ÊNIO WALCÁCER
(Orientador)
RESUMO: O presente artigo evidencia o quão é importante a palavra da vítima decorrente do crime de estupro e todos os cuidados que se deve ter quando se tem somente esta como prova no processo. Busca demonstrar a necessidade da apreciação de outros elementos colhidos no processo, que de alguma forma contribuirá para no embasamento de uma justa decisão ou sentença. Nesse sentido considerando todas as particularidades deste crime e a dificuldade probatória, ainda sim, percebe-se o grande risco na condenação, tendo como alicerce somente a prova testemunhal, sendo então este, um dos maiores erros do sistema penal brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE: Palavra da vítima; valoração da prova testemunhal; crimes sexuais; riscos da condenação.
ABSTRACT: This article seeks to highlight how important is the word of the victim arising from the crime of rape and all the care that should be taken when having only this as evidence in the process. It seeks to demonstrate the need for consideration of other elements gathered in the process, which will somehow contribute to the basis of a fair decision or judgment. In this sense, considering all the particularities of this crime and the probative difficulty, however, one can perceive the great risk in the conviction, having only the testimonial evidence as its foundation, which is one of the biggest errors of the Brazilian penal system.
KEYWORDS: Victim's word; testimonial evidence; sex crimes; conviction risks.
INTRODUÇÃO
Várias são as questões referentes às injustiças e erros judiciais no Brasil. Há diversas prisões provocadas por falhas dos agentes públicos e é notório a invisibilidade dessas “vítimas” do sistema judiciário brasileiro.
Nos crimes de estupro a questão se dificulta, considerando que tal crime é um delito transeunte, ou seja, um crime de poucos ou nenhum vestígio que tem como alicerce, nestes casos, as falsas memórias e também a vulnerabilidade da vítima quando é menor de idade, casos em que são facilmente influenciadas e manipuladas.
Nesse diapasão a palavra da vítima de estupro ganha especial valor, sendo comum ter esta como a única prova processual, não cabendo seu uso de forma indiscriminada. Diversos são os casos de condenação açodada que levam pessoas inocentes á cadeia, seja pela ânsia de responder ao clamor popular por justiça, seja no uso imoderado do depoimento da vítima.
Assim foi o recente caso por exemplo do borracheiro, Antônio Carlos Barbosa de Castro, preso confundido com o “maníaco da moto”, Antônio foi preso e condenado por 9 (nove) anos pelo crime de estupro, que não cometeu, cumpriu pena de quase 5 (cinco) anos na Casa de Privação Provisória de Liberdade, em Fortaleza e foi solto após um novo julgamento em 2019, após muitas investigações feitas pela Defensoria e a ONG Inocênc Proding Brasil , que para conseguir inocentá-lo apresentaram novas provas e perícias. Tal condenação foi feita sem provas técnicas, apenas com base em relato de uma criança de 11 anos. "É um erro gritante, grotesco", afirma o defensor Émerson Castelo Branco.
Ademais, este artigo parte-se da hipótese das várias injustas condenações nos crimes de estupro, onde não há muitas evidências, tendo em vista a dificuldade em colher as provas materiais referentes a indícios físicos e biológicos sobre o crime em questão. Restando então, em grande maioria dos casos, apenas a prova testemunhal. Busca responder quais os meios de provas plausíveis usados pelo poder judiciário nos crimes de estupro e as quais as consequências da condenação, tendo como objetivo central conhecer a importância da análise da materialidade nos crimes de estupro.
Como em qualquer estudo jurídico do atual mundo globalizado a metodologia de pesquisa utilizada neste trabalho aborda meios bibliográficos, que alcança a investigação em livros, artigos, relatórios e notícias que mencionam este tema.
Por fim, será abordado os seguintes temas principais: O sistema probatório brasileiro, considerando o inquérito policial, ônus da prova, sistema de apreciação de provas, também o valor das provas e os crimes sexuais e dificuldade probatória.
1 SISTEMA PROBATÓRIO BRASILEIRO
1.1AS PROVAS DO PROCESSO PENAL
A respeito do termo prova, Aranha (2006, p. 5) dispõe que o termo em questão não apresenta um sentido unívoco, sendo que significa tudo aquilo que pode levar ao conhecimento de um fato, da existência, da qualidade ou da exatidão de uma coisa. Em sentido jurídico representa os meios e atos usados pelas partes e reconhecidos pelo juiz como sendo a verdade dos fatos alegados.
Provar, segundo o dicionário Michaelis significa aquilo que serve para estabelecer uma verdade por verificação ou demonstração, aquilo que mostra ou confirma a verdade de um fato. Para o processo penal, é o conjunto de atos que visam levar o julgador a existência ou não de um fato, que através da reconstituição desses acontecimentos que são apresentadas em juízo, com o propósito de convencer o julgador acerca do que se alega. (Michaelis, 2019)
É importante frisar que atualmente, o entendimento majoritário é de que não se pode chegar à verdade absoluta dos fatos, o que poderia ocorrer é uma aproximação maior acerca dos acontecimentos. Com isso, partindo do entendimento da doutrina mais moderna, não vigora o princípio da verdade material, e sim o da busca da verdade, que permite aos juízes a determinação ex officio da produção de provas, na fase processual.
Fernando Capez (2010, p. 342), explica sobre prova que:
[...] é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz (CPP, artigo 156, inciso I e II) e por terceiros (p. ex., peritos), destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação.
Mirabete (2007, p. 249) acrescenta que:
“Provar” é produzir um estado de certeza, na consciência e na mente do juiz, para sua convicção, a respeito da existência ou inexistência de um fato, ou da verdade ou falsidade de uma afirmação sobre uma situação de fato, que se considera de interesse para uma decisão judicial ou solução de um processo.
A partir daí, entende-se que as provas é um dos temas mais importantes dentro do sistema processual penal, pois a prova é o ato que busca comprovar a verdade dos fatos, com o fim de instruir o julgador, para que não ocorra injustiças, contribuindo inteiramente para a efetividade do devido processo legal.
1.2 ÔNUS DA PROVA
De acordo com o Projeto de Lei do Senado 156 (redação de 07 de dezembro de 2010) em seu art. 165, que traz: “as provas serão propostas pelas partes”, ou seja é assegurado às partes, a produção das provas para usá-las no convencimento do juiz.
Porém, toda afirmação precisa de uma sustentação.
Diante disto, temos que observar um dos princípios mais importante que existem no direito brasileiro, o princípio do contraditório que, segundo Avena (2017, p.433), “significa que toda prova realizada por uma das partes admite a produção de uma contraprova pela outra”. Logo, tudo que uma parte alegar a outra pode apresentar uma defesa. Esse princípio evita que o processo penal tome a forma de uma inquisição, onde apenas uma parte faria alegações sem que a outra pudesse se defender.
Sobre o assunto, explica Aranha (2004):
No processo, as partes não tem o dever, a obrigação de produzir as provas, mas sim o ônus de realizá-las. Quem tem uma obrigação processual e não a cumpre sofre a pena correspondente; quem tem um ônus e não o atende, não sofre pena alguma, apenas deixa de lucrar o que obteria se tivesse praticado (ARANHA, 2004, p. 8).
Isto é, a prova é um ônus e não uma obrigatoriedade, pois a obrigatoriedade gera penalidade, enquanto o ônus gera apenas a perda da chance de se beneficiar do ato.
Diante do assunto, Perlingieri dispõe da seguinte maneira:
O ônus é a situação passiva na qual o titular deve comportar-se não no interesse de outrem, mas sim, próprio. O ônus é definido [...] como obbligo potestativo, no sentido de que o seu titular pode realizá-lo ou não. [...] representa uma situação instrumental para alcançar um resultado útil para o titular. (PERLINGIERI, 2008, p. 698).
Nessa linha, observamos que a distribuição do ônus da prova possui duas finalidades: a primeira, chamada de ônus subjetivo que vale-se para indicar às partes do processo quem deve provar as alegações, e a segunda conhecido como ônus objetivo o qual encerrada a atividade probatória, serve ao magistrado como forma de julgar o processo caso persista em dúvida – o chamado ônus objetivo (BADARÓ, pp. 194-195).
Sobre o tema, ressalta-se que o direito processual penal admite, em regra, qualquer meio de prova, exceto a prova ilícita consoante previsto na Constituição federal, art. 5º, LVI, segundo o qual “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
Contudo, é importante ressaltar, que uma vez trazidas ao processo, à prova a todos pertence, independente de quem as produziu, respeitando assim o Princípio da comunhão dos meios probantes.
Logo, o ônus da prova cabe àquele que afirma ou alega determinado ato, fato ou circunstância, provar que aquilo que está defendendo é a verdade, dando sustentação e argumentos para que o juiz possa fazer a apreciação do que lhe foi exposto. (AVENA, 2017)
Não obstante o sistema de provas seja genericamente, na Teoria Geral da Prova, entendido como um sistema de distribuição, no processo penal, vistas as peculiaridades do sistema, o ônus de provar uma acusação recai inteiramente ao acusador, via de regra ao MP, por força do princípio constitucional da presunção de inocência. Todo fato alegado na acusação deve ser provado pelo MP, para além de qualquer dúvida razoável, caso contrário, pelo princípio do in dubio pro reo, deve-se inocentar o acusado.
1.3 SISTEMAS DE APRECIAÇÃO DE PROVAS
Os sistemas de avaliação das provas deliberam o comportamento dos juízes ante as provas trazidas pelos litigantes, pois à medida que, forem analisadas, será formada a certeza do magistrado.
O sistema de provas é o critério utilizado pelo juiz para valorar as provas dos autos, alcançando a verdade histórica do processo. Três foram os principais sistemas adotados. (RANGEL, 2015, p. 515)
São eles:
1. Sistema da íntima convicção, que consiste no método referente à valoração livre do magistrado, significando não haver necessidade de motivação para as decisões tomadas. Aqui há a decisão de forma livre pelo juiz, não necessitando fundamentar sua decisão e nem está adstrito a um critério pré definido de provas. Ou seja, o juiz decide com total liberdade.
É o sistema que prevalece no Tribunal do Júri, visto que os jurados não motivam o voto;
O magistrado não está obrigado a fundamentar sua decisão, pois pode valer-se da experiência pessoal que tem, bem como das provas que estão ou não nos autos do processo. O juiz decide de acordo com sua convicção íntima. (RANGEL, 2015, p. 516)
2. Sistema da prova tarifada; conhecido também como o sistema da prova legal é o procedimento ligado à valoração taxada, é um sistema hierarquizado, significando o preestabelecimento de um determinado valor para cada prova produzida no processo, ou seja, o valor de cada prova é pré definido, fazendo com que o juiz fique adstrito ao critério fixado pelo legislador, bem como restringido na sua atividade de julgar.
Ainda há fragmentos desse sistema, como ocorre quando a lei exigir determinada forma para a produção de alguma prova, por exemplo o art. 158 do CPP, que demanda o exame de corpo de delito para a formação da materialidade da infração penal, que deixar vestígios, vedando a sua produção através da confissão;
A confissão era considerada uma prova absoluta, uma só testemunha não tinha valor. Saltam aos olhos os graves inconvenientes de tal sistema, na medida em que não permitia uma valoração da prova por parte do juiz, que se via limitado a aferir segundo os critérios previamente definidos na lei, sem espaço para sua sensibilidade ou eleições de significados a partir da especificidade do caso. (LOPES JR, 2016, p. 205- 206)
O juiz, nas provas legais, era um matemático, pois apenas verificava qual o peso deste ou daquele meio de prova, ou como a Lei mandava provar este ou aquele fato. Seguia, friamente, o que a Lei nº mandava para aferir os fatos, objetos de prova. (RANGEL, 2015, p. 519)
Nota-se ainda que inerentemente o magistrado ainda hierarquiza as provas, pois as confissões ainda continuam sendo consideradas provas absolutas, e em muitas ocasiões, terminam por fundamentar uma sentença condenatória mesmo que de forma isolada, e em desacordo com a estrutura probatória produzida.
3.Sistema da persuasão racional do juiz (convencimento motivado): é o método misto, trata-se do sistema adotado, majoritariamente, pelo processo penal brasileiro, que se encontra, inclusive, fundamentado na Constituição Federal (art. 93, IX), equivalente a permissão dada ao juiz para decidir a causa de acordo com seu livre convencimento, devendo, no entanto, cuidar de fundamentá-lo, nos autos, buscando persuadir as partes e a comunidade em abstrato. Portanto pode se dizer que é um sistema equilibrado.
Neste sistema o juiz possui liberdade na valoração das provas, mas isso não significa que ele pode usar de sua opinião para formular o seu convencimento. O juiz deve formar a sua convicção baseando-se em elementos que foram trazidos para dentro do processo, ou seja a livre iniciativa do julgador, não pode estar ligada á interesses de política ou da sociedade, mas sim, daquilo que lhe foi trazido aos autos, por isso é tão importante justificar o seu posicionamento através de decisões fundamentadas. É importante enfatizar o fato de que em processo penal, não há hierarquia entre as provas, de modo que não pode o magistrado atribuir valor maior a determinada espécie de prova.
Rangel (2015), faz uma ressalva ao dizer que apesar deste sistema não estabelecer valor entre as provas, ou seja, apesar de não haver hierarquia entre as provas, o juiz deve fundamentar as suas decisões com base nas provas produzidas sobre o crivo do contraditório e do devido processo legal, não se aceitando a condenação de um indivíduo com base, única e exclusivamente, em elementos colhidos na fase de investigação, pois nessa fase (pré-processual) o contraditório é mitigado.
Lopes Jr (2016), no entanto, adverte que tal sistema, na verdade não é um sistema tão livre como se pensa, pois a liberdade não é plena, uma vez que a decisão judicial deve estar consubstanciada na prova produzida, vedando-se o decisionismo, ou seja, não admite-se em um processo penal democrático, como é o nosso, que o juiz julgue "conforme a sua consciência", dizendo "qualquer coisa sobre qualquer coisa" (STRECK).
Em concordância com o que se verifica, a persuasão racional do Juiz corrobora a decisão nas provas dos autos, dando uma liberdade não infinita, pode-se dizer que existe um freio para tal juízo sob pena de extraviar-se de outros princípios, como o devido processo legal, ampla defesa, entre outros.
1.4 DO INQUÉRITO POLICIAL PENAL
O primeiro momento probatório estaria vinculado à busca de provas. Gustavo Badaró afirma “tal direito sempre foi reconhecido, ainda que sem preocupação de estudá-lo sistematicamente, ao Ministério Público e ao acusador privado, sendo exercido, principalmente, por meio do inquérito policial”.
Nesse cenário, cumpri inicialmente situar o papel da investigação criminal e, mais precisamente, do inquérito policial.
A princípio, é possível conceituar inquérito policial como um procedimento policial administrativo de cunho investigativo realizado pelas polícias judiciárias brasileiras que tem por finalidade apurar a autoria e a materialidade das infrações penais através da colheita de elementos necessários que auxiliem na formação do convencimento e forneça justa causa para a propositura da ação penal (LOPES, 2014).
Portanto o inquérito policial é de natureza administrativa e finalidade judiciária.
Júlio Fabbrini Mirabete (2001), em relação ao inquérito policial explica que:
Inquérito policial é todo procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria. Trata-se de uma instrução provisória, preparatória, informativa, em que se colhem elementos por vezes difíceis de obter na instrução judiciária, como auto de flagrante, exames periciais etc. (MIRABETE, 2001, p. 41)
Em síntese o inquérito policial é atribuído para a colheita de provas, verificação da existência dos crimes e quem foi seu autor, seria o conjunto de informações que futuramente fornecerá o início da ação penal.
Ademais, o inquérito policial, não seria uma mera peça de informação, vai além disso, pois pode contribuir também para a decretação de medidas cautelares no caminhar da persecução penal, onde o magistrado pode usá-lo como base para explanar decisões ainda antes de iniciado o processo, como no caso de prisão preventiva ou na determinação de interceptação telefônica. Logo, seria a reunião de atos com o fito de investigação criminal, conduzido sob a forma de diligências, exames e interrogatórios, realizados pela autoridade policial, que reduz a escrito e autua, com o fim de desvendar o crime comum e descobrir seu autor.
É importante destacar que o destinatário imediato deste procedimento é o ofendido ou o Ministério Público, que com ele formam sua opinio delicti para a propositura da queixa ou denúncia. Já o Juiz é o destinatário mediato.
O Inquérito Policial, tem as seguintes características:1) Administrativo; 2) Dispensável; 3) Escrito; 4) Sigiloso; 5) Inquisitivo; 6) Indisponivel; 7) Oficial; 8) Oficioso;
Administrativo pois não tem natureza judicial, logo pode se dizer que é uma peça jurídica.
Dispensável pois outras fontes de informações poderão servir de base para a instauração da ação penal, não obrigatoriamente o inquérito policial. Ou seja o inquérito policial não é o único instrumento capaz de oferecer elementos necessários para que a ação penal seja proposta, ou pelo fato da materialidade e da autoria delitiva se encontrarem tão evidentes que não seria necessária uma investigação.
Escrito pois como preceitua o Art. 9 do CPP “Todas as peças do inquérito policial serão, num só processo, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade.”
Sigiloso em razão de preservar os envolvidos e promover a investigação de maneira a não ser influenciada por opiniões adversas, e nem por artifícios que busquem coibir ou confundir o trabalho realizado pelas polícias para a solução do inquérito. Em regra, o inquérito criminal é sigiloso O sigilo não se opõe ao juiz, MP, Procurador da República; e o advogado tem acesso aos autos do processo do inquérito desde que a diligência já tenha sido documentada.
Inquisitivo, por ser presidido apenas pelo delegado de polícia, e não se aplicar o princípio do contraditório e ampla defesa.
A indisponibilidade está prevista no art. 17 do CPP. Logo o encerramento do inquérito policial não pode ser determinado pelo Delegado de Polícia, não é este quem arquiva o inquérito. O arquivamento do inquérito policial ocorrerá a requerimento do Ministério Público e por decisão judicial (GOMES, 2013).
Oficial pois o inquérito policial é realizado por órgãos oficiais. A autoridade que pode presidir o inquérito policial é o Delegado de Polícia. As Polícias Civis dos Estados e do Distrito Federal e a Polícia Federal são os únicos órgãos públicos no Brasil com atribuição legal para a condução de inquérito policial. Mesmo nos casos de crime de ação penal privada só tem titularidade para a realização do Inquérito as polícias judiciárias (AZEVEDO, 2002).
Oficioso pois basta a ocorrência do crime para investigação dele, em casos de crimes de ação pública incondicionada.
A partir do conceito e das características do inquérito, cabe aqui mencionar os atos iniciais da instauração do inquérito policial, que se dá após o recebimento da notícia de um crime (instauração do inquérito policial) ou de uma prisão em flagrante (formalização do auto de prisão em flagrante) e também na hipótese dos crimes de ação penal pública, em que o CPP prevê em seu artigo 5°, duas formas de início: de ofício ou mediante requisição da autoridade judiciária, do Ministério Público, ou requerimento do ofendido ou seu defensor.
Dos atos da investigação, estão previstos nos artigos 6° e 7° do Código de Processo Penal, quais sejam:
a) dirigir-se ao local dos fatos visando início de apuração e preservação do local (inciso I);
b) apreensão de objetos após liberação pelos peritos (inciso II);
c) colheita de provas, como arrolar testemunhas, determinar colheita de material para exame e outras diligências pertinentes (inciso III);
d) ouvir o ofendido (inciso IV);
e) ouvir o indiciado (inciso V);
f) reconhecimento de pessoas e coisas e acareação (inciso VI);
h) exame de corpo de delito e outras perícias (inciso VII);
Por fim, sem este lastro mínimo, o Código de Processo Penal em seu artigo 395, veda o exercício da ação penal por ausência de justa causa. Assim o Inquérito Policial possui importância dupla, pois, ao mesmo tempo em que colhe informações para o oferecimento da peça acusatória, ele também contribui “para que pessoas inocentes não sejam injustamente submetidas às cerimônias degradantes do processo criminal”. (LIMA, 2015, p. 110).
O inquérito policial possui valor probatório relativo, haja vista a presença das provas pré-constituídas. Além disso, as declarações e confissão extrajudicial, por exemplo, serão elementos válidos para a convicção do juiz, quando estiverem acompanhadas por outros elementos colhidos durante a instrução processual. Em síntese, as provas obtidas no curso da instrução criminal é que irão fornecer subsídios para a prolação da sentença. Quase sempre são as mesmas provas do inquérito policial, renovadas e examinadas em juízo.
2.CRIMES SEXUAIS E A DIFICULDADE PROBATÓRIA
2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS
A cada dia que se passa, notamos o grande número de notícias de crimes bárbaros, a sociedade vive tomada pelo medo. Os crimes de abuso sexual estão entre os mais temidos e mais praticados, tal crime é cometido de forma clandestina, deixando poucos rastros e provas além de uma vítima completamente frágil e abalada.
Considerando que o objeto jurídico protegido pelas normas penais, dos crimes em geral, é o interesse ou o bem que possui relevância para o indivíduo ou sociedade. Tem-se que para o crime de estupro o objeto jurídico protegido é a liberdade sexual.
Sobre o direito a dignidade e autodeterminação pessoal, ISHIDA (2015) expõe que:
Tem o ser humano o direito à autodeterminação e à liberdade na condução da própria vida, devendo ser protegido pelo Direito e suas normas, como medida de reconhecimento da própria essência e da condição de ser humano. A dignidade sexual, nesse diapasão, representa os valores que devem ser respeitados no plano sexual visando à sua autodeterminação e à liberdade.
Ademais, a dignidade sexual é extraída do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, entende-se que o indivíduo, plenamente capaz, é livre para escolher com quem deseja ter relações sexuais. A liberdade sexual é fruto da liberdade individual. Portanto qualquer ato que fere tal liberdade, são atos de força nitidamente inconstitucionais.
Sarlet (2002, p. 62) elucida que a dignidade é uma qualidade intrínseca que o faz merecedor de respeito e consideração por parte do Estado e da sociedade, evitando qualquer ato com o viés degradante e desumano, a fim de que lhe seja garantido condições mínimas existenciais para uma vida saudável e promover uma participação ativa e em comunhão com os demais seres humanos.
Jesus (2014), leciona que os crimes contra a dignidade sexual podem ser classificados como: crimes contra a liberdade sexual; crimes sexuais contra vulneráveis; lenocínio do tráfico de pessoa para fim de prostituição ou outra forma de exploração sexual; e ultraje público ao pudor.
Conforme Coêlho (2015) o mais grave entre os crimes contra liberdade sexual, é o crime de estupro, este é o crime mais violento, tanto psicologicamente quanto fisicamente, deixando muitas sequelas à vítima.
2.2 – LEI N° 12.015 DE 07 DE AGOSTO DE 2019
A lei 12.015 de 07 de agosto de 2009, discorre sobre os crimes contra a dignidade sexual, tendo como um dos principais viés, a significância de abarcar não apenas a conjunção carnal, mas também qualquer ato libidinoso contra a vontade da vítima.
Em consonância com a lei, constitui-se como crime de estupro, in verbis:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2º Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
A redação acima, tipifica a ação de constranger alguém, independentemente do sexo, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso.
Deste modo, cabe observar que ações que configuravam crime de atentado violento ao pudor, agora passam a integrar o delito de estupro, com a mesma pena, sem importar em abolitio criminis.
É importante observar que o crime de estupro se configura como de ação múltipla ou de conteúdo variado, em razão de ser impossível o concurso de crime entre o crime de estupro (art. 213, CP) e o crime de atentado violento ao pudor (art. 214, CP), pois praticados em um mesmo contexto fático deve ser reconhecido como crime único, em decorrência da propositura sobre a dosimetria e benefícios ligados a execução penal (FIGUEIREDO, 2011).
Quanto ao crime de estupro vulnerável, previsto no artigo 217-A do CP, configurado como crime autônomo que são crimes praticados contra pessoas sem capacidade de consentir com o ato sexual, são elas: menores de 14 (quatorze) anos, deficientes mentais ou aqueles que por qualquer outra causa não pode oferecer resistência.
O crime de estupro de vulnerável configura-se com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante o eventual consentimento da vítima para a prática do ato, experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente. (SÚMULA 593 do STJ, julgada em 25/10/2017)
Portanto, no estupro de vulnerável, a grande questão consiste nas condições de vulnerabilidade da vítima e não na presunção de violência, aqui não se exige o manifesto dissenso da vítima pela sua resistência aos atos, basta que haja o ato de conjunção carnal ou ato libidinoso, ainda que haja consentimento, configura-se como estupro de vulnerável.
Vale mencionar, que para se encaixar no crime acima descrito o autor deve ter ciência que a relação sexual se dá com pessoa em qualquer das situações elencadas no art. 217-A, quando não, acontecerá o erro de tipo, afastando assim a punição.
2.3 A VALORAÇÃO E OS RISCOS DA PALAVRA DA VÍTIMA
“Todas as provas relativas; nenhuma delas terá ex vi legis, valor decisivo ou necessariamente maior prestígio que a outra.” Código de Processo Penal e sua Exposição de Motivos (Brasil, 1940).
Como já mencionado, não há hierarquia entre provas no sistema penal brasileiro, cabendo ao juiz apreciá-las e decidir qual prova tem maior peso, bastando apenas que fundamente tal escolha.
Porém existe uma ressalva nos crimes sexuais, pois tais crimes geralmente ocorrem em lugares isolados, obscuros, sem possibilidade da presença de testemunhas, dificultando a colheita de provas matérias para comprovação do delito.
Neste caso a palavra do ofendido passa a ter maior relevância, pela falta de outros meios de provas concretas. Ou seja, se a palavra da vítima for coerente com algumas evidências e for prestada com convicção, sua declaração pode ser suficiente para a sentença condenatória.
Em suma é possível a condenação de um estuprador com base somente na palavra e no reconhecimento efetuado pela vítima, desde que não haja razões concretas para que se questione o seu depoimento. Há uma presunção de que as palavras desta são verdadeiras, mas é relativa. (GONÇALVES, apud LENZA, 2013, p. 543)
O artigo 167 do Código de Processo Penal traz que “não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”. Trata-se de a única hipótese (taxativo) em que o exame de corpo de delito pode ser substituído pela prova testemunhal, ou seja, ocorre somente quando os vestígios desaparecem por força maior.
Muitas vezes a palavra da vítima é a única prova que se tem no processo, por esse motivo, deve ser vista com cuidado, considerando que a vítima desses crimes é tomada por diversas emoções (raiva, ódio, tristeza, paixão), e como a vítima tem interesse na condenação do acusado é entendível que ela preste declarações tendenciosas a ensejar a condenação, deste modo, o juiz deverá dar importância as condições tanto do ofendido como do acusado, assim como, informações pessoais, antecedentes, caráter , relacionamentos entre a vítima e o réu, relacionamento diversos, evidência de sinais de violência; indicativos de resistência; análise do comportamento da vítima entre outros fatores.
Para Aury Lopes Jr. E Cristina Carla Di Gesu (2007, p. 14) “o delito, sem dúvida, gera uma emoção para aquele que o testemunha ou que dele é vítima. Contudo, pelo que se pode observar, a tendência da mente humana é guardar apenas a emoção do acontecimento, deixando no esquecimento justamente o que seria mais importante a ser relatado no processo, ou seja, a memória cognitiva, provida de detalhes técnicos e despida de contaminação (emoção, subjetivismo ou juízo de valor).”
Assim não resta dúvidas de que apesar do estado psicológico e emocional que a vítima estará, sua palavra é imprescindível no processo, servindo para que o juiz juntamente com outros indícios probatórios, faça a melhor decisão.
Contudo, a par de que suas palavras tem força probatória significativa, agentes de má fé, podem denunciar um estupro, imputando a culpa a determinada pessoa sem que isto seja realmente verdadeiro.
Um dos casos mais recorrentes das falsas denúncias, advém, da mulher que foi traída ou rejeitada, divórcios que embarcam questões como alienação parental, insegurança quanto a guarda dos filhos e também por questões financeiras.
Segundo o presidente da Associação de Pais e Mães Separados (APASE), Analdino Rodrigues Paulino Neto, que dirige a ONG com mais de 50 mil associados e acompanha divórcios há 15 anos, o número de falsas acusações cresceu muito nos últimos cinco anos: “Essas declarações aparecem em brigas de ex-casal, pela guarda, por dinheiro ou em casos de ciúme de um novo parceiro”, afirma. (Frederico, 2016)
No caso de estupro de vulneráveis (crianças e pré-adolescentes) são facilmente influenciáveis por palavras e pela situação que estão vivendo, sendo muito fácil que a sua denúncia seja forjada por influência de terceiros que querem prejudicar o suposto agressor ou fruto de sua imaginação que nessa idade é muito fértil (PACELLI, 2017).
Cabe ressaltar, as falsas memórias, comuns em numerosos casos.
Sobre o assunto Lopes (2014) dispõe:
O processo penal acaba por depender, excessivamente, da ‘memória’ das testemunhas, desconsiderando o imenso perigo que isso encerra. Nossa memória é fragilíssima, manipulável, traiçoeira ao extremo. O mais interessante é ver como o processo acredita na ‘memória’ em relação a um fato ocorrido há muitos meses (senão até anos), sem perceber que no nosso dia a dia, muitas vezes, sequer somos capazes de recordar o que fizemos no dia anterior.
Roediger & McDermott (2000); Stein & Pergher (2001) esclarece:
As Falsas Memórias podem ser definidas como lembranças de eventos que não ocorreram, de situações não presenciadas, de lugares jamais vistos, ou então, de lembranças distorcidas de algum evento.
“São memórias que vão além da experiência direta e que incluem interpretações ou inferências ou, até mesmo, contradizem a própria experiência”. (Reyna & Lloyd, 1997).
Assim sendo, as falsas memórias podem ser elaboradas pela junção de lembranças verdadeiras e de sugestões vindas de outras pessoas, sendo que durante este processo, a pessoa fica suscetível a esquecer a fonte da informação ou elas se originariam quando se é interrogado de maneira evocativa (Loftus, 2005).
O erro da vítima, no reconhecimento de seu agressor é um risco iminente, pois em razão da grave situação que a mesma enfrentou, pode apontar pessoas diversas como o agente do crime, combinada com as falsas memórias que possa ter criado em razão da penosa experiência sofrida. Questões estas, que não tão raramente estampam as manchetes, em que inocentes condenados e indiciados por estes crimes, são presos indevidamente ou até mesmo vem a sofrer da população ou parentes das vítimas enfurecidas, linchamentos ou assassinatos (GARBIN, 2016).
Logo, condenar alguém por crime de estupro respaldando-se meramente na palavra da vítima, é sem dúvidas um dos maiores riscos no direito penal brasileiro.
2.4 EXEMPLO DE CASOS DE INJUSTIÇAS REFERENTE AO CRIME DE ESTUPRO
1° Caso: Caso de Jennifer Thompson
“É o caso de Jennifer Thompson. Por volta das três da madrugada teve a casa invadida e foi estuprada com uma faca no pescoço, tendo a vítima se focado no rosto do agressor para identificá-lo posteriormente, caso sobrevivesse. Saindo correndo pela porta conseguiu se livrar do estuprador e foi ao hospital, bem assim à polícia, elaborando um retrato falado. No dia seguinte Ronald Cotton, que tinha ficha policial (por invasão e agressão sexual) foi localizado, reconhecido por foto e depois pessoalmente. Em julgamento o reconhecimento foi confirmado. Cotton foi condenado ao cumprimento de prisão perpétua e mais cinquenta anos. Já na prisão, Cotton conheceu um homem parecido com sua descrição chamado Bobby Pool, também condenado por estupro e invasão. Ciente de sua inocência, Cotton pediu um novo reconhecimento, também na presença de Pool, tendo Jennifer, com a falsa memória fixada, novamente, afirmado ser Cotton o autor da agressão. Após Cotton estar sete anos preso, com os avanços do exame de DNA, foram feitos exames e se verificou que o verdadeiro autor do crime era Pool. Mlodinow afirma: “Estudos experimentais nos quais pessoas são expostas a falsos crimes sugerem que, quando o verdadeiro culpado não está presente, mais da metade das testemunhas faz exatamente o que Jennifer Thompson: escolhem alguém de qualquer forma, selecionando a pessoa que mais se aproxima da lembrança do criminoso.” (LOPES JR.; MORAIS DA ROSA, 2014)
2° caso: Aluna forjou narrativa de estupro para se vingar de universitário, diz polícia, (G1 CE em 01/11/2019):
“A adolescente de 17 anos que afirmou ter sido estuprada por um estudante da Universidade Federal do Ceará (UFC), forjou uma narrativa de estupro por “vingança”, de acordo com a delegada Arlete Silveira, titular da 12ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Para a investigadora, a “farsa foi muito bem montada". O estudante que era considerado suspeito teve a prisão preventiva revogada.”.
No relato, a adolescente admitiu ter forjado a narrativa de estupro por "vingança".
"O rapaz não tem nada a ver com a história, explica a delegada. Ela considera que o falso relato de estupro "prestou um desserviço às mulheres".
Para forjar a narrativa do estupro, a adolescente criou duas contas falsas na rede social Instagram e passou a enviar ameaças para ela mesma, mas atribuindo-as a um universitário.
Uma das mensagens dizia: “nós se encontra já, ainda bem que 'tá' de saia já ajuda no trabalho, tem gente te seguindo aí dentro gatinha, acho bom você ficar esperta”. Por outro perfil, ela enviou: “cansei de brincadeira. Se eu te pegar sozinha, não vai ter perdão eu vou fazer o que eu sempre quis com você”.
Diante das acusações, um universitário ficou preso durante seis dias, em uma delegacia no Bairro de Fátima. Porém, a Justiça Estadual revogou a prisão do jovem após pedido da própria Polícia Civil. "A gente tem a missão de protegê-lo. Houve um linchamento virtual", afirma Arlete Silveira. O aluno foi solto.
3° Caso: Conhecido como o caso do “maníaco da moto” (G1 CE em 04/08/2019)
“A polícia do Ceará procurava o autor de uma onda de estupros em 2014 em bairros da periferia de Fortaleza. O criminoso circulava em uma motocicleta vermelha, abordava mulheres em ruas com pouca movimentação, as ameaçava com uma faca e as estuprava. Devido ao veículo que usava, ele ficou conhecido nas regiões por onde cometia os crimes como "maníaco da moto".
Antônio Carlos Barbosa de Castro, entrou nessa história quando foi cortar o cabelo em um salão. “Um dia aparentemente normal cumprimentei todo mundo como sempre", afirma o borracheiro.
Uma das vítimas do "maníaco da moto", uma menina de 11 anos, estava em um outro ambiente do mesmo salão. "E quando ele chega, adentra o salão, ele fala e ela escuta a voz dele, mas ela não viu ele em momento algum", lembra Geralda Barbosa, irmã de Antônio Cláudio.
“A criança identificou a voz de Antônio Cláudio como sendo o autor do crime.” (...) E a partir daí, a menor pegou uma rede social e compartilhou entre as outras a informação", diz Geralda.
A partir desse fato, Cláudio passou a ser investigado.
(...) Cinco das oito vítimas do "maníaco da moto" o apontaram como o autor dos crimes. Ele foi levado a uma delegacia para o reconhecimento facial.
"Houve a divulgação da foto dele em redes de WhatsApp, e as mulheres foram dizendo que era ele no momento em que viam aquela foto. Então quando elas chegavam na delegacia e viam o Antônio Cláudio, elas viam o homem da foto", defende Flávia Rahal, advogado do Innocence Project, ONG que defende pessoas condenadas injustamente.
As próprias policiais que fizeram a prisão de Cláudio estavam convencidas de que ele não era o criminoso, como lembra a inspetora Daniele Vidal. "A gente colocou em cima de uma moto para ver, não tinha condição, porque o Cláudio era muito pequeno e o rapaz do vídeo era muito alto."
"A gente começou a ouvir de novo as vítimas e mostrar pra elas. 'Vocês têm certeza? Não tem condição de ser esse rapaz do vídeo, não tem condição'. E mostramos para elas. 'Olha o tamanho desse rapaz... Olha o tamanho do Cláudio'. E aí elas começaram a renunciar, realmente não é."
Das cinco mulheres que fizeram o reconhecimento fácil, quatro voltaram atrás. Apenas uma, a menina de 11 anos, manteve a acusação.
Antônio Cláudio foi julgado e foi condenado a nove anos de prisão por estupro de vulnerável no Fórum de Fortaleza.
Após a condenação, a família de Antônio Cláudio manteve a convicção de que ele era inocente.
Procuraram então a ONG que trabalha com erros judiciais. “a primeira preocupação? Se ele é inocente, será que esses abusos pararam quando ele foi preso? E aí identificamos que depois que ele havia sido preso, que os abusos continuaram acontecendo", lembra a advogada da organização.
"O que faltou aí foi uma ponderação do conjunto probatório. Se eu tenho oito vítimas de um maníaco da moto, sete dizem que não é ele e somente uma, uma criança de onze anos de idade, abalada psicologicamente, afirma que é, fazendo o reconhecimento de uma pessoa que estava com capacete - porque o maníaco estava de capacete - então isso, por si só, já invalidaria qualquer tipo de reconhecimento", argumenta o defensor Émeron Castelo Branco.
O borracheiro cumpriu uma pena de quase cinco anos.
4° Caso: Homem ficou 18 anos preso por estupros que não cometeu em BH (G1 Minas em 11/10/2019)
“O estado de Minas Gerais foi condenado a indenizar, em R$ 3 milhões, um artista plástico que ficou 18 anos preso por crimes que não cometeu. O valor será pago a Eugênio Fiuza de Queiroz, de 69 anos, como reparação por ter sido condenado injustamente por cinco estupros em Belo Horizonte.”
Queiroz foi detido em agosto de 1995, quando conversava com sua namorada em uma praça do bairro Colégio Batista, sem mandado de prisão, sob a alegação de ter sido reconhecido por uma das vítimas de uma série de estupros ocorridos naquela época.
Levado à delegacia, outras vítimas o apontaram como autor de outros estupros. Segundo a Justiça, o artista plástico alegou ainda que confessou os crimes mediante tortura física e psicológica. Na ação, ele citou ainda que, durante o período em que esteve preso, perdeu o contato com a família, em especial com o filho. Só depois de sair da prisão, ele descobriu a mãe dele e cinco irmãos haviam morrido.
3.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo ocupou-se em apresentar, em primeiro lugar, noções da teoria geral da prova, no qual explica a importância de uma prova dentro de um processo penal, pois é a partir desta que o juiz se convencerá e sentenciará. Após, falou-se sobre os sistemas de valoração das provas, em que através de suas evoluções, atualmente prevalece o sistema do Livre Convencimento Motivado do Juiz, ou seja, o juiz é livre para apreciar a prova da forma que achar melhor, bastando que as fundamente. Para concluir este primeiro capitulo, relatou-se sobre o inquérito policial, abordando todas suas características, e explicando o quanto é importante para investigação e colheita de provas no primeiro momento “pós crime”, visto que serve como subsídio para a ação penal e também para a sentença.
No segundo momento, tratou-se dos crimes sexuais e a dificuldade probatória, especialmente o crime de estupro, enfatizando a ausência de provas, por ser um crime clandestino, ocorrendo em lugares íntimos ou obscuros, sem testemunhas, considerando também a credibilidade da prova testemunhal e as falsas memorias, assim, em decorrente destes fatores, ressaltou-se a possibilidade de erros judiciários consequentemente a viabilidade de uma sentença condenatória injusta. Também apresentou como exemplo alguns dos numerosos casos de injustiça ocorridos por erro do judiciário, referente aos crimes de estupro, onde a sentença se embasou sobretudo na palavra da vítima.
Sendo assim, qualquer pessoa na condição de vítima está suscetível a cometer erros, seja por confundir, se enganar, ser induzida, ter falsas memorias, entre outros. Desse modo, observa-se como a palavra da vitima pode ser equivocada ou incerta, devendo ser demasiadamente analisada, juntamente com outras provas e indícios do processo, para que a sentença seja proferida corretamente e por conseguinte ocorra a verdadeira efetividade da justiça.
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bacharelanda em Direito da Faculdade Serra do Carmo (FASEC).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, ANDRESSA DE MENEZ. A valoração da prova testemunhal e os riscos da condenação nos crimes de estupro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2019, 04:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53854/a-valorao-da-prova-testemunhal-e-os-riscos-da-condenao-nos-crimes-de-estupro. Acesso em: 23 dez 2024.
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