Um assunto pouco destacado na prática forense é a diferença entre a litigância de má-fé e o ato atentatório à dignidade da justiça. São institutos que tem sim certa relação, mas que não se confundem.
No presente artigo, pretende-se analisar em detalhes a litigância de má-fé e o ato atentatório à dignidade da justiça, ressaltando as suas diferenças, à luz do CPC/15, que tratou de forma detalhada esses institutos.
Ato atentatório à dignidade da justiça
Para falarmos de ato atentatório à dignidade da justiça, é importante contextualizar o assunto. No âmbito da relação jurídica processual, as partes devem se comportar de forma cooperativa, proba, respeitando-se a boa-fé objetiva no âmbito da relação processual, até a efetiva resolução do conflito.
Para tanto, o art. 77 do Código de Processo Civil – CPC/15 fixou alguns deveres que devem ser aplicados às partes, aos procuradores e a todos aqueles que, de algum modo, participam do processo.
Leia, atentamente, o art. 77 do CPC/15:
“CPC/15
Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;
III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;
IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;
VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.
Em resumo, consoante o art. 77 do CPC/15, as partes têm 3 (três) deveres básicos: dever de probidade, dever de veracidade e dever de lealdade e de boa-fé.
E se a parte não cumprir esses deveres, qual a penalidade? É a partir desse ponto que vamos abordar um dos temas do presente artigo, que é o ato atentatório à dignidade da justiça, pois a violação aos deveres acima pode caracterizar o ato atentatório à dignidade da justiça.
Primeiramente, o juiz deve advertir de que o não cumprimento das decisões jurisdicionais, a criação de embaraços à efetivação do processo (inciso IV do art. 77 do CPC/15) ou a inovação ilegal no estado de fato ou de bem litigioso (inciso VI do art. 77 do CPC/15) - são condutas que podem ser punidas como ato atentatório à dignidade da justiça. É o que prevê o §1º do art. 77 do CPC:
“CPC/15
Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
(...)
§ 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça.
Se mesmo advertida, a parte violar o disposto nos incisos IV e VI acima citados, o juiz deve aplicar multa de até 20% do valor da causa (veja que o valor da multa pode ser de qualquer percentual, só não pode ser maior que 20% do valor da causa). Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa em razão da prática de ato atentatório à dignidade da justiça poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.
Essa multa deve levar em consideração a gravidade da conduta e ela é aplicada sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, conforme previsão do §2º do art. 77 do CPC/15, observe:
“CPC/15
Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
(...)
§ 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.”
Para a aplicação dessa multa, não importa se a parte é vencedora ou devedora da demanda. Se ela violou ao disposto nos incisos IV e VI do art. 77 do CPC/15, tal violação caracteriza o ato atentatório à dignidade da justiça e ela deve ser penalizada com a aplicação da multa. O representante judicial (advogado) da parte multada, não pode ser compelido a cumprir a decisão em seu lugar (§8º do art. 77 do CPC/15), pois o advogado apenas representa a parte e a multa é aplicada por uma conduta da parte.
Outra ressalva muito importante que o CPC/15 trouxe de forma expressa: essa multa não se aplica aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público, devendo eventual responsabilidade disciplinar desses agentes ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará.
Prosseguindo. Se a multa não for paga no prazo fixado pelo juiz, tal multa será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento da execução fiscal, revertendo-se aos fundos de modernização do Poder Judiciário, previsto no art. 97 do CPC/15.
Aqui um outro ponto muito importante: a multa decorrente do ato atentatório à dignidade da justiça não é revertida para a parte contrária e sim destinada ao Estado, que o direciona ao fundo de modernização do Poder Judiciário previsto no art. 97 do CPC/15.
Ainda sobre o assunto, esclarece o §4º do art. 77 do CPC/15 que poderá haver a cumulação de outras sanções (criminais, civis e processuais), bem como a cumulação com outras multas, como aquela prevista no art. 523, §1º do CPC/15 (multa punitiva pelo não cumprimento espontâneo da sentença no prazo de 15 dias) e a multa do art. 536, §1º do CPC/15 (multa coercitiva quando a sentença não tiver um valor pecuniário, mas determinar alguma obrigação de fazer ou não-fazer).
Por fim, temos que, constatada a prática de ato atentatório à dignidade da justiça, além da imposição da multa, o juiz poderá adotar duas providências, conforme o §7º do CPC/15: i) determinar o restabelecimento do estado anterior do processo e ii) proibir a parte de falar nos autos até a purgação do atentado.
Litigância de má-fé
Além dos deveres, as partes possuem responsabilidades no processo. Os arts 79 e 80 do CPC/15 dispõe sobre as responsabilidades das partes por dano processual. E o que é o dano processual? O dano processual é aquele resultante da litigância de má-fé.
Nesse contexto, preconiza o art. 79 do CPC/15 que responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente. E quais são as condutas que caracterizam a litigância de má-fé? A resposta está no art. 80 do CPC/15, o qual aduz que se considera litigante de má-fé aquele que:
“CPC/15
Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II - alterar a verdade dos fatos;
III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI - provocar incidente manifestamente infundado;
VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.”
Esse rol constante no art. 80 do CPC/15 é exemplificativo, pois ao longo do CPC/15 há outras hipóteses de litigância de má-fé, como a prevista no art. 142 do CPC/15.
Pois bem. Havendo litigância de má-fé, o juiz ou tribunal, de ofício a requerimento, condenará o litigante em multa de 1 a 10 % do valor da causa corrigida, sem prejuízo da indenização à parte contrária dos prejuízos que está sofreu somada a todas as despesas (custas e honorários). Se o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até 10 vezes o valor do salário mínimo.
Essa indenização será arbitrada pelo juiz e, não sendo possível fixá-la, se procederá a liquidação (arbitramento ou procedimento comum) nos mesmos autos. Caso haja mais um litigante de má-fé, o juiz proporcionalmente condenará cada um de acordo com seu interesse na causa e solidariamente aqueles que agiram em conluio para lesar a parte adversa.
Conclusão
Feita essa explanação, observa-se, com clareza, que a litigância de má-fé e o ato atentatório à dignidade da justiça não se confundem.
A diferença fundamental é que, no caso do ato atentatório à dignidade da justiça, o dano é causado ao poder judiciário e a multa é revertida para o fundo de modernização do poder judiciário. De outro lado, na litigância de má-fé, o dano é causado a parte contrária e a multa é revertida em favor da parte que sofreu o dano.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: Acesso em: 10 Junho 2019.
BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.
DIDIER JR., Fredie. Novo Código de Processo Civil de 2015 - Comparativo com o Código de 1973. Salvador: Juspodivm, 2016.
GOUVEIA, Lúcio Grassi. A função legitimadora do princípio da cooperação intersubjetiva no Processo Civil Brasileiro. Revista de Processo, n. 172.
MACEDO, Rommel. Advocacia-Geral da União na Constituição de 1988. São Paulo: LTr, 2008.
MARINONI, Luiz Guilherme. CPC Comentado. 3ª Edição. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2016.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, 2016.
Bacharel em Direito pela Universidade Paulista – UNIP. Bacharel em Letras-Português pela Universidade de Brasília –UnB. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá. Foi escriturária do Banco do Brasil no período de 2010 a 2011. Foi técnica judiciária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios em 2013. Foi analista processual do Ministério Público da União no período de 2013 a 2017, ocasião em que atuou como analista processual na Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região – PRT/MPT. Atualmente, é membro da Advocacia-Geral da União - AGU, instituição na qual atua como Advogada da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Erica Izabel da Rocha. As diferenças entre a litigância de má-fé e o ato atentatório à dignidade da justiça à luz do CPC/15 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 dez 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53974/as-diferenas-entre-a-litigncia-de-m-f-e-o-ato-atentatrio-dignidade-da-justia-luz-do-cpc-15. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Precisa estar logado para fazer comentários.