SEBASTIÃO SÉRGIO DA SILVEIRA[1]
RESUMO: O presente trabalho se propõe a abordar o estágio atual da tutela aos transexuais observada em nosso país. Para alcançar tal desiderato, é feita uma análise da matéria sobre o prisma constitucional, legal e jurisprudencial, com abordagem dos problemas, desafios e conquistas verificadas até a presente data, no que tange aos direitos dos transexuais e suas repercussões no âmbito jurídico. Da mesma forma, existe a proposta de investigação da posição atual de nossos tribunais, especialmente do Supremo Tribunal Federal, estabelecendo, mediante o pronunciamento jurisprudencial, a garantia dos avanços da tutela jurisdicional a tais direitos. Por fim, existe ainda uma tentativa de se fazer uma abordagem do tema sob a ótica da tutela coletiva.
PALAVRAS-CHAVE: Transexualismo, Direitos Fundamentais, Garantias e Perspectivas.
ABSTRACT: This paper aims to address the current state of protection to transsexuals observed in our country. To achieve this aim, an analysis is made of matter on the prism constitutional law and jurisprudence, with addressing the problems, challenges and achievements recorded to date, with respect to the rights of transsexuals and their repercussions in the Legal. Likewise, there is a research proposal from the current position of our courts, especially the Supreme Court, established by the judicial pronouncement, the guarantee of judicial protection to advances such rights. Finally, there is an attempt to make an approach to the subject from the perspective of collective protection.
KEYWORDS: Transsexualism, Fundamental Rights, Guarantees and Prospects.
Antigas demandas e as novas descobertas têm obrigado o mundo jurídico uma nova conjugação de ideias, na tentativa de desenvolver ferramentas hábeis a solucionar, ou regular as novas situações, enquanto problemas sociais.
Tratando especificamente do direito à transexualidade, mesmo diante do extraordinário desenvolvimento do tema nos últimos tempos, muito há que se avançar, na medida em que se trata de grave problema social de uma minoria, que produz dor e discriminação, em razão de omissão do estado e incompreensão da sociedade.
Conforme é cediço, existe uma considerável legião de pessoas que rejeitam o fenótipo e postulam uma nova identidade sexual. Por séculos essa questão foi negligenciada, mas o atual desenvolvimento da sociedade não nos permite silenciar sobre ela.
Nos dias atuais foram desenvolvidos tratamentos e técnicas cirúrgicas, que permitem a completa alteração e adequação do corpo humano à identidade sexual pretendida. Com isso, as demandas de nova definição jurídicas de tais situações têm aumentado, exigindo pronta e rápida resposta da doutrina e, também de nossos tribunais.
O Direito, como principal instrumento para a realização da justiça, não pode caminhar em incongruência com o desenvolvimento da sociedade, ainda que a questão continue passando ao largo das preocupações da maioria. Clama-se, portanto que o Direito deve criar e manter um aparato que mínimo que garanta a mínima dignidade humana das minorias, inclusive dos transexuais.
Dentro dessa ótica, esse trabalho se propõe a fazer uma breve reflexão sobre o desenvolvimento dos instrumentos de tutela dos direitos dos transexuais em nosso direito.
O transexualismo é uma patologia que causa enorme desconforto na pessoa humana, cujo conceito, segundo Antonio Chaves, “foi cunhada pelo americano Harry Benjamin, em 18.12.1953, passando a definir o transexual como aquele indivíduo que mesmo sabendo-se homem ou mulher, biologicamente normal, encontra-se profundamente inconformado com seu sexo biológico e desejoso de modificá-lo para passar a pertencer sexo oposto.”[2]
A inegável natureza humana do transexualismo, não podia mais ser tratada como exclusivo tabu social, na medida em que mais e mais transexuais tinham acesso à cirurgia de adequação sexual e passaram a exigir uma nova postura dos operadores do direito.
Em sintonia com essa nova realidade, não tardou a aparecer entidades e movimentos sociais, que retiraram a luta das trincheiras individuais, iniciando uma intensa luta pela conquista do direito à mudança de sexo.
Não obstante, o grande entrave que sempre existiu e continua sendo um complicador para a efetivação dos direitos inerentes à essa nova condição é que as cirurgias de mudança de sexo eram (e são) caras e, no passado, geralmente eram realizadas somente por pessoas de condições financeiras privilegiadas e, no exterior.
Assim, a questão do acesso dos menos favorecidos á oportunidade de realização de cirurgia de adequação sexual, tornou-se cerne de uma luta organizada e representativa (ou coletiva), onde os cidadãos se fizeram representados pelas associações e entidades sociais.
Movimentos como as paradas de orgulho gay, tornaram-se instrumentos de pressão social, com engajamento na luta pelos direitos relativos à opção sexual das pessoas.
As primeiras cirurgias de transgenitalização no Brasil foram registradas por volta de 1.975. Nessa época o cirurgião Plástico Roberto Farina chegou a ser condenado por lesões corporais graves, por ter realizado cirurgia com a autorização do paciente.
Após longa discussão ética, o Conselho Federal de Medicina, no ano de 1.997 editou a Resolução nº 1.482, publicada no Diário Oficial de 19 de setembro de 1.997, autorizando a título experimental a “realização de cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia, neofaloplastia e ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualismo.”
A cirurgia de transgenitalização e o tratamento respectivo somente deixaram de ser experimentais a partir da edição da Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.955, publicada no Diário Oficial da União, de 3 de setembro de 2010.
Em benefício dos transexuais, essas lutas acabaram por resultar na proposição de uma ação civil pública, que, por sua vez, possibilitou a edição das Resoluções 1707/2008 e 457/2008, do Ministério da Saúde, que viabilizaram a cirurgia gratuita de mudança de sexo no Sistema Único de Saúde, conforme oportunamente se tratará.
Mesmo não sendo contemplada na atual Lei de Registros Públicos (Lei nº 6015/730), a mudança de sexo nos assentos de registro civil passou a ser realidade, diante do amplo e unânime reconhecimento de tal direito pela jurisprudência.
As conquistas não pararam por aí, dado que, posteriormente os homossexuais e, por via de consequência, os transexuais, conseguiram o reconhecimento judicial do direito à união estável e o reconhecimento de tais uniões como entidades familiares.
Tais recentes conquistas de cidadania pelos transexuais é claro exemplo do avanço dos direitos fundamentais (chamados de terceira e quarta gerações), que caminham no sentido de alcançar eficazmente, o direito de minorias, por meio de soluções coletivas de conflitos de interesses.
Referidas conquistas também possuem repercussão no campo dos direitos fundamentais de primeira geração, na medida em que se relacionam intimamente com o direito à vida, à saúde, liberdade e dignidade humana.
A trajetória dessas transformações bem retrata a transição vivenciamos na busca da consecução de um verdadeiro estado democrático social de direito.
Tem-se por direitos fundamentais aqueles de garantia mínima, basilares, imprescindíveis à manutenção de uma vida digna. Tais direitos estão contemplados em nossa Constituição da República e insculpidos em tratados internacionais relativos a direitos humanos e, e constituem nas bases para o estado democrático e social de direito. Na lição de José Afonso da Silva, “situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, as vezes, nem mesmo sobrevive”[3].
Já os direitos sociais são aqueles que podem ser exigidos do estado ou da sociedade. Ou, em outras palavras, conforme assinalado por Jorge Miranda, “Os direitos sociais são direitos de libertação da necessidade e, ao mesmo tempo, direitos de promoção.” [4]
Conforme já afirmado, não há como negar que, as aspirações de transexualidade estão intimamente relacionadas com os bens mais relevantes tutelados pelo Direito.
Inicialmente, a transexualidade deve ser relacionada com o direito fundamental à saúde, mormente no tange à definição de uma vida saudável, tratada aqui como exercício pleno dos direitos humanos fundamentais.
Tal ideia tem como fundamento Declaração de Alma-Ata[5] (Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde), que em seu artigo I, reafirmou que a saúde é um completo estado de bem estar físico, mental e social, enfatizando a sua natureza de garantia fundamental do cidadão.
Assim, tendo em conta a natureza do compromisso internacional subscrito pelo país, já destacamos neste primeiro momento a necessidade de associação das condições físicas, mentais e sociais, como direito humano fundamental.
Mais recentemente a Declaração Universal Sobre Bioética e Direitos Humanos, proclamada em Paris, na França[6], consagrou a necessidade de se assegurar o integral respeito aos direitos fundamentais e a prevalência do bem estar do indivíduo sobre os demais interesses.
Reforçando tal ideia da necessidade de garantia de prevalência dos valores humanos, dentre todas as garantias fundamentais, o artigo 28 da referida Declaração[7] proíbe que os Estados invoquem qualquer interpretação que justifique a contrariedade a direitos fundantes, especialmente a dignidade humana.
Na Constituição Federal da República Federativa do Brasil, a dignidade humana foi contemplada como fundamento da própria existência do Estado (Art. 1º, inciso III) e prevalência dos direitos humanos foi adotada como princípio justificador de nossa República (Art. 4º, inciso II).
Já o artigo 5º, inciso XLI vedou e determinou a punição a “qualquer discriminação atentatória dos direitos fundamentais”.
Por fim, a saúde foi erigida à categoria de garantia fundamental do cidadão pelo artigo 196 da nossa Carta Política (art. 196), situando-a como direito do cidadão e dever do Estado.
O direito fundamental à saúde, Segundo Canotilho e Vital Moreira, possui dois acepções, que segundo eles, “(...) uma, de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenham de qualquer acto que prejudique a saúde; outra, de natureza positiva, que significa o direito às medidas e prestações estatais visando á prevenção das doenças e tratamento delas.”[8] Por certo, a Constituição Brasileira, ao consagrar o direito de assistência integral à saúde, contemplou as duas acepções vislumbradas pelos autores lusitanos.
Logo, sendo o direito à saúde, inegavelmente contemplado como direito fundamental, sua posição se reforça quando se conclui que ele possui intima e inseparável relação como o direito à vida e dignidade.
Pois bem, entendemos que o cerne do problema da questão transexual engloba os três aspectos de visão de saúde, tratados na Convenção de Alma-Ata, quais sejam, físico, mental e social.
Ora, o sujeito transexual depara-se com um problema de ordem físico-mental, na medida em que está preso a um corpo, cuja condição mental e intelectual não se adequa (ou não aceita), o que gera várias repercussões na esfera social deste indivíduo, que, pelo que nos parece, somente pode ser reparado com a realização da cirurgia e acompanhamento psicossocial. Segundo Maria Helena Diniz, “o transexual é portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência a auto-mutilação ou auto-extermínio.”[9]
Portanto, é inegável a condição de distúrbio na saúde do indivíduo transexual, impondo-se a intervenção estatal, especialmente na criação de políticas públicas, que garantam essa adequação.
Nesse contexto, é forçoso concluir que os transexuais somente podem ter uma vida com dignidade e bem estar, com a manutenção de boas condições de saúde, quando puder externar sua verdadeira opção sexual, sem sofrer represálias, retaliações ou discriminações sociais.
Portanto, posta a questão sob essa ótica, podemos afirmar com certeza que há clara violação dos direitos humanos, quando um transexual é obrigado a enfrentar imbróglios jurídicos e sociais, quando lhe é tolhido, embaraçado ou dificultado o direito esse verdadeiro direito de personalidade.
Juntamente com a violação do direito à personalidade também são violados o direito à intimidade, à dignidade e à própria vida, conforme já exposto acima.
No histórico dos transexuais em solo pátrio tivemos já várias públicas evidências de violação desses direitos.
Primeiramente, tivemos situações que se desdobraram dos primeiros transexuais brasileiros, quanto à mudança do assento de nascimento. Tal ocorreu com os transexuais que tinham condições financeiras e coragem de realizar as cirurgias às suas próprias expensas e que depois de realizada, o Estado não reconhecia a nova condição sexual. O caso mais célebre que ilustra essa questão foi o da atriz Roberta Close, que travou uma luta judicial que durou mais de 15 anos, para ter o direito à mudança em seu assento de nascimento
Atualmente a situação é muito mais tranquila. A questão da alteração dos assentos do registro civil é admitida sempre que ocorrer o prévio procedimento transexualizador. Todavia com a matéria não está positivada em nosso direito, a providência sempre deve ser antecedida de prévio procedimento judicial retificatório, que por vezes é caro e demorado, se constituindo em mais um obstáculo à efetivação do direito.
Por certo, ainda existem muitos desafios a serem vencidos.
A adoção de filhos por casal, onde existe a presença de transexual, embora admitida em diversos procedimentos judiciais, ainda é um desafio grande. Mesmo sendo boas as perspectivas, os complexos procedimentos judiciais se colocam como obstáculo à efetivação de tal direito.
O direito ao casamento civil também é outra aspiração que não está positivada e, que por certo vai depender de difícil caminho, inclusive de reforma constitucional, para ser reconhecido.
Assim, nos parece forçoso concluir que a questão da transexualidade, sob a ótica dos direitos fundamentais ainda produz grandes discussões e, a superação desafios somente pode se fazer com a correta hierarquização e interpretação de tais garantias insertas na Constituição Federal e Tratados Internacionais.
A bioética é a ciência que busca estabelecer limites, dentro de padrões éticos e morais, aos estudos, procedimentos e avanços biológicos aplicáveis aos seres viventes.
Trata-se de uma ciência relativamente nova, nascida nos Estados Unidos da América, por volta do ano de 1970, a partir de estudos e movimentos encabeçados por Van Rensselaer Potter[10] e Andre Hellegers[11].
Todavia, para outros, a bioética de fato, tem suas raízes na década de 60, devido à descoberta da hemodiálise em Seatle, nos Estados Unidos. Nesse sentido, Pessini e Barchinfontaine, sustentam:
“... um comitê em Seattle cujo objetivo era selecionar pacientes para o programa de hemodiálise, recentemente aberto na cidade. A diálise crônica fora viabilizada pela invenção do Dr. Belding Scribner apenas em 1961. Tornou-se claro que muito mais pacientes necessitavam de diálise do que a capacidade. A solução foi perguntar a um pequeno grupo, composto em sua maioria de profissionais não médicos, que revisse todos os dossiês dos candidatos indicados medicamente para hemodiálise e escolhesse aqueles que receberiam a tecnologia salvadora da vida. Dessa forma o comitê defrontou com a tarefa inviável de determinar critérios em questões não médicas. Deveria ser a personalidade? Finanças? Aceitação social? Contribuição passado ou futura? Dependentes familiares e apoio? Embora o comitê fosse anônimo, a notícia de sua existência surgiu no
„New York Times‟. A correspondente da revista „Life‟ Shana Alexamnder foi a Seattle cobrir o que ela descreveu na conferência como” o nascimento da bioética” como “ a mais fascinante história de sua carreira”[12].
A situação acima descrita ocorreu porque o Seattle Artificial Kidney tinha capacidade para 9 (nove) leitos e a diálise era um tratamento raro em muitos estados americanos. O custo do tratamento girava em torno de US$ 10.000,00/ano e as Companhias de Seguros resistiam em pagar um tratamento experimental[13].
A bioética como ciência autônoma, está disciplinada em tratados, convenções e na própria legislação pátria.
Além das já citadas Alma-Ata e Declaração Universal Sobre Bioética e Direitos Humanos, existem outras fontes de bioética, tais como Declaração de Helsinque[14], Declaração Ibero-Americana sobre Direito, Bioética e Genoma Humano[15], declaração do Genoma Humano e dos Direitos Humanos[16], Relatório Belmont[17], isso sem mencionar o próprio juramento de Hipócrates e Código de Ética Médica.
No ordenamento jurídico nacional, podemos citar como fontes normativas da bioética a Lei 9.434 de 04 de fevereiro de 1997, que trata da doação de órgãos e transplantes; a Lei 10.211 de 23 de março de 2001, que alterando a lei anterior, também disciplinou a doação e transplantes de órgãos; os códigos profissionais, como o Código de ética Médica e Código de Ética de Profissionais de Enfermagem.
Embora possam ser encontradas diversas definições para a Bioética, tais a que melhor tenha traduzido seu sentido é a dada por Maria Helena Diniz[18], que citando Gilbert Hottois “estudo sistemático das dimensões morais das ciências da vida e do cuidado da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto multidisciplinar.”
Os princípios aplicáveis a Bioética são pautados no Relatório de Belmont e, foram categorizados em três vertentes: princípio do respeito pelas pessoas; beneficência e, justiça.
O princípio do respeito às pessoas indica a necessidade de prevalência dos valores do indivíduo sobre aqueles da sociedade, ou da coletividade. Segundo tal princípio, o indivíduo deve ser tratado como agente autônomo em um primeiro momento. Em segundo plano, tem-se que as pessoas com autonomia diminuída devem ser protegidas.
Assim, esse princípio preserva a capacidade decisória do indivíduo, que deve ser acautelada e protegida quando ele não tiver condições de externá-la.
Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos relembra os fundamentos filosóficos desse princípio pautado em Kant, asseverando que ele “Age de maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, como fim e nunca como meio.”[19] Assevera, ainda, que tal reflexão obriga o homem a pensar que a natureza racional deve ser tomada como fim em si e que a existência do outro também deva ser tomada como fim em si, como a sua própria existência.
Nesse contexto, abrem-se ao menos duas possibilidades pragmáticas. Imaginemos um caso onde o indivíduo, sem conhecimento específico que, portador de determinada doença opta por seguir um tratamento diverso do recomendado pelo médico. Duas são as hipóteses quês e telam. A primeira é que a junta acate a decisão do paciente, ainda que não seja a mais São Paulo: Ícone Editora, 1998 adequada, porém com respeito ao princípio ventilado, tem-se a decisão de atender ao anseio do paciente, baseada no fato que não se pode obstaculizar a ação a não ser que esta seja prejudicial aos demais.
Por outra via, há casos em que o indivíduo não detém perícia, capacidade por qualquer razão (idade, alienação, etc.), ou por ignorância pura, devendo, portanto, prevalecer o poder deliberatório de terceiro, por exemplo, de um médico, que agiria, atendendo, igualmente, ao princípio de respeito pelo paciente.
Por esse princípio deve-se sempre ser realizada a conduta mais benéfica ao paciente.
Sua idéia geral já era estabelecida no Juramento de Hipócrates[20]: “Aplicarei os regimes para o bem dos doentes, segundo meu saber e minha razão, e nunca para prejudicar ou fazer mal a quem quer que seja”.
Esse princípio também traduz duas orientações praticas, quais sejam, não causar dano e maximizar possíveis benefícios, minimizando os possíveis danos.
Conjugando-se este princípio com o anterior, tem-se que é dever do profissional que trata da vida, zelar pela vida alheia com a razão e conhecimento, sem causar prejuízos, ou se impossível, fazê-lo com a minimização do mal para o indivíduo e para os outros.
Apontamos como exemplo os casos onde o médico vê-se obrigado a amputar um membro do doente, para salvar-lhe a vida. Trata-se claramente de um caso onde aplica-se o princípio da beneficência, minimizando os males, ante a dicotomia de ter que amputar ou submetê-lo ao risco de perder a vida.
É o que busca o ideal da Justiça distributiva.
Segundo Maria Celeste Cordeiro Leite Santos[21], o próprio Relatório de Belmont relega a questão a um patamar mais amplo considerando cinco critérios de distribuição desta justiça, que são os seguintes:
a cada pessoa, uma parte igual: deve ser vista como a ideia formulada a partir da Filosofia Clássica Grega, onde a dike, aplicável a todos os mortais e de igual modo e garantida pelo próprio Zeus.
a) a cada pessoa, segundo sua necessidade individual: é a ideia de justiça repousa-se mais em fatores alheios ao próprio indivíduo, colocando-o numa postura mais passiva, de modo que, as condições físicas e mentais, não escolhidas, determinam a justiça que deva ser aplicada. No entanto, há também forte ligação com justiça conforme o próprio esforço, que será analisada posteriormente, no sentido de sua posição sociocultural e nas classes sociais, por opção própria.
b) a cada pessoa, segundo seu próprio esforço: atribui-se ao indivíduo, a total responsabilidade do grau de justiça que lhe é ofertado. A única condição, determinante quanto à distribuição de justiça ao indivíduo, a luz dessa vertente, é a escolha do indivíduo, em sua formação intelectual, culminando com a sua colocação ante à sociedade.
c) a cada pessoa segundo sua contribuição à sociedade: aproxima-se da ideia Platônica, considerando que (na Polis) cada qual tem suas próprias atribuições e, portanto, suas respectivas necessidades peculiares.
d) a cada pessoa, segundo seu mérito: a justiça distributiva se aplica a cada pessoa segundos seus méritos e, portanto, não sendo as pessoas iguais, tampouco merecem ter coisas iguais.
Não há, portanto, um critério fechado para o princípio da justiça, mas tão somente um caminho norteador para a aplicação dessa justiça dentro da bioética.
Entendemos que as duas primeiras formas de justiça, denotam num plano ideal de justiça, distribuindo-as igualitariamente e conforme a necessidade individual.
As três últimas que consideram o próprio esforço, a contribuição à sociedade e o mérito, são formas de compensação individual que dependem de um juízo de valor.
Não obstante, é forçoso concluir que a concreção do ideal de justiça somente é alcançada quando observadas e sopesadas todas essas formas de justiça, corretamente apontadas por Maria Celeste Cordeiro Leite Santos.
Pode parecer contraditório relacionar direito de minorias com a tutela de direitos coletivos ou difusos, especialmente porque até agora, parece que toda problemática do transexualismo nos guia para a análise do interesse individual (do indivíduo transexual), em contrariedade com os interesses da sociedade. Todavia, isso é o que ocorre na prática.
Conforme é sabido, as aspirações dos transexuais são sempre repelidas por dogmas religiosos, ideologias e pré-conceitos (ou preconceitos). Por conta disso, os transexuais, em sua grande maioria, vivem marginalizados, recolhidos aos seus guetos, ou micro comunidades, lutando cotidianamente para serem aceitos e insertos no meio social, que os repele.
Nesse sentido e por essa razão, é que se descortina o essencial “interesse coletivo”, que nasce na necessidade em conferir eco a essas vozes (ou gritos) individuais, fazendo-os espraiar na sociedade, nos meios políticos e nos ambientes jurídicos. Em última análise, existe interesse de toda sociedade em garantir o direito de dignidade humana ou o direito de ser feliz a todos, especialmente às minorias negligenciadas pela sociedade.
Em interessante estudo sobre tal matéria, Ilse Warren-Scherer, conclui que:
“As redes de movimentos sociais possibilitam, nesse contexto, a transposição de fronteiras territoriais, articulando ações locais às regionais, nacionais e transnacionais; temporais, lutando pela indivisibilidade de direitos humanos de gerações históricas e suas respectivas plataformas; sociais, em seu sentido amplo, compreendendo o pluralismo de concepções de mundo dentro de determinados limites éticos, o respeito às diferenças e a radicalização da democracia através do aprofundamento da autonomia relativa da sociedade civil organizada. Essa é a nova utopia do ativismo: mudanças com engajamento com as causas sociais dos excluídos e discriminados e com defesa da democracia na diversidade.”[22]
Vista pela ótica jurídica, propriamente dita, segundo lição de Rodolfo Mancuso[23], “os interesses difusos que, não tendo vínculos de agregação suficientes para sua institucionalização perante outras entidades ou órgãos representativos, estariam em estado fluído e dispersos pela sociedade civil como um todo”. Segundo o mesmo autor, os interesses difusos caracterizam-se pela indeterminação dos sujeitos, pela indivisibilidade do objeto e por sua tendência à transição ou mutação no tempo e no espaço.
Tem-se, portanto, que a coletivização dos direitos sempre parte do indivíduo, que sendo incapaz isoladamente de promover a sua garantia, o projeta para um plano maior, onde consegue agregar o desejo de outras e outras pessoas na consecução do mesmo objetivo, formando o desejo ou interesse coletivo.
Os direitos coletivos das minorias negligenciadas estão consagrados como direitos fundamentais de terceira e quarta geração, que têm como tema central a coletividade, de um modo amplo, defendendo direitos de solidariedade e fraternidade (terceira geração) e os direitos de informação, democracia e pluralismo (quarta geração). Nesse sentido, Alexandre de Morais destaca:
“(...) Celso Lafer classifica esses mesmos direitos em quatro gerações, dizendo que os direitos de terceira e quarta geração transcendem a esfera dos indivíduos considerados em sua expressão singular, e recaindo, exclusivamente nos grupos primários e nas grandes formações sociais (A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo: Companhia da Letras, 1988, apud discurso de posse do Ministro Celso de Mello como Presidente do Supremo Tribunal Federal.”
Assim, constatamos que, o direito aponta para novas direções, indicando outro patamar, onde existe o abandono dos ideais essencialmente individualistas, para buscar, paulatinamente, nos direitos coletivos outra forma de realização da justiça.
Dentro dessa nova realidade, os transexuais vêm encontrando terreno fértil para a satisfação de suas expectativas, encontrando no Direito a ressonância da vontade coletiva de abandonar o histórico passado de marginalização social. No âmbito da tutela coletiva, as conquistas são ainda mais significativas, não pelo efeito vinculante das decisões, mas principalmente por retirar os interessados da linha de frente da batalha, onde não raramente existem enfrentamentos desaconselháveis para os titulares do direito.
5.1.1 Da Ação Civil Pública que resultou na criação Portarias 1707/2008, do Ministério da Saúde[24] e 457/200824 da Secretaria de Atenção à Saúde.
Como primeiro exemplo dessa nova realidade, destacamos a propositura de Ação Civil Pública contra a União[25], visando a instituição de obrigação de fazer de inclusão das cirurgias de readequação de sexo como procedimento padronizado e remunerado pelo Sistema Único de Saúde.
Em decisão absolutamente pioneira, o Tribunal Regional Federal da Quarta Região acolheu o pedido deduzido pelo autor e condenou a ré à inclusão do procedimento de transgenitalização dentre os procedimentos do Sistema Único de Saúde.
Contra a decisão que concedeu tutela antecipada na referida ação civil pública, a União Federal impetrou procedimento de Suspensão de Tutela Antecipada no Supremo Tribunal Federal (STA)[26], tendo obtido liminar da então Ministra Presidente daquele Tribunal. Não obstante, ao final, o Pretório Excelso julgou prejudicada a impetração e tornou sem efeito a liminar de suspensão de tutela antecipada.
Para justificar o aresto, o Tribunal invocou a incidência de diversos princípios constitucionais, com destaque para a igualdade, proibição de discriminação por motivo de sexo, liberdade, livre desenvolvimento da personalidade, privacidade e saúde, cuja decisão foi assim ementada:
“DIREITO CONSTITUCIONAL. TRANSEXUALISMO. INCLUSÃO NA TABELA SIH-SUS DE PROCEDIMENTOS MÉDICOS DE TRANSGENITALIZAÇÃO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE E PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO POR MOTIVO DE SEXO. DISCRIMINAÇÃO POR MOTIVO DE GÊNERO. DIREITOS FUNDAMENTAIS DE LIBERDADE, LIVRE DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE, PRIVACIDADE E RESPEITO À DIGNIDADE HUMANA. DIREITO À SAÚDE. FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO.”
Para justificar tal decisão, o Tribunal indicou que a exclusão de tal procedimento dentre aqueles custeados pelo SUS configurava discriminação não tolerada pela Constituição, asseverando:
“1 – A exclusão da lista de procedimentos médicos custeados pelo Sistema Único de Saúde das cirurgias de transgenitalização e dos procedimentos complementares, em desfavor de transexuais, configura discriminação proibida constitucionalmente, além de ofender os direitos fundamentais de liberdade, livre desenvolvimento da personalidade, privacidade, proteção à dignidade humana e saúde.
2– A proibição constitucional de discriminação por motivo de sexo protege heterossexuais, homossexuais, transexuais e travestis, sempre que a sexualidade seja o fator decisivo para a imposição de tratamentos desfavoráveis.
3– A proibição de discriminação por motivo de sexo compreende, além da proteção contra tratamentos desfavoráveis fundados na distinção biológica entre homens e mulheres, proteção diante de tratamentos desfavoráveis decorrentes do gênero, relativos ao papel social, à imagem e às percepções culturais que se referem à masculinidade e à feminilidade.
4– O princípio da igualdade impõe a adoção de mesmo tratamento aos destinatários das medidas estatais, a menos que razões suficientes exijam diversidade de tratamento, recaindo o ônus argumentativo sobre o cabimento da diferenciação. Não há justificativa para tratamento desfavorável a transexuais quanto ao custeio pelo SUS das cirurgias de neocolpovulvoplastia e neofaloplastia, pois (a) trata- se de prestações de saúde adequadas e necessárias para o tratamento médico do transexualismo e (b) não se pode justificar uma discriminação sexual (contra transexuais masculinos) com a invocação de outra discriminação sexual (contra transexuais femininos).
5– O direito fundamental de liberdade, diretamente relacionado com os direitos fundamentais ao livre desenvolvimento da personalidade e de privacidade, concebendo os indivíduos como sujeitos de direito ao invés de objetos de regulação alheia, protege a sexualidade como esfera da vida individual livre da interferência de terceiros, afastando imposições indevidas sobre transexuais, mulheres, homossexuais e travestis.
6– A norma de direito fundamental que consagra a proteção à dignidade humana requer a consideração do ser humano como um fim em si mesmo, ao invés de meio para a realização de fins e de valores que lhe são externos e impostos por terceiros; são inconstitucionais, portanto, visões de mundo heterônomas, que imponham aos transexuais limites e restrições indevidas, com repercussão no acesso a procedimentos médicos.”
Além de seu caráter pioneiro, a decisão referida também merece destaque em razãoda forma que encarou a força normativa dos princípios constitucionais, afastando a ideia de que eles são simples normas de organização do Estado e, portanto, não dirigidas aos operadores do Direito. Com isso, reforçou a corrente daqueles que sustentam a plena efetividade dos princípios, principalmente aqueles relacionados com as garantias fundamentais. Nesse sentido enfatizou:
“7 – A força normativa da Constituição, enquanto princípio de interpretação, requer que a concretização dos direitos fundamentais empreste a maior força normativa possível a todos os direitos simultaneamente, pelo que a compreensão do direito à saúde deve ser informada pelo conteúdo dos diversos direitos fundamentais relevantes para o caso.”
Prosseguindo, o decisório confirmou a jurisprudência prevalente em todos os tribunais brasileiros, no sentido de a Constituição Federal contemplou o direito à saúde como garantia fundamental, que assegura a integralidade da assistência prestada pelo Estado, ao pontificar:
“8 – O direito à saúde é direito fundamental, dotado de eficácia e aplicabilidade imediatas, apto a produzir direitos e deveres nas relações dos poderes públicos entre si e diante dos cidadãos, superada a noção de norma meramente programática, sob pena de esvaziamento do caráter normativo da Constituição.
9 – A doutrina e a jurisprudência constitucionais contemporâneas admitem a eficácia direta da norma constitucional que assegura o direito à saúde, ao menos quando as prestações são de grande importância para seus titulares e inexiste risco de dano financeiro grave, o que inclui o direito à assistência médica vital, que prevalece, em princípio, inclusive quando ponderado em face de outros princípios e bens jurídicos.”
Por fim, o Tribunal Regional confirmou a pertinência da ação civil pública para a tutela do direito das minorias, como os transexuais, além da legitimidade do Ministério Público para a propositura de ações desse jaez:
“15 – O Ministério Público Federal é parte legítima para a propositura de ação civil pública, seja porque o pedido se fundamenta em direito transindividual (correção de discriminação em tabela de remuneração de procedimentos médicos do Sistema Único de Saúde), seja porque os direitos dos membros do grupo beneficiário têm relevância jurídica, social e institucional.”
Referida decisão foi proferida com efeitos em todo território nacional, tendo sido imediatamente cumprida pelo Ministério da Saúde, que rapidamente elaborou as portarias incluindo os procedimentos dentre os custeados pelo Sistema Único de Saúde.
Com certeza essa foi uma das mais relevantes vitórias daqueles que lutam em favor dos direitos das minorias, a despeito da consciência de que existe um enorme caminho a ser trilhado até a plena garantia de tais direitos.
5.1.2 Ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 4277 e Ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 132.
Um novo capítulo na tutela coletiva dos direitos dos transexuais ocorreu com o julgamento conjunto da ADI 4277 e ADPF nº 132, pelo Supremo Tribunal Federal.
A ação direta de inconstitucionalidade se insere dentro do campo do qual se convencionou chamar de jurisdição constitucional, onde o Supremo Tribunal Federal é chamado a declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma norma. Para muitos, trata-se de uma modalidade de jurisdição voluntária, para outros, de verdadeira atividade legislativa atípica do Poder Judiciário.
Através de referida ação constitucional, é possível a realização do amplo controle concentrado de constitucionalidade de leis e de alguns atos administrativos.
Referida possibilidade de controle se estende, inclusive, às emendas constitucionais, nos casos de violação de cláusulas pétreas da Constituição (art. 60, § 4º).
Já ação de descumprimento de preceito fundamental é mais um instrumento de proteção de direitos previsto no rico sistema constitucional brasileiro, que foi instituída de forma pioneira pela Constituição da República Brasileira de 1.988.
Referida ação, que jamais cogitada do ordenamento jurídico brasileira, foi prevista, inicialmente, no parágrafo único do artigo 102 da Constituição. Posteriormente, com o advento da Emenda Constitucional nº 03/93, ela passou a constar do § 1º do mesmo artigo.
Inserida no sistema concentrado de controle de constitucionalidade, a ADPF é o instrumento para combater a desobediência de valor fundamental da Carta. Nesse sentido é importante destacar que "O conceito de „descumprimento‟ ultrapassa o âmbito da mera inconstitucionalidade, podendo açabancar até mesmo fatos do mundo concreto contrários à „realidade‟ constitucional (realidade normativa, mundo do dever ser)”[27]
As duas ações julgadas pelo Supremo Tribunal Federal possuíam fundamentos diferentes, mas foram julgadas procedentes para a mesma finalidade, ou seja, a eliminação da proibição de reconhecimento de união estável, como unidade familiar, entre pessoas do mesmo sexo[28], declarando a inconstitucionalidade do artigo nº 1.723, do Código Civil, que disciplina a união estável entre homem e mulher[29].
Com tal decisório, o Supremo Tribunal Federal produziu decisão de caráter vinculante, não só para o Poder Judiciário, mas também para toda a administração pública brasileira, na forma do disposto no § 3º, do artigo 10 da Lei nº 9882/99.
Por atingir interesses de todos os transexuais, além do reconhecimento de garantias fundamentais, a decisão se consolidou como autentica tutela jurisdicional de interesses coletivos.
Em razão de seu efeito erga omnes, a decisão produziu uma tutela coletiva de máxima efetividade, já que não permite qualquer discussão sobre o seu conteúdo.
Durante a tramitação das referidas ações, vários amicus curiae[30], em sua maioria postulando em favor dos interesses dos transexuais, como a Associação Brasileira de Gays Lésbicas Bissexuais Travestis e Transexuais- ABGLT; Centro de Referência de Gays Gays Lésbicas Bissexuais Travestis Transexuais e Transgêneros do Estado de Minas Gerais- GLBTTT; Associação de Travestis e Transexuais de Minas Gerais- ASSTRAV e Centro de Luta Livre pela Orientação Sexual- CELLOS, dentre outras. Da mesma forma, ocorreram habilitações de instituições contrárias aos pedidos deduzidos nas ações, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNBB.
Embora a decisão tenha sido interpretada por muitos como o reconhecimento da possibilidade de casamento de pessoas do mesmo sexo, o decisório não teve tal alcance.
É de ser notado, que além de não contemplar o casamento, a v. decisão, de forma expressa, reconheceu a possibilidade de formação “de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil.” Assim, somente é pessoa o “reconhecimento da união contínua, publica e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que dever ser feito segundo as mesmas consequências da união estável heteroativetiva.” (excertos do acórdão).
De qualquer forma, a grande conquista que resultou de tal julgamento foi a possibilidade de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, que passa a justificar o recebimento de proteção do estado, na forma do disposto no artigo 226 da Constituição da República.
6. CONCLUSÃO
Diante do exposto, é possível concluir que experimentamos em nosso país um avanço extraordinário no rumo da efetiva garantia e proteção dos interesses das minorias, especialmente dos transexuais.
Muito mais que os avanços jurídicos, plasmados em decisões judiciais e reconhecimento doutrinário, a aceitação e o reconhecimento social de tais direitos é a face mais extraordinária desse ímpar momento.
Não obstante, é necessário reconhecer que ainda existe um longo caminho a ser percorrido até que ocorra a plena efetividade dos direitos e garantias dessa parcela de nossa população.
O trânsito da tutela individual para a tutela coletiva significou grande avanço na busca da garantia de tais direitos, não só porque as decisões proferidas nesta via possuem eficácia erga omnes, mas principalmente porque retira o ônus da luta solitária e discriminada de cada um dos interessados.
No âmbito da tutela coletiva, a jurisprudência vem se firmando no sentido de admitir as ações coletivas como instrumentos hábeis para a garantia dos referidos direitos, reconhecendo a legitimidade do Ministério Público para a propositura da ação e, principalmente, na adoção de princípios constitucionais como instrumentos com força normativa capaz de possibilitar a tutela jurisdicional dos interesses das minorias.
Com tais precedentes é possível acreditar que a nossa jovem República está construindo um firme caminho rumo a consecução de um verdadeiro estado democrático social de direitos, onde as pessoas poderão conviver de forma harmônica, sem influência das naturais diferenças que lhe são peculiares.
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[1] Promotor de Justiça. Mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP. Pós-Doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNAERP. Professor Doutor do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP.
[2] CHAVES, Antonio. Direito à vida e ao próprio corpo. São Paulo: RT, 1.994, p. 389
[3] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. Ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 178
[4] MIRANDA, Jorge. Os direitos fundamentais – sua dimensão individual e social. Cadernos de Direito Constitucional de Ciências Políticas. São Paulo, nº 01, 1.992, p. 201.
[5] O nome foi dado em razão da cidade da sede da Conferência ocorrida entre 6 e 12 de setembro de 1.978, na então capital da República Soviética do Cazaquistão, Alma-Ata: “I- A Conferência reafirma enfaticamente que a saúde- estado de completo bem estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade- é um direito humano fundamental, e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a adoção de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor da saúde
[6] Reunião ocorrida 6 e 8 de abril e posteriormente entre 20 e 24 de junho de 2005, na sede da UNESCO, onde o Brasil foi representado pela delegação chefiada pelo embaixador Antônio Augusto Dayrell de Lima, oportunidade em que se contemplou: ARTIGO 3 – DIGNIDADE HUMANA E DIREITOS HUMANOS
A A dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser respeitados em sua totalidade.
B Os interesses e bem estar do indivíduo, devem ter prioridade sobre o interesse exclusivo da ciência ou da sociedade.
[7] ARTIGO 28 – RECUSA DE ATOS CONTRÁRIOS AOS DIREITOS HUMANOS, ÀS LIBERDADES FUNDAMENTAIS E DIGNIDADE HUMANA
Nada nesta Declaração pode ser interpretado como podendo ser invocado por qualquer Estado, grupo ou indivíduo para justificar envolvimento em qualquer atividade ou prática de atos contraditórios aos direitos humanos, aos direitos fundamentais e à dignidade humana.
[8] CANOTILHO, José Joaquim Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. Vol.
I. Artigos 1º a 107. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 342/343
[9] DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 966.
[10] Este teria sido o criador do neologismo Bioethics, num artigo científico publicado em 1970, associando as palavras bios do latim vida e ethics também da língua latina éthica. Potter, oncologista americano, professor da Universidade de Wiscosin escreveu a obra Bioethics: bridge to the future, no ao de 1971, e após Global Bioethics
[11] Pesquisador do Instituto Kennedy de Bioética, em Washington.
[12] PESSINI, Leo e BARCHINFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas Atuais de Bioética. 8. Ed. Revista e ampliada. São Paulo: Centro Universitário São Camilo: Loyola, 2007. p. 26
[13] BRAZ, Marlene, Et. all, disponível in: http://www.ghente.org/bioética/historico.htm.
[14] Ocorrida em Helsinque, em outubro de 2000, adotou princípios éticos para pesquisas clínicas envolvendo seres humanos.
[15] Declaração de Manzanillo de 1996, revista em Buenos Aires em 1998 e em Santiago em 2001, pronunciaram- se acerca da ética sobre o genoma humano a luz da bioética e do Direito Internacional..
[16] 29ª Conferência Geral da UNESCO, de 21 de outubro a 12 de novembro, em Paris, França.
[17] Centro de Convenções Belmont em Elkridge, estado de Mariland, 1978 identifica os princípios éticos básicos para a pesquisa envolvendo seres humanos.
[18] DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 5.ed. revisada, aumentada e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 10.
[19] SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. O equilíbrio do Pêndulo. Bioética e a lei: implicações médico-legais.
[20] Hipócrates foi o pai da medicina e o Juramento de Hipócrates faz parte do ritual e cerimonial dos formandos de medicina, até hoje. Na verdade trata-se de um documento moral e de formalidade, com nenhum conteúdo cominatório.
[21] Op.cit. p. 6
[22] SCHERER-WARREN, Ilse. Das mobilizações às redes de movimentos sociais in Socidade e Estado, Brasília, vol. 21, n. 1. jan./abr. 2006. p. 109-130.
[23] BOLQUE , Fernando César. Interesses difusos e coletivos: Conceito e legitimidade para agir Revista Justitia. São Paulo, vol. 61, nº 185/188, jan/dez. 1999. Disponível em: <http://www.bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstrem/handle/2011/23701/interesses_difusos_coletivos_conceitos.pdf?seq. Consulta em 30.03.2012.
[24] Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Processo Transexualizador, a ser implantado nas unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão
[25] Viabiliza burocraticamente a execução da cirurgia, junto aos órgãos executores do procedimento.
[26] TRF 4ª Região- AC 2001.71.00.026279-9/RS, Rel. Des. Federal Roger Raupp Rios, j. 14.08.2.007. 26 STA nº 185, Rel. Min. Ellen Gracie, decisão DJE nº 207, de 05.11.2009.
[27] TAVARES, André Ramos. A argüição de descumprimento de preceito fundamental: Análises à luz da Lei nº 9.882/99. São Paulo: Atlas, 2001, p. 59
[28] Da ementa do acórdão datado de 16.05.2011, da lavra do Ministro Carlos Ayres Brito, extrai-se a seguinte conclusão: “Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.”
[29] Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
[30] Locução de origem latina, que significa “amigo da corte”, mas que tem sido utilizada para designar uma forma de intervenção de terceiros, como assistente de uma das partes.
Advogado em Ribeirão Preto e Aluno do Programa de Mestrado da Unaerp- Universidade de Ribeirão Preto.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NAKAGAWA, Roger Spanó. Direitos dos transexuais como manifestação dos direitos fundamentais e sua tutela coletiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 nov 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53800/direitos-dos-transexuais-como-manifestao-dos-direitos-fundamentais-e-sua-tutela-coletiva. Acesso em: 22 dez 2024.
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