RESUMO: O presente artigo tem como objetivo verificar as principais características ontológicas, bem assim as repercussões (in)constitucionais da previsão de suspensão e extinção da punibilidade de crimes ambientais levado a cabo pela Lei n° 12.651/2012. Para tanto, foi realizado estudo no sentido de bem identificar tal previsão dentro da teoria geral do crime, mais especificamente, correlacionando e cotejando a previsão do art. 60 do Novo Código Florestal com os conceitos de ilicitude, culpabilidade e punibilidade. Ato contínuo, descemos mais a fundo no estudo do Termo de Ajustamento de Conduta (“TAC”), sua natureza jurídica, sua relação com a persecução penal, o que nos fez verificar a tendência/corrente de “admininstrativização do direito penal” e, bem assim, a violação ao Princípio da Independência das Instâncias. Por fim, a par de tudo o estudado e escrito, fechando o estudo pretendido e defendendo a inconstitucionalidade da previsão, analisamos a recente decisão do STF na ADC n° 42 que, em controle concentrado, julgou constitucional tal famigerado art. 60, gerando total descrédito científico às Ciências Criminais e subtraindo proteção ao meio ambiente.
Palavras-chave: Novo Código Florestal; Suspensão e extinção da punibilidade de crimes ambientais; natureza jurídica; inconstitucionalidade.
ABSTRACT: The purpose of this article is to verify the main ontological characteristics, as well as the (in) constitutional repercussions of the prediction of suspension and extinction of the punishment of environmental crimes carried out by Law n. 12.651 / 2012. In order to do so, a study was conducted in order to identify such a prediction within the general theory of crime, more specifically, correlating and comparing the prediction of art. 60 of the New Forest Code with the concepts of illegality, guilt and punishability. We went deeper into the study of the Term of Adjustment of Conduct ("TAC"), its legal nature, its relationship with criminal prosecution, which made us see the tendency / current of "administrativeisation of criminal law" and, as well as violation of the Principle of Independence of the Instances. Finally, along with everything studied and written, closing the intended study and defending the unconstitutionality of the prediction, we analyzed the recent decision of the STF in ADC n ° 42 that, in concentrated control, judged constitutional such famous art. 60, generating total scientific discredit to the Criminal Sciences and subtracting protection to the environment.
Key-words: New Forest Code; Suspension and extinction of the punishment of environmental crimes; legal nature; unconstitutionality
Sumário: 1. Introdução. 2. Breves considerações sobre responsabilidade penal ambiental e análise da previsão do art. 60 do novo código florestal dentro da teoria geral do crime. 3. O programa de regularização ambiental e o termo de ajustamento de conduta. 4. O “termo de compromisso” condicionador da persecução penal e o princípio da independência das instâncias. 05. Considerações finais.
1. INTRODUÇÃO
A princípio, há que se ter em mente que com a Constituição Federal de 1988, consagrando forte tendência internacional, já verificável na própria lei n° 6.938/1981, consagrou a importância do meio ambiente como bem jurídico, alçando o meio ambiente ecologicamente equilibrado a direito fundamental. A partir daí, erigiu-se no Brasil uma amálgama de leis e atos normativos de direito ambiental, bem como mecanismos de tutela individual e também coletiva, no âmbito cível, penal e administrativo, o que, certamente, tornou o Brasil um país com uma das mais modernas e protetivas leis ambientais, digno de aplausos no âmbito internacional.
Contudo, a complexa e assaz rígida legislação não foi óbice ao aumento do desmatamento e dos níveis de poluição, que só cresceram desde então, segundo dados oficiais. O Estado brasileiro, por questões estruturais e políticas demonstra, também aqui, sua inaptidão de efetivação real e social das normas jurídicas, e dá, com isso, um tom meramente retórico à legislação, no mesmo tom que a doutrina penalista chama de leis penais simbólicas.
Assim sendo, foi nesse contexto de legislação moderna e protetiva, mas com forte ineficiência/ineficácia social somada ainda há um crescente sentimento de impunidade, que entra em vigor, após longos debates entre “ambientalistas” e “ruralistas/desenvolvimentistas,” o Novo Código Florestal, Lei n° 12.651/2012, que em seu art. 60, tratou da suspensão e da extinção da punibilidade de dois crimes ambientais, in verbis:
Art. 60. A assinatura de termo de compromisso para regularização de imóvel ou posse rural perante o órgão ambiental competente, mencionado no art. 59, suspenderá a punibilidade dos crimes previstos nos arts. 38, 39 e 48 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, enquanto o termo estiver sendo cumprido.
§ 1º A prescrição ficará interrompida durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
§ 2º Extingue-se a punibilidade com a efetiva regularização prevista nesta Lei. (grifo aposto).
Em uma leitura inicial, pode parecer que a mecânica não é complexa, mas qual o significado ontológico da previsão? De que forma a ciência penal deve enquadrá-la? É possível excluir responsabilidade penal pelo adimplemento de responsabilidade administrativa? Essa previsão é constitucional?
A tanto, sem descurar da importância das discussões sociais entre os vários agentes interessados, bem como da importância do Princípio Democrático na construção do ordenamento jurídico, fato é que, ao fazer tal previsão, cediço da intenção clara de beneficiar o setor produtivo, o legislador positiva verdadeira norma penal, e que, por consequência, traz, automaticamente, um complexo arcabouço científico e doutrinário a instruir a matéria, do qual o aplicador não pode se dissociar.
Não obstante isso, o legislador mescla as responsabilidades, confundindo a administrativa com a penal, e, assim, diminuindo, por óbvio, o âmbito de proteção do meio ambiente.
A tanto, qualquer análise responsável do tema, deve perpassar obrigatoriamente pela ciência criminal, entendendo o instituto à luz da teoria geral do crime, como pretendemos fazê-lo no próximo ponto deste trabalho, analisando em seguida, a ligação da previsão com o direito administrativo, a partir do Termo de Ajustamento de Conduta, lançando lume, ao fim, ao decidido pelo STF na ADC n° 42, já que se trata de importante precedente vinculante.
Nesse tom, com o intuito de aferir com precisão a ontologia do instituto previsto no art. 60 do Novo Código Florestal e concluirmos, pois, pela inconstitucionalidade de sua previsão, fez-se necessário o uso da legislação, de ensinamentos doutrinários de autoridade, bem como jurisprudências sedimentadas remota e mais recentemente.
Assim sendo, o objeto deste trabalho é de grande envergadura e importância, gerando fortes debates sobretudo na mais alta corte do País, que, não obstante tenha decidido pela constitucionalidade, fez constar alguns dos entendimentos aqui expostos, deixando aberta a porta de uma possível superação do precedente (“overruling”).
2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE RESPONSABILIDADE PENAL AMBIENTAL E ANÁLISE DA PREVISÃO DO ART. 60 DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL DENTRO DA TEORIA GERAL DO CRIME.
É fato que os povos de todo o mundo, não só nos dias de hoje mas com mais intensidade atualmente, lançam olhos ao meio ambiente. Nesse contexto, conforme já se disse, houve uma gradual positivação de normas protetivas ao longo do tempo, o que também ocorreu no que diz à responsabilidade penal.
Certo é que a tutela penal atua repressivamente com o fito de punir e desestimular aqueles atos lesivos aos bens mais caros à sociedade. No ponto, a análise da legislação penal brasileira mais antiga, ao colocar o meio ambiente na vertente da proteção penal, já evidenciava, pois, a sua importância, implementando, assim, o princípio da fragmentariedade.
Assim, inúmeros e variados tipos, insculpidos tanto no Código Penal como em legislações esparsas, formavam o sistema de responsabilidade penal do meio ambiente. A título de exemplo, para iniciar a análise, antes da lei 9.605/98, aplicavam-se, em matéria ambiental, o disposto no art. 163 (crime de dano) e também o art. 166 (alteração de local especialmente protegido) nas respectivas condutas que lesassem o meio ambiente.
Fato era que a extensa legislação e a ausência de critérios para sistematização do assunto geravam imensas perplexidades e desproporções entre as medidas penais. No ponto, vejamos o que parte da doutrina já alertou:
De acordo com essa sistemática, faz-se uma tipificação punktuelle das várias infrações, criando, desse modo, dificuldades para o seu cabal conhecimento, em razão de sua quantidade (geradora de hipertrofia), das múltiplas superposições, das lacunas e incongruências peculiares ao tratamento isolado e fragmentário..
Nesse contexto, ansiando dar mais logicidade e especificidade para o tratamento penal do meio ambiente, o legislador, em 1998, editou a lei 9.605/98, denominada usualmente por leis dos crimes ambientais. Possuindo uma parte geral (art. 1° ao art. 28) e uma parte especial (art. 29 a 69-A), tal lei certamente é um marco jurídico para o ordenamento brasileiro, pois acabou por cumprir de forma específica o mandamento incriminador inserido na Constituição Federal.
Ocorre que, apesar do esforço legislativo e, reconhecendo a considerável concentração do assunto no diploma, a lei 9.605/98 também possui pontos negativos e até retrocessos. Para o ponto, é de se apontar a necessidade de certa parcimônia na análise da lei, já que não escapa de “inúmeros vícios de inconstitucionalidade”.
De toda forma, pode-se afirmar que a lei 9.605/98, atualmente, constitui um instrumento cada vez mais eficaz e de notável refinamento jurídico em certas acepções.
Assim, é imperioso afirmar que duas características dão o contexto identificador da responsabilidade penal quanto ao meio ambiente, quais sejam, a existência quase unânime do elemento normativo “sem prévia autorização” e o grande número de normas penais em branco. Enquanto o elemento normativo demonstra a existência de competência material comum quanto ao meio ambiente, as normas penais em branco são exigências do “conteúdo complexo, técnico, multidisciplinar e mutável” do tema ambiental.
Em verdade, a matéria vem sofrendo um processo de delimitação jurisprudencial gradual desde a instituição da lei dos crimes ambientais, constituindo hoje, certamente, um instrumento indispensável no atual contexto brasileiro. Nessa evolução, é de se afirmar ainda que, com a doutrina e ganhando respaldo também nos Tribunais, vem se afirmando cada vez mais, como tendência moderna, a teoria da imputação objetiva pelo chamado incremento do risco no campo do direito penal ambiental. Para essa corrente, apesar das veementes críticas, pune-se penalmente o dano ambiental mesmo com a ausência dos tradicionais elementos dolo ou culpa.
É nesse som que se tem que reconhecer a avançada legislação ambiental brasileira, que inova e atualiza postulados antigos da ciência penal, adequando-se, pois, às peculiaridades que o tema ambiental impende. Não obstante, a par da evolução e da gradativa aplicação do Direito Penal Ambiental, insuficiente tem sido os mecanismos, como é cediço. Assim, na contramão de tudo isso, a previsão do art. 60 do novo código, parece estancar tal desenvolvimento.
Como consta da disposição normativa, suspende-se a punibilidade de três crimes graves (art. 38, 39 e 48 da lei n° 9.605/98) a partir da assinatura do Termo de Ajuste de Conduta previsto, extinguindo-se, ato contínuo, a punibilidade com o seu cumprimento.
Pela leitura do texto, salta aos olhos a opção do legislador em associar a questão como uma causa de extinção da punibilidade. Contudo, percebemos um conteúdo ontologicamente ligado à culpabilidade, no seu sentido conceitual. Sob tal enquadramento, em verdade, estaríamos diante de hipótese de exclusão do crime e de todos os seus efeitos e não da mera extinção da punibilidade que, em regra, deixa intangível os efeitos extrapenais.
Assim afirmo, pois, permeado por princípios de desenvolvimento sustentável, bem como valorização da atividade agropecuária, o Novo Código Florestal, sobretudo o art. 60, trazem mensagem direta à sociedade e ao ordenamento no sentido de que não se deve considerar reprovável que o agente tenha, por exemplo, realizado “corte raso” de vegetação nativa sem autorização do órgão competente, se o fez até 22 de julho de 2008 e tenha cumprido algumas medidas administrativas.
Nesse contexto, reverberando a melhor doutrina, temos o conceito geral da culpabilidade identificado como a “reprovabilidade do injusto ao autor”. No mesmo sentido, afirma-se que, em verdade, a “essência da culpabilidade é a reprovabilidade”. No giro, conforme se vê, a noção é ponto central, sendo certo afirmar que é a culpabilidade do agente que “dá o tom da sua responsabilidade”. De toda forma, para uma apreensão corroborar nosso posicionamento, colacionamos trecho de louvável doutrina:
Atribui-se, em Direito Penal, um triplo sentido ao conceito de culpabilidade, que precisa ser liminarmente esclarecido. Em primeiro lugar, a culpabilidade – como fundamento da pena – refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma pena ao autor de um fato típico e antijurídico (...). Em segundo lugar, a culpabilidade – como elemento da determinação da pena. Nessa acepção, a culpabilidade funciona não como fundamento da pena, mas como limite desta (...). E, finalmente, em terceiro lugar, a culpabilidade – como conceito contrário à responsabilidade objetiva. Nessa acepção, o princípio da culpabilidade impede a atribuição da responsabilidade penal objetiva.
Apesar de entender o instituto mais próximo ao elemento culpabilidade, não podemos deixar de afirmar que há sim ligação à ideia de punibilidade também, embora bem mais discreta, pensamos. Esta por sua vez, não é encarada majoritariamente como elemento do crime, mas consequência desse. No ponto, a doutrina aponta:
O vocábulo punibilidade tem dois sentidos que devem ser claramente delineados: a) a punibilidade pode significar merecimento de pena de pena, ser digno de pena no sentido da palavra alemã Strafwürdig; neste sentido, todo delito (toda conduta típica, antijurídica e culpável) é punível pelo simples fato de sê-lo; b) punibilidade pode significar possibilidade de aplicar a pena, no sentido da palavra Strafbar;; neste sentido nem todo delito é passível de aplicação de uma pena (...)
Nesse ínterim, apesar da conduta ser criminosa, o agente não seria merecedor de pena, no caso do art. 60 da Lei n° 12.651/2012. Vale ressaltar, conforme analisaremos mais adiante, que alguns ministros do STF já se posicionaram no sentido de, realmente, tratar-se de causa extintiva da punibilidade, mais especificamente, de uma verdadeira anistia.
Mas, de todo modo, na essência, a lei quer retirar a reprovabilidade das ditas condutas criminosas realizadas até 22 de julho de 2008, deixando resvalar sua intenção de reconhecer a importância das áreas transformadas para atividade agropecuária, mas, ao mesmo tempo, não quer fazer isso expressamente, certamente em razão das dificuldades políticas na aprovação do texto do código.
Afirmo isso, pois, também em um contexto de legitimação de condutas anteriores, o mesmo legislador já empreendeu “abolitio criminis temporária”, por exemplo, em relação a crimes do Estatuto do Desarmamento, também elegendo uma data como divisor de águas.
O que se quer chamar a atenção aqui é que, todo esse esforço do legislador de “amenizar” o enquadramento do referido art. 60 não desnatura seu âmago e sua finalidade de despenalizar crimes ambientais, indo em total encontro às normas que impõe proteção e responsabilidade ambiental, o que inquina de inconstitucionalidade, como se afirmará adiante.
3. O PROGRAMA DE REGULARIZAÇÃO AMBIENTAL E O TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA.
No tom do já afirmado, as normas de Direito Ambiental possuem nítido caráter de direito coletivo, sendo o meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito fundamental de todos. Assim, não queremos, aqui, por questão de rigor acadêmico, entrar no embate dos alcunhados “desenvolvimentistas” e “ambientalistas”, contudo, não podemos deixar de questionar, ainda que brevemente, a legitimidade ou ilegitimidade de se transacionar com este bem público coletivo, que, obviamente, tem status de indisponível. Assim é, pois, o referido Programa de Regularização e Ambiental juntamente com a previsão do “TAC” ora analisado vem espelhar essa possibilidade, abrindo mão de direitos e responsabilidades ambientais. Sobre o tema, mister colacionar apontamento da doutrina que, esclarecendo a “alta conflituosidade” dos interesses difusos, afirma:
Quando se analisam os interesses difusos, marcados pela transcendência e indeterminação de seus titulares, tendo por objeto um bem indivisível e indisponível, os conflitos de massa deles decorrentes não se coadunam com a clássica descrição da fórmula “Tício x Caio”. Havendo conflito de interesses difusos, a escolha de um implicará, necessariamente, o preterimento do outro, não se podendo dizer que uma escolha é certa ou errada. As posições, por mais contrastantes que sejam, devem conviver e, no entrechoque de valores, serão as escolhas políticas que orientarão a preponderância de um interesse difuso sobre o outro.
Mas independentemente desse apontamento inicial, a previsão de Programas de Regularização não é novidade no Brasil, senão vejamos.
Cumpre lembrar que, do regime colonial das sesmarias às políticas militares de expansão da fronteira agrícola sob o domínio amazônico até meados dos anos 80, suprimiu-se grande volume de floresta com chancela tácita do Estado. Com o passar do tempo e a intensificação internacional das preocupações ambientais e as pressões institucionais, o discurso estatal mudou.
O dito “programa de regularização ambiental” que, tenta ser implementado pela União, conforme disposição do art. 59, caput da Lei 12.651/2012, parece traduzir a imperiosa necessidade do campo brasileiro, segundo a constatação da flagrante situação de apartamento normativo-ambiental em que se encontram grande parte das propriedades rurais.
Contudo, a questão envolve uma análise contextual. Assim, devemos ter em conta a existência de reiterado esforço governamental para a regularização ambiental. Desta feita, em 1934, no afã de preservação, fora editado, então, o Código Florestal Brasileiro que, alterado em 1965, sempre levou a cabo os conceitos de Reserva Legal e de áreas sensíveis. Ocorre que o desiderato não foi alcançado e a inexpressiva efetividade da legislação sempre foi o que lhe dava maior característica.
De toda forma, a situação parece guinar a partir de 1998 com a Lei dos Crimes Ambientais e, mais recentemente, a atuação mais incisiva de órgãos como o IBAMA e o Ministério Público Federal. Diante disso, sobre o assunto, esclarece pertinente artigo científico:
O setor rural reagiu ao acúmulo de pressões e exigiu mais prazo e apoio governamental para a regularização ambiental. Em resposta, em dezembro de 2009 o governo federal criou, via decreto, o Programa Mais Ambiente (PMA) para promover e apoiar a regularização ambiental dos produtores rurais.
Ocorre que tal “Programa Mais Ambiente” é, na essência, semelhante, ou mesmo o embrião do “Programa de Regularização Ambiental” ensejado no Projeto do Novo Código Florestal que, como aquele, estabelece vantagens para aquele que se “ajustar” com o Poder Público. Assim, é que pelo “Programa Mais Ambiente” já era possível espécie de “anistia” administrativa pela conversão em penas alternativas.
A partir desse cenário, para aferir a viabilidade de tal previsão, não devemos ficar apenas no texto do projeto, mas sim lançar mão de uma análise comparativa das experiências já perpassadas. No ponto, parece haver divergências, mas devemos atentar para o pertinente exemplo:
Nos EUA, programas com esta finalidade surgiram na década de 1980 em resposta às críticas sobre a natureza excessivamente prescritiva e muitas vezes ineficiente da abordagem tradicional de comando e controle. Por exemplo, o programa da Agência de Proteção Ambiental Americana (EPA), Audit Policy, iniciado em 2005, incentiva o relato voluntário de irregularidades pelos próprios infratores para promover o cumprimento das normas. Como contrapartida, a EPA reduz entre 75% e 100% o valor das multas. Toffel e Short (2009)32 afirmam que o programa reduziu em 20% o número de acidentes ambientais e melhorou o cumprimento das normas ambientais. Entre os compromissos assumidos pelos infratores estava a adequação da atividade às normas ambientais e a reparação do dano ambiental em um prazo médio de até 60 dias a partir da descoberta do dano, além da prevenção da recorrência de danos.
Nesse ínterim, vejamos tabela elaborada com dados disponibilizados pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON) com resultados obtidos em recentes experiências:
Tabela: Quadro de programas de regularização ambiental no Brasil e seus resultados:
Programa |
Lucas do Rio Verde Legal |
Prolegal |
MT legal |
Início do programa
|
Dezembro de 2006 |
Maio de 2006 – projeto piloto. |
Novembro de 2009 |
Área de implementação |
Município de Lucas do Rio Verde (MT) |
Entorno do Parque Nacional das Emas. |
Estado do Mato Grosso |
Período para adesão |
Indefinido |
Indefinido |
1° prazo: novembro de 2010; 2° prazo (prorrogação): novembro de 2012. |
Incentivos ao proprietário da terra/posseiro |
Assistência técnica e promessa de não utilizar informações fornecidas pelos proprietários para autuações. |
Suspensão das autuações no período previsto no TAC. |
Suspensão das autuações no período do TAC; suspensão da cobrança das multas emitidas no período anterior ao acordo e desconto de 90% quando da comprovação da reparação total do dano. |
Compromissos dos participantes |
Recuperar APP e RL. |
Recuperar APP e RL no período estabelecido no TAC |
Recuperar APP e RL no prazo de um ano. |
Resultados alcançados |
100% das propriedades cadastradas e com diagnóstico socioambiental entre 2007 e 2008. |
70% das propriedades foram objeto de TAC entre 2006 e 2008 |
6.999 imóveis cadastrados até outubro de 2010. |
Fonte: ARAÚJO, op. cit., p.3
A tanto, na tentativa de formar juízo sobre a proposta do Novo Código Florestal, os dados ensejados acima são deveras relevantes.
Outro dado importante é aferir que “menos de 1% das multas aplicadas (num total de 2,8 bilhões) por causa do desmatamento na Amazônia foi recolhido aos cofres públicos.”. Nesse contexto, são notórias as dificuldades administrativas que o País enfrenta diante da ausência de estrutura executiva e a incidência de fatores outros como a corrupção. Desta feita, devemos ter em mente, como ponto de partida, a certeza da insuficiência da atual gestão ambiental, o que nos evidencia, pois, a necessidade de procurar outros caminhos.
Ademais, pergunta-se como preencher mandamentos como o Direito à Informação Ambiental, o Princípio da Responsabilidade Ambiental, o Princípio da Precaução e Prevenção, e, por fim o “prima principium ambiental” do desenvolvimento sustentável se as atividades do campo continuarem a se empreender sem vinculação à Administração Ambiental. Assim sendo, entendemos que a iniciativa da Lei 12.651/2012 está em consonância com a Declaração de Estocolmo de 19972: “Deve ser confiada, às instituições nacionais competentes, a tarefa de planificar, administrar e controlar a utilização dos recursos ambientais dos Estados, com o fim de melhorar a qualidade do meio ambiente” . Desta feita, o “Programa de Regularização Ambiental” deve ser visto como medida imperiosa para um “Estado de Direito Ambiental”.
Feitos os primeiros esclarecimentos sobre o Programa de Regularização Ambiental, no intuito de contextualizar a previsão do Termo de Ajustamento de Conduta e suas finalidades, passemos a uma análise mais detida do “termo de compromisso” e sua natureza jurídica.
A Lei 12.651/2012 faz previsão, em seu art. 59, §3°, do “TAC” da seguinte forma:
Com base no requerimento de adesão ao PRA, o órgão competente integrante do SISNAMA convocará o proprietário ou possuidor para assinar o termo de compromisso, que constituirá título executivo extrajudicial. (grifo aposto).
Cumpre verificar que não se trata de instituto novo na legislação. Nesse contexto, a doutrina faz apontamento sobre a gênese do instituto:
Com forma de remediar tal questão e, sob forte influência das ADR’s, o Código de Defesa do Consumidor inclui o §6° no art. 5° da Lei de Ação Civil Pública, que institui o compromisso de ajustamento de conduta, passando a ser um instrumento de composição de controvérsias e estabilizador social a ser celebrado diretamente entre a Administração e os interessados nas questões envolvendo direitos coletivos.
Noutro ponto, mais recentemente, com a inclusão do art. 79-A a Lei 9.605/98 (“lei dos crimes ambientais”), o ordenamento jurídico brasileiro se deparou com outra disposição, em muito, análoga ao instituto da Lei 7.347/85. Trata-se também de um “Termo de compromisso” em se que permite o ajustamento ambiental, não havendo, certamente uma inovação significativa.
Contudo, argumentando diferença entre as duas previsões legais, aponta esclarecida doutrina a respeito:
A distinção sensível é a função subsidiária às sanções administrativas que o ajustamento de conduta proporciona, visando condutas de reparação civil do meio ambiente. A Lei 9.605/98 versa sobre as infrações penais e administrativas contra o meio ambiente e se, antes, o ajustamento de conduta era um remédio para prevenir ou extinguir uma eventual ação civil pública, agora pode, além disso, apresentar-se como uma medida alternativa ao exercício do poder de polícia da Administração Ambiental.
Nesse contexto, com a edição do Novo Código Florestal surge no campo de intersecção da responsabilidade administrativo-ambiental e penal uma terceira via de “ajustamento” que, funcionando em conjunto com os dois institutos já apontados, instrumentaliza um verdadeiro sistema extrajudicial de tutela ambiental.
A tanto, é retomando a semelhança entre a nova previsão (art. 60, §3° da Lei 12.651/2012) e os institutos inseridos tanto na Lei 7.347/85 quanto na lei 9.605/98, é que encontramos uma via para discorrer sobre a natureza jurídica desse “termo de compromisso”.
Sobre o assunto no deparamos com controvérsias doutrinárias bastante antagônicas bem apontadas por doutrina específica:
Os debates existentes entre esta modalidade de compromisso podem ser seccionados em três correntes básicas de entendimento: a corrente que entende como transação bilateral; outra como acordo em sentido estrito; e a que concebe o instrumento como ato administrativo.
De toda forma, para um melhor entendimento, melhor é dividirmos em corrente contratualista e corrente administrativista, afirmando, desde já, que ambas apresentam argumentos sedutores ao intérprete.
Segundo afirma ilustre doutrina, a hipótese prevista no novo código florestal seria, pois, pelo raciocínio, espécie de transação civil peculiar ou parcial completando:
A primeira vertente alude que o compromisso de ajustamento configura transação tal como prevista no código Civil (atual art. 840), asseverando que, na negociação do compromisso, não se discute a disponibilidade do direito material ao meio ambiente, mas a situação periférica de resguardo do mesmo e, por isso, admite negociar prazos e forma de cumprimento, não o direito indisponível ambiental.
Nesse tom não se pode olvidar a presença de um elemento de “bilateralidade” do instrumento que, apesar de ter objeto de negociação bastante reduzido este não resta suprimido, reconhecendo-se, pois, alguma margem de obrigação também para a Administração Ambiental, na forma da lei e do “ajuste”. Ocorre, todavia, que por medida de boa cautela, não se afirma corriqueiramente esta característica, pois, sabe-se da patente indisponibilidade do objeto ambiental frente ao Princípio da Supremacia do Interesse Público.
Noutro giro, a corrente administrativista, argumentando a natureza de ato administrativo, parece enquadrá-lo na classificação dos atos administrativos negociais como estabelece a doutrina:
Segundo MEIRELLES, trata-se de atos que contêm uma declaração de vontade do Poder Público coincidente com a pretensão do particular, visando à concretização de negócios jurídicos públicos ou à atribuição de certos direitos e vantagens ao interessado
Ademais, corroborando o entendimento administrativista, afirma-se que o instrumento não possui o condão de assentar obrigações para a Administração, mas apenas expressa um “consentimento da Administração para uma pretensão do particular”. Não obstante, trazendo um conceito doutrinário para o chamado “protocolo administrativo”, parece ter inserido aí o ato administrativo negocial e, por consequência, tal termo de compromisso, conforme se transcreve:
Protocolo administrativo é ato negocial pelo qual o Poder Público acerta com o particular a realização de determinado empreendimento ou atividade ou a abstenção de certa conduta, no interesse recíproco da Administração e do Administrado signatário do instrumento protocolar (...)
Portanto, percebamos que a questão deste instrumento é bastante complexa e parece ter se construído à frente dos apontamentos tradicionais e sistêmicos do Direito Administrativo, assim como vem exigindo severas adaptações no campo do Direito Penal. Por oportuno é o conceito ensejado por importante doutrina nacional que, ao definir o compromisso previsto na Lei da Ação civil, assim dispõe:
Embora tenha o caráter necessariamente consensual, o compromisso de ajustamento não tem natureza contratual, típica do direito privado, nem chega a ser propriamente uma transação de direito público. Trata-se, antes, de concessão unilateral do causador, que acede em ajustar sua conduta ás exigências legais, sem que o órgão público que toma seu compromisso esteja a transigir em qualquer questão ligada ao direito material, até porque não o poderia fazer, já que, em matéria de interesses transindividuais, o órgão publico legitimado e o Estado não são titulares do direito lesado.
Ainda na questão, forçoso não visualizar a obrigação de abstenção (non facere) da Administração no que tange às Autuações Administrativas e Sanções Penais uma vez eventualmente “suspensas” por força dos art. 59 e 60 do novo diploma. Assim sendo, estamos, sim, diante de um ato jurídico bilateral, em que pese os esforços doutrinários em contrário.
Portanto, sem negligenciar a incidência de regras do regime de direito público, ao meu ver, prevalece a bilateralidade e o conteúdo negocial, uma vez constituir faculdade do administrado. Assim, enquanto de um lado figura a vontade do administrado (consenso) do outro parece figurar um poder-dever vinculado da Administração (consenso legal), que, quando presentes os pressupostos legais, não deve se furtar à assinatura do respectivo termo, na medida em que “há um direito subjetivo constitucional que protege o particular contra a negação do direito pela Administração”, quando diante de atividade vinculada.
04. O “TERMO DE COMPROMISSO” CONDICIONADOR DA PERSECUÇÃO PENAL E O PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS.
Dispõe o art. 60 da Lei 12.651/2012 (Novo Código Florestal):
Art. 60. A assinatura de termo de compromisso para regularização de imóvel ou posse rural perante o órgão ambiental competente, mencionado no art. 59, suspenderá a punibilidade dos crimes previstos nos arts. 38, 39 e 48 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, enquanto o termo estiver sendo cumprido.
§ 1º A prescrição ficará interrompida durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
§ 2º Extingue-se a punibilidade com a efetiva regularização prevista nesta Lei. (grifo aposto).
Assim, impende requisitar nesta parte todos os apontamentos erigidos sobre a punibilidade e sua extinção constante do início do trabalho com o fito de apreendermos melhor o assunto. Não obstante, parece ser necessário, ainda, diante do cenário de vanguarda que nos é posto, afastarmos um pouco de uma visão estritamente dogmática, sob pena de aceitar o direito só pelo direito e não como consequência da relação social. Desta forma, o Direito Penal não pode se fazer isolado do contexto em que se inserem suas normas.
É cediço no direito brasileiro a existência de três esferas de responsabilidade que são “independentes e autônomas entre si”. Ocorre que é fácil perceber, com a previsão do art. 60, uma interferência entre essas responsabilidades. Sobre o ponto já afirmava a doutrina de Édis Milaré:
No âmbito do processo penal, a mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal está em sintonia com a abordagem moderna e inovadora do Direito Penal; ele constitui fundamento legal para que, eventualmente, a recuperação do recurso ambiental degradado ou a composição civil, quando anteriores ao oferecimento da denúncia, repercutam na esfera de responsabilidade criminal.
Observemos que, apesar da introdução legislativa, é de ressaltar que a essência do instituto, ao que parece, já vinha sendo argumentada. De outro lado, no âmbito da jurisprudência, temos um embrião do que nos agora é posto normativamente, vejamos ilustrativos julgados abaixo colacionados:
Deve ser trancada, por falta de justa causa, a ação penal instaurada para apurar eventual crime contra o meio ambiente, previsto na lei 9.605/98, na hipótese em que a acusada requereu assinatura do termo de ajustamento de compromisso com os órgãos ambientais visando à correção de suas atividades. (3° Câmara, TJMG, HC 351992/2, Juiz-relator Ciro Campos, j. 15.02.2000).
Habeas Corpus. Acordo firmado com força de título executivo extrajudicial. Matéria penal definitivamente desconstituída que impede a apresentação de denúncia sobre o mesmo fato. Denúncia oferecida e recebida. Constrangimento ilegal caracterizado. Trancamento da ação penal ordenada. Ministério Público. Parte ilegítima para instauração de inquérito administrativo com finalidade de persecução penal. Ordem concedida (3° Câmara Criminal, TJMG, HC n° 1.0000.04.410063-4/000(1), rel. Antônio Carlos Cruvinel, j. 24.08.2004.).
Deve ser trancada a ação penal por falta de justa causa na hipótese em que o impetrante assinou termo de compromisso de ajustamento de conduta ambiental junto aos órgãos competentes antes do oferecimento da denúncia. Mandamus concedido (3° Câmara Criminal, TJMG Mandado de Segurança Criminal n°1.000.03.400377-2/000, rel. Jane Silva, j. 25.06.04).
Com esses apontamentos e cotejos, verificamos, pois, a existência de correlação próxima entre a persecução penal e a esfera administrativa/cível no que toca à matéria ambiental. Assim é que a reparação do dano já era considerada por alguns como causa supralegal de extinção da punibilidade.
Tal fenômeno espelha uma tendência de “administrativização do direito penal” na nossa visão.
No ponto, o raciocínio se ramifica no ordenamento jurídico pela atual dinâmica dada aos crimes tributários quando analisado o pagamento do débito tributário conforme redação do art. 83 da lei 9.430/96 e seu §1°. A tanto, depreende-se que fica suspensa a pretensão punitiva do estado durante o prazo em que o agente estiver incluído no respectivo programa de parcelamento, extinguindo-se a punibilidade pelo adimplemento integra do crédito tributário. Assim sendo, neste, estamos diante de semelhante caso em que a persecução penal fica obstada diante a atuação administrativa (processo administrativo).
Mais oportunamente, impende esclarecer que o preceito analisado traz consigo característica motivação político-criminal, no contexto de uma nova filosofia que alguns têm chamado de “modelo consensual”. No ponto, confluente o tema exposto, podemos colacionar afirmações da doutrina que, comentando institutos despenalizadores da lei 9.099/95 esclarecem:
Em lugar de a atividade jurisdicional penal servir única e exclusivamente aos interesses coligados com a pretensão punitiva estatal, a orientação agora é outra: nas hipóteses mencionadas, sobressaem como mais relevantes os interesses da vítima. A reparação do dano, na hipótese enfocada, é o quantum satis para a resposta estatal. Entendeu-se que só ela é suficiente para afastar a necessidade de qualquer sanção penal. Isso significa colocar o direito penal como ultima ratio do sistema. Se outras medidas menos drásticas revelam-se adequadas para o efeito preventivo, não deve incidir o Direito Penal. A aplicação subsidiária desse ramo da ciência jurídica, está em consonância com a mais atualizada doutrina internacional.
Corroborando tal argumento, o Princípio da Intervenção Mínima do Direito Penal tem seu lugar na discussão, possivelmente dando algum respaldo jurídico-constitucional da questão. Sobre a noção:
Com o fortalecimento do princípio da subsidiariedade da ação penal, a doutrina evolui no sentido de que este ramo do Direito deve (pode) incidir sobre o caso concreto somente quando as demais instâncias de responsabilização – civil e administrativa, que são menos gravosas – já se tenham mostrado insuficientes para coibir a conduta infracional, potencial ou efetivamente lesiva ao bem jurídico lesado.
Contudo, filio-me aos que críticos desse sistema, possivelmente inaugurado com a Lei n° 9.099/95, que acaba por empreender o que se vem chamando de “barganha penal”. Foi opção, criticável, mas legalmente empreendida diante de uma crise do “modelo político-criminal paleorepressivo”, conforme identifica esclarecida doutrina:
Ocorre que, sob argumentos de realidade social e de ineficiência dos sistemas então vigentes, não pode fundamentar a confusão de tipos de responsabilidades científica e dogmaticamente diferentes, sobretudo quando a tradicional distinção vem em sede constitucional, a saber:
Art. 225, § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Assim sendo, a conclusão mais acertada é pela inconstitucionalidade do art. 60 da Lei n° 12.651/2012. Ademais, apesar da intenção de regularização, certo é que as normas que tratam da responsabilidade civil, administrativa e penal configuram obrigações cumulativas e não alternativas, não sendo, portanto, intercambiáveis. Nesse mesmo sentido, em um cenário de já cabal impunidade ambiental, previsões “despenalizadoras” vem em total descrédito ao Direito.
Ocorre que, ao arrepio dos apontamentos aqui feitos, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade n° 42, declarou constitucional a previsão do art. 60 do Novo Código Florestal.
05. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Assim, da análise detida da previsão de suspensão e extinção da punibilidade de crimes ambientais pelo art. 60 da Lei n° 12.651/2012, conseguimos chegar a algumas conclusões.
Conforme explanado, foi longa e gradual a evolução normativa a resultar, hoje, em um sistema de proteção do meio ambiente que conte, inclusive, com a força e distinção da tutela penal, responsabilidade esta da qual não podemos abrir mão.
Ademais, em que pese o forte teor político e ideológico existente sobre assunto, empreendendo análise jurídica e científica da previsão, podemos afirmar que, apesar da forma manejada pelo legislador (suspensão/extinção da punibilidade), trata-se de instituto que se liga ontologicamente mais ao conceito de culpabilidade, já que retira reprovabilidade, ou reconhece ausência de reprovabilidade, a algumas condutas realizadas até certo termo legal.
Contudo, como argumentado oportunamente, apesar das tendências doutrinárias que pregam um modelo consensual ao Direito Penal, com institutos “despenalizadores”, ao esteio de Princípios como o da Mínima Intervenção, a previsão de que o cumprimento de obrigações de natureza administrativas previstas em um termo de ajustamento de conduta possa impedir a responsabilidade penal, traduz-se em patente inconstitucionalidade por violar o Princípio da Independência das Instâncias cível, administrativa e penal, positivada no §3° do art. 225 da Constituição Federal.
Assim sendo, não podemos concordar com a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal na ADC n° 42.
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Oficial de Justiça Avaliador. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Pós-Graduado em Ciências Criminais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TAVARES, RODRIGO ALMEIDA. A suspensão e extinção da punibilidade de crimes ambientais no novo Código Florestal: uma análise científica e constitucional do instituto Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2019, 04:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53825/a-suspenso-e-extino-da-punibilidade-de-crimes-ambientais-no-novo-cdigo-florestal-uma-anlise-cientfica-e-constitucional-do-instituto. Acesso em: 23 dez 2024.
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