta que tal crime é de perigo abstrato, presumindo o legislador os danos decorrentes da simples ação. Jurisprudência do STJ é neste sentido, vejamos:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. POSSE DE ENTORPECENTE PARA USO PRÓPRIO. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA INERENTE À NATUREZA DO DELITO PREVISTO NO ART.28 DA LEI N. 11.343/06. TIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA. RECURSO IMPROVIDO.1. Não merece prosperar a tese sustentada pela defesa no sentido de que a pequena quantidade de entorpecente apreendida com o agravante ensejaria a atipicidade da conduta ao afastar a ofensa à coletividade, primeiro porque o delito previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/06 é crime de perigo abstrato e, além disso, o reduzido volume da droga é da própria natureza do crime de porte de entorpecentes para uso próprio.2. Ainda no âmbito da ínfima quantidade de substâncias estupefacientes, a jurisprudência desta Corte de Justiça firmou entendimento no sentido de ser inviável o reconhecimento da atipicidade material da conduta também pela aplicação do princípio da insignificância no contexto dos crimes de entorpecentes.3. Acrescente-se que, no caso dos autos, houve concurso do crime de posse de substância entorpecente para uso próprio com crime mais grave (porte ilegal de arma de fogo de uso permitido), a demonstrar a maior reprovabilidade da conduta, reforçando a não incidência do princípio da insignificância.4. Agravo regimental improvido.(AgRg no AREsp 1093488/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 18/12/2017)
Caso específico e que vem atormentando os gestores públicos é a tentativa de entrada de drogas em estabelecimentos prisionais, onde, na grande maioria das vezes, amigos, familiares, companheiros e companheiras tentam alocar pequenas quantidades de entorpecentes das mais variadas formas.
É de conhecimento público e notório, principalmente ante a ampla divulgação pela imprensa, que tais pessoas usam o próprio corpo para dissimular os entorpecentes, colocando a droga na genitália, dentro da boca, etc. Por outro lado, disfarces são adotados com o mesmo propósito, escondendo as drogas dentro de pacotes de bolachas, chinelos, recipientes para acondicionar comidas, ventiladores, dentre outras formas de atuação.
Com efeito, em tais casos deve o intérprete analisar não apenas a ínfima quantidade do entorpecente, mas também a excessiva reprovabilidade da conduta, pois devemos levar em consideração que o sujeito ativo está, de certa forma, desmoralizando o poder fiscalizador e repressor do Estado, visto que tais estabelecimentos prisionais tem esse objetivo.
Ademais, não podemos olvidar que na grande maioria das vezes tais tentativas são praticadas por familiares, fato que enfatiza a periculosidade social da ação, visto que a circulação e o consumo de drogas estão sendo incentivados pela própria família, instituição esta que, contrariamente, deveria trazer conselhos e proporcionar uma educação base para nortear seus entes na conformidade com as regras morais e legais, visando sua entrada ética na sociedade.
Neste diapasão, por mais que a quantidade de entorpecentes seja irrisória, ações contundentes devem ser aplicadas com o intuito em desbaratar costume tão arraigado no âmbito penitenciário que, ao fim, prejudica a ressocialização do detento, o qual, ao invés de estar trabalhando e estudando, se entrega ao ócio ilegal. O Desembargador Guilherme de Souza Nucci tem posicionamento similar:
Vislumbramos, muitas vezes, em casos concretos, a prisão, por tráfico ilícito de drogas, de mães, avós, esposas, companheiras ou namoradas, que carregam nos lugares mais inusitados (exemplo disso foi o caso da maconha escondida na fralda do bebê, que fora visitar o pai) o entorpecente destinado ao preso. Não deixa de ser triste e lamentável prender e condenar aquela senhora, cuja atitude diz respeito, exclusivamente, ao seu filho, que lhe exigiu a droga. Mas as mulheres em geral, que apoiam seus filhos, netos, maridos, companheiros e namorados presos, levando droga para o presídio, estão em pleno exercício do tráfico ilícito de entorpecentes. Inexiste imunidade criminal para essas pessoas – nem pela idade, nem pela primariedade, nem mesmo pelo grau de afetividade.
Aliás, atitude correta seria desestimular o uso de drogas e também o comércio de quem está preso; ao contrário, transportando entorpecente para o estabelecimento penitenciário essas pessoas somente agravam a situação carcerária.
Não se pode negar que a maioria dos transportadores de drogas para presos é constituída de mulheres, ligadas emocionalmente aos seus entes queridos. Cuida-se de uma situação social expressiva, quando se vislumbra a fidelidade do amor materno ou feminino, em contraposição aos homens, que esquecem seus parentes, esposas ou parentes mulheres nos presídios, sem nem mesmo visitá-las, quanto mais levando-lhes drogas. Apesar dessa quase subordinação de mulheres aos presos que lhes são queridos, inexiste fundamento jurídico para olvidar a prática de tráfico ilícito de drogas quando levam entorpecente para o estabelecimento penitenciário. (NUCCI, Guilherme de Souza. Quem leva entorpecentes para presidiários pratica tráfico de drogas? Sim!. Disponível em: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/quem-leva-entorpecentes-para-presidiarios-pratica-trafico-de-drogas-sim/13167. 2014, acesso em 10 de novembro de 2019)
Todavia, não podemos esquecer que casos graves podem acontecer para forçar a prática de tais tentativas, não sendo raro ameaças serem feitas para que as drogas sejam alocadas no sistema prisional compulsoriamente. Interessante relato é feito pelo Desembargador Guilherme de Souza Nucci, observemos:
Existem, por certo, alguns aspectos peculiares a considerar, concernentes ao cenário do transporte de drogas para presos. Em nossa atividade jurisdicional, já nos deparamos com alguns casos especiais, envolvendo pessoas ameaçadas por presos para que lhes entregue a droga no presídio, sob pena de sofrer alguma represália grave. Há presos que não tem o menor pudor de ameaçar sua própria esposa ou companheira, para que lhe leve entorpecente, voltando a causação do mal aos filhos ou aos enteados. Outros, ainda, são devedores de traficantes, que atuam no interior do presídio, motivo pelo qual suplicam a seus parentes que sirvam de mulas, carregando drogas para quem está detido, a fim de saldarem dívidas contraídas, sob pena de sofrerem as consequências. Terceiros pedem a pessoas próximas que levem drogas para sustentar seu próprio vício. (NUCCI, Guilherme de Souza. Quem leva entorpecentes para presidiários pratica tráfico de drogas? Sim!. Disponível em: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/quem-leva-entorpecentes-para-presidiarios-pratica-trafico-de-drogas-sim/13167. 2014, acesso em 10 de novembro de 2019)
Nestes casos, causas excludentes de culpabilidade podem ser levantadas como matéria de defesa, principalmente a inexigibilidade de conduta diversa. No entanto, nenhuma aplicação terá o princípio da insignificância, visto que a tipicidade do delito ocorreu, tanto formal quanto materialmente. Contudo, o juízo de reprovabilidade não foi concretizado ante as variadas formas de constrangimento que gerou a ação delinquente. Entretanto, casos há em que o Supremo Tribunal Federal vem aplicando o princípio da insignificância no tocante ao tráfico de drogas, principalmente no que concerne ao crime catalogado no art. 28, da lei 11.343/06, vejamos:
EMENTA PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 28 DA LEI 11.343/2006. PORTE ILEGAL DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. ÍNFIMA QUANTIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. WRIT CONCEDIDO. 1. A aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exige sejam preenchidos, de forma concomitante, os seguintes requisitos: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) relativa inexpressividade da lesão jurídica. 2. O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. 3. Ordem concedida.(HC 110475, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 14/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-054 DIVULG 14-03-2012 PUBLIC 15-03-2012 RB v. 24, n. 580, 2012, p. 53-58)
Enfim, conquanto a maioria esmagadora da jurisprudência ignore a aplicação do princípio da insignificância no tocante ao tráfico de entorpecentes, cabe ao intérprete/aplicador se atentar ao caso concreto, analisando suas variadas nuances com o fito em não praticar injustiças despropositadas. Da mesma forma, não pode a jurisprudência pátria empregar o princípio da insignificância como politica de descarcerização, visto que não só graves consequências podem surgir de tal atitude, mas também pode resultar no esvaziamento deste princípio norteador do direito penal e da dignidade da pessoa humana.
3. OS EFEITOS DAS DROGAS E O PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIDADE DAS PENAS
Princípio erigido em âmbito constitucional e considerado cláusula pétrea, nos termos do art. 5º, XLVI c/c art. 60, §4º, IV, da CF/88, o princípio da individualidade da pena concerne no fato de que as penas não podem ultrapassar a pessoa do condenado, isto é: o filho, a esposa, o pai, a mãe, dentre outros, não podem sofrer as consequências do crime. Contudo, conquanto haja forte concretização de tal mandamento em âmbito jurídico, difícil é aplicá-lo na esfera social.
Por mais que a lei exclua os parentes das responsabilidades penais sofridas pelo ente, na grande maioria das vezes aquele que foi preso era quem mantinha a família, comprometendo sua prisão a normalidade das atividades rotineiras daquela. Em virtude da prisão, sabido é que muitos contraem dividas antes e depois de suas prisões, sofrendo ameaças para que as obrigações sejam sanadas, sendo estas pagas na grande maioria pelos familiares.
Dentre as ameaças impostas pelos donos do tráfico transborda a entrada de drogas no estabelecimento prisional, onde familiares são forçados a comprar e repassar as drogas para o interior dos presídios, haja vista o real tráfico de entorpecentes no interior das unidades. Há pouco tempo, investigações confirmaram que uma grande facção criminosa com tentáculos em vários estados do país mantinha imóveis nos arredores de presídios, estaduais e federais, com o fim em facilitar não só as visitações, mas as consequentes tentativas de colocarem drogas dentro do sistema, tudo com o desiderato em manter o comércio ilegal de entorpecentes em seu interior, negócio este tido como de grande lucro, pois a compra e venda nestes locais geram um lucro maior.
Com isso, familiares que eram dependentes do preso deixam suas vidas de estudantes, de trabalhadores, para se encaixarem no tráfico de entorpecentes, tudo em decorrência do anterior tráfico produzido pelo familiar, gerando um circulo vicioso impossível de terminar que abraça violentamente a família como um todo.
É com essa atenção que as politicas públicas contra as drogas devem ser traçadas, pois aplicar a lei como ela foi escrita não traz grandes avanços no combate ao crime organizado especializado no tráfico de drogas, visto que, como dito alhures, a mera prisão apenas leva mão-de-obra barata para os cabeças da organização criminosa.
Que se deva manter um comportamento enérgico frente à entrada de drogas nos estabelecimentos prisionais isso é fato! Porém, usar apenas a prisão como forma de penalização está equivocado, visto que a finalidade ressocializadora da pena dificilmente será posta em prática, ao contrário, servirá tão-só como lenha para a grande fogueira que é o tráfico de entorpecentes.
Destarte, na atual conjuntura, quando uma pessoa é presa, não se está eliminando um foco e solucionando um problema, divergentemente, estará aumentando o âmbito de incidência do tráfico, haja vista que além do preso, seus familiares tornam-se iscas fáceis para o mundo do crime, fomentando, assim, o crescimento da organização e a ampliação dos espaços em virtude da venda e consumo de entorpecentes no interior das unidades prisionais.
É necessário dar um basta neste circulo vicioso, principalmente se levarmos em consideração a crescente evolução das facções criminosas no sistema penitenciário, atraindo pessoas de todas as classes sociais com a promessa de lucro fácil e rápido.
4. SOLUÇÕES PARA FREAR O AVANÇO DO TRÁFICO
Incialmente, devemos ter em mente que soluções encontradas para qualquer problema passam pela constatação de que várias áreas devem ser analisadas e estudadas profundamente, visto que cada aspecto contribui para o nascimento da dificuldade. Com o tráfico não é diferente, principalmente ante o fato de que ele tem como base o aspecto social, donde emerge o pluralismo de personalidades e de ambientes que favorecem ou não o crime.
Com efeito, sabe-se que o Brasil tem um sério problema não só de tráfico de drogas nas unidades prisionais, mas da venda e consumo de outros objetos tidos por ilegais, tais como a entrada e venda de aparelhos telefônicos e até a entrada e venda de armas de fogo, as quais são utilizadas comumente no estouro de rebeliões.
Desta senda, num primeiro instante, cabe ao Estado fortalecer seu monitoramento, evitando que tais objetos adentrem no sistema prisional mediante aquisição de novas tecnologias que constatam a existência dos mesmos nas revistas pessoais. Tal aquisição ainda evita constrangimentos sofridos por familiares dos presos que passam por vários vexames, sendo necessário que, i.e, mulheres se dispam, se abaixem várias vezes sobre um espelho e forcem até tossidos, tudo com o fim em observar a existência de objetos em suas partes íntimas, eventos que por si só contrariam a dignidade da pessoa humana.
Num segundo ponto, cabe ao Estado adotar outras medidas além da prisão para controlar o tráfico. Sabemos que a grande maioria dos detentos do sistema penitenciário brasileiro é de traficantes e, dentre estes, a arrasadora maioria é de presos primários e que foram pegos com reduzida quantidade de entorpecentes, circunstância que transborda sua diminuta periculosidade.
Assim, se o Estado interferisse nesses detentos antes das facções criminosas, lhes proporcionando atendimento médico, psicológico e assistencial, grande parte iria largar o mundo do crime, pois o que vemos no dia-a-dia deste país é que muitos entram nele ante as dificuldades sociais, não tendo qualquer tipo de expectativa quanto à família e ao trabalho, características estas que, contrariamente, são a base e a motivação para o recrutamento das facções criminosas.
Por mais que este artigo não tenha o objetivo principal de tecer os erros das politicas sociais empreendidas pelos diversos governantes, sabido é que a falta de educação, saneamento básico, urbanismo, dentre outros, são terrenos férteis para o surgimento do crime, onde jovens são flertados e cooptados sob a influência do dinheiro fácil e prazeroso, mas também pela circunstância da total ausência estatal. Maior exemplo dessa assertiva são as favelas, locais esquecidos há tempos pelos governantes e que foram totalmente dominados por organizações criminosas e milícias, submetendo seus moradores a regras paralelas, sob pena de morte.
Nessa toada, cabe ao Estado controlar o retorno do apenado à sociedade, dando amparo institucional e social, dando oportunidade para que o mesmo volte ao mercado de trabalho através de cursos promovidos tanto dentro quanto fora do estabelecimento criminal, pois, só assim, o meio que influenciou o agente infrator para o cometimento do crime será substituído pelo meio da educação, do trabalho e do esforço individual, gerando, consequentemente, uma modificação do estilo de vida do condenado que resultará a longo e médio prazo a redução da criminalidade.
Por fim, já chegou o momento de o Estado tratar o tráfico de drogas não apenas criminalmente, mas sobretudo como política pública voltada à saúde. Parece até contraditório, mas apesar de o legislador colocar como objeto jurídico protegido penalmente, nos crimes de tráfico, a Saúde Pública, não há politicas de tratamento desses usuários/traficantes, ficando os mesmos jogados a própria sorte, esperando o dia em que serão assassinados.
Exemplos como a cracolândia devem servir de base para a implementação de tais políticas públicas, proporcionando àqueles viciados tratamento ambulatorial de qualidade para a extração dos malefícios gerados pelo consumo diuturno de drogas, i.e, do Crack.
Neste mesmo diapasão, cabe ao Estado motivar a assistência familiar, trazendo os entes queridos para o entorno do tratamento, pois só assim o viciado terá carinho e conforto para enfrentar os obstáculos tortuosos trazidos pelo tráfico de drogas.
Este trabalho teve como objetivo explanar ações positivas para diminuir e enfraquecer o tráfico de drogas no país.
No primeiro capítulo, teço comentários sobre a aplicação do princípio da insignificância ao tráfico de drogas, enfatizando que a finalidade proposta pelos aplicadores do direito não está correta, não sendo a concretização de tal princípio uma forma hábil para descarcerização do sistema penitenciário.
Já no segundo capítulo, analiso os efeitos nocivos que o tráfico de drogas trás para familiares e amigos dos envolvidos, ampliando a possibilidade da entrada no mundo do crime como única forma de manter a integridade física e moral do parente encarcerado.
Outrossim, no terceiro capítulo, indico formas para evitar a evolução do tráfico de drogas através da implementação e concretização, pelo Estado, de políticas públicas voltadas ao pequeno e primário traficante, com o fim em diminuir a base crescente de distribuidores que alicerçam as organizações criminosas.
Desta feita, conclui-se que o grande problema do aumento descontrolado do tráfico de drogas e do crime organizado é a falta de interesse governamental, onde o estado se omite na solidificação de políticas públicas que abarquem não só o grande investidor, mas precipuamente os peões do tráfico, os quais são imprescindíveis para a manutenção e avanço do crime.
NUCCI, Guilherme de Souza. Quem leva entorpecentes para presidiários pratica tráfico de drogas? Sim!. Disponível em: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/quem-leva-entorpecentes-para-presidiarios-pratica-trafico-de-drogas-sim/13167. 2014, acesso em 10 de novembro de 2019.
Mestrando em Direito Empresarial pela FUNIBER. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade Unyleya. Delegado de Polícia do Estado de Pernambuco, onde atuou em investigações contra o Crime Organizado, i.e, Assaltos a Bancos, Corrupção de Chefes do Poder Executivo, Tráfico de Entorpecentes, etc. Detentor de cursos de inteligência financeira e operacional. Professor de Direito Processual Penal na Faculdade do Sertão do Pajéu - FASP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERNANDES, Ubiratan Rocha. Desdobramentos e soluções no combate ao tráfico de drogas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 nov 2019, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53779/desdobramentos-e-solues-no-combate-ao-trfico-de-drogas. Acesso em: 23 dez 2024.
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