RESUMO: O presente estudo visa analisar a divergência jurisprudencial instaurada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça acerca da aplicação subsidiária do sistema recursal do Código de Processo Civil no procedimento de apuração de ato infracional, especialmente no tocante a técnica de ampliação do colegiado prevista no artigo 942 do Código de Processo Civil.
PALAVRAS-CHAVE: ato infracional, técnica de julgamento, proteção integral, absoluta prioridade.
Por expressa disposição legal o procedimento recursal do novel Código de Processo Civil é aplicável aos procedimentos instaurados e em trâmite perante o Juízo da Infância e Juventude, inclusive naqueles em que se apura a prática de atos infracionais perpetrados por crianças ou adolescentes.
Entretanto, em maio de 2018 se instaurou divergência doutrinária acerca da aplicação da inédita técnica de ampliação do julgamento prevista no artigo 942 do Código de Processo Civil quando o julgamento do recurso não for unânime. As Turmas do Superior Tribunal de Justiça divergem acerca da aplicação obrigatória da regra insculpida no Diploma Processual ou da imposição da técnica conforme o julgamento do recurso for, ou não, favorável à defesa.
A relevância do tema é inquestionável, especialmente em virtude da aplicação do superior interesse da criança e do adolescente, da proteção integral e da absoluta prioridade, além de se analisar antinomias e desproporcionalidade no ordenamento jurídico no trato da apuração de ato infracional e o procedimento penal comum.
2. A (IM)POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TÉCNICA PROCESSUAL DO ART. 942 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL AO PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL
2.1. DO PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL E A APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL AO CORRESPONDENTE SISTEMA RECURSAL
A Constituição da República estabelece o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar às crianças e aos adolescentes, com prioridade absoluta, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (artigo 227).
Ao revogar a doutrina da fase tutelar e do menor em situação irregular regulamentada pelo antigo Código de Menores, a Constituição Federal, sob forte influência da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, preconizou a doutrina da proteção integral, com sensível mudança de paradigma em relação à tutela infanto-juvenil.
A doutrina do menor em situação irregular considerava a existência de duas infâncias, uma relativa aos menores marginalizados como objetos de proteção e outra das crianças e adolescentes como sujeitos de direitos. A teoria da proteção integral, em contrapartida, considera uma única infância, sendo todas as crianças e adolescentes sujeitos de direitos, independentemente de sua situação fática ou jurídica.
Poucos anos após a promulgação da Constituição da República, o legislador editou o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990), com o intuito de regulamentar a nova fase a ser vivenciada na tutela da infância e juventude. O atendimento passou a ser descentralizado e predominantemente municipalizado, contando com novos atores assistencialistas à infância, como a criação dos Conselhos Tutelares. A restrição da liberdade dos menores deixou de ser a regra, de modo que a imposição de medidas dessa natureza devem ser excepcionais e respeitada a condição peculiar de ser humano em desenvolvimento.
Sobre o tema, Bressanelli (2010, pp. 2/3) elucida que:
Com a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, aquele paradigma tutelar proposto pelos Códigos de Menores, de 1927 e 1979, saiu definitivamente do contexto sociojurídico brasileiro, para a consagração da plenitude dos direitos humanos de crianças e adolescentes, e da consequente perspectiva de proteção a essas pessoas.
A consagração da Doutrina da Proteção Integral, no direito brasileiro, visa à garantia de completude no atendimento dos interesses de crianças e adolescentes.
Mais precisamente no texto constitucional, o legislador cuidou de inserir os princípios do melhor interesse da criança e do adolescente, e da absoluta prioridade, em seu artigo 227, caput. Trata-se do artigo que consagrou a cláusula geral de proteção aos direitos de crianças e adolescentes, e que será analisado mais especificamente em seguida.
Como postulado normativo máximo se adotou o princípio do superior interesse da criança e do adolescente e a proteção integral e prioridade absoluta considerados metaprincípios. Fundamentais princípios derivam desses três ápices normativos, a saber: condição das crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, responsabilidade primária e solidária do Poder Público, privacidade, intervenção precoce e mínima, proporcionalidade, atualidade, responsabilidade parental, prevalência da família, obrigatoriedade de informação e oitiva e participação da criança e adolescente compulsória.
Depreende-se que o sistema de proteção à infância e juventude outorga absoluta prioridade e proteção integral. A prioridade absoluta consiste na primazia, quanto à formulação de políticas públicas, ações da família e da comunidade, para a concretização dos direitos assegurados na Constituição e no Estatuto. A proteção integral unifica o tratamento despendido às crianças e adolescentes, na qual todos devem ser sujeitos de direitos e gozam de um conjunto de mecanismos jurídicos voltados a sua tutela.
Diante disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente deve ser interpretado e aplicado de acordo com o fim social a que se dirige. O Poder Público, a família e a sociedade – denominado tripé corresponsável – deve priorizar o atendimento dos direitos relacionados à proteção da criança e adolescente e concretização de seus direitos fundamentais.
Nesse sentido, Ishida (2003, pp. 32/33) preconiza que:
O fim social é a proteção integral da criança e do adolescente e o bem comum é o que atende aos interesses de toda a sociedade. Os direitos e deveres individuais e coletivos são elencados no ECA, relativos à criança e ao adolescente.
Entendemos que a “condição peculiar da criança e do adolescente” deve ser o principal parâmetro na aplicação das medidas na Vara da Infância e Juventude. Obedecidos os critérios legais, as autoridades devem procurar as medidas mais adequadas à proteção da criança e do adolescente.
Por seu turno, a proteção especial do Estado abrange a garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica e a obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade. (artigo 226, §3º, inciso IV e V da Constituição da República).
Com efeito, os menores de dezoito anos e, portanto, crianças e adolescentes para fins legais (artigo 2º da Lei n. 8.069/1990), são sujeitos inimputáveis e não se submetem a legislação penal (artigos 228 da Constituição Federal e 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente). Dessa forma, não praticam crimes, mas sim atos infracionais as condutas descritas como crimes ou contravenção (artigo 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente) e se submetem as medidas de proteção ou medidas socioeducativas (artigos 101 e 112, respectivamente, da Lei n. 8.069/1990).
Consoante previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente, caso uma criança pratique uma conduta definida como ato infracional será encaminhada ao Conselho Tutelar, que registrará a ocorrência. O Conselho Tutelar poderá aplicar alguma das medidas de proteção descritas no artigo 101, incisos I a VII, da Lei n. 8.069/1990. Cabe ressaltar que a aplicação das medidas de proteção de inclusão em programa de acolhimento familiar ou colocação em família substituta não prescindem de intervenção do Poder Judiciário.
Na hipótese que um adolescente perpetrar um ato infracional for apreendido em flagrante será, desde logo, encaminhado para a autoridade policial competente e será prontamente liberado se um dos pais ou responsável pelo adolescente assinar termo de compromisso de apresentação ao Ministério Público prontamente. Excepcionalmente se admite a não liberação caso a autoridade policial decida, com base na gravidade da infração e sua repercussão social, que o adolescente deva permanecer internado para garantir sua segurança pessoal ou a manutenção da ordem pública.
Com as peças de informação, o membro do Ministério Público, como titular da representação por ato infracional, promoverá a oitiva informal do adolescente e, após, poderá conceder remissão como forma de exclusão do processo, promover o arquivamento dos autos, oferecer representação pela prática de ato infracional ou, ainda, requerer a realização de outras diligências indispensáveis.
Oferecida a representação e desencadeado o procedimento de apuração de ato infracional, ao final o magistrado o sentenciará e definirá se o adolescente praticou ato infracional e merece a aplicação de uma medida socioeducativa ou a imposição de medida de segurança.
Caso haja inconformismo de alguma das partes se franqueia a possibilidade da interposição de recursos, os quais receberão aplicação do sistema recursal a que alude o Código de Processo Civil (artigo 198 da Lei n. 8.068/1990).
Sobre o tema, ensina Bordallo, citado por MACIEL (2015, p. 1.039):
Com a regra em estudo, qualquer que seja a matéria referente ao direito da infância e juventude que esteja em discussão em determinado processo, o recurso que acaso venha a ser interposto seguirá as regras estabelecidas no Título II do Livro III do Código de Processo Civil, naquilo em que não confrontarem com as regras da Lei n 8069/90.
Tendo isso em foco e considerando o princípio da taxatividade recursal, o Código de Processo Civil de 2015 optou pelo rol exaustivo de recurso. Dessa forma, possível a aplicação dos recursos enumerados pelo artigo 994 do Diploma Processual, bem como as demais disposições gerais atinentes à teoria geral dos recursos, como a novel técnica de julgamento do artigo 942, inclusive nos procedimentos de apuração de ato infracional.
2.2. A TÉCNICA DE JULGAMENTO DO ARTIGO 942 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Como sucedâneo os antigos embargos infringentes, o artigo 942 do Código de Processo Civil previu o procedimento para a ampliação do colegiado em caso de divergência, senão vejamos:
Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.
§ 1º Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado.
§ 2º Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento.
§ 3º A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em:
I - ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno;
II - agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.
§ 4º Não se aplica o disposto neste artigo ao julgamento:
I - do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas;
III - não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial.
Gonçalves (2016, p. 885) assevera que “[...] Esse mecanismo, conquanto não tenha natureza recursal, faz lembrar os embargos infringentes. Por não ser recurso, no entanto, não depende de interposição, constituindo apenas uma fase do julgamento da apelação, do agravo de instrumento contra decisão de mérito e da ação rescisória, não unânime”
Os extintos embargos infringentes previstos no Código Buzaid consistiam em recurso cabível contra acórdão não unânime proferido em sede de apelação ou ação rescisória. Contudo, o novel Código de Processo Civil extinguiu essa espécie recursal e criou uma técnica de julgamento semelhante que, consoante expõe Didier (2016, p. 76) “não ostenta natureza recursal. Não se trata de recurso, pois a regra incide antes de haver o encerramento do julgamento”.
Apesar da voluntariedade não ser característica dos recursos para Didier e consentir na previsão dos recursos de ofício, como a remessa necessária, na hipótese em apreço ainda não há uma decisão do órgão colegiado que seja passível de impugnação. Nos termos da legislação exposta acima, não há a lavratura de um acórdão, mas apenas o prosseguimento da sessão, com a presença de novos julgamentos em número hábil a reformar a decisão não unânime.
A respeito do tema, assevera Didier (2016, pp. 78/79)
Percebe-se, então, que a existência da divergência é fato que leva à mudança de composição do órgão julgador. Assim, caso não seja observada a técnica do art. 942, CPC, o acordão será nulo, por vicio de competência funcional.
Não havendo julgamento unânime, já se viu que haverá a convocação de novos julgadores para que, com eles, tenha prosseguimento o julgamento. O julgamento ainda não se encerrou; deverá prosseguir com os julgadores convocados na forma prevista no regimento interno do tribunal. Será designada nova sessão para prosseguimento do julgamento, na qual as partes - e eventuais terceiros – poderão sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores. A regra concretiza o princípio da cooperação (art. 6°, CPC) e reforça o contraditório, assegurando às partes o direito de influência para que possam ter a chance de participar do convencimento dos julgadores que ainda não conhecem o caso.
[...]
Como se vê, o art. 942 do CPC prevê uma técnica de ampliação do colegiado para julgamento, estabelecendo a suspensão da sessão de julgamento quando o resultado não for unânime e determinando que se prossiga, com outros membros, em nova designação. Não se trata de recurso. O recurso é cabível contra uma decisão proferida. Na hipótese do art. 942 do CPC, não há encerramento do julgamento. Colhidos os votos e não sendo unânime o resultado, incide a regra: convocam-se novos julgadores e designa-se nova sessão para prosseguimento do julgamento, e não para revisão ou reconsideração do que foi julgado. Não houve encerramento do julgamento, mas suspensão para prosseguimento com a composição do órgão julgador ampliada.
Wambier (2017, p. 1.435) afirma que “A solução trazida pelo dispositivo legal em discussão visa a, de um lado, garantir à parte o direito de fazer prevalecer o voto vencido, com a ampliação do quórum de votação, e, de outro, a aceleração e simplificação do processo, com a eliminação de um recurso”.
Ensina Marinoni (2017, p. 436) que “aderindo à tese de que a ausência de unanimidade pode constituir indício da necessidade de um maior aprofundamento da discussão a respeito da questão decidida, submeteu o resultado não unânime à ampliação do debate”.
Diante da aplicação subsidiária do procedimento recursal aos procedimentos de apuração de ato infracional que tramitam perante o Juízo da Infância e Juventude e, ainda, considerando a natureza jurídica e as inovações trazidas pela regra de julgamento do artigo 942 do Código de Processo Civil, resta avaliar a divergência instaurada perante a Corte da Cidadania acerca da sua aplicabilidade atende, ou não, o princípio do superior interesse da criança, da proteção integral e absoluta prioridade.
2.3. DIVERGÊNCIA EXISTENTE NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ACERCA DO EMPREGO DA TÉCNICA DO ARTIGO 942 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NO SISTEMA RECURSAL NO PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL
Em decisões quase simultâneas proferidas em maio de 2018 a Quinta e a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça divergiram acerca da aplicação compulsória ou casuística da técnica de ampliação do colegiado prevista no artigo 942 do Código de Processo Civil.
A Quinta Turma do Tribunal da Cidadania assentou entendimento de que a aplicação da referida regra de julgamento merece observância obrigatória no âmbito do sistema recursal dos procedimentos de apuração de ato infracional, in verbis:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ECA. APLICAÇÃO DO ART. 942 DO NCPC. POSSIBILIDADE. ART. 198 DO ECA. PRECEDENTES. RECURSO DESPROVIDO.
1. Segundo o art. 198 do ECA, nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude, inclusive os relativos à execução das medidas socioeducativas, deve ser adotado o sistema do Código de Processo Civil, que prevê, atualmente, em caso de decisão por maioria, nova técnica de complementação de julgamento, com a tomada de outros votos em sessão subsequente ou na mesma sessão.
2. Admite-se, assim, a incidência do art. 942 do novo Código de Processo Civil para complementar o julgamento da apelação julgada por maioria nos procedimentos relativos ao estatuto do menor.
Precedentes (HC 407.674/RJ, Relator Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, j. 17/10/2017, DJe 23/10/2017, HC 407.670/RJ, Relatora Ministra MARIA THREZA DE ASSIS MOURA, DJ 7/12/2017 e REsp.
1.730.901/RJ, Relator Ministro JOEL ILAN PARCIONIK, DJ 2/5/2018).
3. Agravo Regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1673215/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2018, DJe 30/05/2018)
Por uma interpretação literal e sistemática do Estatuto da Criança e do Adolescente em conjunto com o sistema recursal do Código de Processo Civil, aplicável aos procedimentos que tramitam perante o Juízo da Infância e Juventude, consoante previsto no artigo 198 da Lei n. 8.069/1990, infere-se que, se nos processos regidos pelo Diploma Processual são aplicáveis os respectivos institutos recursais, dos quais se inclui a aludida técnica de julgamento, inexiste razão para que a possibilidade de ampliação do julgado seja suprimida nos procedimentos regidos pelo Estatuto da Criança e Adolescente.
Ademais, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que a aplicação do artigo 942 do Código de Processo Civil não viola os mandamentos legais contidos no artigo 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal, in verbis:
Art. 609. Os recursos, apelações e embargos serão julgados pelos Tribunais de Justiça, câmaras ou turmas criminais, de acordo com a competência estabelecida nas leis de organização judiciária.
Parágrafo único. Quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de 10 (dez) dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência.
Consoante exposto no Voto proferido no julgado mencionado, a aplicação da técnica de ampliação do julgamento possui previsão legal expressa e não prejudica os interesses do adolescente infrator. Assenta-se que a sistemática pode ser, inclusive, benéfica ao infrator, porquanto há a possibilidade de ampliação do julgado no caso do voto vencido ser favorável à defesa.
De outra banda, para a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça a aplicação da regra insculpida no artigo 942 do Código de Processo Civil demanda uma análise casuística:
RECURSO ESPECIAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ACÓRDÃO QUE EXTINGUE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE LIBERDADE ASSISTIDA E PRESTAÇÃO DE SERVIÇO À COMUNIDADE. DECISÃO NÃO UNANIME FAVORÁVEL AO MENOR INFRATOR. TÉCNICA DE COMPLEMENTAÇÃO DE JULGAMENTO PREVISTA NO ARTIGO 942 DO CPC/2015. INAPLICABILIDADE DE PROCEDIMENTO MAIS GRAVOSO QUE O ADOTADO NO PROCESSO CRIMINAL EM AFRONTA ÀS NORMAS PROTETIVAS QUE REGEM O ECA.
1. O sistema recursal da lei processual civil é aplicável aos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude, inclusive os relativos à execução das medidas socioeducativas, por força do artigo 198 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
2. Ainda que não se trate de processo criminal regido pela proibição de reformatio in pejus e, conquanto que não se cuide de recurso ou meio autônomo de impugnação, estando o menor infrator sujeito a medida socioeducativa de natureza inegavelmente sancionatória, como admite a jurisprudência desta Corte, é incabível a complementação do julgamento segundo a técnica do artigo 942 do novo Código de Processo Civil quando em prejuízo do menor.
3. A aplicação da técnica de julgamento prevista no artigo 942 do Código de Processo Civil nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude quando a decisão não unânime for favorável ao adolescente implicaria em conferir ao menor tratamento mais gravoso que o atribuído ao réu penalmente imputável já que os embargos infringentes e de nulidade previstos na legislação processual penal (art. 609, Código de Processo Penal) somente são cabíveis na hipótese de o julgamento tomado por maioria não beneficiar o réu, culminando em induvidosa afronta às normas protetivas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.
4. Recurso improvido.
(REsp 1694248/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 03/05/2018, DJe 15/05/2018)
Se o resultado do julgamento do recurso corresponder a decisão não unânime contrária à tese defensiva do menor infrator, a técnica de ampliação do julgamento é de aplicação compulsória, a fim de se salvaguardar o superior interesse do adolescente e conforme o pacífico entendimento da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, inicialmente exposto neste trabalho.
Em contrapartida, se o resultado do julgamento recursal caracterizar decisão não unânime favorável ao adolescente infrator a referida técnica de julgamento deve ser afastada, porquanto resultaria em procedimento recursal mais gravoso daquele imposto no procedimento criminal.
Para essa corrente jurisprudencial ainda se admite a aplicação do sistema recursal do Código de Processo Civil, até porque a Lei n. 8.069/1990 assim prevê. Ocorre que se vislumbra injusto e desproporcional impor ao procedimento recursal no âmbito da apuração de ato infracional conferir um tratamento mais gravoso do que aquele conferido aos imputáveis.
Se no procedimento criminal o réu recebe reprimenda e há uma decisão recursal favorável à defesa é inaplicável o artigo 942 do Código de Processo Civil, tampouco cabem embargos infringentes do artigo 609 do Código de Processo Penal. Os embargos infringentes no processo penal contém cabimento restrito e unicamente nas hipóteses de recurso cujo julgamento se deu por maioria e em prejuízo do réu.
Por se tratar de recurso exclusivo na defesa no processo criminal, os embargos infringentes são incabíveis se o resultado for não unânime e favorável ao réu. Em outros dizeres, caso o réu se sagre vencedor em segunda instância não se pode ampliar o colegiado e dar continuidade ao julgamento, consoante preconiza o Código de Processo Civil.
Desse modo, com maior razão não se pode admitir a técnica de julgamento do artigo 942 do Diploma Processual no julgamento de recurso não unânime favorável ao adolescente infrator.
Não obstante a imposição de medida socioeducativa não ser considerada pena, por expressa disposição legal do artigo 32 do Código Penal, é certo que a aplicação de medidas dessa natureza possui, além do caráter pedagógico e protecionista, uma finalidade sancionatória. A respeito do tema, colhe-se entendimento do Supremo Tribunal Federal:
4. A presunção de inocência se aplica ao processo em que se apura a prática de ato infracional, uma vez que as medidas socioeducativas, ainda que primordialmente tenham natureza pedagógica e finalidade protetiva, podem importar na compressão da liberdade do adolescente, e, portanto, revestem-se de caráter sancionatório-aflitivo. (HC 122072, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 02/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-189 DIVULG 26-09-2014 PUBLIC 29-09-2014)
Nesse diapasão assevera Konzen, citado por MACIEL (2006, p. 805) que:
Além do caráter pedagógico, que visa à reintegração do jovem em conflito com a lei na vida social, as medidas socioeducativas possuem outro, o sancionatório, em resposta à sociedade pela lesão decorrente da conduta típica praticada. Destarte, fica evidente a sua natureza híbrida.
A imposição das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente merecem observância aos princípios preconizados na Lei n. 12.594/2012:
Art. 35. A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes princípios:
I - legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto;
II - excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos;
III - prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas;
IV - proporcionalidade em relação à ofensa cometida;
V - brevidade da medida em resposta ao ato cometido, em especial o respeito ao que dispõe o art. 122 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);
VI - individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente;
VII - mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida;
VIII - não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status; e
IX - fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo.
Destarte, ainda que se aceite uma finalidade sancionatória na fixação de medidas socioeducativas, os adolescentes que as recebem merecem ser tratados com absoluto respeito à dignidade da pessoa humana.
De fato, aplicar uma técnica processual porque a lei assim prevê, tornando o procedimento recursal de aferição da prática de ato infracional mais gravoso do que aquele imposto no procedimento penal comum ofende o princípio da proporcionalidade e da presunção de inocência.
As medidas socioeducativas devem ser aplicadas principalmente conforme as necessidades pedagógicas do adolescente e essas podem variar de acordo com o tempo. Por esse motivo “as medidas originalmente aplicadas devem ser constantemente reavaliadas, sendo substituídas sempre que não mais forem necessárias ou não estiverem surtindo os resultados desejados” (Digiácomo, 2013, p. 65).
Em arremate elucida o aludido doutrinador:
O procedimento para apuração de ato infracional praticado por adolescente, embora revestido das mesmas garantias processuais e demandando as mesmas cautelas que o processo penal instaurado em relação a imputáveis, com este não se confunde, até porque, ao contrário deste, seu objetivo final não é a singela aplicação de uma “pena”, mas sim, em última análise, a proteção integral do jovem, para o que as medidas socioeducativas se constituem apenas no meio que se dispõe para chegar a este resultado (daí porque não é sequer obrigatória sua aplicação, podendo o procedimento se encerrar com a concessão de uma remissão em sua forma de “perdão puro e simples” ou com a aplicação de medidas de cunho unicamente protetivo, tudo a depender das necessidades pedagógicas específicas do adolescente - CF. arts. 113 c/c 100, caput, do ECA).
Vislumbra-se que a “responsabilização do adolescente deva ser nominada de responsabilidade estatutária ou socioeducativa, ou ainda, sociopedagógica” (Veronese, 2015, p. 199).
Estabelecer um procedimento mais gravoso para a imposição de qualquer tipo de medida socioeducativa pelo cometimento de um ato infracional certamente afronta as finalidades dessas medidas e, dessa forma, se no julgamento de um recurso a posição do colegiado não for unânime e for favorável à defesa, não cabe a aplicação da técnica do artigo 942 do Código de Processo Civil, porquanto desproporcional e em descompasso com a ordem jurídica vigente.
Consoante exposto alhures, a doutrina da proteção integral e da absoluta prioridade trazidas pela Constituição Federal irradiam os preceitos normativos que regem a aplicação das medidas socioeducativas decorrentes da prática de ato infracional.
A divergência instaurada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça a respeito da aplicação compulsória ou casuística da técnica de julgamento ampliado do artigo 942 do Código de Processo Civil merece solução com presteza.
Em uma interpretação sistemática e teleológica do ordenamento jurídico se coaduna com a posição firmada pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, a qual preconiza o emprego da referida técnica de julgamento se, e somente se, a decisão não unânime for desfavorável ao adolescente infrator.
Interpretar ao contrário é violar o ordenamento jurídico, principalmente sob a ótica da proporcionalidade, porquanto se estabelece procedimento mais gravoso ao adolescente infrator do que ao réu imputável, sujeito ao procedimento penal comum e à aplicação de uma pena privativa de liberdade.
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Pós-Graduado em Direito Ambiental – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduado em Direito Constitucional – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduação em Direito Penal – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduado em Direito do Idoso – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduado em Direito Civil – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduado em Direito da Criança e do Adolescente – Faculdade Cidade Verde. Pós-Graduado em Direito Constitucional – Anhanguera Uniderp. Bacharel em Direito – Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ADRIANO, Daniel Dal Pont. A (im)possibilidade de aplicação da técnica processual do artigo 942 do Código de Processo Civil ao procedimento de apuração de ato infracional do Estatuto da Criança e do Adolescente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 dez 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53919/a-im-possibilidade-de-aplicao-da-tcnica-processual-do-artigo-942-do-cdigo-de-processo-civil-ao-procedimento-de-apurao-de-ato-infracional-do-estatuto-da-criana-e-do-adolescente. Acesso em: 23 dez 2024.
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