Resumo: A cédula de crédito bancaria é uma forma de a instituição financeira fornecer recursos a população em troca da cobrança de juros sobre a mesma. Porém, apesar de firmado o contrato de cumprimento do debito para com a instituição financeira, diversos são os caso onde tal debito não é quitado, e assim sendo, o banco tende a penhorar os bens do devedor para reaver o seu prejuízo. Mediante isso, observa-se que em alguns casos o único bem do devedor é sua casa própria, porém está encontra-se assegurada de alienação pelo princípio da impenhorabilidade do bem de família. Diante o exposto, o presente trabalho irá analisar se há possibilidade de tal bem ser alienado, ou seja, se existem exceções para que a instituição possa reaver seus prejuízos.
Palavras-Chave: Crédito. Bem de Família. Exceção ao Princípio.
Abstract: A bank credit note is a way for the financial institution to provide resources to the population in exchange for charging interest on it. However, although the contract for compliance with the debt with the financial institution is signed, there are several cases where such debt is not paid, and therefore, the bank tends to pledge the debtor's assets to recover its loss. Thus, it is observed that in some cases the debtor's only asset is his own home, but he is assured of alienation by the principle of the unenforceability of the family good. Given the above, the present work will analyze if there is a possibility of such good to be sold, that is, if there are exceptions for the institution to recover its losses.
Keywords: Credit. Family good. Exception to the Principle.
INTRODUÇÃO
Diante o atual cenário financeiro em que se encontra o Brasil, muitos questionamentos são feitos em relação as dívidas perpetradas por populares em face das instituições financeiras de crédito (bancos), ao modo que, em uma atual crise financeira, como os bancos poderiam ressarcir o empréstimo concedido a terceiros, caso estes não tenham de onde pagar?
Mediante isso, houveram hipóteses sobre possíveis quebras do direito a fim de alcançar bens impenhoráveis como forma de efetivar o pagamento do crédito junto as instituições financeiras. Sabe-se que, tal possibilidade afronta diretamente os princípios constitucionais, dentre eles, o primordial, princípio da impenhorabilidade do bem de família.
Assim sendo, buscou-se apontar no presente trabalho, de forma qualitativa, de natureza exploratória e explicativa, como surgiu a teoria da cédula de crédito bancário, como se desenvolveu o princípio de bem de família, além de esboçar também sobre a teoria do adimplemento substancial, para que, houvesse um entendimento amplo acerca do assunto ora abordado.
É certo que a impenhorabilidade de bens é preceito inviolável no ordenamento jurídico pátrio, porém, há-se que questionar algumas possiblidades excepcionais que poderiam ser utilizadas pelas instituições financeiras para atingir o referido bem, e assim sendo, buscou-se também abordar tal assertiva.
1. A CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO
A atividade bancária é um dos fatores primordiais no que diz respeito a economia de um país, no caso do Brasil tal fato não é diferente. Segundo consta, as atividades bancárias e as concessões de crédito em território nacional surgiram desde o período do Império, sendo mais preciso, no ano de 1808, onde juntamente com tal fator, houve o surgimento da primeira versão do Banco do Brasil, fundado por Dom João VI, sendo esta a primeira instituição financeira criada em território nacional.
Nesse ano, D. João VI baixou um Ato Real criando o primeiro Banco do Brasil (BB). Este, apesar de ter como subscritores de suas ações os principais comerciantes da Corte, foi controlado administrativamente por pessoas indicadas pelo rei. A razão para o aparente contra-senso eram os inúmeros favores concedidos pela Coroa à Instituição (COSTA NETO, 2004, p. 13).
Porém esta versão do Banco do Brasil teve pouco tempo de duração, vindo a ser liquidado no ano de 1829, sendo que, posteriormente ressurgiu em 1851, em sua segunda versão, e se fundindo em 1853 com o Banco Comercial do Rio de Janeiro.
No que diz respeito a concessão de crédito, tal fator era primordial para o bom andamento da economia nacional, sendo que as instituições financeiras emprestavam dinheiro para os empreendimentos comerciais de maior porte com o intuito de gerar lucro através dos juros decorrentes da concessão. Porém deixavam de atender o setor primário, ou seja, os cafeicultores nacionais.
Conforme expõe Jacob (2003, p. 7-8) a definição de crédito se dá como:
Uma situação que envolve duas partes, uma credora e outra devedora, que estabelecem uma relação entre si, normalmente contratual. Esta situação sugere que uma das partes, a credora, conceda liquidez à outra, a devedora, mediante um prêmio de liquidez ou de risco, comumente intitulado juro.
Considerando que o credito tem seu laço de nascimento vindouro com o crescimento de todos os ramos do mundo, a coroa utilizou de alguns artifícios para organizar e facilitar o setor econômico. Sendo assim, a coroa se tornou, dessa forma, uma sociedade onde seu total domínio se vincula ao setor econômico.
Com essa pré organização econômica o setor político se torna mais fácil de ser administrado, sabendo que o desejo da corte era de deixar o poder centralizado, tão quanto deixar a economia centralizada.
Com a concentração do credito nas mãos do grandes comerciantes, pois essa era a política implantada na época, as pessoas físicas e os produtores de portes menores ficaram boa parte do século XVIII sem atendimento a linhas de credito, pois o medo que se tinha por parte das instituições financeiras era de liberar créditos com prazo mais extensos.
Segundo Muller (2001) na época a média de retorno aos bancos do dinheiro emprestado era de 4 meses como base de prazo para as operações, considerando que esse tempo é suficiente para o setor comercial. Com base nisso, observou-se que para o setor rural tal período de retorno era totalmente inviável, sendo assim só em meados do século XIX, as linhas de créditos conhecidas como créditos rurais, passaram a existir nos balcões de negociações.
Ademais, no ano de 1861 houve outro marco importantíssimo para a história econômica nacional, sendo que em tal ano surgiu a Caixa Econômica Federal e do Monte de Socorro do Rio de Janeiro, entidades que foram precursoras da Caixa Econômica Federal.
Outra forma de expressão do interesse governamental em atividades de crédito – embora, pelas suas características, não possamos identifica-la, inicialmente, com as demais, de caráter mais amplo e essencialmente econômico – foi a criação, em 1861, da Caixa Econômica e do Monte de Socorro do Rio de Janeiro, entidades precursoras da Caixa Econômica Federal, que, somente a partir de 1874, passaram a ter congêneres em outras províncias do Império (COSTA NETO, 2004, p. 13).
Conforme consta, a criação da Caixa Econômica Federal não se deu pela motivação econômica, mas sim pela motivação social e política; a fachada do banco ora criado não tinha apreço a questões de motivação que ensejassem ao crescimento econômico nacional, mas tão somente, um apreço a questões que envolvessem a sociedade e os meios políticos.
Disciplinadas pela Lei 1.083, de 22 de agosto de 1860, em meio a disposições sobre bancos de emissão e meio circulante, as caixas econômicas e os montes de socorro tiveram motivação mais social e política do que propriamente econômica, pois era restrito o âmbito de sua atuação como entidades de crédito (COSTA NETO, 2004, p. 13).
Segundo Turczyn (2005) deve-se destacar que até o ano de 1930 a economia nacional baseava-se fortemente na exploração agrícola da monocultura em regime fundiário de latifúndios, o que pouco diferia da anterior economia colonial. Tais atividades agrícolas se baseavam na monocultura cafeeira.
Segundo Saes (apud TOSI et al, 2007), os fluxos de crédito dos sistemas financeiros, ou seja, os bancos, raramente eram destinados a lavoura e ao produtor, os grandes bancários nacionais preferiam por concentrar suas concessões de crédito a empreendimentos comercias de certo porte, que no caso, seriam capazes de retornar o investimento emprestado pelos bancos.
Consta ainda que todo o capital necessário para financiar as obras de infraestrutura nacionais era originado do exterior e aplicado diretamente pelo Estado Brasileiro.
2. O BEM DE FAMÍLIA
Conforme explica Silvio Rodrigues (2004, p. 5), a constituição de família dentro de uma sociedade é um fator fundamental para o desenvolvimento de uma civilização prospera e com uma base ética apropriada, assim sendo, Silvio expõe que:
Dentro dos quadros de nossa civilização, a família constitui a base de toda a estrutura da sociedade. Nela se assentam não só as colunas econômicas, como se esteiam as raízes morais da organização social. De sorte que o Estado, na preservação de sua própria sobrevivência, tem interesse primário em proteger a família, por meio de leis que lhe assegurem o desenvolvimento estável e a intangibilidade de seus elementos institucionais.
Segundo Álvaro Villaça Azevedo (apud GONÇALVES, 2011, p. 581), “o bem de família é um meio de garantir um asilo à família, tornando-se o imóvel onde ela se instala domicílio impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem a sua maioridade”.
Sendo assim, entende-se por bem família, qualquer imóvel que serve como a moradia de um grupo familiar, ou seja, que abriga determinado número de pessoas de uma família.
Conforme aponta Caio Mário (2004, p. 557/558), a instituição do bem de família, “é uma forma da afetação de bens a um destino especial que é ser a residência da família, e, enquanto for, é impenhorável por dívidas posteriores à sua constituição, salvo as provenientes de impostos devidos pelo próprio prédio”.
Deve-se apontar ainda, que segundo a Súmula 364 do STJ, o bem de família abrange também pessoa solteira, assim expondo que “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteira, separadas e viúvas” (BRASIL, 2006). Sendo assim, observa-se que o conceito de bem de família não se restringe apenas a constituição de uma família em si, ou seja, pai, mãe e filhos, mas também, pessoas que sozinhas, em teoria, se constituem em família.
Após tal exemplificação do que é o bem de família, necessário se faz esboçar como tal princípio evoluiu no transcorrer do tempo, a fim de demonstrar suas características fundamentais.
2.1 Origem do bem de família
Ao contrário do que se pensa, o bem de família não teve sua origem no Direito Romano, tal origem se remete a tempos mais recentes, mais precisamente, na metade do século XIX, na então República do Texas, em razão de alguns fatores como, a geografia e a economia da região. Após a independência dos Estados Unidos em 1776, percebeu-se que seu território era vasto e fértil, e assim sendo, houveram diversos desenvolvimentos agrícolas, industriais e comerciais, o que fez dos EUA um país prospero em poucas décadas (MALUF; MALUF, 2013, p. 715).
Ocorre que, em determinado período os EUA enfrentaram uma enorme crise econômica, o que fez com que os bancos, para reaver os empréstimos concedidos, passassem a se apropriar de todos e quaisquer bens dos devedores, inclusive suas moradias.
Surgiu, então, uma grande crise entre os anos de 1837 a 1839, acarretando o fechamento de aproximadamente 900 bancos, com 33.000 falências e uma perda estimada de US$ 440.000.000,00 no período de três anos.
Essa crise atingiu não só os banqueiros imprudentes, mas, principalmente os devedores, que sofreram penhoras em seus bens, tendo que sofrer execução em suas terras, animais e instrumentos agrícolas, tornando as famílias texanas ameaçadas pela miséria (DUARTE, 2014, p. 1).
Em 26 de janeiro de 1839, foi então promulgada a aclamada Lei do Homestead, que significa, “uma residência de família”, tal Lei previa em sua redação que todo cidadão ou chefe de família teria direito a 50 acres de terra, ou um terreno na cidade, além de ajudas de custo para adquirirem mobílias, utensílios domésticos, ferramentas para lavoura ou aparatos e livros de comércio, dentre outros.
De e após a passagem desta lei, será reservado a todo cidadão ou chefe de uma família, nesta República, livre e independente do poder de um mandado de fieri facias ou outra execução, emitido por qualquer Corte de jurisdição competente, 50 acres de terra, ou um terreno na cidade, incluindo o bem de família dele ou dela, e melhorias que não excedam a 500 dólares, em valor, todo mobiliário e utensílios domésticos, provendo para que não excedam o valor de 200 dólares, todos os instrumentos (utensílios, ferramentas) de lavoura (providenciando para que não excedam a 50 dólares), todas ferramentas, aparatos e livros pertencentes ao comércio ou profissão de qualquer cidadão, cinco vacas de leite, uma junta de bois para o trabalho ou um cavalo, vinte porcos e provisões para um ano; e todas as leis ou partes delas que contradigam ou se oponham aos preceitos deste ato, são ineficazes perante ele. Que seja providenciado que a edição deste ato não interfira com os contratos entre as partes, feitos até agora (Digest of the Laws of Texas § 3.798).
Tal lei foi fundamental para dar início ao que se conheceria futuramente como “impenhorabilidade de bem de família”, pois nela já previa a possibilidade de impenhorabilidade de bens domésticos imóveis, e também dos bens imóveis, sendo assim, não mais os bancos ou credores poderiam pegar todos os bens por uma determinada dívida.
Após transcorrido determinado período de tempo, percebeu-se que tal lei era eficaz e produzia efeitos benéficos aos cidadãos, e assim sendo, ela se espalhou por todo território americano, e posteriormente por determinados países do mundo.
2.2 Evolução histórica do bem de família no Brasil
Como abordado anteriormente, o conceito de bem de família espalhou-se por diversos países, sendo um deles, o Brasil. Tal instituto teve sua primeira aparição no Código Civil de 1916, mais especificamente no Livro I “Das Pessoas”, posteriormente sendo transferido para o Livro II “Dos Bens”.
Art. 70. É permitido aos chefes de família destinar um prédio para domicilio desta, com a clausula de ficar isento de execução por dividas, salvo as que provierem de impostos relativos ao mesmo prédio.
Parágrafo único. Essa isenção durará enquanto viverem os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade.
(...)
Art. 72. O prédio, nas condições acima ditas, não poderá ter outro destino, ou ser alienado, sem o consentimento dos interessados e dos seus representantes legais (BRASIL, 1916).
Posteriormente, o referido princípio também teve aparição no Decreto-Lei n. 3.200/41, onde nele era disposto sobre os limites de valores máximos dos imóveis, porém, tal limitação foi afastada através da Lei 6.742/79, sendo que, nesta não havia mais limites de valores, além de disciplinar sobre a instituição voluntária e a extinção dos bens de família.
Pode-se dizer que foi através da promulgação da Constituição de 1988 que o princípio de bem de família se tornou ainda mais eficaz, tendo em vista, que agora, era preceito constitucional, fazendo com que seu conceito se torna-se mais firme e eficaz.
Tal princípio encontra-se elencado no art. 5º, inciso XXVI, da CF/88, onde encontra-se a seguinte disposição, “a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento”. (BRASIL, 1988).
Após tais fatos, ainda houveram algumas mudanças no conceito de bem de família, uma destas mudanças foi a criação da modalidade de “Bem de Família Obrigatório”, tal modalidade foi imposta pelo próprio Estado como uma norma de ordem pública.
Já pelo nome da nova modalidade observou-se que o bem de família obrigatório decorria de lei, e neste sentido, independe da vontade das partes, e se forma pela imperatividade da norma legal.
Tal instituto adveio no ano de 1990, pela Lei n. 8.009/90, que regula o bem de família como um instituto de resguardo do imóvel que abriga o casal ou a entidade familiar, além de proteger aqueles que não tem conhecimento suficiente para proteger juridicamente sua moradia, evitando assim, a má fé de terceiros.
Observa-se ainda que o bem de família voluntario faz aparição no Código Civil de 2002, onde pode ser encontrado no Livro intitulado “Direito da Família, tratando da matéria nos artigos 1.711 a 1722.
Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.
Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.
Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família (BRASIL, 2002).
Diante o exposto, pode-se observar que o ordenamento jurídico pátrio trata do conceito do bem de família de duas formas, sendo a primeira, o “Bem de Família Voluntario ou Convencional”, disposto nos artigos 1.711 a 1.722 do Código Civil, onde em tal caso, a instituição do referido bem se dá pelos cônjuges, pela entidade familiar ou ainda, por terceiro, mediante escritura pública ou testamento, sendo que, não poderá ultrapassar 1/3 do patrimônio líquido das pessoas que fazem a instituição (BRASIL, 2002).
E a segunda forma do bem de família é o “Bem de Família Legal ou Obrigatório”, este que se encontra disposto na Lei n. 8.009/90, onde se determina a impenhorabilidade do imóvel residencial, independentemente da instituição do bem de família convencional. Tal instituição é feita ultrapassando todas as formalidades, ou seja, pulando várias etapas que ocorrem na instituição do bem na forma convencional, a exemplo disso, nesta modalidade, não é exigida a escritura, registro, e também não torna tal imóvel inalienável.
3. O ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL
Como a maioria das teorias do direito, o adimplemento substancial também teve suas pré origens advindas do direito romano, onde, havia possibilidade de rescisão contratual pelo adimplemento da parte contratante, porém tal fato era limitado a casos deveras excepcionais, sendo que deveriam ser previamente pactuados entre as partes.
Em si, as resoluções contratuais somente se desenvolveram da forma como é estudado atualmente a partir do direito Canônico e posteriormente no direito Francês, com o advento do Código Napoleônico (BUSSSATA, 2008).
Embora já houvesse a possibilidade de resolução contratual, muito se discutia ainda sobre qual instrumento seria necessário para que houvesse o desfazimento do negócio jurídico, ou seja, qual inadimplemento seria capaz de pôr fim ao contrato ora acordado entre as partes.
Embora houvesse a possibilidade de resolução contratual, ainda haviam controvérsias acerca de qual inadimplemento seria capaz de pôr fim ao pacto contratual. Diante disso o direito inglês se fez como o “carro-chefe” para a resolução de tal problema, onde ficou-se firmado que somente o inadimplemento de uma prestação dependente (condition) poderia ensejar assim, a resolução do contrato, pondo fim ao pacto (BUSSATA, 2008).
Sobre tal resolução imposta pelo direito inglês, Eduardo Luiz (2008, p. 40), explica que o princípio do condition só foi imposto pelos ingleses pois, “o descumprimento de um dever meramente acessório ou colateral, do qual a avença não é dependente (warranty), apenas concedia ao credor o direito de reclamar as perdas e danos”.
Porém, mesmo com tal entendimento, ainda houveram diversas discussões e controvérsias a respeito do assunto no direito inglês, pois, ainda havia certa dificuldade em diferenciar os dois institutos, que em si, abarcavam um conceito subjetivo, o que poderia ocasionar injustiças nas decisões proferidas.
Em síntese, os critérios utilizados para diferenciar a teoria do conditions e warranties era baseada na vontade das partes, ou seja, elas poderiam escolher uma das teorias e com elas pactuar um contrato, obedecendo as regras impostas pela teoria escolhida.
Outro critério de suma importância na hora de escolher a forma com a qual iria se pactuar o contrato era o valor e o impacto que os deveres poderiam afetar na economia do próprio contrato. Tais critérios eram adotados pois, como dito anteriormente, ainda haviam inseguranças jurídicas a respeito das formas de contrato, podendo ensejar até mesmo, injustiças por parte dos julgadores da época.
Conforme expõe Analise Becker (1993), foi mediante tais formas de contato que a doutrina anglo-saxã evoluiu em sentido de analisar a gravidade e a consequência da infração que seria imposta como parâmetro para resolver o contrato. Assim sendo, caso houvesse descumprimento leve somente se admitia pleitear perdas e danos, agora, caso ocorresse um descumprimento grave poderia haver a resolução contratual.
Assim sendo, conforme explica Anelise Becker (1993), o conceito do substantial performance nasceu e se desenvolveu nos moldes do direito anglo-saxônico, o que ensejou em si, uma forma de influência aos demais ordenamentos jurídicos mundiais, inclusive o brasileiro.
3.1 Adimplemento substancial no ordenamento jurídico brasileiro
A teoria do Adimplemento Substancial teve suas primeiras origens a partir do Código Civil Brasileiro de 1916, onde, mesmo com o excesso de patrimonialíssimo vigente em tal diploma legal, era possível perceber a adoção da teoria. É sabido que tal teoria era adotada pela jurisprudência minoritária, e fundamentada no princípio da boa-fé objetiva (SILVA, 2010).
A medida da intensidade dos deveres secundários, ou anexos, é dada pelo fim do negócio jurídico. Mas, tal finalidade, no que toca à aplicação do princípio da boa-fé́, não é apenas a finalidade da atribuição, de que normalmente se fala na teoria da causa. Por certo, é necessário que essa finalidade seja perceptível à outra parte. Não se cuida, aí, do motivo, de algo psicológico, mas de um ‘plus’ que integra o fim da atribuição, e que está com ele intimamente relacionado. A desatenção a esse ‘plus’ torna o inadimplemento insatisfatório e imperfeito (...) (SILVA, 1976, p. 40).
Ao transcorrer dos anos, percebeu-se a necessidade de aderir a tal teoria, e assim sendo, o ordenamento jurídico pátrio a adotou de vez. Apesar de adotada, sua previsão inexiste expressamente exposta. Salienta-se que em sentido contrário a tal teoria, o que se encontra positivado no artigo 475 no Código Civil de 2002, é tão somente a possibilidade de desfazimento do contrato caso haja o inadimplemento do devedor, “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”. (BRASIL, 2002).
O que resta observar é que, tal artigo não especifica o tipo de inadimplemento que estaria apto a ensejar a sugerida resolução contratual, dando assim, uma falsa ilusão de que todo e qualquer inadimplemento seria suficiente para configurar a resolução do contrato.
Ante o exposto, percebe-se que tal generalização não se mostra correta, haja vista que poderia incorrer em determinadas injustiças, já que a resolução contratual deve ser vista como uma medida extrema, e assim sendo, não poderia ser tratada com os mesmos efeitos e características do inadimplemento grave e o de pequena repercussão nos contratos.
Assim sendo, mesmo que não expressamente disposta pelo ordenamento jurídico pátrio, a teoria do adimplemento substancial é perfeitamente aceitável, baseando-se nos princípios da boa-fé objetiva, e do princípio da função social do contrato.
Pode-se dizer que a teoria do adimplemento substancial surgiu como forma de tentar conservar o negócio jurídico, ou seja, o acordo entre as partes, sendo que, tal instituto tende a não priorizar a teoria do inadimplemento, mas sim a do adimplemento, mesmo que parcial, mas que tenha em si, a essência à continuidade do contrato, sem, contudo, legitimar a mora e o inadimplemento.
3.2 Princípios regentes do adimplemento substancial
Para que tal teoria se torne eficaz, é necessário que está se baseie em premissas e preceitos, que iram reger a forma como ela será aplicada. No caso do adimplemento substancial, o que observa-se é a presença de dois princípios contratuais, o da Boa-Fé Objetiva e o da Função Social do Contrato.
Sobre o princípio da boa-fé, Vivien Lys (2010, p. 93), assinala que:
A conceituação deste construto ganha relevo por meio da introdução do princípio da boa-fé́ na codificação, no capitulo destinado aos contratos, como requisito de validade de conclusão e de execução, ao ser disposto expressamente na norma positivada do artigo 422 do Código Civil atual, trazendo consigo o delineamento da Teoria do adimplemento substancial como exigência e fundamento do princípio consagrado em clausula geral aberta na relação contratual. É pela observância de tal princípio que esta teoria solidifica-se, especial- mente fortificando-se como instrumento inibitório da resolução do contrato, ainda com base na tese construída por Clóvis do Couto e Silva.
E sobre o princípio da função social do contrato, Washington de Barros e Carlos Alberto (2015, p. 327), asseveram que:
O adimplemento substancial é construção doutrinaria e jurisprudencial, que realiza os princípios da função social do negócio jurídico e da equivalência material de direitos e deveres dos participantes, com fortes repercussões nos tribunais. Inverte-se a primazia do inadimplemento para o adimplemento ou satisfação subjetiva e essencial do credito, segundo o princípio da conservação do negócio jurídico. Não tem por finalidade legitimar a mora ou o inadimplemento, mas restabelecer a equidade contratual, que não pode ser desconsiderada, para que, em contrapartida, não se legitime o enriquecimento sem causa, quando se considera de modo absoluto a regra formal de pacta sunt servanda.
Neste sentido, necessário se faz adentrar nos dois princípios, a fim de elucidar ainda mais a teoria do adimplemento substancial.
3.2.1 O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA
Pode-se dizer que tal princípio surgiu no Brasil com o advento da legislação de 1916, onde é possível observar que a boa-fé se divide em duas premissas, a boa-fé objetiva e a subjetiva. Sobre tal premissa, Caio Mário (2003, p. 20), explica que:
Ela não se qualifica por um estado de consciência do agente de estar se comportando de acordo com o Direito, como ocorre com a boa-fé subjetiva. A boa-fé objetiva não diz respeito ao estado mental subjetivo do agente, mas sim ao seu comportamento em determinada relação jurídica de cooperação. O seu conteúdo consiste em um padrão de conduta, variando as suas exigências de acordo com o tipo de relação existente entre as partes.
Este princípio surgiu com a premissa de tentar igualar as partes em uma relação contratual, tendo em vista que o Código Civil, no contexto histórico do direito das obrigações, no tempo romano, “sempre foi identificado como o locus normativo privilegiado do indivíduo enquanto tal” (LOBO, 2013, p. 13), ou seja, aquele que possuía mais poder, consequentemente, adquiria maior privilégios.
Desta feita, observa-se que a codificação civil, em seu auge (Código de Napoleão de 1804), teria se amoldado ao advento do Estado Liberal, e nesse sentido, a preocupação se norteava apenas em aspectos patrimoniais, pouco se importando com o bem-estar social. Tal Estado Liberal foi aos poucos perdendo força, haja vista que não conseguia resolver os conflitos que ocorriam na sociedade.
Desta feita, mediante os acontecimentos causados pelo Estado Liberal, e pelas desigualdades surgidas, adveio então o Estado Social, o qual era voltado a uma perspectiva de valores, onde o princípio buscado era o de igualdade, equilíbrio entre as partes, cooperação, dentre outros, mas sempre voltados ao “social”.
Mediante as alterações ocorridas, passou a dar uma interpretação mais constitucional ao Código Civil, e desta forma, ocorreu uma maior valoração dos princípios constitucionais fundamentais para interpretação dos direitos das obrigações e o direito contratual, onde houve uma mitigação da antiga doutrina público/privada.
Sendo a Constituição o centro unificador do ordenamento, a normatividade de seus princípios permite a aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas, mitigando-se a dicotomia público/privado, pois não mais existem espaços imunes ao alcance de parâmetros normativos substancialmente mais justos (FARIAS, 2012, p. 93).
Por fim, resta salientar que o princípio da Boa-Fé objetiva remete-se a conduta do indivíduo durante o pacto contratual, pouco importando, nesse caso, seu estado psicológico. O que observa-se é que, nesse princípio não se busca saber se o indivíduo agiu ou não de boa-fé, mas sim, se ele agiu de acordo com a boa-fé.
A boa-fé apresenta, em matéria de limite ao exercício de direitos, papel fundamental, uma vez que ao ser fonte de deveres anexos como lealdade, colaboração e respeito às expectativas legítimas do outro sujeito da relação jurídica, por evidência lógica limita a liberdade individual do destinatário desses deveres. Este terá, portanto, de exercer os direitos de que é titular, circunscrito aos limites que lhe impõem (MIRAGEM, 2013, p. 154).
Diante o exposto, conclui-se que tal princípio é fundamental dentro da esfera contratual, pois, é através deste que se irá se esboçar a paridade entre as partes, onde uma não será superior a outra, mas sim, iguais.
3.2.2 O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO
Outro princípio que se faz fundamental no que diz respeito ao adimplemento substancial é o da função social do contrato. Segundo assevera Carlos Roberto (2012, p. 22), a função social do contrato se resume a:
A concepção social do contrato apresenta-se, modernamente, como um dos pilares da teoria contratual. Por identidade dialética guarda intimidade com o princípio da “função social da propriedade” previsto na Constituição Federal. Tem por escopo promover a realização de uma justiça comutativa, aplainando as desigualdades substanciais entre os contraentes.
Visando suprir a premissa do pensamento individualista e os interesses privados que se sobressaiam em qualquer relação contratual na sociedade, fez-se necessário a criação de uma premissa para erradicar tal conceito, e assim, surgiu então, o princípio da função social do contrato, a fim de reestabelecer o equilíbrio social diante as injustiças que ocorriam na sociedade (PAIM, 2015).
Tartuce (2007, p. 248) assevera o seguinte sobre a função social dos contratos, “Trata-se de um verdadeiro princípio geral do ordenamento jurídico, abstraído das normas, do trabalho doutrinário, da jurisprudência, dos aspectos sociais, políticos e econômicos”.
Assim sendo, observa-se que a função social do contrato serve como um norte para a propositura contratual entre as partes, onde deve-se observar o real motivo de formação de um determinado contrato, ou seja, o porquê do firmamento contratual entra as partes.
Diante disso, Miranda (2008, p. 1) entende que a função social do contrato:
Trata-se, sem sombra de dúvida, do princípio básico que deve reger todo o ordenamento normativo no que diz respeito à matéria contratual. O contrato, embora aprioristicamente se refira somente às partes pactuantes (relatividade subjetiva), também gera repercussões e - por que não dizer? – deveres jurídicos para terceiros, além da própria sociedade, de forma difusa.
Mediante tal premissa, fica certo que o contrato não só deve-se fazer valer para as partes, mas também para possíveis terceiros que possam ser atingidos por tal contrato. Um bom exemplo disso, são os contratos firmados para construções de edifícios, pensa-se que o contrato visa a construção de um prédio para um contratante, mas tal assertiva não é correta, pois, após a construção do prédio, este contrato atingira todos aqueles que passem pelo prédio construído, ou seja, desde o primeiro tempo do contrato, deve-se pensar na premissa do terceiro atingido.
No ordenamento jurídico pátrio, o princípio da função social do contrato encontra-se disposto no artigo 421 do Código Civil, que versa, “A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato” (BRASIL, 2002). Assim sendo, tal artigo bloqueia qualquer atitude de contrato que não obedeça a premissa da função social.
Tal princípio se baseia na dignidade da pessoa humana, que está exposta no art. 1º, III, da CF/88, uma vez que, caso o contrato não supra uma necessidade social, este estaria em afronta a tal premissa constitucional.
Por fim, visa salientar que tal princípio surgiu com apenas uma intenção, a de igualar as partes em um contrato, e a de fazer com que esse tenha fim social, e assim, não prejudicando a terceiros.
4. BEM DE FAMÍLIA X CÉDULA DE CREDITO BANCARIA
O bem de família, como já abordado anteriormente, é um instituto que existe em vários ordenamentos jurídicos, onde sua função é proteger o imóvel residencial em que a família habita, fazendo com que esse se torne impenhorável. Tal impenhorabilidade livra o imóvel de quais execuções de dívidas, salvo aquelas exceções que são previstas em lei.
Segundo aponta Silvio de Salvo (2008, p. 2) família entende-se por “as pessoas que vivem sob um mesmo teto, sob a autoridade de um titular”. Ressalta-se que o entendimento “família” se tornou mais amplo com o passar dos tempos, e assim sendo, tal conceito não abrange tal somente aquela família constituída por pai, mãe e filho, mas sim por todas aquelas onde se tem, apenas a figura de um pai ou mãe, famílias homoafetivas, ou até mesmo os solteiros.
Vale ainda ressaltar, que segundo o art. 226 da CF/88, a família é considerada como a base de uma sociedade, e assim sendo, merece ter uma proteção especial aos demais preceitos.
Sobre bem de família, Maria Helena (2002, p. 192), assevera que este é:
Um instituto originário dos Estados Unidos, que tem por escopo assegurar um lar a família ou meios para o seu sustento, pondo-a ao abrigo de penhoras por débitos posteriores a instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas condominiais.
Observa-se que o ordenamento jurídico brasileiro trouxe dois tratamentos para o bem de família, o primeiro deles ocorre através do Código Civil, e o segundo através da Lei n. 8.009/90.
No primeiro caso, temo o bem de família legal (Lei n. 8.009/90), que dispõe acerca da impenhorabilidade de tal bem, sendo que este é considerado como questão de ordem pública, e assim sendo, não se admitira a renúncia por parte de seu titular de direito.
Assim sendo, observa-se o que a Lei n. 8.009/90 acerca do bem de família:
Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.
Art. 2º Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos.
Parágrafo único. No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário, observado o disposto neste artigo (BRASIL, 1990).
Insta salientar que, tal lei é do ano de 1990, ou seja, houveram mudanças desde a promulgação da referida lei, a exemplo disso, foi a posterior incorporação de casos de devedor solteiro e pessoa viúva, que na referida lei, não possuíam a proteção a seu bem. Tal implementação surgiu através da edição da súmula 364 do STJ, que versou a respeito do assunto, e incluiu os solteiros e viúvos em tal premissa.
No que diz respeito a cédula de credito bancaria, esta é uma forma de empréstimo fornecida pelos bancos os cidadãos para que estes possam com ela fazer o que bem entenderem.
Tal instituto é regido pela Lei n. 10.931/04, onde em seu artigo 26, versa-se sobre o conceito de tal cédula:
Art. 26. A Cédula de Crédito Bancário é título de crédito emitido, por pessoa física ou jurídica, em favor de instituição financeira ou de entidade a esta equiparada, representando promessa de pagamento em dinheiro, decorrente de operação de crédito, de qualquer modalidade.
§ 1º A instituição credora deve integrar o Sistema Financeiro Nacional, sendo admitida a emissão da Cédula de Crédito Bancário em favor de instituição domiciliada no exterior, desde que a obrigação esteja sujeita exclusivamente à lei e ao foro brasileiros.
§ 2º A Cédula de Crédito Bancário em favor de instituição domiciliada no exterior poderá ser emitida em moeda estrangeira.
Sendo assim, observa-se que a cédula de credito bancaria é uma forma de empréstimo onde o banco oferece certa quantia em dinheiro ao cidadão, e esse fica responsável por pagar esse empréstimo, sendo que tal pagamento pode ocorrer da maneira que está disposta no contrato (geralmente em pecúnia) ou caso mais grave, em penhor dos bens do devedor.
Mediante esse exposto, uma pergunta se faz com relação a aqueles devedores que, não pagando seu debito, e tendo apenas como objeto de penhor o bem de família, o que poderia fazer a instituição financeira para reaver o que ora emprestou ao devedor?
A resposta é simples, caso ocorra tal caso, nada poderá fazer a instituição financeira, haja vista que o fornecimento do crédito não ocorreu em caso de exceção ao princípio do bem de família (art. 3º, Lei 8.009/90), mas tal empréstimo foi dado de forma esparsa ao agente, sendo que este a usou da maneira que bem entendeu.
4.1 As exceções a impenhorabilidade do bem de família
Apesar do bem de família ser impenhorável, a Lei n. 8.009/90 também trouxe algumas hipóteses em que haverá exceções a tal princípio, hipóteses estas que denotam uma postura mais ampla do legislador ao analisar cada caso em questão.
Tais exceções surgiram para que não houvesse por parte do devedor certa ilegalidade quando este possui um imóvel que é denominado como bem de família, assim sendo, passou-se a não admitir determinadas condutas do agente, em face de credores ou do Estado.
E assim sendo, observa-se o que diz a referida lei:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Diante o exposto fica clara a hipótese de que, caso ocorra um dos fatos exposto no artigo 3º da Lei n. 8.009/90, poderá haver a quebra da impenhorabilidade do bem de família, a fim de não causar certas vantagens a aquele que comete ato ilícito, não condizente com a boa-fé.
Assim sendo, necessário se faz abordar sobre cada inciso que é trago no artigo 3º da referida lei. Inicialmente pode-se observar que o inciso I de tal lei, que versava sobre a hipótese de exceção de impenhorabilidade em razão dos créditos trabalhistas advindos de trabalhador que exercia a profissão na própria residência, foi revogado, haja vista que não atendia de maneira eficaz seus propósitos.
O inciso II da referida lei prevê que possa ocorrer penhora em casos decorrentes de crédito do financiamento que foram destinados a própria construção ou aquisição do imóvel. O que observa-se nesse inciso é o seguinte, o legislador ao pensar em tal exceção tinha ciência de que o indivíduo de certa forma poderia enriquecer sem causa (enriquecimento ilícito), aproveitando-se de uma falha no sistema onde, o fato do bem ser impenhorável, geraria condutas ilícitas por parte do agente, onde este pegaria o empréstimo para construção do imóvel, e não o pagaria.
Um caso onde tal inciso II possa ser exemplificado, é no financiamento do programa “Minha Casa, Minha Vida” do Governo Federal, onde a Caixa Econômica Federal disponibiliza empréstimos para com que os cidadãos possam construir sua tão desejada moradia.
O inciso III remete-se ao que diz respeito a prestação de alimentos, está baseia-se em si, nas relações de parentesco ou da responsabilidade civil. Apesar de prevista as duas hipóteses de alimentos, parte da doutrina entende que este dispositivo deve ser restringido a apenas as relações de parentesco, haja vista que as oriundas da responsabilidade civil não executam a impenhorabilidade do bem de família.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. DÉBITO DE NATUREZA ALIMENTAR. ATO ILÍCITO. INTELIGÊNCIA DO INC. III, DO ART. 3º, DA LEI 8009/90. EXCEÇÃO A IMPENHORABILIDADE. À luz da norma inscrita no art. 3º, inc. III, da Lei 8009/90, tratando-se de execução de verba de caráter alimentar decorrente de condenação ao pagamento de indenização por ato ilícito, deve-se manter a penhora do bem de família, sendo esta uma exceção á impenhorabilidade.
(TJ-MG – AI: 10261030195141002 MG, Relator: Pereira da Silva, Data de Julgamento: 23/04/2013, Câmaras Cíveis / 10ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/05/2013)
O inciso IV remete-se aos tributos que são advindos do próprio imóvel familiar, ou seja, os impostos, taxas e afins, também englobando-se nessa teoria, as cotas condominiais, haja vista, que estas são de manutenção do imóvel, e inferem em direitos de terceiros (outros condôminos).
No inciso V trata-se de incidência de hipotecas, ocorrendo pois o bem de família é legal alienável, e assim pode ocorrer a hipoteca voluntaria. Observa-se que essa premissa não ocorre no caso de bem de família convencional, pois este é inalienável. Assim sendo, quando o bem é oferecido em garantia voluntaria de hipoteca, não há-se em falar impenhorabilidade caso o credor busque pela execução do bem.
O inciso VI versa sobre a hipóteses de desconsideração da impenhorabilidade do bem de família caso este bem tenha sido adquirido em com recursos de fruto de crime, ou seja, quando o agente prática um crime financeiro como, roubo, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, dentre outros, e com o dinheiro adquirido de tal crime, adquire o imóvel.
E por último tem-se o inciso VII, tal inciso é aplicado naqueles casos que ocorrem fiança em contrato de locação, haja vista que a Lei n. 8.009/90 tem como escopo proteger o bem de família, e assim sendo, quando se oferece fiança a terceiro, não há em que se falar em benefício de bem de família, quando se aceita ser fiador, o proprietário, em tese, estaria renunciando à impenhorabilidade do bem. Deve-se lembrar que essa renúncia só atingira o terceiro envolvido (credor) e nenhum outro mais.
4.2 A possibilidade do uso da teoria do adimplemento substancial para não ensejar a exceção imposta no art. 3º, II, da Lei 8.009/90
Como abordado anteriormente, o bem de família pode sofrer alienação caso este se enquadre em algum dos casos expostos no art. 3º da Lei n. 8.009/90. Um desse casos é o apresentado no inciso II, onde o devedor poderá perder seu bem (de família) caso deixe de cumprir com o contrato firmado para construção ou aquisição do próprio bem referido.
Acontece que, apesar de esse caso proteger tanto as intuições privadas quanto as públicas, para que não incorra o crime de enriquecimento ilícito, deve-se fazer um adendo acerca da porcentagem de cumprimento do contrato, haja vista, que em muitos casos, o devedor só não pagou seu débito por não ter condições financeiras para realiza-lo.
E conforme explica a teoria do adimplemento substancial, caso algum devedor que já tenha cumprido boa parte de seu contrato para com o credor, não perderá o objeto do contrato, o qual seja, o imóvel adquirido.
Diante tal hipótese, observa-se que tal teoria se encaixaria perfeitamente nesse quesito, pois ela supriria, a necessidade do credor e do devedor e também estaria em conformidade com o princípio da boa-fé e da função social do contrato, haja vista que caso o bem fosse alienado por tal motivo, uma família seria desabrigada, vindo a ter que morar em lugar incerto e não sabido.
CONCLUSÃO
O presente trabalho trouxe à tona uma questão que gera diversas discussões no ordenamento jurídico pátrio, pois, apesar de caracterizado o pacto contratual entre cidadão e banco, a hipóteses em que a instituição financeira não consegue reaver seus empréstimos por não conseguir penhorar um referido bem, não caso em apreço, o bem de família.
O bem de família desde muito tempo foi considerado como impenhorável por boa parte dos ordenamentos jurídicos mundiais, e assim sendo, este não pode ser objeto de alienação em caso de pagamentos de dívidas.
A Lei 8.009/90 além de trazer a vertente que veda qualquer alienação contra o bem de família, também traz algumas hipóteses onde este poderá sim ser alienado em caso o ato cometido pelo devedor enseje em ilícito. Diante disso, pode-se observar que nas hipóteses apresentadas pelo presente trabalho, a qual seja, a execução do bem de família por conta de cédula de crédito bancaria, esta não pode ocorrer em hipótese alguma.
Porém, conforme expõe o inciso II, do art. 3º da referida lei, caso a dívida que foi constituída perante a instituição financeira seja totalmente ligada ao imóvel, ou seja, foi feito empréstimo para construir ou adquirir o imóvel, este então poderá perder seu status de impenhorável, a fim de não ensejar o enriquecimento ilícito por parte do devedor do crédito.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Maximiano Prates da. Execução de bem de família em cédula de crédito bancário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 nov 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53780/execuo-de-bem-de-famlia-em-cdula-de-crdito-bancrio. Acesso em: 22 dez 2024.
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Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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