ROSÁLIA MARIA CARVALHO MOURÃO[1]
(Orientadora)
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar a violação da dignidade e dos direitos fundamentais das mulheres na obra o conto da aia de Margaret Atwood. Analisando um cenário totalmente anacrônico, com indivíduos que parecem terem sido pinçados de uma sociedade inegavelmente arcaica, desprovida de todas as conquistas e garantias alcançadas nas sociedades ditas democráticas. Trazendo ainda a exposição das violências e violações dos direitos fundamentais das mulheres que lhe são tirados, por meio do uso da bíblia como forma de diminuir ou até menos justificar os abusos cometidos por eles. Partindo desse Princípio foi utilizada a metodologia da pesquisa do tipo descritiva e bibliográfica da obra Literária juntamente a outras doutrinas, em que restou claro que o Conto da Aia traz uma historia fictícia a qual leva o leitor a pensar e a se preocupar com o futuro bem próximo. Em assim sendo, o Brasil é um Estado democrático de direito, aqui, são assegurados os direitos fundamentais que estão previstos na Constituição Federal no seu artigo 5º, e em análise a obra, foi possível observar os tipos de discussões jurídicas tragos pelo livro, bem como desigualdade de gênero, e sua prática, na época do livro e nos dias atuais.
Palavras-chave: violências, desigualdade, sociedade.
ABSTRACT: The purpose of this article is to analyze the violation of the dignity and fundamental rights of women in the work Margaret Atwood's tale. Analyzing a totally anachronistic scenario, with individuals who seem to have been pinched from an undeniably archaic society, devoid of all the achievements and guarantees achieved in so-called democratic societies. It also exposes the violations and violations of the fundamental rights of women that are taken from her, through the use of the bible as a way of diminishing or even justifying their abuses. Based on this Principle, we used the descriptive and bibliographical research methodology of the Literary work along with other doctrines, in which it was clear that the Aia Tale brings a fictitious story that leads the reader to think and worry about the future well. next. Thus, Brazil is a democratic rule of law, here, the fundamental rights that are provided for in the Federal Constitution in its article 5 are assured, and in analysis the work, it was possible to observe the types of legal discussions brought by the book, as well as as gender inequality, and its practice, at the time of the book and today.
Keywords: violence, inequality, society.
Sumário: 1 Introdução. 2 Culpabilização das Vítimas de Estupro. 3 Penas de Morte aos Traidores de gênero. 4 Proibição do Direito a Educação das Mulheres. 5 Violação aos Direitos Humanos. 6 Conclusão. 7 Referências.
1. INTRODUÇÃO
Publicado em 1985, O Conto da Aia é o romance mais famoso da escritora canadense Margaret Atwood. A narrativa passou a ser vista como uma crítica feminista à sociedade patriarcal e um alerta à mesma, afinal “toda opressão cria um estado de guerra” (BEAUVOIR, 2016, p. 542). Sendo assim, o romance cumpre sua função diatópica de imaginar um futuro possível baseado em uma visão crítica da sociedade atual, ao mesmo tempo em que levanta questões sobre a violação aos direitos das mulheres. No governo tratado na obra que é o de Gilead, há a construção de uma sociedade patriarcal e machista, após guerras e diversas crises sociais incluindo níveis criticamente baixos de natalidade, um grupo de fundamentalistas, chamados filhos de Jacó tomou o poder e instaurou novas leis e regras sociais. A principal medida tomada por eles é pôr fim aos direitos das mulheres e dividir toda a população feminina em castas com papéis extremamente definidos. Enquanto as mulheres inférteis são designadas como educadoras do novo sistema ou empregadas domésticas, as poucas mulheres que podem ter filhos, as chamadas aias, são aprisionadas e destinadas a gerar bebês para as famílias mais ricas. Tudo isso é feito com base em escrituras cristãs, caso ocorresse no Estado democrático brasileiro se essa realidade a luz do ordenamento jurídico estariam eles ferindo o artigo 5º da Constituição Federal.
O estudo se caracteriza pela análise da violação dos direitos sofridos pelas mulheres em uma sociedade patriarcal, na obra literária escolhida: O Conto da Aia. Mostrar-se-á no decorrer do artigo os acontecimentos relatados pela autora como: a cultura do estupro, a discriminação com casais homoafetivos e as violações dos direitos humanos, bem como várias outras formas de violação dos direitos fundamentais a uma existência digna para as mulheres.
A obra representa uma sociedade marcada pela intensificação de certas mentalidades preconceituosas e discriminatórias já existentes na sociedade atual. Consequência de um desenvolvimento tecnológico desenfreado, a obra expressa a constante mudança nas relações e na mentalidade da sociedade, visto isso o estudo da obra se faz importante, pois afeta diretamente suas personagens femininas e por consequência a forma como cada uma será tratada. Não se pode esquecer que muitas das violências e violações expostas pela autora estão ocorrendo ou já ocorreram nos dias atuais, como o estupro, feminicídios e preconceitos com homossexuais. A obra mostra demasiadamente violências sofridas pelas mulheres onde se fará um paralelo com os dias atuais, mostrando os direitos violados destas e também em face ao nosso ordenamento jurídico.
2. CULPABILIZAÇÃO DAS VÍTIMAS DE ESTUPRO
Com base na pesquisa realizada pelo Datafolha (2019) mais de 33% da população brasileira considera a mulher culpada pelo estupro, o integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) Rafael Alcadipani destacou a culpabilização da vítima e o grau de proximidade dos agressores entre os dados mais alarmantes. No qual:
“A culpabilização da vítima é muito séria. Esse estudo mostra a prevalência da cultura machista na sociedade, de que a mulher tem que andar sempre de determinada forma, quando sabemos que a maior parte da violência acontece por pessoas próximas à vítima, o pai, o marido, o tio, o primo”, disse. (ALCADIPANI, 2019).
A pesquisa do Datafolha, encomendada pelo FBSP, mostra que 42% dos homens e 32% das mulheres concordam com a afirmação: “mulheres que se dão ao respeito não são estupradas”, enquanto 63% das mulheres e 51% dos homens discordam.
No livro, há um relato em que Janine uma das personagens, está rodeada das demais aias no Centro Vermelho e após relatar que foi estuprada, Tia Lydia questiona “E de quem foi à culpa?” e as aias apontam a Janine e respondem “Sua culpa” algumas vezes. Como mostra no trecho do livro, onde as tias faziam com que elas acreditassem que eram culpadas pela violência sexual e que mereciam passar por isso, fazia com que as outras aias apontassem o dedo e repetissem como forma de tentar impor que a culpa sempre foi delas, e que não importava a situação elas tinham que ser expostas ao ridículo na frente das demais, para que entendesse e colocassem na cabeça que elas eram culpadas, conforme descrito na passagem:
Mas de quem foi a culpa? Diz tia Helena, levantando um dedo roliço,
Dela, foi dela, foi dela, foi dela, entoamos em uníssono.
Quem seduziu? Tia Helena sorri radiante, satisfeita conosco.
Ela seduziu. Ela seduziu. Ela seduziu.
Porque Deus permitiu que uma coisa tão terrível acontecesse?
Para lhe ensinar uma lição. Para lhe ensinar uma lição.
Para lhe ensinar uma lição. (ATWOOD, 2017, p. 88).
Sendo assim, percebe-se por meio da passagem que em Gilead, a partir da conquista com apoio da maioria da população e por meio do discurso religioso, o próprio significado da palavra bíblica passa a mudar aos olhos do regime, sendo considerada a partir de agora lei universal e inquestionável. Essa culpa posta na vítima da violência sexual faz parte da chamada cultura do estupro, assim como a objetificação sexual de mulheres, a negação de estupros, a normalização de comportamentos violentos no sexo e mitos de estupro, onde a sociedade tenta culpar a vítima, e tenta encontrar meios de diminuir ou até mesmo justificar a ação do estuprador.
A Cultura do estupro, conforme Carol Correia (2018) indica que a sociedade vê comportamentos sexuais violentos e indesejáveis como normais, justificando as ações de agressores como “instinto animal” enquanto responsabiliza vítimas pela violência que sofreram. Afinal, cultura não significa apenas coisas artísticas e bonitas, mas sim o comportamento de determinada sociedade naquele período de tempo como os comportamentos relatados no livro que foram impostos há pouco tempo mais que já fazia parte da sociedade, principalmente no mundo daquele que assumiram o poder. A culpabilização da vítima implica que a vítima é, na verdade, a responsável por aquilo que sofreu, questionando-se se ela se comportou de determinada forma, se vestiu de certa forma, se falou alguma coisa que abriria possibilidade para isso, sendo que não importa como a vítima se comporte o culpado vai ser sempre o estuprador, temos que parar com esse costume de querer tentar justificar o injustificável.
A dominação masculina sempre aparece de forma sutil, mas nunca deixa de ser presente, como demonstram na obra eles impregnaram a sociedade de suas crenças e ideologias, fizeram com que a violência contra as mulheres fossem tratadas como normais, e que não fossem mais contestadas, principalmente contra as aias, que serviam somente para procriação, sendo que muitas vezes o problema estava não nas mulheres, mas sim nos próprios comandantes, que não podiam gerar filhos, mas não poderiam ser considerados estéreis por serem superiores as mulheres e segundo Gilead:
Ele levanta o lençol, a parte inferior de seu rosto está coberta pela mascara de gaze branca, regulamentar. Dois olhos castanhos, um nariz, uma cabeça com cabelos castanhos em cima. A mão dele está entre minhas pernas.
- A maioria desses velhos não consegue mais ter ereção e ejacular – diz ele. – Ou então são estéreis.
Eu quase engasgo de espanto: ele disse uma palavra proibida estéril. Isso é uma coisa que não existe mais, um homem estéril não existe, não oficialmente. Existem apenas mulheres que são fecundas e mulheres que são estéreis, essa é a lei. (ATWOOD, 2017, p. 75).
Pode-se perceber que a violência incorporada nesse sistema social, subordina as mulheres ao poder dos homens, sendo uma das manifestações de poder que o novo Estado exerce sobre a sociedade, sendo, portanto desiguais entre homens e mulheres e mostrando superioridade masculina, uma noção que foi construída tendo como base a bíblia. Em resumo, o conceito de culpabilização demostra bem os papéis impostos a cada uma naquela sociedade que é reforçada pelo patriarcado, pela dominação masculina, induzindo a prática de relações violentas, indicando que a prática de tal violência é fruto na natureza e nos princípios divinos.
Um exemplo radical dessa ressignificação feita pelo novo governo é a Cerimônia realizada entre o Comandante, Offred e sua esposa. No texto bíblico encontrado em Gênesis, Capítulo 30, Versículo 1-6, dispõe que:
Raquel, vendo que não dava filhos a Jacó, teve inveja da sua irmã: “Dá-me filhos, disse ela ao seu marido, senão morro!” E Jacó irritou-se com ela. “Acaso, disse ele, posso eu pôr-me no lugar de Deus que te recusou a fecundidade?” Ela respondeu: “Eis minha serva Bala: toma-a. Que ela dê à luz sobre meus joelhos e assim, por ela, terei também filhos.” Deu-lhe, pois, por mulher sua escrava Bala, da qual se aproximou Jacó. Bala concebeu e deu à luz um filho de Jacó. Disse então Raquel: “Deus fez-me justiça”. Ele ouviu minha voz e deu-me um filho. (GÊNESIS, 500.a.c)
Esse trecho do Antigo Testamento é lido para todos os membros da família nas noites da Cerimônia, onde o comandante vai ter relações sexuais com Offred na frente de sua, esposa para procriar em nome do criador, e dos costumes e crenças por eles agora estabelecidos, como analisado acima. Porém, a Cerimônia entre as famílias, ao invés de harmoniosa e linda como descrita, é narrada dessa forma por Offred:
Meus braços estão levantados; ela segura as minhas mãos, cada mão sua segura uma das minhas. Isto pretende demonstrar que somos uma mesma carne, um mesmo ser. Significa, na verdade, que é ela quem controla o processo e, consequentemente, o produto. Se houver. Os anéis de sua mão esquerda me machucam os dedos. Talvez uma vingança, talvez não. Minha saia vermelha está arregaçada até a cintura, apenas. Abaixo dela, o Comandante fode. O que ele fode é a parte inferior do meu corpo. Não digo que faça amor, pois não é o que faz. Copular também seria inexato, uma vez que implica em duas pessoas e, neste caso, só há uma envolvida. Nem estupro refletiria a verdade: nada aqui se faz sem minha anuência. A escolha não era muita, mas havia alguma; e foi isto que eu escolhi. (...) O que acontece agora neste quarto (...) não tem nada de excitante. Não tem nada a ver com paixão, amor, romance ou qualquer dos conceitos que usávamos para nos estimular. (...) Isto aqui também não é recreação. Nem mesmo para o Comandante. É um assunto sério. O Comandante também está cumprindo com seu dever. (ATWOOD, 2017, p. 104-105)
A autora deixa claro o cenário descrevendo como as mulheres eram tratadas, as mesmas eram escravas reduzidas a um mundo restrito e vazio sem nenhuma liberdade, recebendo ordem sobre tudo como nos tempos antigos.
Offred deixa claro que não se trata de estupro, pois não tinha nada feito sem seu consentimento, o que estava acontecendo é somente o dever dela com a nação, o dever que foi imposto sem nem mesmo ser perguntado, sem nem mesmo dá a oportunidade de se manifestar a respeito, ficando assim obrigada a escolher entre viver e ser aia e sofrer todos os abusos possíveis dos seus direitos mais básicos, ou morrer de forma cruel definhando nas colônias, que era o lugar para onde iam as pessoas que eram banidas, funcionava como uma sentença de morte, pois nas colônias o alto índice de radiação a que eram expostos sabia que não viveriam muito e logo sentiria o efeito da radiação: como perca dos dentes, queda de cabelo, cansaço profundo, além de serem tratados como animais, sem nenhum dos direito mais básicos para sobreviver, a comida era como lavagem para porcos. No trecho do livro abaixo fica claro em como as mulheres aceitam esse fardo, de que elas são as culpadas de não gerarem filhos como deveria, ficando elas submetidas a esse regime totalitarista, a saber:
Talvez ele não possa – diz ela. Não sei a quem está se referindo. Quer dizer o Comandante ou Deus? Se for Deus, deveria dizer queira. De todo modo, é heresia. São só as mulheres que não podem, que permanecem teimosamente fechadas, danificadas, defeituosas. (ATWOOD, 2017, p. 243)
Resta evidente como o governo utiliza a bíblia como um meio de ludibriar as mulheres fazendo com que elas acreditem que o fracasso em não ter filhos está nelas, pois os homens são seres a imagem e semelhança de Deus tornando, portanto eles perfeitos.
As opções que o novo governo deu para as mulheres não são das melhores, Offred então escolhe lutar por sua filha que lhe foi tirada, e por sua liberdade, mesmo vivendo em uma verdadeira prisão, para isso é mais sensato que se torne uma aia para ter a possiblidade de reencontrar sua família e é esse objetivo que a mantém viva e observadora de tudo que a cerca, buscando uma alternativa.
3 PENAS DE MORTE AOS TRAIDORES DE GÊNERO
No governo de Gilead, mulheres e homens homossexuais são considerados “traidores de gênero”; os homens gays e algumas mulheres lésbicas são executados, pois ser homossexual para o novo Governo é considerado um crime capital. Emily e Moira, personagens lésbicas do livro, não são mortas porque elas são férteis e, portanto, são perdoadas de seus pecados ao servirem como aias.
Quando as execuções vão realmente começar, eis o que Offred conta:
Já vi isso antes, o saco branco enfiado na cabeça, a mulher sendo ajudada a subir no tamborete alto, como se fosse o degrau de um ônibus, enquanto a seguram para não cair; a laçada sendo ajustada delicadamente em volta do pescoço, como uma peça de roupa; o tamborete chutado para longe. Ouvi o prolongado suspiro que se eleva ao meu redor, um suspiro que parece o ar escapando de um colchão inflável: vi Tia Lydia tapar o microfone com a mão, para abafar os sons que vêm de trás dela; me debrucei para segurar a corda à minha frente, com as duas mãos, junto com as outras, a corda de fibras longas, pegajosa de piche amolecido pelo sol, levando depois a mão ao coração, para demonstrar minha comunhão com as Salvadoras e o meu consentimento, minha cumplicidade na morte desta mulher. Vi os pés que se debatem, e as duas mulheres de preto que agora os seguram, puxando-os para baixo, com toda a força. Não quero ver mais. Em vez disso, olho para a relva. Descrevo a corda. (ATWOOD, 2017, p. 292):
O que acontece é uma verdadeira crueldade em praça pública, onde os criminosos são expostos à vergonha pública, ao asco da população, e ao terror, pois alguém da multidão que assiste poderá estar em seu lugar nas próximas vezes. Após a morte das mulheres, as aias presentes recebem outro condenado, um homem considerado um estuprador. “(...) A penalidade por estupro, como vocês sabem, é a morte. Deuteronômio 22.23-29 (...)” (ATWOOD, 2017, p. 294).
Diz Tia Lydia, enquanto incita todas as aias à violência. De acordo com ela, a aia violentada estava grávida, e o bebê morreu. “(...) O bebê também, depois de tudo que temos que enfrentar! É verdade, existe uma sede de sangue: quero rasgar, furar, dilacerar.” (ATWOOD, 2017, p. 294).
Quando a fúria das mulheres chega ao máximo, elas são liberadas para fazer justiça com as próprias mãos. “(...) Agora se ouvem sons, resfôlegos, um barulho baixo que lembra um rosnado, gritos, os corpos vermelhos se projetam para frente, não vejo mais nada, ele fica escondido pelos braços, punhos, pés. Um grito penetrante se eleva de algum lugar (...)” (ATWOOD, 2017, p. 295).
Esse retrocesso tem a ver com a necessidade de se estabelecer exemplos a partir do estímulo visual e do medo, expondo o corpo em um muro que todos vejam:
Paramos ao mesmo tempo, como quem obedece um sinal; e ficamos olhando para os corpos. Não tem importância que olhemos: é para isso que eles estão aqui, pendurados no Muro. Às vezes ficam pendurados aqui por vários dias, até chegar uma nova leva, para que o maior número possível de pessoas tenha a oportunidade de vê-los (ATWOOD, 2017, p. 39).
Percebe, assim, que a Bíblia não é um livro sagrado que poderá trazer salvação espiritual para a humanidade, mas sim um livro de castração, de controle e opressão, no qual estão escritos os ditames da vida perfeita. Pois até os padres são condenados à morte, vestidos nas suas batinas para sinalizar quem é e porque está ali. A única fé que pode ser expressa é a dos comandantes de Gilead, os demais são perseguidos e seus adeptos são mortos em praça pública para servirem de exemplos dos quais:
Há três novos corpos no muro. Um é de um padre ainda vestido a batina preta. A batina foi posta para o julgamento, embora tenham desistido de usá-las há anos, quando a guerra entre as seitas começaram. (ATWOOD, 2017, p. 55).
O resultado disso é o medo e o desejo de possuir sempre mais, e delimitar poder aos homens. Na obra o poder é tirado das mulheres ficando elas sujeitas ao papel social definido por eles, estando elas inclusive separadas por castas, deixando bem claro que o lugar das mulheres é na esfera privada, ou seja, dentro de casa cuidando do lar, não havendo assim nenhuma relação das mulheres com a esfera pública, sendo tirado seu direito ao voto, a ler ou até mesmo de se comunicar entre elas, seus corpos pertencem a Gilead.
A pena de morte ao homossexual relatada no livro fere o princípio a dignidade da pessoa humana, infringindo assim direitos iguais a todos independentemente cor, raça ou orientação sexual. Vislumbra-se assim, que as mulheres se tornam um bem para a nova sociedade, sendo elas sujeitas aos novos costumes e crenças, não podendo assim escolher como quer viver ou com quem se relacionarem, estas são apenas objetos que devem cumprir o que o novo governo ordena sem nenhuma resistência.
4 PROIBIÇÃO DO DIREITO A EDUCAÇÃO DAS MULHERES
No universo de Gilead, mulheres não são permitidas a ler e ter qualquer tipo de acesso à educação. Assim que o golpe no Estado é executado onde ocorre quando é fuzilado o Presidente da República e o Congresso Nacional, toda a realidade muda e acadêmicos e cientistas são assassinados. A partir deste momento, somente alguns homens de classes altas passam a ter acesso à educação; de modo que, mulheres e meninas que sejam vistas lendo algo são gravemente punidas. A proibição de ler é tão grande que as mulheres fazem compras com senhas com desenhos do que irão comprar nunca palavras. Nem mesmo a leitura da Bíblia é permitida as mulheres.
Conforme Carol Correia (2018) não é novidade alguma que conhecimento é poder, é uma das poucas formas de ascender socialmente. Afinal, conhecimento implica em saber que há opções. Logo, uma forma de reduzir direitos das mulheres e meninas é comprometer a educação destas.
Em um contexto onde a linguagem é fator de enorme destaque, são imprescindíveis que se entendam as implicações de tais apropriações. Durante toda a obra é apresentado um cenário no qual as mulheres perderam o direito à linguagem, consequentemente: leitura e fala sendo proibidas de ler, escrever, e até mesmo falar abertamente umas com as outras, o uso do discurso se torna uma forma de controle sobre elas.
No decorrer da história fica claro que Offred tem total conhecimento do poder da linguagem. A necessidade de considerar cuidadosamente a forma como responder a Serena Joy ou falar com Ofglen, e de como se comportar perto de Nick, incluindo ainda a linguagem corporal, a importância dada à mensagem deixada pela Offred anterior e até mesmo à almofada onde está escrito “fé”, o pedido feito ao Comandante para que tivesse acesso à leitura, e o fato de fazer constante menção à história que está contando, mostram a sua ligação com a linguagem e a consciência de sua importância. É por meio da linguagem que Offred tenta reconstruir sua própria subjetividade:
Sento-me na cadeira e penso na palavra cadeira. Também pode significar o lugar ocupado pelo líder que preside uma reunião: ocupa a cadeira da presidência. Também pode significar um instrumento para execução de condenados. É a primeira sílaba de caridade. Em inglês cadeira é chair, que é a palavra francesa que significa carne. Nenhum desses fatos tem qualquer ligação com os outros. Esses são os tipos de litanias que uso, para me compor. (ATWOOD, 2017, p. 134).
É como a impressão de uma mão na pedra. “Quem quer que tenha feito aquilo algum dia esteve vivo.” (ATWOOD, 2017, p. 138). Sendo assim, o objetivo de Offred ao contar sua história é, provavelmente, o de manter sua subjetividade, se fixar como um ser que já esteve vivo na história, e reivindicar seu direito à linguagem mais uma vez.
Mesmo ela estando dentro desta sociedade ela nos mostra que ainda se lembra dos tempos que tinha a liberdade de trabalhar, estudar, ter seu próprio dinheiro, mas com lapsos de memória que a fazem questionar se esses comportamentos eram realmente certos, se essa liberdade que ela tinha em fazer as suas escolhas, não a deixam ter comportamentos repreensíveis.
A maneira deplorável e exibida com que as mulheres costumavam se comportar. Passando óleo no corpo como se fossem carne assada num espeto e de costas e ombros nus, na rua, em público, e as pernas, sem nem sequer meias finas a cobri-las, não é de admirar que aquelas coisas costumassem acontecer. (ATWOOD, 2017, p. 69).
Como mostra o trecho acima observa-se a instrução pelo novo governo, começando a imaginar que a culpa é das mulheres, como sendo esse seu destino, sendo ensinadas que elas só serviam de reprodutoras para a classe que estava no poder. Para Gilead as mulheres eram apenas donas de casas, se tornaram tão insignificantes que não poderiam mais ter acesso à leitura, ou expor seus pensamentos, nem mesmo as mulheres dos comandantes tinham permissão para ler só quem podia ler eram os homens, até mesmo a bíblia que era por ordem eles justificavam seus novos costumes e pensamentos eram proibidos por eles.
Esse método utilizado era uma forma de manipular a mulheres, e não deixá-las ter informações sobre o mundo exterior já que os jornais eram todos censurados e a notícia dada por eles eram de acordo com o que o governo aceitasse e achasse seguro para a população saber.
Pelo exposto, nota-se que privar as mulheres da leitura era uma estratégia de se manter no poder, porque ao longo da historia do mundo sabemos como a leitura e a informação e fonte de libertação e motivos para impulsionar uma sociedade que tem opções que não seja só aquela dada pelo novo governo.
5 VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS
Como relatado durante todo o texto fica claro que há Violação da Dignidade da Pessoa Humana, já que depois do golpe dado pelo os chamados filhos de “Jacó” aqueles que não ocupavam cargos importantes como o de comandante vivia com medo e sendo vinte e quatro horas por dias monitoradas sejam pelas câmaras ou pelos agentes que eles chamavam de olho, mas a vigilância mais acirrada era em cima das mulheres, segundo eles as mulheres carregavam o futuro da nação.
O novo Estado se estabelece no momento em que eles metralham o então atual presidente e todo o congresso, vindo assim ser suspensa a Constituição, declarando assim estado de emergência, passando a haver censura nos meios de comunicação.
A luz da nossa carta magna a Constituição Federal fica claro que os direitos do artigo 5º foram violados.
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição (Grifos nossos).
Conforme o artigo acima citado e a parte grifada para da ênfase que todos são iguais independente de ser homem ou mulher, que não deve ser feita distinção e que serão respeitados seus direitos e acima de tudo a Constituição vigente para justamente tentar impedir o que a autora menciona no livro, como o golpe e todos os direitos tirados das mulheres por acharem que o sexo masculino é superior.
No livro relata que as aias só podem sair para fazer compras e em pares, pois uma vigia a outra como forma de coagir a tentativa de fuga, pois se uma fugir e a outra ficar ela responderá pelo erro de sua parceira.
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; (Grifos nossos).
De acordo com o inciso acima citado, ser privado dos seus direitos por conta de crença religiosa é uma discriminação e viola os direitos humanos, como vemos na obra as mulheres são privadas dos seus direitos mínimos por conta do que o novo governo acredita. Não podendo ter uma propriedade privada não podem trabalhar e consequentemente não podem ter acesso a dinheiro, ficando, portanto nas mãos deles para tudo que elas precisassem. Nos ensinamento de Morais (2011):
A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (MORAES, 2011, p. 61).
É notório, portanto que de acordo com Moraes (2015) o ser humano tem que ter o mínimo dos seus direitos respeitados, que mesmo nas situações excepcionais devem ser mantidos os direitos fundamentais e respeitados para que se mantenha a dignidade humana e para que não tente fazer como se relata no livro um verdadeiro regime totalitário onde só que eles querem e são merecedores de direitos. Conforme salienta Álvaro Villaça de Azevedo (2010):
A dignidade da pessoa humana insere-se no texto constitucional como uma cláusula geral a que se subordinam todos os outros direitos da personalidade, quer sejam típicos como os previstos expressamente no texto da Constituição, tais como o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (artigo 5º, caput), à liberdade de consciência e de crença (artigo 5º, inciso VI), entre outros; quer sejam atípicos não previstos no ordenamento jurídico (2010, p. 17).
Na sociedade totalitária imposta na obra onde é realizada pelos filhos de Jacó e as imposições feitas por estes são: dividir as mulheres em castas (Aias e Martas), fica totalmente claro a violação ao principio da dignidade humana e aos direitos humanos como também a autonomia de vontade, de forma mais extrema como não ter mais direito a ter nome, pois elas passam a usar o nome do comandante em que ela esta lotada, ou o direito ao seu corpo tudo em nome da religião, sem contar ainda como elas são tratadas antes de serem levadas aos seus postos, viviam em lugar que antes era um estágio, com direito a sair pra pegar sol uma vez por dia e eram castigadas severamente pelas tias de ousassem a descumprir as regras ou falar algo que já não era mais aceito na nova sociedade.
A obra o Conto da Aia nos mostra sob o olhar de Offred o seu dia a dia relatando todos os detalhes e sofrimento de uma forma impactante, que deixa o leitor preso a obra e indignado como os direitos mais fundamentais para a sobrevivência do ser humano são violados, a falta de liberdade, de escolha, não ter poder sobre seu próprio corpo, viver em função de uma nação que divide as mulheres em casta, atrocidades feitas em nome da religião e que comandantes governam de acordo com o que eles acham que é certo, tirando delas o direito de escolha, e os direitos essenciais que essas já possuíam.
O País sai do regime democrático e passa para o regime totalitário, onde o poder está nas mãos dos homens. A obra mostra que o Governo passa e ser instrumento controlador do Estado e esse controle são exercidos sobre as mulheres, melhor dizendo sobre sua sexualidade e reprodução.
Tem-se, portanto em análise da carta magna como a violação da dignidade da pessoa humana apontada no livro, descrita por Offred. A desigualdade de gênero em Gilead mostrada ao longo da narrativa que as mulheres são colocadas em posição inferior aos homens pelo próprio regime imposto a sociedade. A dignidade da pessoa humana que é um dos princípios mais valorizados por nossa Constituição Federal e que foi substituído por crenças, castigos em nome da bíblia e crueldades em nome de um Deus.
É necessário que a sociedade supere a ideia antiquada que papel da mulher é no lar cuidando dos filhos e do marido. As mulheres vêm lutando por seus direitos e ocupando lugares ganhando espaço na sociedade, mesmo com dificuldades as mulheres estão ganhando seu espaço e lutando por seus direitos.
Felizmente a obra se trata de uma ficção, mas é importante ficar em alerta para que realmente não passe de uma ficção, pois na atual sociedade ainda existem traços da obra que não podem ser desconsiderados e que nos sirvam como uma alerta.
Dessa forma, reforça-se a reflexão sobre até que ponto está perpetuando uma cultura que prega a inferioridade da mulher, e que, a impossibilidade de se imaginar um futuro diferente não representa apenas uma característica do gênero, mas também a reeducação da sociedade diante da cultura patriarcal.
REFERÊNCIAS
ALCADIPANI. O machismo leva a culpabilização da vítima. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2016-09/machismo-leva-culpabilizacao-da-vitima-de-violencia-sexual-diz. Acesso em 13 de Novembro de 2019.
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BEAUVOIR, Simone de.P Segundo Sexo, Vol.2: A Experiência Vivida, Difusão Européia do Livro, 2016;
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[1] Orientadora, Professora do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho, Mestre em letras pela Universidade Federal do Piauí.- UFPI E-mail: [email protected].
Graduanda do curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostino – UNIFSA – Teresina-PI.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PENHA, Odilany dos Santos Silva. Violação aos direitos das mulheres: uma análise literária sobre o conto da AIA Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 dez 2019, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53924/violao-aos-direitos-das-mulheres-uma-anlise-literria-sobre-o-conto-da-aia. Acesso em: 23 dez 2024.
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