RESUMO: O presente estudo visa analisar a possibilidade – ou impossibilidade – de progressivo aumento nas mensalidades dos contratos de planos de saúde firmados pela população idosa, à luz do entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n. 1568244/RJ, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, julgado em 14/12/2016, DJe 19/12/2016.
PALAVRAS-CHAVE: idoso, plano de saúde, consumidor, reajuste, faixa etária.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. A (IM)POSSIBILIDADE DE REAJUSTE DAS MENSALIDADES DOS PLANOS DE SAÚDE PARA A POPULAÇÃO IDOSA. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 4. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
Há tempos existe a discussão acerca da possibilidade de reajuste das mensalidades nos contratos de plano de saúde quando se atinge a faixa etária dos sessenta anos de idade e se adentra ao conceito legal de pessoa idosa.
Por mais que alguns diplomas legais preconizem a impossibilidade de majoração das contraprestações pagas pelos idosos-consumidores, o Superior Tribunal de Justiça, em verdadeiro diálogo entre as diversas fontes normativas, regulamentou a matéria em precedente obrigatório.
Visa-se, desse modo, analisar os preceitos fundamentais referentes à asseguração dos direitos fundamentais dos idosos, a incidência do Código de Defesa do Consumidor nos contratos dessa espécie, bem como os requisitos firmados pelo Tribunal da Cidadania para que seja possível o reajuste financeiro nos contratos de plano de saúde.
2. A (IM)POSSIBILIDADE DE REAJUSTE DAS MENSALIDADES DOS PLANOS DE SAÚDE PARA A POPULAÇÃO IDOSA
2.1. DO ESTATUTO DO IDOSO
A Constituição da República estabelece a família como a base da sociedade e outorga ao Estado, à família e à sociedade a responsabilidade solidária pela incumbência de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade e a efetivação dos direitos fundamentais.
A necessidade de um tratamento diferenciado e proteção especial à população idosa decorrem do princípio da isonomia material, porquanto se devem tratar os indivíduos na medida de suas desigualdades, consoante importante lição da Rui Barbosa.
Nesse diapasão, nos ensina Indalêncio (2007. 9. 66):
A ideia de prioridade é, pois, a tradução da prevalência dos direitos dos idosos colocando-o, portanto, em situação de vantagem jurídica, necessária para o resgate da igualdade. Eis aí um dos principais desdobramentos da doutrina da proteção integral, já utilizado em relação à criança e ao adolescente.
Diante disso, o advento do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003) representou significativo avanço na consolidação de direitos e garantia de pleno exercício das faculdades individuais e coletivas da população com mais de 60 anos de idade. Ademais, o referido diploma legal também constitui importante meio de conscientização social acerca dos direitos dos idosos, o que contribui para uma sociedade mais tolerante, respeitosa e propícia à inclusão social.
O legislador pátrio optou pelo estabelecimento de um critério mais objetivo para a definição do idoso, consistente método cronológico. Em que pese forte crítica doutrinária a respeito, especialmente pela diversidade econômico-social vivenciada nesse país de dimensões continentais, cumpre consignar que o critério objetivo-cronológico traz segurança jurídica e elimina eventuais e acentuadas discricionariedades e opiniões dos aplicadores do direito e da população como um todo.
Em simetria leciona Bobbio, citado por Braga (2011, p.3):
O cronológico define como idoso a pessoa que tem mais idade do que um certo limite preestabelecido. Por se tratar de um critério objetivo, de facílima verificação concreta, geralmente é adotado pelas legislações, como, por exemplo, a que trata da aposentadoria por idade... Pelo critério psicobiológico deve-se buscar uma avaliação individualizada da pessoa, ou seja, seu condicionamento psicológico e fisiológico, logo, importante não é a sua faixa etária, mas sim as condições físicas em que está o seu organismo e as condições psíquicas de sua mente... O critério econômico-social considera como fator prioritário e fundamental, uma visão abrangente do patamar social e econômico da pessoa, partindo-se sempre da ideia de que o hipossuficiente precisa de maior proteção se comparado ao auto suficiente.
A opção por denominar a referida lei de “Estatuto do Idoso” de modo algum afronta a dignidade ou trata com desrespeito a população maior de sessenta anos. O envelhecimento é processo natural e alcançará todos nós, de modo que os mais jovens devem o máximo respeito à “população da melhor idade”, porquanto quando alcançarem o envelhecimento também deverão ser respeitados pelos mais jovens.
Cabe destacar que a importância do Estatuto do Idoso não se limita somente a esfera dos direitos individuais dos idosos. Contemplou-se capítulo próprio para a defesa dos interesses transindividuais e se tipificaram crimes e institutos de direito penal para a proteção integral do idoso.
O advento do Estatuto do idoso e necessidade de sua solidificação acompanha a modificação social vivenciada nos dias atuais. A expectativa de vida não para de crescer, de modo que a população idosa também só aumenta. No Portal do Envelhecimento (www.portaldoenvelhecimento.com) há alarmante dado de que na pirâmide etária brasileira de 2050 a população idosa será quase igual à de crianças.
Daí a importância do Estatuto do Idoso na consecução de direitos fundamentais e garantia de políticas públicas. Exige-se um novo olhar sobre o idoso, sua necessidade de proteção jurídica e maior inclusão social.
E nesse sentido é que se ressalta a doutrina da proteção integral na perspectiva do idoso. O Estatuto do Idoso visa impedir qualquer interpretação restritiva quanto ao alcance da proteção ao idoso. Assegura-se o direito à dignidade, à vida, à saúde, à liberdade e à convivência social e comunitária, ao respeito e, inclusive, direitos econômicos para instrumento de inclusão social. Dias (2016, p. 1.103) afirma que:
O Estatuto se constitui em um microssistema e tem o mérito de reconhecer as necessidades especiais dos mais velhos, estipulando obrigações ao Estado. Deve ser considerado como um verdadeiro divisor de águas na proteção do idoso. Não se trata de um conjunto de regras de caráter programático, pois são normas definidoras de direitos e garantias fundamentais que têm aplicação imediata (CF 5.º§ 1.º).
Dentre as garantais fundamentais asseguradas pelo ordenamento jurídicos à população idosa se inclui o direito fundamental à saúde, a ser prestado pelo Sistema Único de Saúde, bem como pela iniciativa privada.
Especificamente em relação aos contratos privados de plano de saúde o Estatuto do Idoso é expresso em afirmar que “É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade” (artigo 15, §3º).
Não obstante a expresso disposição legal, as operadoras dos plano de saúde continuaram a majorar as mensalidades dos contratos respectivos em virtude da mudança da faixa etária.
2.2. DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O advento do Código de Defesa do Consumidor representou significativo avança na proteção consumerista e se classifica como uma norma principiológica, segundo Nunes (2018, sem paginação correta):
Como lei principiológica entende-se aquela que ingressa no sistema jurídico, fazendo, digamos assim, um corte horizontal, indo, no caso do CDC, atingir toda e qualquer relação jurídica que possa ser caracterizada como de consumo e que esteja também regrada por outra norma jurídica infraconstitucional. Assim, por exemplo, um contrato de seguro de automóvel continua regulado pelo Código Civil e pelas demais normas editadas pelos órgãos governamentais que regulamentem o setor (Susep, Instituto de Resseguros etc.), porém estão tangenciados por todos os princípios e regras da lei n. 8.078/90, de tal modo que, naquilo que com eles colidirem, perdem eficácia por tornarem-se nulos de pleno direito.
A referida norma estabelece que “normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social” (artigo 1º do Código de Defesa do Consumidor), bem como os conceitos de consumidor e fornecedor, nos seguintes termos:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Especificamente em relação aos contratos de plano de saúde, o Superior Tribunal de Justiça já sedimentou entendimento pela plena aplicabilidade nos contratos de plano de saúde, senão vejamos:
Súmula n. 608. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.
Interpretando-se literal e sistematicamente os preceitos legais acima expostos, depreende-se que uma operadora de contratos de plano de saúde é pessoa jurídica de direito privado (na maioria dos casos) que presta um serviço de natureza securitária, motivo pelo qual se torna imperiosa sua aplicação nos contratos de plano de saúde subscritos pelos consumidores.
3. DO AUMENTO DAS MENSALIDADES NOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE PARA A POPULAÇÃO IDOSA
Os contratos de planos de saúde se caracterizam por serem de adesão e cativos de longa duração, motivos pelos quais os preceitos inscritos no Código de Defesa do Consumidor merecem ser interpretados sob a ótica mais favorável ao consumidor.
E dentro os princípios que regem as relações de consumo se destaca o postulado da informação, que envolve o direito de informar, de ser informado e de se informar. Nesse diapasão, preconiza o Código de Defesa do Consumidor:
Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
[...]
III – a informação adequada e clara sobre diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os ricos que apresente;
[...]
Art. 54 - Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
[...]
§ 3º - Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.
Evidentemente, portanto, que o pretenso aumento progressivo nas mensalidades dos planos de saúde consoante a mudança na faixa etária deve estar previsto no contrato, a fim de concretizar o referido princípio à informação.
Não se olvida que o aumento progressivo das mensalidades nos planos de saúde em virtude da faixa etária possui previsão legal na Lei n. 9.656/1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde:
Art. 15. A variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em razão da idade do consumidor, somente poderá ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o disposto no art. 35-E.
Parágrafo único. É vedada a variação a que alude o caput para consumidores com mais de sessenta anos de idade, que participarem dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o, ou sucessores, há mais de dez anos.
Contudo, referidos reajustes merecem observância a determinados percentuais estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), bem como obedecer aos postulados da boa-fé, da função social do contrato e da proporcionalidade.
Uma vez que incidem na hipótese o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Idoso e a Lei que dispõe acerca dos planos e seguros privados de assistência à saúde, cabe ao intérprete realizar um diálogo entre as aludidas fontes, a fim de se salvaguardar os interesses dos idosos, que possuem proteção especial do Estado e são considerados vulneráveis na relação de consumo.
Ataliba afirma que:
Aqui se cuida, [...] de amparar o consumidor frente aos contratos, e ainda mais particularmente dos chamados “contratos de adesão”, reproduzidos aos milhões, como no caso das obrigações bancárias, por exemplo, e que podem surpreender aquele com cláusulas iníquas e abusivas, dando-se então preponderância à questão de informação prévia sobre o conteúdo de tais cláusulas, fulminando-se, outrossim, de nulidade, as cláusulas abusivas, elencando o art. 51, dentre outras que possam ocorrer, as mais comuns no mercado de consumo. Além da informação que o contratante-fornecedor deve prestar ao consumidor-potencial contratante (art. 46), prevê-se claramente a interpretação mais favorável ao consumidor, na hipótese de cláusula obscura ou com vários sentidos (art. 47). Fica ainda definitivamente consagrada entre nós a cláusula rebus sic stantibus, implícita em qualquer contrato, sobretudo nos que impuserem ao consumidor obrigações iníquas ou excessivamente onerosas.
O Diploma Consumerista preconiza a nulidade, de pleno direito, das cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que sejam manifestamente abusivas:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
[...]
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
[...]
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
Acerca das cláusulas abusivas assevera Marques:
A abusividade da cláusula contratual é, portanto, o desequilíbrio ou descompasso de direitos e obrigações entre as partes, desequilíbrio de direitos e obrigações típicos àquele contrato específico; é a unilateralidade excessiva, é a previsão que impede a realização total do objetivo contratual, que frustra os interesses básicos das partes presentes naquele tipo de relação, é, igualmente, a autorização de atuação futura contrária à boa-fé, arbitrária ou lesionaria aos interesses do outro contratante, é a autorização de abuso do exercício da posição contratual preponderante.
Uma vez que os contratos de plano de saúde visam, em última análise, assegurar o direito fundamental à vida, torna-se imperativa a aplicação dos postulados da boa-fé e da função social do contrato, a fim de se evitar injustiças na realidade subjacente.
E com o intuito de viabilizar o diálogo entre as fontes que regem a relação de consumo proveniente do entabulamento de um contrato de prestação do serviço de plano de saúde, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento, em Recurso Repetitivo, acerca dos critérios a serem observados no reajuste das mensalidades decorrentes da mudança de faixa etária do segurado, in verbis:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
NÃO OCORRÊNCIA. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. MODALIDADE INDIVIDUAL OU FAMILIAR. CLÁUSULA DE REAJUSTE DE MENSALIDADE POR MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. LEGALIDADE. ÚLTIMO GRUPO DE RISCO. PERCENTUAL DE REAJUSTE.
CARACTERIZAÇÃO. EQUILÍBRIO FINANCEIRO-ATUARIAL DO CONTRATO.
1. A variação das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde em razão da idade do usuário deverá estar prevista no contrato, de forma clara, bem como todos os grupos etários e os percentuais de reajuste correspondentes, sob pena de não ser aplicada (arts. 15, caput, e 16, IV, da Lei nº 9.656/1998).
2. A cláusula de aumento de mensalidade de plano de saúde conforme a mudança de faixa etária do beneficiário encontra fundamento no mutualismo (regime de repartição simples) e na solidariedade intergeracional, além de ser regra atuarial e asseguradora de riscos.
3. Os gastos de tratamento médico-hospitalar de pessoas idosas são geralmente mais altos do que os de pessoas mais jovens, isto é, o risco assistencial varia consideravelmente em função da idade. Com vistas a obter maior equilíbrio financeiro ao plano de saúde, foram estabelecidos preços fracionados em grupos etários a fim de que tanto os jovens quanto os de idade mais avançada paguem um valor compatível com os seus perfis de utilização dos serviços de atenção à saúde.
4. Para que as contraprestações financeiras dos idosos não ficassem extremamente dispendiosas, o ordenamento jurídico pátrio acolheu o princípio da solidariedade intergeracional, a forçar que os de mais tenra idade suportassem parte dos custos gerados pelos mais velhos, originando, assim, subsídios cruzados (mecanismo do community rating modificado).
5. As mensalidades dos mais jovens, apesar de proporcionalmente mais caras, não podem ser majoradas demasiadamente, sob pena de o negócio perder a atratividade para eles, o que colocaria em colapso todo o sistema de saúde suplementar em virtude do fenômeno da seleção adversa (ou antisseleção).
6. A norma do art. 15, § 3º, da Lei nº 10.741/2003, que veda "a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade", apenas inibe o reajuste que consubstanciar discriminação desproporcional ao idoso, ou seja, aquele sem pertinência alguma com o incremento do risco assistencial acobertado pelo contrato.
7. Para evitar abusividades (Súmula nº 469/STJ) nos reajustes das contraprestações pecuniárias dos planos de saúde, alguns parâmetros devem ser observados, tais como (i) a expressa previsão contratual;
(ii) não serem aplicados índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o consumidor, em manifesto confronto com a equidade e as cláusulas gerais da boa-fé objetiva e da especial proteção ao idoso, dado que aumentos excessivamente elevados, sobretudo para esta última categoria, poderão, de forma discriminatória, impossibilitar a sua permanência no plano; e (iii) respeito às normas expedidas pelos órgãos governamentais: a) No tocante aos contratos antigos e não adaptados, isto é, aos seguros e planos de saúde firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 9.656/1998, deve-se seguir o que consta no contrato, respeitadas, quanto à abusividade dos percentuais de aumento, as normas da legislação consumerista e, quanto à validade formal da cláusula, as diretrizes da Súmula Normativa nº 3/2001 da ANS.
b) Em se tratando de contrato (novo) firmado ou adaptado entre 2/1/1999 e 31/12/2003, deverão ser cumpridas as regras constantes na Resolução CONSU nº 6/1998, a qual determina a observância de 7 (sete) faixas etárias e do limite de variação entre a primeira e a última (o reajuste dos maiores de 70 anos não poderá ser superior a 6 (seis) vezes o previsto para os usuários entre 0 e 17 anos), não podendo também a variação de valor na contraprestação atingir o usuário idoso vinculado ao plano ou seguro saúde há mais de 10 (dez) anos.
c) Para os contratos (novos) firmados a partir de 1º/1/2004, incidem as regras da RN nº 63/2003 da ANS, que prescreve a observância (i) de 10 (dez) faixas etárias, a última aos 59 anos; (ii) do valor fixado para a última faixa etária não poder ser superior a 6 (seis) vezes o previsto para a primeira; e (iii) da variação acumulada entre a sétima e décima faixas não poder ser superior à variação cumulada entre a primeira e sétima faixas.
8. A abusividade dos aumentos das mensalidades de plano de saúde por inserção do usuário em nova faixa de risco, sobretudo de participantes idosos, deverá ser aferida em cada caso concreto. Tal reajuste será adequado e razoável sempre que o percentual de majoração for justificado atuarialmente, a permitir a continuidade contratual tanto de jovens quanto de idosos, bem como a sobrevivência do próprio fundo mútuo e da operadora, que visa comumente o lucro, o qual não pode ser predatório, haja vista a natureza da atividade econômica explorada: serviço público impróprio ou atividade privada regulamentada, complementar, no caso, ao Serviço Único de Saúde (SUS), de responsabilidade do Estado.
9. Se for reconhecida a abusividade do aumento praticado pela operadora de plano de saúde em virtude da alteração de faixa etária do usuário, para não haver desequilíbrio contratual, faz-se necessária, nos termos do art. 51, § 2º, do CDC, a apuração de percentual adequado e razoável de majoração da mensalidade em virtude da inserção do consumidor na nova faixa de risco, o que deverá ser feito por meio de cálculos atuariais na fase de cumprimento de sentença.
10. TESE para os fins do art. 1.040 do CPC/2015: O reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (i) haja previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso.
11. CASO CONCRETO: Não restou configurada nenhuma política de preços desmedidos ou tentativa de formação, pela operadora, de "cláusula de barreira" com o intuito de afastar a usuária quase idosa da relação contratual ou do plano de saúde por impossibilidade financeira.
Longe disso, não ficou patente a onerosidade excessiva ou discriminatória, sendo, portanto, idôneos o percentual de reajuste e o aumento da mensalidade fundados na mudança de faixa etária da autora.
12. Recurso especial não provido.
(REsp 1568244/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/12/2016, DJe 19/12/2016)
Infere-se o precedente obrigatório acima citado que, em regra, se admite o reajuste das mensalidades dos planos de saúde conforme a faixa etária, ainda que correspondente aos maiores de sessenta anos de idade e idosos por expressa disposição legal.
Entretanto, o Tribunal da Cidadania buscou compatibilizar os diversos interesses postos à apreciação. O ordenamento jurídico nacional abriga o princípio da solidariedade intergeracional, no mutualismo e do equilíbrio financeiro. Com o fito de solidarizar os custos, a ordem jurídica acolheu a solidariedade entre as gerações, com o fito de que os jovens suportem os custos gerados pelos mais velhos, em uma aplicação da fórmula dos subsídios cruzados.
Dessa forma, a fim de se evitar recorrentes abusividades no pagamento dos planos de saúde, especialmente em relação à população idosa, o Tribunal da Cidadania preceituou parâmetros certos e objetivos.
Inicialmente, como corolário do direito à informação, a progressividade no aumento das mensalidades deve estar expressamente prevista no instrumento contratual.
Ademais, é descabida a aplicação de índices irrazoáveis ou aleatórios, que onerem em demasia o consumidor-idoso e afronte os princípios da equidade, boa-fé e função social do contrato.
A respeito da boa-fé, elucida Tepedino:
[...] a boa-fé objetiva consiste em um dever de conduta. Obriga as partes a terem comportamento compatível com os fins econômicos e sociais pretendidos objetivamente pela operação negocial. No âmbito contratual, portanto, o princípio da boa-fé impõe um padrão de conduta a ambos os contratantes no sentido da recíproca cooperação, com consideração aos interesses comuns, em vista de se alcançar o efeito prático que justifica a própria existência do contrato.
[...]
A boa-fé contratual traduz-se, pois, na imposição aos contratantes de um agir pautado pela ética da igualdade e da solidariedade. Ao perseguir seus interesses particulares, devem as partes de um contrato conferir primazia aos objetivos comuns e, se for o caso, às relações existenciais sobre as patrimoniais, e à preservação da atividade econômica em detrimento da vantagem individual.
Torna-se necessário o atendimento aos parâmetros e normas estabelecidas pelos órgãos governamentais, de acordo com a categoria do contrato de plano de saúde, isto é, contratos antigos e não adaptados e contratos novos.
Em relação aos contratos novos, assim entendidos como aqueles firmados a partir de 1º de janeiro de 2004, incidem as normas da Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS), a qual preconiza que: “que prescreve a observância (i) de 10 (dez) faixas etárias, a última aos 59 anos; (ii) do valor fixado para a última faixa etária não poder ser superior a 6 (seis) vezes o previsto para a primeira; e (iii) da variação acumulada entre a sétima e décima faixas não poder ser superior à variação cumulada entre a primeira e sétima faixas”.
Percebe-se, portanto, que a abusividade no progressivo aumento dos contratos de plano de saúde da população idoso deve ser aferida casuisticamente, de modo que será equitativo e razoável quando o percentual de aumento for justificado atuarialmente, permitindo a continuidade contratual para os idosos, bem como a sobrevivência da própria operadora.
Não se olvida que as operadoras de plano de saúde visam, precipuamente, o lucro, mas que, nesses casos, não pode ser predatório a ponto de infringir os mandamentos constitucionais e legais atinentes à proteção do idoso, que goza de absoluta prioridade e proteção especial do Estado lato sensu.
Consoante exposto alhures, inegável que a controvérsia a respeito do reajuste das mensalidades possui ainda campo para indagações.
Existem leis que vedam, abstratamente, o aumento progressivo das mensalidades dos planos de saúde a partir da faixa etária dos sessenta anos de idade, mas, consoante exposto pelo Superior Tribunal de Justiça, a análise deve ser feita caso a caso e de acordo com as especificidades do contrato.
Em diálogo normativo entre fontes, a Corte da Cidadania afirmou a possibilidade de reajuste, mas desde que observados rígidos e objetivos critérios, a fim de se compatibilizar todos os interesses postos em jogo.
Considerando a inexistência de direitos absolutos, o princípio da solidariedade intergeracional e do equilíbrio financeiro do contrato, franqueou-se a possibilidade de aumento das mensalidades, mas desde que observados o direito de informar, da boa-fé, da equidade e da função social do contrato.
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Pós-Graduado em Direito Ambiental – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduado em Direito Constitucional – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduação em Direito Penal – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduado em Direito do Idoso – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduado em Direito Civil – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduado em Direito da Criança e do Adolescente – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduado em Direito Constitucional – Anhanguera Uniderp. Bacharel em Direito – Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ADRIANO, Daniel Dal Pont. A (im)possibilidade de reajuste das mensalidades dos planos de saúde para a população idosa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2019, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53907/a-im-possibilidade-de-reajuste-das-mensalidades-dos-planos-de-sade-para-a-populao-idosa. Acesso em: 23 dez 2024.
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