JEFFERSON FREITAS VAZ[1]
(Orientador)
Resumo: O presente artigo tem como intuito analisar as modificações do intervalo intrajornada por meio das alterações do artigo 71, §4º e a inclusão dos artigos 611-A, incisos I e III e 611-B da CLT decorrente da reforma trabalhista, dada pela Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017. Pretende-se fazer breves considerações sobre a origem e a história da Justiça do Trabalho, bem como os princípios constitucionais que amparam o trabalhador nas relações empregatícias, para posteriormente tratar especificamente dos impactos causados na vida do obreiro em virtude do novo regramento do intervalo intrajornada, analisando ainda, seu conceito, sua natureza jurídica, sua descaracterização como normas de ordem pública, relativas a saúde, higiene e segurança do meio ambiente de trabalho, comparando o intervalo intrajornada antes e depois do advento da reforma trabalhista. Isto posto, com base na jurisprudência, na doutrina majoritária, nas Convenções Internacionais do Trabalho, verifica-se indícios de inconstitucionalidade em virtude de tais mudanças, devendo o Poder Judiciário trazer a uniformização e consolidação das decisões relacionadas ao intervalo intrajornada, para que se possa garantir a segurança jurídica no ordenamento jurídico brasileiro.
Palavras-Chave: Intervalo. Intrajornada. Inconstitucionalidade. Reforma. Trabalhista.
Abstract: The purpose of this article is to analyze the changes in the intra-day break by means of the amendments to article 71, paragraph 4 and the inclusion of articles 611-A, items I and III and 611-B of the labor law reform, given by Law no. 13,467 of July 13, 2017. It is intended to make brief considerations on the origin and history of Labor Justice, as well as the constitutional principles that support the worker in employment relationships, to further address specifically the impacts on the life of the worker in virtue of the new rule of the intra-day interval, also analyzing its concept, its legal nature, its lack of characterization as public order norms related to health, hygiene and safety of the work environment, comparing the intra-day interval before and after the advent of retirement Labor This, based on the jurisprudence, the majority doctrine, the International Labor Conventions, there is evidence of unconstitutionality due to such changes, and the Judiciary should bring the standardization and consolidation of decisions related to the intra-day interval, so that ensure legal certainty in the Brazilian legal system.
Keywords: Interval. Injuryed. Unconstitutionality. Reform. Labor.
Sumário: 1. Introdução - 2. História e Princípios da Justiça do Trabalho: 2.1 Origem da Justiça do Trabalho; 2.2 Princípios do Direito do Trabalho; 2.2.1 Dignidade da Pessoa Humana e o Valor Social do Trabalho e da Livre Iniciativa; 2.2.2 Princípio da Proteção; 2.2.3 Princípio da Segurança Jurídica; 2.2.4 Princípio da Vedação ao Retrocesso Social; 2.3 Do Intervalo Intrajornada; 2.3.1 Conceituação; 2.3.2 Intervalo Intrajornada como Norma Fundamental a Saúde, Higiene e Segurança do Trabalho; 2.3.3 Segurança e Saúde no Trabalho na Atividade Normativa Da Organização Internacional Do Trabalho – OIT; 2.3.4 Saúde, Higiene e Segurança do Trabalho no Ordenamento Jurídico Brasileiro; 2.4 O Intervalo Intrajornada Antes E Depois Da Reforma Trabalhista; 2.4.1. O Intervalo Intrajornada Antes da Reforma Trabalhista; 2.4.2 O Intervalo Intrajornada depois da Reforma Trabalhista; 2.4.3 A Prevalência do Negociado sobre o Legislado e a Redução do Limite de Duração do Intervalo Intrajornada; 2.5. O Intervalo Intrajornada e a Possível Inconstitucionalidade decorrente da Reforma Trabalhista pela Lei Nº 13.467/17; Considerações Finais. Referências.
1. Introdução
A reforma trabalhista dada pela Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, trouxe várias alterações na CLT. Em virtude disso, houve a necessidade de se adequar as novas regras trabalhistas, observando a realidade da relação empregatícia.
O primeiro capítulo irá tratar da origem, história e princípios da Justiça do Trabalho, compreendendo suas transformações e evoluções ao longo de décadas, assim como a conquista dos direitos trabalhistas, que passaram a ser garantidos, observando os princípios constitucionais; o segundo capítulo trata especificamente do intervalo intrajornada, sua regulamentação, conceito, natureza jurídica, demonstrando a importância deste instituto nas relações trabalhistas; no terceiro capítulo, será abordado o intervalo intrajornada antes e depois do advento da reforma trabalhista, trazendo jurisprudências e doutrinas, súmulas do Tribunal Superior do Trabalho, evidenciando quais foram as alterações e inovações da reforma trabalhista na CLT. Por último, no quarto capítulo, a reforma trabalhista será analisada de modo a identificar posicionamentos acerca da sua possível inconstitucionalidade, indicando os pontos questionáveis do intervalo intrajornada, assim como se sua flexibilização trará prejuízos ao trabalhador.
Portanto, é imprescindível analisar o intervalo intrajornada e sua nova forma recepcionada pelo ordenamento jurídico, sob a ótica de operadores do direito trabalhista, sendo crítico em relação a reforma trabalhista e se a mesma será prejudicial ao empregado, tendo em vista que o mesmo é parte hipossuficiente e vulnerável da relação de trabalho, assim como também visa abordar se os princípios constitucionais serão respeitados de modo a não conflitar com os direitos do trabalhador e por fim, caberá observar se há indícios de inconstitucionalidade presentes na Lei nº 13.467 de 2017 em relação aos dispositivos alterados.
2. História e Princípios da Justiça do Trabalho
Para que se possa ter uma melhor compreensão acerca do atual funcionamento da Justiça do Trabalho e sua evolução no decorrer de décadas, é de suma importância a análise de sua transformação histórica, tendo sua origem advindo da necessidade em se buscar a solução dos conflitos surgido das relações individuais e coletivas do trabalho, motivo pelo qual o processo do trabalho representa as normas, os princípios e à Justiça do Trabalho.
2.1 Origem da Justiça do Trabalho
Inicialmente, ao se analisar a história da justiça do trabalho no Brasil é de suma importância a compreensão da mesma no plano internacional, uma vez que sua origem nos países de capitalismo central refletiu diretamente no ordenamento jurídico brasileiro no que tange aos direitos trabalhistas. Neste sentido, para que se delimite sua evolução histórica, se torna imprescindível a compreensão da relação empregatícia.
Segundo Leite (2018), no que diz respeito ao aspecto internacional, o direito do trabalho se divide em período pré-histórico, o qual ainda inexistia o direito trabalhista, sendo marcado por três fases: a escravidão, a vinculação do homem a terra e as corporações. E o período histórico, este se destaca pelo surgimento do direito do trabalho, tendo como principais marcos: a Revolução Industrial e a Revolução Francesa.
Tendo em vista que tais momentos históricos atingiram diretamente aspectos econômicos, sociais e políticos, nasce a partir daí a necessidade de que o Estado atue de maneira positiva nas relações de trabalho, surgindo a ideia de uma justiça social.
Ainda, como já dito anteriormente, conforme Leite (2018), os aspectos externos e internos refletiram diretamente no direito do trabalho no Brasil. Estes se deram pelas transições ocorridas na Europa com as legislações, visando a proteção do trabalhador, o ingresso do Brasil na OIT (Organização Internacional do Trabalho). Os aspectos internos tiveram influência dos imigrantes europeus (final de 1800 e início de 1900), o surto industrial (pós-primeira guerra mundial) e a política de Getúlio Vargas (1930).
Aprofundando o assunto, o doutrinador Leite explica:
Já em 1870, existiam no nosso país as Ligas Operárias que marcaram o início do sindicalismo brasileiro. O Decreto 1.313, de 1891, proibiu o trabalho noturno dos menores de 15 anos, limitando a jornada a 7 horas. Há quem afirme ser a Lei 4.682, de 20.01.1923, a chamada Lei Elói Chaves, que instituiu a caixa de aposentadoria e o direito à estabilidade para os ferroviários que completassem 10 anos de serviço, a primeira lei verdadeiramente trabalhista no Brasil. A Lei 4.982, de 25.12.1925, disciplinava o direito de férias anuais remuneradas. Lei 62, de 1935, assegurava aos empregados da indústria e do comércio o recebimento de indenização por rescisão injustificada do contrato de trabalho e o direito à estabilidade após dez anos de efetivo serviço no mesmo estabelecimento. (2018, p.35)
Finalmente, em 1939, foi instituída a justiça do trabalho, sendo a Consolidação das Leis do Trabalho outorgada somente em 1943, por Getúlio Vargas, através do Decreto-lei 5.452, equiparando-se a Lei Federal. A CLT teve como principal objetivo sintetizar as leis que se encontravam esparsas por todo o ordenamento jurídico, em matéria trabalhista.
Necessário se faz trazer o conceito de direito do trabalho no âmbito jurídico, nas palavras de José Cairo Jr.:
O Direito do Trabalho é o· ramo do Direito composto por regras e princípios, sistematicamente ordenados, que regulam a relação de trabalho subordinada entre empregado e empregador, acompanhado de sanções para a hipótese de descumprimento dos seus comandos.
O Direito Laboral, como regra de conduta, observado pelo seu aspecto objetivo, tem como meta principal a prevenção de conflitos derivados do confronto entre capital e trabalho para com isso preservar a vida em sociedade e a consequente paz social. (2017, p.46)
Por fim, pode-se concluir que o Direito do trabalho nasce em um período crítico com o objetivo de proteger a parte hipossuficiente da relação de emprego, qual seja, o trabalhador. Lembrando que tais conquistas foram decorrentes de lutas sociais almejando condições dignas de trabalho.
2.2 Princípios do Direito do Trabalho
Os princípios possuem no ordenamento jurídico brasileiro um enorme valor em razão de seu real significado, de tal modo que, reflete na concepção do ser humano e consequentemente na vida em sociedade, pois sua origem decorre da necessidade da realidade social em relação aos seus valores, exercendo sobre a mesma um importante papel, uma vez que regulam matérias de cunho político, religioso, cultural, econômico, entre outras, constituindo-se como preceitos que norteiam o ordenamento jurídico e que neste caso, servirão de base, fundamentação na aplicação da legislação trabalhista, sendo indispensável sua observância.
2.2.1 Dignidade da Pessoa Humana e o Valor Social do Trabalho e da Livre Iniciativa
O princípio da dignidade da pessoa humana se configura como sendo uma garantia de um mínimo de dignidade para o trabalhador que se apresenta como a parte vulnerável em uma relação empregatícia. Deve ser levado em consideração que sua aplicação deverá ser de máxima eficácia por se tratar de um direito fundamental, ou seja, uma garantia constitucional, prevista na Constituição Federal de 1988.
Apesar de a Carta Magna não especificar de forma taxativa quais são os princípios do direito do trabalho, não há que se falar na inexistência dos mesmos, visto que dentre os princípios existentes no texto constitucional há aqueles que são aplicáveis ao Direito do trabalho, dentre os quais estão não só a dignidade da pessoa humana, como também os valores sociais do trabalho cabíveis ao trabalhador. E, por este motivo é imprescindível sua observância quando tratar-se de normas trabalhistas.
O próprio artigo 1º da Constituição Federal dispõe sobre os fundamentos da República Federativa do Brasil, estabelecendo que:
Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (BRASIL, 1988)
Para Tabajara Medeiros de Rezende Filho, o mesmo considera:
[...] indispensável a análise da questão da interpretação da Constituição e dos Direitos Fundamentais, bem como a relativa à aplicabilidade de tais institutos jurídicos em uma concepção de estado democrático de direito que se funda na dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. (2013, p.9)
Ainda, nessa mesma linha de raciocínio, Tabajara Medeiros de Rezende Filho (2013), acredita que o Direito do Trabalho é fundamental para progresso do ser humano, tendo em vista que este sempre busca melhoria de sua condição pessoal. E, por este motivo, deve o direito do trabalho buscar sempre almejar o seu fomento, de maneira que mesmo quando indispensável qualquer alteração na legislação trabalhista, que esta não seja retrógrada para o trabalhador.
Nesta lógica, importante destacar também o art. 193 da Carta Magna, segundo o qual estabelece que: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.” E, também o art. 170 da Constituição Federal que elenca os princípios gerais da atividade econômica, determinando o seguinte:
Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...]
VIII - busca do pleno emprego; (BRASIL, 1988)
Neste sentido, em se tratando dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, Uadi Lammêgo Bulos, considera que:
O trabalho, certamente, dignifica a existência terrena, e, quando livre e criativo, liga o homem a Deus. Daí a Constituição enfatizar o respeito e a dignidade ao trabalho em diversos lugares (arts. 5º, XIII, 6º, 7º etc.), para dizer que a garantia ao trabalho engloba empregados e empregadores, autônomos e assalariados. Aliás, para alcançar o seu desígnio constitucional, o labor deve ser livre. Daí o constituinte tê-lo encampado como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, banindo o trabalho escravo. E, ao prescrever os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa, a Constituição aduziu que a ordem econômica se funda nesse primado, valorizando o trabalho do homem em relação à economia de mercado, nitidamente capitalista. Priorizou, pois, a intervenção do Estado na economia, para dar significação aos valores sociais do trabalho. Estes, ao lado da iniciativa privada, constituem um dos pilares do Estado brasileiro. (2018, p.515)
Dessa forma, pode-se dizer que o valor social do trabalho e da livre iniciativa tem por objetivo equilibrar o capital e o trabalho, visando o alcance da justiça social.
Em relação a importância dos direitos humanos, nas palavras de Alexandre de Moraes, o mesmo considera a dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico brasileiro como sendo:
[...] unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos e a busca ao Direito à Felicidade. (2017, p.18)
Logo, tendo em vista que o trabalho é uma atividade preponderante em toda a sociedade, o princípio da dignidade da pessoa humana, segundo Melo (2017), deve ter um propósito de normatividade e cogência e não de meras cláusulas retóricas, havendo a necessidade de uma abordagem mais congruente no que se diz respeito aos meios de concretização dos direitos que irão assegurar a dignidade dos trabalhadores e o valor social do trabalho, como estabelece a Constituição Federal de 1988, de modo que as políticas econômicas e sociais equilibrem o capital e o social.
2.2.2 Princípio da Proteção
Segundo Romar (2017) nas relações contratuais de trabalho, o trabalhador se encontra numa posição de hipossuficiência, enquanto o empregador possui um poder aquisitivo maior. Por este motivo, o princípio protetor visa proteger o empregado, reduzindo sua posição de vulnerabilidade e garantindo-lhe igualdade jurídica para que se alcance a isonomia substancial.
Na concepção de Andrade e D’Angelo:
Se se trata de uma relação jurídica assimétrica, em que o um dos sujeitos – o empregador – admite, assalaria, detém o poder de comando ou disciplinar; e, do outro, aquela que fica jurídica, econômica e psicologicamente àquele subordinado, o Direito do Trabalho deveria construir princípios próprios dirigidos à elaboração de normas constitucionais e infraconstitucionais com caracteres de irrenunciabilidade, inderrogabilidade, indisponibilidade e ordem pública capazes de compensar aquela desigualdade ou assimetria entre os sujeitos da relação de emprego. (2016, p. 4)
De acordo com Luciano Martinez:
As limitações ao exercício da autonomia privada constituíram as medidas pioneiras na busca do equilíbrio contratual entre os desiguais. Soluções como esta, aliás, tornaram-se evidentes a partir do século XIX, e assim se procedeu por força das lutas de classes, porque na relação de trabalho, essencial ao desenvolvimento da sociedade capitalista, não se identificava no polo operário o mínimo vestígio de qualquer liberdade contratual. O princípio da proteção surge, então, para contrabalançar relações materialmente desequilibradas. Esse propósito é alcançado mediante opções e atitudes interpretativas do aplicador da fonte jurídica [...] (2018, p. 120-121)
Isto posto, o princípio da proteção ao trabalhador deve ser aplicado concomitantemente com o princípio da segurança jurídica, coexistindo com os demais, de modo que não haja uma interpretação isolada daquele, aplicando-o sempre com bom senso e tecnicismo, desassociado de qualquer abuso excessivo a favor do hipossuficiente obreiro e tentativa de enquadramento como substitutivo do legislador, sob pena de se ofender diretamente a ideia de justiça, igualdade material e juridicidade (OLIVEIRA, 2017).
2.2.3 Princípio da Segurança Jurídica
Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 123), o princípio da segurança jurídica não deve ser radicado em qualquer norma constitucional específica. Este princípio representa a própria natureza e o fundamento do Direito, trata-se da essencialidade do Estado Democrático de Direito, constituindo-se um sistema constitucional como um todo.
O jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, aprofunda-se ainda mais no significado da segurança jurídica no ordenamento jurídico brasileiro, alegando que:
Ora bem, é sabido e ressabido que a ordem jurídica corresponde a um quadro normativo proposto precisamente para que as pessoas possam se orientar, sabendo, pois, de antemão, o que devem ou o que podem fazer, tendo cm vista as ulteriores consequências imputáveis a seus atos. O Direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da "segurança jurídica", o qual, bem por isto, se não é o mais importante dentro todos os princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles. Os institutos da prescrição, da decadência, da preclusão (na esfera processual), do usucapião, da irretroatividade da lei, do direito adquirido, são expressões concretas que bem revelam esta profunda aspiração à estabilidade, à segurança, conatural ao Direito. Tanto mais porque inúmeras dentre as relações compostas pelos sujeitos de direito constituem-se em vista do porvir e não apenas da imediatidade das situações, cumpre, como inafastável requisito de um ordenado convívio social, livre de abalos repentinos ou surpresas desconcertantes, que haja uma certa estabilidade nas situações destarte constituídas. (2009, p.123)
Apesar do Princípio da Segurança Jurídica não estar previsto de forma expressa na nossa Constituição Federal de 1988, é possível enxerga-lo de maneira implícita, pois apesar de não haver uma norma no texto constitucional tratando deste instituto, o mesmo representa um dos mais importantes princípios, uma vez que sua aplicação não se restringe apenas a uma área do direito, de modo que abrange o sistema jurídico como um todo, configurando a razão de ser do próprio direito.
Conforme André Ramos Tavares, em se tratando da estabilidade no ordenamento jurídico, dispõe que:
Considero como central no âmbito da segurança jurídica o direito à estabilidade mínima da ordem jurídica, que é realizado em especial pela existência de cláusulas de eternidade na Constituição dotada de supremacia. A eternização dos direitos fundamentais positivados atende, em parte, àquele mínimo de continuidade (e identidade) da ordem jurídica vigente, apesar das constantes edições e revogações de atos normativos que se verificam em todos ordenamentos jurídicos em vigor. Pode-se afirmar que, assim como a segurança jurídica se projeta para o passado (irretroatividade das leis e das emendas à Constituição), ela também se lança para o futuro (com a pretensão de estabilidade mínima do Direito e com seus institutos destinados a alcançar esta finalidade, como cláusulas pétreas, usucapião etc.). Estabilidade não deve ser confundida, aqui, com estancamento do Direito. Não há e nunca houve um direito à petrificação da ordem jurídica vigente. Mas não se pode falar em proteção da confiança do cidadão, como integrante da segurança jurídica a ser tutelada pelo Estado, sem a certeza da projeção de uma estabilidade mínima da ordem jurídica, consistente, no Brasil, em: i) cláusulas pétreas; ii) dificuldade de alteração das normas constitucionais; iii) limitações materiais ao legislador e às demais fontes do Direito. (2018, p.643-644).
Consoante ao entendimento de Ribas e Ribeiro (2019), Apesar de não possuir uma referência expressa, a segurança jurídica apresenta alguns pressupostos, estes verificam-se através das garantias previstas na Constituição como um todo, apontando-se como um sobreprincípio no altiplano dos escalões do ordenamento, uma vez que os elementos que ensejam a certeza do direito é a própria existência de norma jurídica, a observância ao princípio da irretroatividade, o conhecimento prévio por parte dos destinatários e sua definitividade.
Para Faria (2018) diante da realidade, apesar da exigência, em relação ao princípio da segurança jurídica no sentido de antever um certo grau de previsibilidade é notável a constante alteração das normas jurídicas, por diversos fatores, provocando a contínua modificação do sistema normativo. É por este motivo que no ordenamento jurídico se assevera institutos com o intuito de se preservar a segurança jurídica, principalmente em se tratando do decurso do tempo e evolução normativa.
Portanto, após ressaltar a importância da segurança jurídica como um todo, faz-se necessário afirmar a indispensável atuação do Poder Judiciário, levando em conta seu papel de extrema relevância na busca pela previsibilidade das decisões. No que diz respeito a este princípio, sua garantia se dá principalmente através das orientações dos Tribunais Superiores, que devem ser necessariamente fundamentadas e objetivas, agindo com razoabilidade e sempre observando a evolução do direito.
2.2.4 Princípio da Vedação ao Retrocesso Social
Primeiramente, é de suma importância a compreensão da etimologia da palavra retrocesso, que na visão de Valente, Fogaça e Silva compreende:
[...] de modo genérico, a algo que volta no tempo, retorna ao seu local de origem, recua. No contexto jurídico, retroceder pode significar perda de direitos, reforma de uma lei, mudança de uma jurisprudência e/ou a utilização de um ou mais instrumentos jurídicos numa perspectiva regressiva, ou seja, uma ou mais ações contrárias à manutenção e/ou avanço das garantias jurídico-formais, seja no campo do direito material como no processual. Ou ainda, poderá significar retorno a uma condição mais benéfica, caso tal ação seja resultante de um contexto de restituição de direitos. Retroceder ao status quo ante, portanto, nem sempre é negativo, por vezes pode representar um progresso. A interpretação dependerá de seu agente e dos interesses e ou direitos que se estará protegendo. Num contexto de retrocesso, o que poderá ser interpretado como perda, por um, poderá ser compreendido como ganho, por outros. O que está em jogo, portanto, nos diversos casos, é a direção a que se está caminhando e as consequências derivadas do respectivo retrocesso. O conteúdo presente na correlação de forças presente nos diferentes contextos definirá se o retrocesso será de caráter regressivo e ou progressivo. (2018, p.295)
Vidal Marcílio Pompeu e Arraes de Alencar Pimenta (2015) sustentam que o princípio da proibição do retrocesso social originou-se almejando impossibilitar que o legislador empregasse mecanismos objetivando a remoção de direitos. Destaca-se que esta cláusula se trata de uma justificativa favorecendo a inalterabilidade dos direitos sociais, conquistados em uma fase de segurança econômica. Esse entendimento tem o propósito de preservar o equilíbrio das relações jurídicas, comprometendo-se a assegurar a confiança do cidadão relacionada ao serviço público.
Segundo Coutinho (2017), a previsão dos direitos sociais como normas fundamentais, previstos nos arts. 6º e 7º da Carta Magna, é a concretização da ideia de uma sociedade salarial vivendo em um Estado Democrático de Direito, apresentando-se como Estado de Bem-Estar Social, não poderia ser diferente, tendo em vista que a democracia restringe a atuação do legislador, uma vez que traz como garantia a constatação de direitos. Mas, importante ressaltar que o princípio da vedação ao retrocesso não se limita apenas as normas jurídicas positivadas, aplicando-se de forma ampla, tendo como propósito o desenvolvimento econômico e social, para incorporar princípios, políticas e decisões judiciais. Cuida-se da ideia de progressão como uma constante e inexorável trajetória no projeto de civilização.
2.3 Do Intervalo Intrajornada
É sabido que a jornada de trabalho conhecida atualmente, foi fruto de uma evolução histórica, visando não mais submeter os trabalhadores a uma jornada de trabalho exaustiva, de modo a estabelecer condições dignas de trabalho. Por este motivo, é imprescindível fazer uma análise do que vem a ser o intervalo intrajornada, no contexto mundial e nacional, abordando sua natureza jurídica, fundamentação legal, levando-se em consideração posicionamento doutrinário e jurisprudencial.
2.3.1 Conceituação
Após ressaltar a importância dos princípios constitucionais aplicados ao Direito do Trabalho, resta claro dizer que o legislador ao instituir a jornada de trabalho, impôs limites para sua duração, através das normas legais constitucional e infraconstitucional, visando a proteção do empregado.
Dessa forma, por este motivo é que a Constituição Federal em seu artigo 7º, inciso XIII, estabeleceu que a jornada de trabalho não ultrapassasse oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, sendo constatada a aplicação do princípio da proteção do trabalhador.
Em relação ao intervalo da jornada de trabalho, a Consolidação das Leis do Trabalho, assegura que:
Art. 71 - Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas. (BRASIL, 1943)
Isto posto, pode-se afirmar que em relação a previsão da jornada de trabalho e o intervalo intrajornada, ambos decorrem do princípio protetor, visando assegurar condições dignas de trabalho para o trabalhador.
Romar conceitua o intervalo intrajornada como sendo:
[...] períodos de descanso regularmente concedidos durante a jornada de trabalho, em que o empregado deixa de trabalhar e de estar à disposição do empregador. Podem ser remunerados ou não remunerados, conforme sejam ou não computados na duração da jornada de trabalho (2018, p. 391).
No que se refere ao Intervalo, conforme dispõe Leite (2018) o empregador terá a obrigação de conceder o mesmo ao empregado, seja entre duas jornadas de trabalho ou dentro da mesma, intervalos para descanso e alimentação. Trata-se de suprir uma necessidade biológica e também econômica, consequentemente fazendo com que o empregado produza mais.
Para Basile (2018), o intervalo intrajornada constitui um direito fundamental do trabalhador, qual seja, o de se desconectar com o trabalho. Dessa forma, caso não exista essa desconexão entre empregado e empregador e às responsabilidades do cargo, não há que se falar em intervalo.
Por fim, cabe ressaltar que tendo em vista a importância concedida a jornada de trabalho e ao intervalo intrajornada, é que a Constituição Federal de 1988 determinou em seu artigo 7º, XXII, como sendo direito dos trabalhadores, almejando a melhoria de sua condição social, reduzir os riscos inerentes ao trabalho, através das normas de saúde, higiene e segurança.
2.3.2 Intervalo Intrajornada como Norma Fundamental a Saúde, Higiene e Segurança do Trabalho
É de grande relevância e fundamental que, de maneira sucinta, esclareça-se acerca dos principais marcos que tiveram uma considerável contribuição relativas aos direitos a saúde e segurança no trabalho como normas fundamentais reconhecidas no ordenamento jurídico brasileiro.
2.3.3 Segurança e Saúde no Trabalho na Atividade Normativa Da Organização Internacional Do Trabalho - OIT
Nas palavras de Padilha e Hernandes Ortolan Di Pietro, no que diz respeito a missão da OIT, entende-se que:
[...] desde sua fundação em 1919, pelo Tratado da Paz, assinado em Versalhes, é melhorar a situação do ser humano trabalhador no ambiente em que passa a maior parte de sua vida produtiva, o do trabalho, um ambiente que desde a Revolução Industrial, transforma-se continuamente em decorrência de inúmeros fatores relacionados a evolução dos processos de produção dominados pelo capitalismo, da globalização econômica e do avanço tecnológico, que dentre outros, desafiam continuamente os parâmetros de proteção do trabalhador estabelecidos pelo Estado do Bem Estar Social, transmudando o mundo do trabalho e as forças de apropriação da força de trabalho humano. (2017, p. 530)
Deste modo, no âmbito internacional, em matéria trabalhista, é essencial destacar o papel da OIT, Organização Internacional do Trabalho, de 1919, a qual o Brasil é signatário. Dentre outras convenções, a que é mais pertinente ao conteúdo estudado nesta pesquisa, é em relação a Convenção nº 155, ratificada em 18 de maio de 1992 e promulgada pelo Decreto nº 1.254, de 29 de setembro de 1994, quando foi acertadamente inserida no ordenamento jurídico brasileiro, a qual previu de forma expressa normas e princípios de saúde e segurança do trabalhador, considerando o meio ambiente de trabalho evidenciando que as particularidades do meio é que devem se adequar às capacidades físicas e mentais do trabalhador.
Conforme Matteo Carbonelli (2017) em matéria relativa a segurança e saúde do trabalhador, a Convenção nº. 155 adota uma política nacional congruente as normas trabalhistas, assim como a responsabilidade das autoridades públicas e empresas, estabelecendo pormenorizadamente metodologia e princípios básicos e indispensáveis, visando o aprimoramento do sistema.
Para Padilha e Hernandes Ortolan Di Pietro, (2017), a completude do trabalho e o enaltecimento da qualidade de vida, assimilado a proteção à saúde do trabalhador em todos os âmbitos, constituem um dos objetivos da OIT, sendo a principal missão da Instituição, a melhoria das condições e do meio ambiente do trabalho e também o bem-estar dos trabalhadores.
Nessa mesma linha de raciocínio, o doutrinador Matteo Carbonelli dispõe o seguinte acerca da Convenção de nº 155, de 1981:
[...] a sua importância fundamental reside na introdução, como já mencionado, de disposições pertinentes seja na metodologia que nas questões básicas. Em particular essa introduz a obrigação de adotar uma política nacional de segurança e saúde no trabalho, que considere este assunto justamente como uma preocupação nacional e que consista num quadro coerente de ação, tal conjunto homogêneo de todos os seus elementos, voltado para garantir que os riscos inerentes ao ambiente de trabalho são minimizados na medida em que este é razoável e exequível de acordo com as condições específicas e práticas nacionais. (2017, p.68)
A Convenção nº 155 da OIT, em seu art. 3º, define a abrangência da saúde, trazendo um breve conceito, dispondo que:
Art. 3 - Para os fins da presente Convenção:
[...]
e) o termo ‘saúde’, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho. (BRASIL, 1994)
Estabelece também em seus arts. 4º e 5º que:
Art. 4 — 1. Todo Membro deverá, em consulta com as organizações mais representativas de empregadores e de trabalhadores, e levando em conta as condições e as práticas nacionais, formular, pôr em prática e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio-ambiente de trabalho.
2. Essa política terá como objetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem consequência do trabalho tenham relação com a atividade de trabalho, ou se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio-ambiente de trabalho.
Art. 5 — A política à qual se faz referência no artigo 4 da presente Convenção deverá levar em consideração as grandes esferas de ação que se seguem, na medida em que possam afetar a segurança e a saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho:
[...]
b) relações existentes entre os componentes materiais do trabalho e as pessoas que o executam ou supervisionam, e adaptação do maquinário, dos equipamentos, do tempo de trabalho, da organização do trabalho e das operações e processos às capacidades físicas e mentais dos trabalhadores; (BRASIL, 1994)
Por fim, levando em consideração a Convenção nº 155 da OIT, fica evidente que a mesma regulamenta de forma expressa que a jornada de trabalho deve ser incorporada a uma Política Nacional congruente relativas a matéria de saúde, segurança e o meio ambiente de trabalho dos trabalhadores. Além do mais, nota-se que em relação a saúde do trabalhador, a OIT compreende não só os elementos físicos, como também o mental que afetam diretamente a saúde do trabalhador, sendo esta inerente a higiene e segurança do trabalho.
2.3.4 Saúde, Higiene e Segurança do Trabalho no Ordenamento Jurídico Brasileiro
Como se pode observar através de toda a evolução histórica até os dias atuais no que se diz respeito a conquista dos direitos a saúde e segurança do trabalho, conforme Grams (2018), os Estados, em virtude da crise causada pelo modelo produtivo do liberalismo econômico, sucumbiram às influências da internacionalização dos direitos humanos, de maneira que legitimaram em seu ordenamento jurídico reivindicações do povo, em matéria trabalhista.
Ainda, conforme Grams (2018), a saúde e a segurança do trabalhador em seu ambiente de trabalho encontram-se amparada pela própria Constituição Federal de 1988, isso porque, em relação aos princípios constitucionais garantidores de direitos fundamentais aplicados ao Direito do Trabalho, o art. 1º, incisos III e IV, ao dispor sobre a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, respectivamente, passa a exigir uma certa dignificação das condições de trabalho, impondo uma ordem de prioridade, colocando em primeiro plano o homem e em segundo, a sua função, relacionando-se com os meios de produção.
Em matéria relativa aos Direitos Fundamentais do Trabalhador, a Constituição Federal da República priorizou proporcionar um ambiente de trabalho livre, capaz de reduzir os riscos inerentes ao Trabalho, o fazendo através de normas de saúde, higiene e segurança, sendo as mesmas um fator condicionante e fundamental para o Trabalho, conforme estabelece os artigos 6º e 7º, XXII, da Carta Magna.
Ademais, no que diz respeito a saúde, conforme o inciso VIII, do art. 200, da Carta Magna, a mesma tratou de estabelecer a competência do Sistema Único de Saúde em contribuir no que tange a proteção do meio ambiente, abrangendo o ambiente de Trabalho.
Nesse sentido, segundo Jorge Neto e Cavalcante:
A saúde e a incolumidade física do trabalho são fatores integrantes do próprio direito à vida. A vida humana possui um valor inestimável e deve ser protegida por todos os meios, portanto, a sistematização das normas da segurança e medicina do trabalho representa um instrumental de grande valia, a valorizar e dignificar a vida humana, além do patrimônio jurídico do trabalho, representado pela sua força de trabalho. (2019, p. 617)
Dito isto, pode-se constatar que as normas relativas a saúde, higiene e segurança do trabalho, está amparada não só pela legislação infraconstitucional como também pela própria Constituição, uma vez que estabelecem acerca de sua criação, aplicação e fiscalização, em decorrência da sua extrema importância como direito social ao trabalhador.
2.4 O Intervalo Intrajornada Antes E Depois Da Reforma Trabalhista
Antes de se ater aos questionamentos acerca da possibilidade de se configurar inconstitucional a Lei nº 13.467 de 2017, é importante fazer uma análise de como era regulamentado o intervalo intrajornada na Consolidação das Leis do Trabalho antes e depois da reforma trabalhista, observando também o entendimento doutrinário e jurisprudencial.
2.4.1. O Intervalo Intrajornada Antes da Reforma Trabalhista
O intervalo intrajornada, destinada para refeição e descanso, encontra-se previsto no art. 71 da CLT, que anteriormente a reforma trabalhista, sua redação era a seguinte:
Art. 71 - Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas.
[...]
§ 3º O limite mínimo de uma hora para repouso ou refeição poderá ser reduzido por ato do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, quando ouvido o Serviço de Alimentação de Previdência Social, se verificar que o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios, e quando os respectivos empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a horas suplementares.
§ 4º - Quando o intervalo para repouso e alimentação, previsto neste artigo, não for concedido pelo empregador, este ficará obrigado a remunerar o período correspondente com um acréscimo de no mínimo 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho. (Incluído pela Lei nº 8.923, de 27.7.1994)
§ 5º Os intervalos expressos no caput e no § 1o poderão ser fracionados quando compreendidos entre o término da primeira hora trabalhada e o início da última hora trabalhada, desde que previsto em convenção ou acordo coletivo de trabalho, ante a natureza do serviço e em virtude das condições especiais do trabalho a que são submetidos estritamente os motoristas, cobradores, fiscalização de campo e afins nos serviços de operação de veículos rodoviários, empregados no setor de transporte coletivo de passageiros, mantida a mesma remuneração e concedidos intervalos para descanso menores e fracionados ao final de cada viagem, não descontados da jornada. (Incluído pela Lei nº 12.619, de 2012) (BRASIL, 1943)
Como se observa a literalidade do art. 71 da CLT, mais especificamente em seu caput, a jornada de trabalho, desde que contínua, que exceder a 6 horas diárias, deverá ser concedida um intervalo mínimo de 1 hora e quando ultrapassar 4 horas e não exceder 6 horas, será de 15 min.
Além do mais, conforme estabelece o § 4º do art. 71 da CLT, caso o empregador não concedesse o intervalo mínimo estabelecido, o mesmo deveria arcar com o pagamento de 50% do período, calculando sobre o valor da hora remunerada.
Ainda, com relação aos parágrafos 3º e 5º do artigo supracitado, as horas intrajornada só poderiam ser suprimidas abaixo do mínimo estabelecido de 1 hora em apenas duas hipóteses, quais sejam: Por ato do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, quando ouvido o Serviço de Alimentação de Previdência Social, observando as exigências legais e; mediante acordo ou convenção coletiva compreendendo o término da primeira hora e o início da última hora trabalhada, em virtude da natureza do serviço.
Portanto, pode-se concluir que antes do advento da reforma trabalhista, a não concessão do intervalo intrajornada ao trabalhador ou sua supressão, configurava-se uma infração pelo empregador, tendo em vista se tratar de normas relativas a saúde, higiene e segurança do trabalho.
Nessa mesma linha de raciocínio, o Tribunal Superior do Trabalho, com o intuito de sistematizar este instituto, editou a Súmula nº 437, considerando o intervalo intrajornada como sendo norma de saúde, higiene e segurança do trabalho, conforme se confirma:
I – Após a edição da Lei 8.923/94, a não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento total do período correspondente, e não apenas daquele suprimido, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT), sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração.
II – É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7o, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva.
III – Possui natureza salarial a parcela prevista no art. 71, § 4o, da CLT, com redação introduzida pela Lei 8.923, de 27 de julho de 1994, quando não concedido ou reduzido pelo empregador o intervalo mínimo intrajornada para repouso e alimentação, repercutindo, assim, no cálculo de outras parcelas salariais.
IV – Ultrapassada habitualmente a jornada de seis horas de trabalho, é devido o gozo do intervalo intrajornada mínimo de uma hora, obrigando o empregador a remunerar o período para descanso e alimentação não usufruído como extra, acrescido do respectivo adicional, na forma prevista no art. 71, caput e § 4o da CLT. (BRASIL, 2012)
O Tribunal Superior do Trabalho então dispõe acerca da supressão ou redução do intervalo intrajornada, afirmando que a mesma não seria possível apenas por meio de simples acordo ou convenção coletiva do trabalho, justamente por se tratar de norma constitucional relacionada a saúde, higiene e segurança do trabalho, configurando-se matéria de ordem pública. Além do mais, reafirmou que a sua não concessão total ou parcial, implicaria em acréscimo de 50% sobre a hora remunerada.
Nesse sentido, a Orientação Jurisprudencial nº 342 da SBDI-I do TST, estabelece que:
Nº 342 - Intervalo intrajornada para repouso e alimentação. Não concessão ou redução. Previsão em norma coletiva. Validade. É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/88), infenso à negociação coletiva. (BRASIL, 2012)
Logo, antes do advento da Lei nº 13.467 de 2017, consoante a Constituição Federal, a legislação infraconstitucional, a jurisprudência e a doutrina, havia um entendimento pacificado acerca do intervalo intrajornada, estabelecendo-se suas regras gerais e específicas, assim como reconhecendo sua natureza constitucional e sua característica de norma de ordem pública, sendo, portanto, indisponível.
2.4.2 O Intervalo Intrajornada depois da Reforma Trabalhista
Com a reforma trabalhista, o intervalo intrajornada sofreu uma mudança significativa, até mesmo relacionada a sua própria natureza, tais alterações ocasionaram mudanças no art. 71 e também a introdução dos arts. 611-A, 611-B e do parágrafo único do art. 444, ambos da CLT.
A primeira alteração que será abordada, diz respeito ao § 4º do art. 71 da CLT, passando a dispor que:
§ 4o A não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.(BRASIL, 1943)
Através da alteração da redação, pode-se perceber três mudanças quando o empregador não conceder ou conceder parcialmente o intervalo intrajornada, quais sejam: 1) A limitação do pagamento, restringindo-se apenas ao período suprimido; 2) A retirada da expressão “de no mínimo 50%” e; 3) A natureza jurídica indenizatória, diferentemente do que ocorria antes, quando se reconhecia a natureza remuneratória, o que consequentemente não refletirá nas verbas rescisórias.
2.4.3 A Prevalência do Negociado sobre o Legislado e a Redução do Limite de Duração do Intervalo Intrajornada
Com a introdução da Lei nº 13.467 de 2017, o legislador, por meio da inclusão do art. 611-A da CLT, trouxe a possibilidade de prevalência do negociado dentro da relação de emprego sobre o legislado, dispondo que:
Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:
I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;
[...]
III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; (BRASIL, 2017)
Desse modo, o respectivo artigo possibilita que o intervalo intrajornada, poderá ser de no mínimo 30 min., não mais sendo o mínimo de 1 hora, como era antes da reforma trabalhista, permitindo que sua alteração seja realizada simplesmente mediante acordo ou convenção coletiva entre empregado e empregador.
Outro ponto relevante da Lei nº 13.467 de 2017, foi a inclusão do art. 611-B, o qual determinou que:
Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:
[...]
XVII - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;
[...]
Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo. (BRASIL, 2017)
Assim sendo, o artigo supracitado, dispõe em seus incisos as normas que estão proibidas de serem suprimidas ou reduzidas por simples acordo ou convenção coletiva, dentre as quais, estão as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho. Ocorre que em seu parágrafo único, o legislador estabeleceu que tais regras não seriam aplicadas ao intervalo intrajornada, dispondo que este instituto não se configura como sendo normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, portanto, não sendo abrangida pela proteção do art. 611-B da CLT.
Por fim, diante das alterações e inclusões dos artigos citados da CLT, nota-se o quão significante foram tais mudanças decorrentes da Lei nº 13.467 de 2017, mais especificamente as que dizem respeito ao intervalo intrajornada, refletindo consideravelmente nas relações empregatícias.
2.5. O Intervalo Intrajornada e a Possível Inconstitucionalidade decorrente da Reforma Trabalhista pela Lei Nº 13.467/17
Diante das circunstâncias apresentadas sobre o intervalo intrajornada, levantou-se vários questionamentos acerca da constitucionalidade da Lei nº 13.467 de 2017, isso porque a mesma trouxe mudanças significativas quanto a regulamentação das horas intrajornada, refletindo diretamente na relação de emprego.
Para Robortella (2017), a reforma possibilita maior flexibilidade à legislação do trabalho, de modo que aos que tiverem interesse, a CLT ainda será aplicada, ao mesmo tempo em que também será possível, numa relação empregatícia, ambas as partes optarem por regras distintas que se adeque a realidade dos sujeitos, o fazendo por meio de uma negociação coletiva. O mesmo autor acrescenta em sua argumentação favorável à reforma trabalhista, dispondo que em relação a lei trabalhista:
Manter a rigidez da CLT é prosseguir na tutela homogênea, incompatível com a heterogeneidade das relações de trabalho, que variam de setor para setor, de empresa para empresa. É impedir o sindicato e a empresa de construir normas que adaptem as relações de trabalho à realidade, preservando empregos e capacidade de investimento. (2017, p. 61)
Quanto aos seus objetivos, a Câmara dos Deputados publicou parecer justificando que a reforma, dentre outros motivos, visa: “aprimorar as relações do trabalho no Brasil, por meio da valorização da negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores” (2017, p. 1-2).
Já para Souto Maior e Severo, os doutrinadores consideram a Lei nº 13.467 de 2017 como sendo ilegítima, alegando que:
[...] não deve ser aplicada, sob pena de se conferir um tom de normalidade ao grave procedimento em que se baseou, que melhor se identifica como um atentado à ordem democrática e como uma ofensa ao projeto constitucional baseado na proteção da dignidade, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, da prevalência dos Direitos Humanos, da função social da propriedade, da melhoria da condição social dos trabalhadores, da política do pleno emprego e da economia regida sob os ditames da justiça social. (2017, p.57)
Dito isto, um dos primeiros pontos a serem analisados acerca das alterações do intervalo intrajornada decorrente da Lei nº 13.467 de 2017, é em relação as alterações do art. 71, §4º da CLT, de modo que fica evidente que o artigo supracitado contraria o entendimento já consolidado da Súmula nº 437 do TST, uma vez que limita o pagamento do intervalo intrajornada, apenas do período não usufruído, e ainda atribui a natureza indenizatória e não mais salarial, como já mencionado anteriormente.
Em virtude disso, consoante ao entendimento de Delgado, Maurício Godinho e Delgado, Gabriela Neves, entendem que entre as inconstitucionalidades da reforma trabalhista, tem-se o art. 71, § 4º da CLT, uma vez que:
As normas jurídicas que regulam os intervalos intrajornadas são imperativas e direcionadas à preservação da saúde e segurança obreiras. Seu desrespeito, na prática contratual, implica o pagamento do referido período como se tempo efetivamente trabalhado fosse. Como esse lapso temporal assume a natureza de componente da própria jornada de trabalho, ele deve ser remunerado como salário (e não corno indenização, obviamente). (2017, p.76)
Em relação a natureza indenizatória concedida pelo art. 71, §4º da CLT, Vólia Bomfim Cassar, afirma que:
Pagar apenas a parte suprimida do intervalo é justo e coerente com o artigo 58-A da CLT, mas entender que o trabalho extra não tem natureza salarial viola o artigo 58 da CLT e prejudica o trabalhador. O trabalho realizado durante o intervalo, que extrapola a jornada, é extra e por isso deve ser remunerado com acréscimo de 50%. Logo, como toda hora extra o intervalo trabalhado também tem natureza salarial. Por isso, é necessária a modificação do texto para excluir a expressão “de natureza indenizatória”. (2017, p.15)
Desse modo, para DELGADO, Maurício Godinho e DELGADO, Gabriela Neves (2017, p.77), a flexibilização do art. 71, §4º da CLT, violou diretamente o art. 7º, IV, da Constituição Federal, assim como o art. 23, item 3, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Nessa toada, no que concerne à recepção e constitucionalidade da reforma trabalhista, relacionada a redução das horas intrajornada, cabe destacar o Enunciado nº 34, da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, dispondo:
INTERVALO INTRAJORNADA COMO NORMA DE SEGURANÇA E SAÚDE PÚBLICA
[...]
II. O estabelecimento de intervalos intrajornadas em patamares inferiores a uma hora para jornadas de trabalho superiores a seis horas diárias é incompatível com os artigos 6º, 7º, inciso XXII, e 196 da Constituição. (2017, p. 25-26)
É possível notar um confronto de ideias no que tange a possível inconstitucionalidade do intervalo intrajornada, sob o argumento de que há indícios desta quando se fala na possibilidade de redução inferior a 01 hora, em jornadas diárias contínuas que ultrapassem 6 horas.
Outra importante e significativa mudança decorrente da Lei nº 13.467 de 2017, já comentada na presente pesquisa, diz respeito a inclusão dos arts. 611-A, incisos I e III e 611-B da CLT, motivo pelo qual, há a necessidade de ser estudada sua possível inconstitucionalidade.
Nas palavras de Cunha, no que se refere a prevalência da negociação sobre o legislado, afirma que:
Oportunizar a “negociação”, e pior, a colocar acima do que é estabelecido por lei representa sim uma repressão de direitos. Não há paridade de armas em uma negociação de contrato de trabalho. O empregador busca a força de trabalho, não importando de quem, até porque a própria Constituição impede a discriminação. O trabalhador busca a vaga. O que ele teria pra levar para a negociação, os demais candidatos também tem (se formos partir do pressuposto de que todos possuem a mesma qualificação). O que lhe resta é negociar a sua dignidade, os seus direitos. (2018, p.16)
Nesse sentido, o Enunciado nº 28, da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, trouxe uma limitação da negociação quando a mesma se sobrepuser a lei, inclusive nos casos de confronto com Convenções internacionais do trabalho, entendendo que:
NEGOCIADO SOBRE LEGISLADO: LIMITES
Nos termos do art. 5º, § 2º, da Constituição Federal, as convenções e acordos coletivos de trabalho não podem suprimir ou reduzir direitos, quando se sobrepuserem ou conflitarem com as Convenções Internacionais do Trabalho e outras normas de hierarquia constitucional ou supralegal relativas à proteção da dignidade humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Dito isto, Delgado, Maurício Godinho e Delgado, Gabriela Neves (2017), compreendem que diante da inclusão do art. 611-A, caput, da CLT, o que se tem é a nítida violação aos direitos e proteção ao trabalho, atentando contra a Constituição Federal da República, normas internacionais vigorantes no Brasil e a legislação federal trabalhista.
Neste sentido, segundo determina o Enunciado nº 3 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, em relação as Convenções internacionais do trabalho, o mesmo dispõe que:
REFORMA TRABALHISTA: CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE E INOBSERVÂNCIA DE NORMAS INTERNACIONAIS
Reforma Trabalhista. Lei 13.467/2017. Incompatibilidade vertical com as Convenções da OIT. Ausência de consulta tripartite. Ofensa às Convenções 122, 144 e 154 da OIT, bem como aos verbetes 1075, 1081 e 1082 do Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de Administração da OIT. Ausência de consulta prévia às organizações de trabalhadores. Controle de convencionalidade na reforma trabalhista. Possibilidade. Natureza jurídica das normas internacionais do trabalho. Supralegalidade. Ainda que não se reconheça a inconvencionalidade de toda a Reforma Trabalhista, há de se fazer pontualmente o controle de convencionalidade dos dispositivos por ela alterados. O Supremo Tribunal Federal reconheceu o caráter supralegal das convenções internacionais, devendo as leis ordinárias estar em consonância com a normatividade internacional, no que se refere aos direitos humanos.
A segunda inovação diz respeito ao já citado art. 611-B da CLT, o qual veda a supressão ou redução de normas relacionadas a saúde, higiene e segurança do trabalho, por meio de convenção coletiva.
O questionamento maior em relação a inconstitucionalidade desse artigo, se concentra em seu parágrafo único, o qual dispõe que: “regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo”.
Em virtude disso, tais inovações estão diretamente ligadas, devendo as mesmas serem observadas de forma conjunta, principalmente no que se refere ao intervalo intrajornada, isso porque o art. 611-A, incisos I e III e 611-B da CLT, dispõem, respectivamente, acerca da possibilidade de prevalência do negociado sobre o legislado alterar normas relativas ao intervalo intrajornada, possibilitando sua redução para o mínimo de 30 min e não mais 1 hora e de forma expressa retira o caráter de norma de ordem pública, não considerando mais o intervalo intrajornada como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, podendo ser, portanto, reduzidas ou suprimidas.
Em relação a reforma trabalhista, mais especificamente o art. 611-A da CLT, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, a Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas e o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, apresentaram uma nota técnica à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado federal, a qual dispõe em relação às inconstitucionalidades matérias que:
Nesse particular ─ o das inconstitucionalidades materiais ─, sobressai, a toda evidência, a tese do chamado “negociado sobre o legislado” (i.e., admitir que a negociação coletiva possa indiscriminadamente estabelecer mínimos de proteção jurídico-laboral em níveis inferiores ao da legislação estatal). De fato, esse aspecto assume grande papel, porque abre brecha legal para que se estabeleçam, em todos os rincões do país, negociações coletivas tendentes a abolir direitos sociais previstos nos artigos acima listados (e especialmente no art. 7º), conquanto não fosse possível fazê-lo, como vimos, nem mesmo por proposta de emenda constitucional.
Ainda em relação a nota citada anteriormente, a mesma estabelece que em relação ao art. 611-A da CLT:
O inciso III, por exemplo, permite o descumprimento de norma de ordem pública de saúde e segurança no trabalho – redução do intervalo intrajornada para 30 minutos – sem qualquer restrição sobre tipos de atividades ou observância de condições mínimas para que o trabalhador efetivamente possa ter algum descanso nesse curto lapso de tempo. Com isso, descumpre a previsão constitucional do inciso XXII, levando, se aprovada, a um aumento do índice de adoecimento e de acidentes de trabalho, impactando ainda mais o sistema de saúde brasileiro e os alarmantes números de infortúnios do trabalho no Brasil. (BRASIL, 1943)
Nessa mesma linha de raciocínio, as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, o Enunciado nº 34 e 37 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, dispõe:
INTERVALO INTRAJORNADA COMO NORMA DE SEGURANÇA E SAÚDE PÚBLICA
I. Regras sobre o intervalo intrajornada são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho e, por consequência, de ordem pública, apesar do que dispõe o art. 611-B, parágrafo único da CLT (na redação da Lei 13.467/2017).
SAÚDE E DURAÇÃO DO TRABALHO
É inconstitucional o parágrafo único do art. 611-B da CLT, pois as normas e institutos que regulam a duração do trabalho, bem como seus intervalos, são diretamente ligados às tutelas da saúde, higiene e segurança do trabalho como estabelecidas pelos arts. 7º, XIII, XIV e XXII, 196 e 225 da Constituição Federal, pelos arts. 3º, B e E, e 5º da convenção 155 da OIT, pelo art. 7º, II, B e E, do PIDESC (ONU), pelo art. 7º, E, G e H, do Protocolo de San Salvador (OEA), e pelo próprio art. 58 da CLT, que limita a jornada a oito horas diárias, sendo, assim, insuscetíveis de flexibilização por convenção ou acordo coletivos. (BRASIL, 2017)
Segundo Delgado, Maurício Godinho e Delgado, Gabriela Neves (2017) o intervalo intrajornada são normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, tal afirmação decorre de um estudo científico direcionado ao meio ambiente do trabalho. Logo, sua descaracterização como norma de ordem pública deve ser reparada.
Tendo em vista que os direitos sociais previstos no art. 7º XXII da Carta Magna são considerados direitos fundamentais do trabalhador, sendo, portanto, protegidos por cláusula pétrea, parte da doutrina e jurisprudência entende ser inconstitucional quando ocorrer redução ou supressão desses direitos.
Consoante ao entendimento do ministro Douglas Alencar Rodrigues, integrante da 5ª Turma do TST, o mesmo afirma que a reforma trabalhista, em relação a consolidação das decisões:
Compete a todos os tribunais, inclusive na esfera ordinária de jurisdição, a concessão de tratamento uniforme aos jurisdicionados que estão em idênticas posições jurídicas, sendo inadmissível o cenário de insegurança gerado pelo fenômeno — embora inevitável, mas controlável e superável — da dispersão jurisprudencial. Não por outra razão, impôs o legislador a todos os tribunais, indistintamente, o dever de manter a estabilidade, unidade e coerência de suas decisões (CPC, artigo 926).
Nesse mesmo sentido, o Ministro, Douglas Alencar Rodrigues salientou ainda que:
A decisão final sobre a validade da reforma trabalhista está nas mãos do Supremo Tribunal Federal. Em abril de 2019, mais de 30 ações questionavam trechos da Lei 13.467, aprovada em 2017. E, enquanto a Suprema Corte não se manifesta, o TST espera que as instâncias inferiores da Justiça do Trabalho definam a jurisprudência. (2019, p.1)
É imprescindível destacar o posicionamento do STF no que diz respeito a validade de norma coletiva, uma vez que o ministro Gilmar Mendes, suspendeu todos os processos envolvendo a discussão sobre a validade de norma coletiva que limite ou restrinja direito trabalhista não assegurado constitucionalmente. (CONJUR, 2019)
Por fim, em virtude da possível inconstitucionalidade decorrente da Lei nº 13.467 de 2017 e suas alterações e inovações dos arts. 71, §4º, 611-A, incisos I e III e 611-B da CLT, é imprescindível que o Poder Judiciário analise as consequências em virtude dessas modificações, realizando um controle de constitucionalidade, de modo a garantir a devida proteção e segurança jurídica ao trabalhador.
3 CONCLUSÃO
A partir das reflexões apresentadas, primeiramente, é possível concluir que a alteração do art. 71, § 4º e a inclusão dos arts. 611-A, incisos I e III e 611-B da CLT decorrente da Lei nº 13.467 de 2017, representa uma afronta aos princípios constitucionais trabalhistas, colocando em risco a proteção do trabalhador, gerando insegurança jurídica por não haver uma uniformização e consolidação das decisões e ocasionando o retrocesso social no que diz respeito aos direitos trabalhistas conquistados ao longo de décadas.
Com a modificação do art. 71, §4º e inclusão dos arts. 611-A e 611-B da CLT, resta claro que o intervalo intrajornada não mais assume o caráter de ordem pública, descaracterizando a natureza de norma relativa à saúde, higiene e segurança do trabalho, podendo, inclusive, ser flexibilizado mediante negociação coletiva trabalhista.
Ocorre que o intervalo intrajornada é sim considerado norma de ordem pública, em virtude de constatação consolidada do estudo científico relacionado ao meio ambiente de trabalho, motivo pelo qual sua desclassificação afronta diretamente a Constituição Federal (art. 7º, XXII), devendo ser reparada.
Desse modo, há um confronto da lei infraconstitucional com a norma constitucional, assim como também contradiz a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e o entendimento majoritário da doutrina, os quais entendem que a duração de trabalho, inclusive o intervalo, são normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, sendo garantidas por cláusulas pétreas, por tratar-se de direitos fundamentais. Portanto, o intervalo intrajornada não poderia ser considerado objeto lícito de acordo ou convenção coletiva.
Resta claro que a reforma trabalhista não se encontra em harmonia com as normas constitucional e Convenções Internacionais do Trabalho, desrespeitando os direitos individuais e coletivos do trabalhador.
Importante destacar ainda que o ministro Gilmar Mendes, suspendeu todos os processos envolvendo a discussão sobre a validade de norma coletiva que limite ou restrinja direito trabalhista não assegurado constitucionalmente.
Por fim, em relação a possível inconstitucionalidade decorrente da Lei nº 13.467 de 2017 e suas alterações e inovações dos arts. 71, §4º, 611-A, incisos I e III e 611-B da CLT, é imprescindível que o Poder Judiciário analise as consequências em virtude dessas modificações, realizando um controle de constitucionalidade, de modo a garantir a devida proteção e segurança jurídica ao trabalhador.
REFERÊNCIAS
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[1] Professor orientador pelo Centro Universitário São Lucas Ji-Paraná - UniSL. Especialista em Direito Processual Civil, 2003, ILES-ULBRA, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, 2006, CERS. E-mail: [email protected].
Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário São Lucas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Jordana Maria Siqueira de. O intervalo intrajornada e a possível inconstitucionalidade decorrente da reforma trabalhista pela Lei nº 13.467/17 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 nov 2019, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53806/o-intervalo-intrajornada-e-a-possvel-inconstitucionalidade-decorrente-da-reforma-trabalhista-pela-lei-n-13-467-17. Acesso em: 23 dez 2024.
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