A Constituição Federal é o ápice do ordenamento jurídico, devendo o Código de Processo Civil obedecer aos seus preceitos, tal como estabelece o artigo que inaugura a legislação processual, a saber:
“CPC/15.
Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.
O CPC/15 elenca nos arts. 1º ao 12 as normas fundamentais do processo civil, que são desdobramentos e concretizações de normas previstas na Constituição Federal.
As normas fundamentais do processo civil são aquelas normas que estabelecem valores que lhe são importantes e fundamentais para a estruturação do sistema – um tema muito recorrente em provas de concurso público.
No presente artigo, vamos analisar duas importantes normas fundamentais previstas no art. 9º e 10 do CPC/15, que detalham o princípio do contraditório consagrado na Constituição Federal.
Contraditório prévio
O princípio do contraditório está consagrado expressamente na Constituição Federal, no art. 5º, inc. LV, que assim dispõe:
CF/88.
V - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Em linhas gerais, o princípio do contraditório é uma garantia de conhecimento da demanda e dos atos processuais. Além disso, esse princípio também é uma garantia de influência e participação na construção da decisão judicial.
Destrinchando esse princípio do contraditório, observamos que ele está alicerçado em três premissas elementares: i) primeiramente, para se operacionalizar o contraditório, faz-se necessário que as partes tenham CONHECIMENTO do processo e dos atos processuais; ii) em seguida, tendo conhecimento da demanda, as partes devem ter instrumentos para PARTICIPAR do processo e iii) além de participar, devem poder INFLUENCIAR o tomador da decisão judicial.
Portanto, o princípio do contraditório não é só uma garantia de conhecimento do processo, somado à possibilidade de reação, ele deve ser entendido também como o direito de influenciar na formação da convicção do juiz ao longo do processo.
Historicamente, a doutrina analisa este princípio sob 2 óticas: o contraditório formal e o contraditório material/substancial.
Sob a perspectiva do contraditório formal, basta que as partes tenham ciência do processo, para que elas possam tempestivamente se manifestar. Já sob a dimensão substancial, não basta haver a participação e reação da parte, mas também deve ser garantido a efetiva influência na construção da decisão judicial.
Para o Novo do Código de Processo Civil, o contraditório não deve ser meramente formal, mas sim efetivo e substancial. Isso significa que o resultado do processo deve ser fruto de intenso debate e da efetiva participação dos interessados, de modo que possam influenciar na decisão do juiz.
O art. 9º do CPC/15 replica esse princípio constitucional, ao estabelecer que:
CPC/15.
Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Assim, temos que o princípio do contraditório deve ser compreendido como o direito de influir e participar da construção da decisão judicial previamente à tomada dessa decisão. Não é suficiente que a possibilidade de reação seja oportunizada após a decisão, ela deve ser, via de regra, prévia.
No entanto, essa exigência do contraditório prévio não é absoluta, e a lei processual traz três situações em que o contraditório prévio pode ser relativizado, ou seja, o contraditório será exercido posteriormente e não previamente. Observe que o contraditório continua a existir, pois é uma garantia constitucional, ele não será suprimido e sim realizado em um momento posterior.
Nesse contexto, de acordo com o parágrafo único do art. 9º do CPC/15, o juiz poderá conceder a tutela, sem que a outra parte seja previamente ouvida, em 3 (três) situações:
I – Tutela provisória de urgência
II- Tutela provisória de evidência
III – Ações monitórias
Quanto à primeira hipótese, o perfazimento do tempo é incompatível com a situação a ser tutelada. Assim, havendo urgência, faz-se necessário que a decisão judicial também seja proferida de modo célere, e a tutela provisória de urgência poderia ser prejudicada caso tivesse que se operacionalizar o contraditório prévio.
Quanto à segunda situação, o contraditório prévio também será excepcionado no caso da tutela provisória de evidência, pois se o juiz constatar a evidência do direito do autor, com altíssima probabilidade da sua vitória, ele pode conceder o direito ao autor, por meio da tutela provisória de evidência, sem a prévia oitiva do réu.
A terceira exceção diz respeito às ações monitórias. Recapitulando em breves linhas, a ação monitória está disciplinada nos art. 700 a 702 do CPC/15. Ela consiste em um procedimento especial de jurisdição contenciosa utilizado por aquele que possui título executivo extrajudicial sem eficácia executiva, mas que pretende cobrar ou exigir alguma obrigação constante deste título.
No caso, sendo evidente o direito do autor da ação monitória, o contraditório prévio pode ser afastado pelo juiz, ficando autorizada a expedição do mandado monitório ao réu antes que ele seja previamente ouvido. Observe que essa decisão não é definitiva e mesmo que proferida antes da oitiva do réu, ela não suprime o seu direito ao contraditório, que será exercido em momento posterior.
Vedação às decisões surpresa
Dispõe o art. 10 do CPC/15 que é necessário que haja prévio debate pelas partes antes do proferimento da decisão judicial, ainda que se trate de matéria sobre o qual possa ser decidida de ofício. Esse dispositivo veda as decisões-surpresa, também denominada de decisão de terceira via.
Observe:
CPC/15.
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
Nesse sentido, essa norma fundamental garante que apenas os argumentos e fundamentos submetidos à manifestação precedente das partes podem ser aplicados pelo julgador. Se não foram debatidos, o juiz deve determinar a intimação dos interessados para que se pronunciem sobre a questão não debatida que pode, eventualmente, ser objeto de deliberação judicial.
Essa proibição de decisão surpresa assegura às partes o direito de serem ouvidas de maneira antecipada sobre todas as questões relevantes do processo, ainda que passíveis de conhecimento de ofício, em obediência ao princípio ao contraditório.
Por exemplo: as partes discutem uma determinada cláusula de um contrato à luz do Código Civil -CC. Assim, não pode o juiz, de forma surpreendente, julgar que deve ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor -CDC, pois não oportunizou o contraditório. Deveria, antes de julgar nesse sentido, ter intimado previamente as partes para se pronunciarem sobre a aplicação do CDC ao caso concreto em discussão.
A consequência do descumprimento dessa importante norma fundamental é a nulidade da decisão, por descumprimento ao art. 10 do CPC/15.
O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se pronunciar sobre o assunto no RECURSO ESPECIAL Nº 1.676.027, invocando como razão de decidir o princípio ora analisado. No caso, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região terá que julgar novamente uma ação extinta sem julgamento de mérito por insuficiência de provas.
De acordo com a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, o fundamento adotado pelo TRF-4 não foi previamente debatido pelas partes ou objeto de contraditório preventivo, o que é vedado pelo Código de Processo Civil de 2015. Nas exatas palavras do Ministro Relator, Ministro Herman Benjamin, a partir do CPC/2015 mostra-se vedada decisão que inova o litígio e adota fundamento de fato ou de direito sem anterior oportunização de contraditório prévio, mesmo nas matérias de ordem pública que dispensam provocação das partes.
Ressaltou que somente argumentos e fundamentos submetidos à manifestação precedente das partes podem ser aplicados pelo julgador, devendo este intimar os interessados para que se pronunciem previamente sobre questão não debatida que pode eventualmente ser objeto de deliberação judicial.
Feitas essas considerações, sobre o art. 10 do CPC/15 – que traz a vedação às decisões surpresas, temos que sempre que o juiz for decidir com base em fundamento não invocado ou debatido pelas partes, deve obrigatoriamente abrir oportunidade para anterior manifestação dos demais sujeitos processuais principais, sem que isso implique restrição aos seus poderes jurisdicionais.
Caso a decisão seja proferida sem que a parte se manifeste sobre um determinado fundamento utilizado como razão de decidir, a decisão será nula – como já reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: Acesso em: 10 Junho 2019.
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Bacharel em Direito pela Universidade Paulista – UNIP. Bacharel em Letras-Português pela Universidade de Brasília –UnB. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá. Foi escriturária do Banco do Brasil no período de 2010 a 2011. Foi técnica judiciária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios em 2013. Foi analista processual do Ministério Público da União no período de 2013 a 2017, ocasião em que atuou como analista processual na Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região – PRT/MPT. Atualmente, é membro da Advocacia-Geral da União - AGU, instituição na qual atua como Advogada da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Erica Izabel da Rocha. CPC/15: Contraditório prévio e a vedação às decisões surpresa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 dez 2019, 04:58. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53975/cpc-15-contraditrio-prvio-e-a-vedao-s-decises-surpresa. Acesso em: 23 dez 2024.
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