CRISTIANE DORST MEZZAROBA[1]
(Orientadora)
RESUMO: A crise no sistema prisional brasileiro vem de décadas. Contudo, tem se agravado face ao aumento do número de internos, à falta de ampliação de estrutura física e os maus-tratos, favorecendo o empoderamento das organizações criminosas, que já dominam o sistema, do que a punição e ressocialização do infrator, a fim que volte para a sociedade e se re-enquadre às regras sociais, ou seja, o cárcere se tornou muito mais um problema do que solução. Nesse sentido, tem-se pesquisado formas alternativas ao cárcere, destacando-se o monitoramento eletrônico de pessoas. A Lei Complementar nº 12.258, de 15 de junho de 2010, foi a primeira a tratar do tema, vinculando a possibilidade de monitoramento em saída temporária no regime semiaberto e na prisão domiciliar. Entretanto, hoje esta medida também está sendo utilizada como alternativa à prisão durante o curso processual e como monitoramento de medida protetiva de urgência nos casos de violência doméstica. Nesse contexto, este estudo tem por objetivo compreender a aplicabilidade do monitoramento eletrônico de pessoas como medida alternativa ao cárcere. Para tal, foram realizadas pesquisas bibliográficas, legislativas, em relatórios judiciais, bem como coleta de dados in loco na Secretaria de Cidadania e Justiça do Tocantins – SECIJU.
PALAVRAS-CHAVE: Monitoramento eletrônico; alternativa ao cárcere.
ABSTRACT: The crisis in the Brazilian prison system comes from decades. However, it has been aggravated by the increase in the number of inmates, the lack of expansion of physical structure and mistreatment, favoring the empowerment of criminal organizations that already dominate the system, rather than the punishment and resocialization of the offender in order to to return to society and conform to social rules, that is, prison has become much more a problem than a solution. In this sense, alternative ways to jail have been researched, highlighting the electronic monitoring of people. Complementary Law No. 12,258, of June 15, 2010, was the first to address the issue, linking the possibility of monitoring temporary withdrawal in the semi-open regime and in house arrest. However, today this measure is also being used as an alternative to imprisonment during the procedural course and as a monitoring of urgent protective measures in cases of domestic violence. In this context, this study aims to understand the applicability of electronic monitoring of people as an alternative measure to jail. To this end, bibliographic, legislative, judicial reports, as well as on-site data collection were performed at the Tocantins Department of Citizenship and Justice - TDCJ.
KEY-WORD: Electronic monitoring; alternative to jail.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Origens da Monitoração Eletrônica de Pessoas; 3. Aspectos Legislativos sobre o monitoramento de pessoas no Brasil 3.1. O uso de monitoramento eletrônico de pessoas como complemento de medida protetiva de urgência em sede de violência doméstica; 3.2. Aspectos relevantes do uso de monitoramento eletrônico em substituição ao cárcere; 4. Monitoramento eletrônico de pessoas no estado do Tocantins; 5. Considerações Finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO
O número de pessoas encarceradas no Brasil tem aumentado cotidianamente, sem que o sistema prisional acompanhe tal crescimento, ou seja, o número de déficit de vagas é maior a cada dia, o que compromete diretamente a função ressocializadora da pena, bem como, o tratamento inadequado aos presos provisórios em decorrência da decretação da prisão temporária, preventiva ou mesmo de medida protetiva de urgência.
Dentre as medidas alternativas que buscam minimizar os efeitos do cárcere inadequado tanto para o encarcerado, quanto para a sociedade, que ao invés de receber de volta um indivíduo ressocializado, vai receber uma pessoa propensa a cometer novos delitos, está o monitoramento eletrônico de pessoas.
Buscando compreender a aplicabilidade do monitoramento eletrônico de pessoas como medida alternativa ao cárcere, este estudo de caráter doutrinário e legislativo, traçou por objetivos específicos, destacar a legislação vigente sobre o monitoramento eletrônico de pessoas e as situações em que pode ser utilizado e, verificar como o estado do Tocantins tem adotado o sistema de tornozeleira eletrônica enquanto procedimento diverso da prisão.
Entre os dispositivos legais que autorizam o monitoramento eletrônico como medida diversa da prisão, destaca-se a Lei Complementar n. 12258, de 15 de junho de 2010, que trata do monitoramento eletrônico de pessoas na execução da pena, ou seja, para os indivíduos já sentenciados.
Já a Lei Complementar n. 12403, de 04 de maio de 2011, inclui o monitoramento eletrônico como medidaalternativa à prisão antes do trânsito em julgado da pena, com o objetivo de diminuir o ingresso de mais pessoas no sistema penitenciário.
No âmbito tocantinense, destaca-se a Portaria n. 599, de 03 de dezembro de 2015, da Secretaria da Defesa e Proteção Social, atual, Secretaria de Cidadania e Justiça, dispondo sobre a monitoração eletrônica de pessoas no Tocantins.
Nesse contexto, o presente artigo está dividido, além da introdução, em três seções principais: as origens do monitoramento eletrônico de pessoas; os aspectos legislativos pertinentes ao monitoramento eletrônico e, monitoramento eletrônico de pessoas no Tocantins.
2 ORIGENS DA MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS
O monitoramento eletrônico não é uma prática recente. Os primeiros experimentos de localização à distância foram na década de 60. Em 1964, um grupo de cientistas da Universidade de Harvard, Massachusetts, nos Estados Unidos, desenvolveu um transmissor portátil chamado BehaviorTransmitter-Reinforcer - BT-R. Sendo duas unidades, uma no cinturão (que incluía a bateria e um transmissor) e o outro em volta do pulso (que funcionava como sensor). O dispositivo tinha por finalidade emitir sinais à estação-base de um laboratório, o que permitia fornecer gráficos da localização do portador do transmissor. O sistema era composto de vários receptores-transmissores que apresentavam imediatamente a localização do usuário (SOUZA, 2015).
A ideia surgiu quando Ralph K. Schwitzgebel, um dos estudantes e pesquisador, assistiu a um filme cuja história retratava um casal que vivia um romance proibido por pertencerem a facções distintas, e com a revelação do namoro, o líder da fação rival assassinou o jovem apaixonado. Descontente com a morte do jovem, o estudante imaginou que o final do filme poderia ser outro, caso ele pudesse prever o perigo com alguma forma de saber a localização do agressor (SOUZA, 2015).
O projeto foi colocado em prática em uma igreja na cidade de Cambridge em Massachusetts. Dentro do equipamento foi inserida uma tela que reproduzia diversas áreas da cidade e, quando um dos voluntários passava nas áreas mapeadas era emitido um sinal de localização à estação de análise (SOUZA, 2015).
Entretanto, foram feitas várias críticas ao projeto, e logo o autor mudou-se para Los Angeles, onde fez parceria com Richard Bird e desenvolveu um cinto eletrônico, capaz de fornecer sinais. Portanto, o monitoramento eletrônico não teve sucesso naquela época.
No início dos anos 80, o juiz Jack Love do Novo México, Estados Unidos, ao ler uma história em quadrinhos onde aparecia um bracelete eletrônico teve a ideia de colocar em prática tal instrumento, o que foi aceito por uma empresa local. A tornozeleira criada emitia um sinal a cada 60 segundos e sua localização era reproduzida em um monitor.
O sistema passou a ser utilizado primeiramente nos Estados Unidos em Washington, Virgínia e Flórida, na década de 80. No fim dos anos 90, já tinha quase 100 mil usuários. Atualmente o instrumento é utilizado em nações como a Austrália, Itália, Holanda, Suíça, Canadá, Espanha, Portugal, Inglaterra e Suécia (SOUZA, 2015).
Atualmente, são produzidos quatro tipos de equipamentos capazes de fazer o monitoramento eletrônico, que são adequadas à pessoa: pulseira, tornozeleira, cinto e microchip implantado no corpo humano.
No Brasil, a superlotação carcerária tornou-se um assunto preocupante, gerando além da falta de vagas, um alto custo para manter um cidadão em cárcere. Diante do caos, passou-se a analisar alternativas para o problema.
Nesse sentido, o Senador Magno Malta – PR/ES apresentou ao Congresso Nacional o Projeto Lei n. 175 de 2007, cuja principal justificativa para utilização do monitoramento eletrônico de pessoas foi:
A prisão deixou de ser o controle perfeito. É ultrapassado porque ainda é estabelecido em espaço rígido. O limite territorial determinado pelo cárcere não é mais um aspecto positivo do controle penal, mas um inconveniente, haja vista que é insustentável para o Estado manter aprisionadas as inúmeras pessoas condenadas. Alguns países, a exemplo dos Estados Unidos da América, França e Portugal, já utilizam o monitoramento de condenado, exigindo-se o uso de pulseira ou tornozeleira eletrônica como forma de controle das pessoas submetidas ao regime aberto. Muitos argumentos favoráveis à utilização desse tipo de controle penal são trazidos à baila, tais como a melhora da inserção dos condenados, evitando-se a ruptura dos laços familiares e a perda do emprego, a luta contra a superpopulação carcerária e, além do mais, economia de recursos, visto que a chamada ‘pulseira eletrônica’ teria um custo de 22 euros por dia contra 63 euros por dia de detenção. O controle eletrônico surge para superar as limitações das penitenciárias, podendo ser universalizado. É preciso que criemos sistemas que não tenham os inconvenientes do cárcere, tais como a impossibilidade de expansão rápida e custo muito elevado. Dessa forma, conclamamos os ilustres pares à aprovação deste projeto, que, se aprovado, permitirá a redução de custos financeiros para com os estabelecimentos penitenciários, a diminuição da lotação das prisões e a maior 6 celeridades na ressocialização do apenado.
O Projeto de Lei n. 175/2007 culminou na promulgação, em junho 2010, da Lei Complementar n. 12258/2010, alterando a Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984, nomeada Lei de Execuções Penais - LEP, para acrescentar uma seção de regulamentação da monitoração eletrônica, a saber:
Art. 146-B. O juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica quando:
II - autorizar a saída temporária no regime semiaberto;
IV - determinar a prisão domiciliar;
Art. 146-C. O condenado será instruído acerca dos cuidados que deverá adotar com o equipamento eletrônico e dos seguintes deveres:
I - receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações;
II - abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça;
Parágrafo único. A violação comprovada dos deveres previstos neste artigo poderá acarretar, a critério do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa:
I - a regressão do regime;
II - a revogação da autorização de saída temporária;
VI - a revogação da prisão domiciliar;
VII - advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não aplicar alguma das medidas previstas nos incisos de I a VI deste parágrafo.
Art. 146-D. A monitoração eletrônica poderá ser revogada:
I - Quando se tornar desnecessária ou inadequada;
II - Se o acusado ou condenado violar os deveres a que estiver sujeito durante a sua vigência ou cometer falta grave. ”
Art. 3o O Poder Executivo regulamentará a implementação da monitoração eletrônica.
Observa-se que os dispositivos legais acrescidos na LEP regulamentam apenas os apenados que estão cumprindo pena definitiva, especialmente no regime semiaberto e domiciliar.
Buscando expandir o uso da tornozeleira eletrônica para além do cumprimento da pena, foi editada a Lei n.12403, de 04 de maio de 2011, incluindo o monitoramento eletrônico como medida alternativa à prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Desta forma, houve o acréscimo da monitoração eletrônica no artigo 319 do Código de Processo Penal, que trata das medidas cautelares: “Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: IX - Monitoração eletrônica”.
No que concerne ao Decreto n. 7.627, de novembro de 2011, este regulamenta as diretrizes do monitoramento eletrônico de pessoas previsto no Código de Processo Penal e na Lei de Execução Penal:
Art. 2º Considera-se monitoração eletrônica a vigilância telemática posicional à distância de pessoas presas sob medida cautelar ou condenadas por sentença transitada em julgado, executada por meios técnicos que permitam indicar a sua localização.
Art. 3º A pessoa monitorada deverá receber documento no qual constem, de forma clara e expressa, seus direitos e os deveres a que estará sujeita, o período de vigilância e os procedimentos a serem observados durante a monitoração.
Art. 4º A responsabilidade pela administração, execução e controle da monitoração eletrônica caberá aos órgãos de gestão penitenciária, cabendo-lhes ainda:
I - verificar o cumprimento dos deveres legais e das condições especificadas na decisão judicial que autorizar a monitoração eletrônica;
II - encaminhar relatório circunstanciado sobre a pessoa monitorada ao juiz competente na periodicidade estabelecida ou, a qualquer momento, quando por este determinado ou quando as circunstâncias assim o exigirem;
III - adequar e manter programas e equipes multiprofissionais de acompanhamento e apoio à pessoa monitorada condenada;
IV - orientar a pessoa monitorada no cumprimento de suas obrigações e auxiliá-la na reintegração social, se for o caso; e
V - comunicar, imediatamente, ao juiz competente sobre fato que possa dar causa à revogação da medida ou modificação de suas condições.
Parágrafo único. A elaboração e o envio de relatório circunstanciado poderão ser feitos por meio eletrônico certificado digitalmente pelo órgão competente.
Art. 5º O equipamento de monitoração eletrônica deverá ser utilizado de modo a respeitar a integridade física, moral e social da pessoa monitorada.
Art. 6º O sistema de monitoramento será estruturado de modo a preservar o sigilo dos dados e das informações da pessoa monitorada.
Art. 7º O acesso aos dados e informações da pessoa monitorada ficará restrito aos servidores expressamente autorizados que tenham necessidade de conhecê-los em virtude de suas atribuições.
O propósito do sistema seria alcançar um controle ideal por meio da eliminação dos inconvenientes relativos ao cárcere, tais como a inviabilidade de expansão rápida e custo alto. A relação econômica de custo/eficiência e a capacidade de dilatação do poder punitivo, por meio da possibilidade de sua “universalização”, compunham as principais preocupações do legislador na indicação do rastreamento de presos, atreladas ao suposto benefício à ressocialização do apenado (CAMPELLO, 2016).
O primeiro projeto viabilizando o uso de tornozeleiras eletrônicas do Brasil foi realizado através de trabalhos com os apenados do regime fechado que fazia parte de um projeto laboral junto à comarca de Guarabira-PB. Cinco internos foram liberados para trabalhar em obras públicas durante o dia, retornando para a unidade prisional e, como forma de controle de seu deslocamento foi utilizado modelo de tornozeleira produzido em peça única, que acompanhava o apenado em tempo real. (ISIDRO, 2017).
Atualmente o Ministério da Segurança Pública mantém uma política de fomento aos serviços de monitoração eletrônica no Brasil. Nos últimos anos, foram investidos R$ 40 milhões no financiamento das Centrais de Monitoração Eletrônica nos estados. Os investimentos são utilizados para financiar a contratação dos serviços de instalação, manutenção e operacionalização das tornozeleiras eletrônicas e composição de equipes técnicas multiprofissionais para qualificar o atendimento acompanhamento dos indivíduos monitorados (BRASIL, 2018).
Por intermédio e apoio do DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional, Alagoas, Bahia e Goiás foram os primeiros estados a ter o sistema de monitoração eletrônica. Atualmente, estão vigentes contratos de convênios em 19 unidades da federação, sendo eles: Acre, Alagoas, Ceará, Espírito Santo, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, Sergipe, São Paulo e Tocantins. (BRASIL, 2018).
3.1 O USO DE MONITORAMENTO ELETRÔNICO DE PESSOAS COMO COMPLEMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA EM SEDE DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Não é incomum em casos de violência doméstica contra a mulher ocorrer, pelo agressor, o descumprimento de medida protetiva de urgência decretada com o intuito de mantê-lo distante da vítima.
Buscando coibir esta conduta, a Câmara dos Deputados analisa o Projeto de Lei n. 10.024/18, do Senado, que acrescenta dispositivo na Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06) para que as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar possam fazer uso de dispositivo móvel que envia alerta à polícia em caso de agressão ou ameaças.
O Projeto de Lei prever que a partir do momento que a medida protetiva é aplicada a vítima recebe um dispositivo móvel, que pode ser acionado a qualquer momento, possibilitando entendimento de pedido de socorro e o envio imediato de uma equipe policial. O equipamento de segurança também grava áudios, que podem ser utilizados como provas contra o agressor.
No estado do Tocantins foi publicada em 08 de dezembro de 2015, a Portaria SEDPS/TO, n. 599, regulamentando o uso de monitoramento eletrônico enquanto medida protetiva:
Art. 24 A monitoração eletrônica poderá ser utilizada também, para monitoramento de medidas protetivas de urgência aplicadas para pessoas acusadas por crime que envolva violência doméstica e familiar contra a mulher, criança ou adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência.
Art. 25 Na hipótese do monitoramento eletrônico ser aplicado exclusivamente como medida protetiva para fiscalização de área de exclusão (área onde o monitorado em razão de decisão judicial não pode frequentar ou dele se aproximar - limite de aproximação), os dias de monitoração não serão levados em consideração para fins de detração, salvo se for aplicada cumulativamente com a monitoração prevista no inciso II do art. 14.
A medida protetiva substitui a prisão preventiva, por meio da qual o magistrado tem condições de julgar se o agressor está cumprindo ordens judiciais de se manter afastado da vítima e seus familiares, ou de certos lugares, como domicílio ou local de convivência com a pessoa ofendida, ou ainda frequentando lugares que lhe foram impedidos.
A superlotação é o principal problema das unidades prisionais brasileiras. Como, por exemplo, a Casa de Prisão Provisória de Palmas - CPPP, construída abrigar 260 detentos, está em atividade com 770 indivíduos, cerca de 285% a capacidade. Cumpre ressaltar que, embora tenha sido construída para atender apenas presos provisórios, a unidade abriga, sem qualquer divisão física, sentenciados e provisórios.
Outro aspecto preocupante no sistema prisional está na insuficiência de agentes prisionais. Para atender a demanda seria necessário um agente para cada cinco internos. Na CPPP, por exemplo, esse número de servidores por plantão é 17, sendo ao todo 128 funcionários, quantia bem abaixo do necessário, gerando assim dificuldades de acesso às celas e na realização de atividades internas, considerando que há nesta unidade prisional de Palmas/TO, 770 internos (CONEXÃO TOCANTINS, 2019).
O atual sistema prisional há muito deixou de cumprir os fins da pena, seja o de punir, prevenir ou ressocializar. É uma faculdade para bandidos, pós-graduados e doutores do crime, pois o tempo ocioso e a convivência com vários delinquentes propiciam trocas de experiências criminosas, bem como o aliciamento de membros para integrar organizações criminosas que dominam o ambiente interno dos presídios, que se tornaram escritórios para líderes do crime organizado.
As condições de superlotação, precariedade de estrutura, maus-tratos e má gestão evidenciam que sem planejamento não há possibilidades de reabilitação e ressocialização dos sentenciados. A entrada ilícita de drogas, armas e aparelhos celulares são outros fatores determinantes no problema do sistema penitenciário brasileiro (SOUZA, 2014).
Sobre as condições físicas das celas, com diversos problemas estruturais, fiações expostas, problemas de entupimentos, infiltração, falta de ventilação, ambiente propício para a proliferação de doenças, em nada contribuindo para a ressocialização do interno.
Nesse sentido, atualmente a prisão muito mais agride do que pune ou ressocializa, devolvendo para a sociedade uma pessoa hostil, violenta e traumatizada, que por sua conduta não conseguirá emprego e voltará rapidamente para o mundo do crime. Nesta perspectiva, a prisão pode não ser a melhor alternativa de punição:
O castigo, mesmo dentro de casa, funciona. Se retirássemos nossos filhos e os levássemos para um local fora do seu ambiente familiar, isso certamente os traumatizaria. É o que acontece com os presos que são retirados do seu meio social, e levados a conviver com pessoas estranhas, hostis, sem falar no fato de que passam a se isolar de seus familiares. A tecnologia é o presente. Ela já chegou e está à disposição de todos, para inúmeras finalidades. A cada dia se descobre algo novo, uma evolução que, certamente, deverá ser utilizada pelo Sistema Penal (GRECO, 2017, p. 672).
O sistema prisional brasileiro está soterrado dentro de uma crise, e esta crise carcerária é o resultado, principalmente, da inobservância pelo Estado, de algumas exigências indispensáveis ao cumprimento da pena privativa de liberdade (GRECO, 2016).
Nas situações de cárcere há também que se considerarem os aspectos psicológicos que envolvem a restrição de liberdade em um sistema totalmente insalubre. Nas prisões brasileiras a morte chega mais rápido por uma tosse do que por um estilete. Devido a superlotação e estrutura precária de higiene, as doenças como tuberculose, hanseníase e aids, propagam-se, causando a morte de detentos. (BIANCHI e COSTA, 2017).
Os direitos relacionados à saúde como acesso a medicamentos, tratamentos, atendimento básico por enfermeiros e médicos, salas de amamentação adequadas para as mulheres e leitos dentro dos presídios são negados, injustamente a eles, como se o direito constitucional à saúde fosse revogado aos encarcerados.
Além das questões inerentes à amenizar o caos vivido no sistema prisional, há que se destacar que o monitoramento eletrônico possui custo bem menor. De acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (2018) o “custo chega a ser dez vezes menor que manter um preso em regime fechado”. Para se ter uma ideia de custos, o valor mensal médio de locação por dispositivo de monitoramento eletrônico, tipo tornozeleira, é de R$ 300,00, enquanto um indivíduo encarcerado chega a custar aos cofres públicos cerca de R$4.200,00 (BREMBATTI, 2019).
Nesse contexto, o uso do sistema eletrônico torna-se uma alternativa para ressocialização afastando-o do nocivo ambiente prisional, sem a necessidade de retirar o detento do seio familiar, proporcionando a convivência com a sociedade, possibilidade ao trabalho e ao lazer, propiciando melhores condições de ressocialização.
4 MONITORAMENTO ELETRÔNICO DE PESSOAS NO ESTADO DO TOCANTINS
O monitoramento eletrônico foi implantado no Tocantins através da Portaria SEDPS/TO, n. 599, de 08 de dezembro de 2015, publicada no Diário Oficial do Estado – DOE n. 4.515, que dispõe sobre a monitoração eletrônica de pessoas no âmbito do Estado do Tocantins, tendo por referência legal, a Lei de Execução Penal, o Código de Processo Penal, o Decreto regulamentador n. 7.627/2011 e o Termo de Cooperação Técnica n. 05/2015, celebrado entre o Ministério da Justiça e o Conselho Nacional de Justiça.
De acordo com o art. 1º da Portaria n. 599/2015:
Considera-se monitoração eletrônica a vigilância telemática posicional à distância de pessoas sob medida cautelar ou condenadas por sentença transitada em julgado, executada por meios técnicos que permitam indicar a sua localização.
Um dos dispositivos eletrônicos que captura o sinal via satélite, calculando as coordenadas geográficas e mostrando a sua localização em um mapa é a tornozeleira eletrônica. Esse foi o sistema de vigilância eletrônica de custodiados penais adotado no Tocantins:
Art. 3º A monitoração se dará pela afixação ao corpo do apenado de dispositivo (tornozeleira) não ostensivo de monitoração eletrônica que indique a distância, o horário e a localização em que se encontra, além de outras informações úteis à fiscalização judicial do cumprimento de suas condições.
Assim como apregoado nos dispositivos legais federais, na seara tocantinense a monitoração eletrônica foi disciplinada para atender as condições da prisão provisória, da execução penal e como medida protetiva de urgência, a saber:
Art. 14 A monitoração eletrônica poderá ser utilizada para presos provisórios:
I - como medida cautelar diversa da prisão, nos termos do inciso IV do art. 319 do Código de Processo Penal;
II - para monitoramento da prisão domiciliar determinada nos termos dos artigos 317 e 318 do Código de Processo Penal ou de recolhimento domiciliar no período noturno, finais de semana e feriados quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalhos fixos, estipulados nos termos do inciso V do art. 319 do Código de Processo Penal.
Art. 15 A monitoração eletrônica deverá ser aplicada apenas na ocasião em que o preso cautelar não preencher os requisitos para a concessão das demais medidas alternativas à prisão, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal.
Art. 17 O prazo máximo de uso do equipamento de monitoração eletrônica para os presos provisórios será de 90 (noventa) dias, podendo ser renovado quantas vezes forem necessárias, desde que justificada a renovação por meio de decisão fundamentada.
I - Caso a decisão pela renovação do monitoramento tenha ocorrido antes de expirado o prazo do mandado de monitoração eletrônica, deverá ser juntado no Sistema E-PROC (Processo Judicial Eletrônico) o novo prazo, sem a expedição de outro mandado.
II - Na hipótese da decisão de renovação ter ocorrido após expirado o prazo do mandado de monitoração eletrônica, deverá ser expedido novo mandado de monitoração no Sistema E-PROC (Processo Judicial Eletrônico).
Art. 18 Os dias de monitoração eletrônica com prisão domiciliar e/ou recolhimento domiciliar noturno, nos finais de semana e feriados, serão levados em consideração para fins de detração penal.
Art. 19 A data a ser levada em consideração para o início da monitoração é o do dia da instalação da tornozeleira, e para o final é a data do término do prazo estipulado pelo juiz ou da determinação da retirada.
I - Na hipótese de fuga do monitorado, no caso de retirada indevida ou de violação que inviabilize o funcionamento da tornozeleira, será considerada a data da ocorrência.
No caso da execução penal:
Art. 20 A monitoração eletrônica poderá ser utilizada para presos condenados:
I - em regime domiciliar, nos termos dos artigos 117 e 146-B, IV, da Lei nº 7.210/1984;
II - em regime semiaberto:
a) na hipótese de saída temporária autorizada pelo juiz;
b) na harmonização do regime semiaberto, ou seja, na hipótese de inexistência de vagas nas unidades penitenciárias de regime semiaberto do Sistema Penitenciário do Estado, a critério do juiz, estando a concessão do benefício condicionada à avaliação de bom comportamento carcerário e ao exercício de trabalho externo/estudo.
Art. 21 Nas comarcas onde houver equipe multidisciplinar, a utilização do monitoramento eletrônico deverá ser precedida de estudo psicossocial do apenado, que atestará se o perfil deste corresponde às possibilidades e expectativas do projeto, ante os fins ressocializadores da pena, previstos na Lei de Execução Penal.
Art. 22 Para implantação do monitoramento eletrônico nos presos do regime semiaberto, terão preferência aqueles que já estejam implantados nas unidades prisionais de regime semiaberto.
Art. 23 O prazo da monitoração corresponderá:
I - ao tempo de prisão domiciliar a ser cumprido pelo condenado na hipótese prevista no inciso I do art. 20;
II - ao tempo de duração da saída temporária autorizada pelo juiz, na hipótese prevista na alínea “a” do inciso II do art. 20; III - ao tempo de cumprimento de pena no regime semiaberto, na hipótese prevista na alínea “b” do inciso II do art. 20.
É da Secretaria de Cidadania e Justiça do Tocantins - SECIJU o dever de disponibilizar os equipamentos de monitoração eletrônica, bem como responsabilidade pela administração, execução e controle da monitoração eletrônica por meio da Central de Monitoramento Eletrônico.
Conforme entrevista ao Gerente de Monitoramento Eletrônico de Pessoas da SECIJU inicialmente, o estado operava com a empresa Spacecom Monitoramento S/A, pioneira em monitoramento eletrônico no Brasil, tinha a capacidade contratual de 500 dispositivos eletrônicos para todo o Estado, tento o fim da vigência do contrato em outubro de 2018. Posteriormente, mais especificamente em novembro de 2018, a empresa Show Tecnologia passou a operar com capacidade contratual de 600 equipamentos para todo o Estado.
Atualmente a empresa UE Brasil Tecnologia é a responsável pelo monitoramento e rastreamento eletrônico de sentenciados no Estado. Com contrato firmado em outubro de 2019 com duração de seis meses, a empresa disponibilizará 650 tornozeleiras, entre essas, 270 tornozeleiras da antiga empresa serão substituídos em Palmas e Araguaína, o restante será utilizado para outras demandas (PORTAL TOCANTINS, 2019).
Em termos de logística, cada pessoa sob vigilância eletrônica possui um perfil cadastrado no sistema de monitoramento, em que é definido conforme particularidades previstas em decisão judicial, as condições de monitoramento, isto é, recolhimento domiciliar integral, cumprimento de pena em regime semiaberto com autorização de trabalho e/ou estudo externos, cumprimento de medida protetiva de urgência ou outra em que o monitoramento possa ter sido indicado.
São informados no processo judicial de cada monitorado eventuais violações do uso do equipamento eletrônico, quais sejam: violação de área, configurado quando se desvia de área predeterminada em juízo ao qual deveria permanecer, violação do descarregamento total de bateria, vez que o custodiado é responsável por carregar periodicamente a bateria do equipamento, e violação do rompimento da tornozeleira eletrônica. Por fim, ficará o apenado responsável pelo funcionamento do aparelho, a fim de não perde o direito adquirido.
Diante do atual caos do sistema penitenciário brasileiro, a utilização de meios tecnológicos, em destaque ao monitoramento eletrônico, demostra enorme relevância como alternativa ao cárcere, pois além de evitar o convívio entre criminosos, vez que a maioria das unidades prisionais não separam presos provisórios de sentenciados, mantém o infrator junto à sua família e seio social, seja ele sentenciado, provisório ou cumpridor de medida protetiva de urgência.
Destaca-se também como benefício, o menor número de internos ao problemático sistema prisional, a proliferação de doenças contagiosas entre os internos e o custo ao erário muito inferior ao de mantença em regime fechado.
O que se percebe que a quantidade de tornozeleiras ainda é insuficiente, para atender a todos que teriam direito ao seu uso como alternativa ao cárcere.
Ademais, o monitoramento constitui uma forma de ressocialização, pois o usuário estará cumprindo sua punição com o apoio familiar, bem como sem a necessidade de se desvincular do seu trabalho ou estudo.
REFERÊNCIAS
BIANCHI, Paula; COSTA, Flávio. "Massacre silencioso": doenças tratáveis matam mais que violência nas prisões brasileiras". Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/08/14/massacre-silencioso-mortes-por-doencas-trataveis-superam-mortes-violentas-nas-prisoes-brasileiras.htm>. Acesso em 09 out. 2019.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.
BRASIL. Decreto n. 7.627 de 24 de novembro de 2011 – Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7627.htm>. Acesso em: 31 de out. 2019.
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[1] Professora Mestre na Faculdade Serra do Carmo - FASEC, nas disciplinas de Direito Penal e Prática Jurídica Criminal. Coordenadora do Núcleo de Prática Jurídica da FASEC. Advogada Criminalista. E-mail: [email protected]
Acadêmico de Direito na Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOURA, Gabriel Rios de. O monitoramento eletrônico de pessoas como alternativa ao cárcere Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 dez 2019, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53873/o-monitoramento-eletrnico-de-pessoas-como-alternativa-ao-crcere. Acesso em: 23 dez 2024.
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