RESUMO: A investigação criminal no Brasil é objeto deste estudo, enfocando-se em um tema que tem levantado discussões recentemente no Ordenamento Jurídico, dividindo opiniões em relação ao uso de informações obtida em aparelhos celulares apreendidos como meio de prova em investigação criminal. Nesse contexto, este estudo tem como objetivo geral analisar o uso de informações obtidas de aparelhos de celular apreendidos em investigações criminais no Sistema Processual brasileiro. Para tanto, utilizou-se como metodologia foi realizado um estudo bibliográfico, buscando em livros, revistas, artigos e sites relacionados ao assunto, buscando-se o embasamento teórico necessário ao estudo, fazendo uma abordagem qualitativa dos dados coletados. Ao final do estudo verificou-se que se tratando da Constituição Federal, é indiscutível o direito básico e fundamental do cidadão a inviolabilidade das informações de aparelho celular, bem como a interceptação de outros meios de comunicação sem prévia ordem da justiça. Constata-se ainda que para que ocorra o acesso aos dados do aparelho celular qualquer que seja a circunstância, a autoridade policial deve seguir fielmente a determinação da Lei Maior que resguarda os direitos e garantias do cidadão quanto a inviolabilidade.
Palavras-chave: Investigação Criminal. Aparelhos Celulares. Ilegalidade. Provas. Garantias Constitucionais
ABSTRACT: Criminal investigation in Brazil is the object of this study, focusing on a topic that has recently raised discussions in the Legal System, dividing opinions regarding the use of information obtained from mobile devices seized as evidence in criminal investigation. In this context, this study aims to analyze the use of information obtained from mobile phones seized in criminal investigations in the Brazilian procedural system. For that, it was used as methodology a bibliographic study was carried through, searching in books, magazines, articles and websites related to the subject, seeking the necessary theoretical basis for the study, making a qualitative approach of the collected data. At the end of the study it was found that in the Federal Constitution, the basic and fundamental right of the citizen is unquestionable the inviolability of cell phone information, as well as the interception of other media without prior order of justice. It is further noted that in order for access to data from the mobile device to occur under any circumstances, the police authority must faithfully follow the determination of the Major Law that safeguards the rights and guarantees of the citizen regarding inviolability.
Keywords: Criminal Investigation. Mobile devices. Illegality. Evidences. Constitutional Guarantees.
1 INTRODUÇÃO
A investigação criminal no Brasil é objeto deste estudo, enfocando-se em um tema que tem levantado discussões recentemente no Ordenamento Jurídico, dividindo opiniões em relação ao uso de informações obtida em aparelhos celulares apreendidos como meio de prova em investigação criminal.
Para Ferrajoli (2002), o desenvolvimento de um processo de modo respeitoso dos direitos fundamentais, encontra-se intimamente ligado com a busca da verdade acerca de uma hipótese delitiva, a qual se impõe – diante de um Estado de Direito – como indispensável requisito a dar guarida à dignidade humana constituindo-se, na ótica do precursor, da “teoria do direito” – em verdadeiro princípio garantista a salvaguardar os direitos humanos, que aparecem – particularmente no processo penal – altamente comprometidos diante das consequências danosas que lhes pode acarretar. Configura-se como uma crítica ao atual Direito Penal, que apesar de se caracterizar normativamente como garantista, apresenta tendências em atender ao interesse de determinados setores.
Assim, as dúvidas giram em torno das garantias fundamentais dos indivíduos, em relação à invasão de privacidade e violação de sigilo sem prévia autorização judicial, o que instiga a realização de estudos sobre o assunto, sendo ele apontado até então como controverso.
Provas ilícitas e provas ilegítimas são espécies de gênero prova vedada, caracterizadas pela infração de normas legais ou de princípios gerais do ordenamento, da natureza processual ou material. O ponto chave da questão relaciona-se à natureza da norma que veda a produção da prova, assim se a norma atingida for de direito material, a violação ofende diretamente os direitos individuais e se a norma violada for de direito processual, está relacionada com finalidades processuais (DUTRA, 2010). Assim, para a distinção dos institutos, a proa ilícita será considerada um ato ilícito e a prova ilegítima será denominada de um ato ilegítimo.
Considerando as controvérsias que envolvem esse tema é possível dizer que trata-se de um assunto de relevância social por envolver os direitos fundamentais dos indivíduos, mesmo aqueles em situação de investigação criminal. E, profissional por ser de interesse dos operadores do Direito leituras que tragam diferentes olhares sobre o assunto.
Nesse contexto, este estudo tem como objetivo geral analisar o uso de informações obtidas de aparelhos de celular apreendidos em investigações criminais no Sistema Processual brasileiro.
Como metodologia foi realizado um estudo bibliográfico, buscando em livros, revistas, artigos e sites relacionados ao assunto, buscando-se o embasamento teórico necessário ao estudo, fazendo uma abordagem qualitativa dos dados coletados.
2 ASPECTOS GERAIS DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E A BUSCA DA VERDADE REAL
O CPP de 1941 denomina a investigação preliminar de inquérito policial em clara alusão ao órgão encarregado da atividade. Inexiste no CPP a definição legal de inquérito policial, mas, ao exame dos art. 4º e 6º deste diploma legal é possível compreendê-lo. O Inquérito Policial não visa a punição, mas tão somente esclarecer a ocorrência delituosa e apontar o respectivo autor, bem como seus atos não obedecem a um rito preestabelecido. O Código de Processo Penal dita determinada normas para se elaborar (proceder, formalizar, realizar) o Inquérito Policial (art. 4º ao 23º).
A ausência de contraditório regular e o poder discricionário exercido pelo Delegado de Polícia descaracterizam-no como processo. Tratando-se, portanto, de um instrumento híbrido regido por normas de natureza procedimental, penal e administrativa. Com isso, o Inquérito Policial não é processo, mas simplesmente um procedimento administrativo de apuração. É considerado um procedimento formal, pois devem ser observadas algumas regras na realização de cada ato e existe uma ordem para início (Portaria ou auto de prisão em flagrante da Autoridade Policial, requisição do juiz ou do Ministério Público, ou requerimento do ofendido ou de seu representante legal), desenvolvendo-se com as demais diligências que se fizerem necessárias e encerrando-se com um relatório final (TOURINHO FILHO, 2003).
No mesmo sentido, Martins (2013) aponta a democracia brasileira como recente, de maneira que práticas autoritárias antigas convivem com as atuais, mesmo que reprovadas pela nova ordem política. Em um cenário autoritário, como uma investigação policial com matriz e mentalidade totalmente inquisitiva, há grande concentração de poderes nas mãos do Estado-Investigador, em detrimento de reduzida, ou mesmo, em alguns momentos históricos, nenhuma densidade de direitos e garantias fundamentais do investigado, sendo o mesmo objetalizado em nome da “busca da verdade”. Concebe-se nesse sistema uma espécie de investigação mítica, cuja missão seria revelar a verdade verdadeira, ou seja, a verdade real, os fatos como realmente aconteceram.
De certa forma imaginam-se poderes transcendentais para a reconstrução do fato de forma que se proporcione uma chancela de certeza absoluta de eles ocorreram exatamente como apurados. Qualquer resultado que não seja a pura realidade do que ocorreu significa um fracasso da investigação e do processo. A permanência da cultura e, acima de tudo, da mentalidade inquisitorial na doutrina e em grande parte dos operadores do Direito, formados nessa cultura, faz com que seja depositado na investigação preliminar, notadamente no inquérito policial, a finalidade e responsabilidade de se extrair uma espécie de verdade plena e absoluta em relação ao fato investigado, havendo íntima ligação com o que a Inquisição trabalhava como sendo “a verdade”, tida como absoluta e inquestionável uma vez que revelada, caracterizando-se como um verdadeiro retorno ao passado para reconstrução dos fatos de forma quase transcendental e religiosa.
Como bem cita Machado (2018), pouco importa nesse sistema a estrutura da investigação preliminar, que em verdade acaba predominando que seja saciada a “fome investigativa do estilo inquisitorial”, denominada assim por Maurício Dieter (2010, p. 48), que explica que “o inquisidor, a partir de meras e infundadas suspeitas, tem o poder de desencadear uma insaciável busca pela verdade oculta, utilizando-se de um vasto repertório para a devassa da intimidade, lugar de segredo a ser desvelado”. Todavia, o caminho percorrido e os métodos utilizados nessa busca por essa verdade real podem apresentar-se como tortuosos. Conforme leciona Machado (2018, p. 59) em tom crítico:
O critério que orienta essa atividade persecutória em busca de revelação de segredos e demarcação de responsabilidades não poderia ser outro. Todas as diligências (buscas domiciliares, interceptações telefônicas, prisões temporárias etc.), inclusive as oficiosas, encontrariam justificativo no famigerado “princípio” (sic) da verdade real.
A jurisprudência e muitos manuais em geral, insistem numa suposta distinção entre a verdade real e a verdade formal, com afirmações de que no Processo Civil, o Magistrado contenta-se com a verdade formal, produzida em contraditório nos autos, enquanto no Processo Penal, não pode contentar-se com uma verdade formal e sim buscar uma espécie de “verdadeira verdade”, como se isso fosse possível. Explicam esse conceito no sentido de que a privação de liberdade exigiria a produção de uma espécie de “verdade absoluta dos fatos”.
O grande problema é que em nome dessa busca desenfreada pela “verdade real” o Estado se hipertrofia e os direitos e garantias fundamentais do investigado se atrofiam, gerando uma espécie de sistema esquizofrênico, uma vez que é como se o Estado se dirigisse ao indivíduo e dissesse: - Vou reduzir o grau de densidade dos seus direitos e garantias fundamentais e em alguns casos até mesmo suprimi-los, pois preciso ter uma certeza quase absoluta de que vou te punir de forma justa. Vale dizer, portanto, que o Estado suprime direitos para buscar maior legitimidade para sua punição sob o argumento de que se estabeleceu com os atos de investigação e, posterior processo, uma espécie de verdade absoluta, a real e, por isso, a punição é justa e devida.
Prado também critica fortemente a retórica da verdade real, mencionando que “inúmeros porta-vozes autorizados do Direito seguem se valendo da retórica da busca da verdade real, contra todas as fortes e consistentes posições teóricas que reduziram a pó semelhante categoria, como categoria válida do pensamento jurídico e filosófico” (PRADO, 2011).
O autor ainda menciona como um problema pior o fato de que “estes agentes penetram com suas ideias nas faculdades de Direito e nas corporações, ‘simplificando’ a tarefa de pensar e gerando os ‘fundamentos’ para a manutenção do status quo” (PRADO, 2011). Com isso, o que percebemos é um problema que vem sendo repassado por gerações com algo correto e justificável, com o fim sendo utilizado para justificar os meios. Machado (2018, p. 60) no mesmo sentido dispõe que:
[...] de fato, o discurso da verdade, especialmente aquela adjetivada como “real”, apesar de manifestamente falacioso, foi e continua sendo utilizado na tentativa de legitimar abusos e justificar arbitrariedades. A prática da tortura como meio de obtenção de confissão do imputado é um exemplo clássico. Alinha-se perfeitamente a lógica eficientista e cruel do tipo ‘os fins justificam os meios’.
Desse modo, existe uma corrente de autores que alertam sobre o perigo que envolve essa busca desenfreada por essa dita verdade real. Vera Malaguti Batista (2012) menciona que essa forma de busca de verdade, tipicamente inquisitiva, predominou no contexto ocidental e se traduz em procedimentos de investigações estruturados a partir de uma relação de força entre quem exerce o poder e o objeto estudado, lembra que todo o roteiro pode ser aprendido nos históricos manuais dos inquisidores. Ratifica-se, assim, as raízes inquisitivas, com a busca pela verdade real também característica desse período.
Casara e Melchior (2013) ressaltam que o sistema da busca da verdade real como escopo do processo penal está sedimentada na origem do Código de Processo Penal Brasileiro, uma vez que Vicenzo Manzini, cuja obra e teoria serviu de base para o Código de Processo Penal Italiano de 1931, inspiração para o Código de Processo Penal Brasileiro de 1941, defendia que o juiz no processo penal, deveria buscar a realidade dos fatos, isto é, a verdade material. O inquérito policial então tem seu sistema de busca da verdade impregnado pelo direito canônico e regulado no Código de Processo Penal brasileiro que possui inspiração de um modelo italiano fascista, sendo adotado no Brasil durante o Estado Novo. Nesse sentido Aury Lopes Júnior (2006, p. 161) menciona que:
A estrutura do processo inquisitório foi habilmente construída a partir de um conjunto de instrumentos e conceitos (falaciosos é claro), especialmente o de ‘verdade real ou absoluta’. Na busca dessa tal ‘verdade real”, transforma-se a prisão cautelar em regra geral, pois o inquisidor precisa dispor do corpo do herege. De posse dele, para buscar a verdade real, pode lançar mão da tortura, que se for ‘bem’ utilizada conduzirá a confissão. Uma vez obtida a confissão, o inquisidor não necessita de mais nada, pois a confissão é a rainha das provas (sistema de hierarquia de provas). Sem dúvida, tudo se encaixa para servir bem ao sistema.
Nesse contexto, a suposta busca de uma verdade real encontrou terreno fértil para seu cultivo, buscar a confissão para findar a investigação, já que é considerada como principal prova. Para Salah H. Khaled Jr. (2013, p. 12), “regimes autoritários, ditatoriais e totalitários, caracterizam-se pela tendência em produzir ‘verdade’ através de práticas persecutórias”. Fica fácil perceber que a cultura inquisitória impregnou a persecução penal, gerando nos operadores do direito uma mentalidade inquisitorial e, assim, se mantém viva na teoria e na prática, mesmo dentro de um contexto de Estado de Direito, “o qual por excelência não deveria comportar espaço para o florescimento de sensibilidades inquisidoras” (KHALED JR., 2013, p. 11).
Aury Lopes Jr. (2014) bem aponta que ainda há autores e atores judiciários que sustentam a mitológica “verdade real” para justificar suas práticas autoritárias, se referindo nitidamente a grande parcela da doutrina e dos operadores do Direito em sua práxis. A despeito da Constituição Federal brasileira de 1988 ter adotado o sistema acusatório, são evidentes as práticas, notadamente no inquérito policial, que ainda são analisadas e teorizadas sob o prisma de características inquisitivas. Nesse sentido indica André Luiz Bermudez Pereira (2018, p. 65):
Nessa toada, sendo a investigação preliminar eminentemente inquisitiva, o titular da investigação tende a repetir o mantra da “verdade real” a fim de justificar ofensa a direitos fundamentais do cidadão. Para além desse fator, a concepção de investigação policial como instrumento de segurança pública e não de justiça criminal reforça o argumento de que a proteção do “cidadão de bem” permite atropelar garantias fundamentais previstas na Carta Magna, justificando práticas autoritárias, para se chegar a “verdade real” dos fatos, acalmando a opinião pública.
Esse sistema de busca da verdade real e absoluta revela, portanto, um sistema processual e de investigação policial autoritário, típico do sistema inquisitivo, além de acabar estimulando deturpações ao Estado de Democrático de Direito, uma vez que, o sistema de busca da verdade correspondente a “real”, acaba na prática não encontrando mecanismos capazes de conter práticas abusivas e autoritárias que podem a vir ser empregadas em sua busca. Entendemos, assim, que quando a busca da verdade real ocupa um lugar hegemônico no processo, torna-se difícil respeitar uma série de limites à atividade probatória como, por exemplo, a recusa absoluta de uma prova ilegal.
Nesse sentido afirma Salah H Khaled Jr. (2013, p. 172): “A obsessiva ambição da verdade legitima um poder que não conhece freios e que acaba quase que invariavelmente sendo utilizado de forma arbitrária”. Com isso, as consequências têm se evidenciado ao longo da história, com o protagonismo das razões do Estado sobressaindo-se aos direitos fundamentais do indivíduo.
3 REFLEXÕES SOBRE O USO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS DE APARELHOS DE CELULAR APREENDIDOS NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
Pode-se dizer que questões acerca da ilicitude de provas conseguidas pela polícia mediante o acesso aos subsídios de prova em aparelho celular sem anterior autorização da justiça é um tema bem pertinente na esfera jurídica.
De acordo Sanglard (2017) o tema é um embate entre o amparo do interesse público e o direito à privacidade e à intimidade, que são direitos garantidos pela Leia Maior que prever a prevenção dos direitos à intimidade, à privacidade, à imagem e à honra. Constituindo estes direitos subjetivos assinalados para o arrimo da existência reservada do sujeito, em suas afinidades pessoais e secretas que carecem ser preservadas em face da coletividade.
Observa-se, portanto, que os encostes da atividade da polícia deve ser ajustado à luz do princípio da proporcionalidade, considerando que seu emprego não deve extrapolar o indispensável para o contentamento do empenho público, mas sustentar o respeito pelos direitos constitucionais do sujeito buscando a estabilização entre as garantias fundamentais e a conservação do interesse público.
Zaffaroni (2017) enfatiza, ainda, que o Estado de Direito não é excludente do Estado de Polícia e sim que entre eles existe uma dialética contínua no sentido de que:
O Estado de Polícia que o Estado de direito carrega em seu anterior nunca cessa de pulsar, procurando furar e romper os muros que o Estado de Direito lhe coloca [...] a extrema seletividade do poder punitivo é uma característica estrutura, ou seja, ela pode ser atenuada, mas não suprimida. Por isso a questão penal é o campo preferido das pulsões do Estado de polícia, pois é o muro mais frágil de todo Estado de Direito. Quanto mais habilitações o poder punitivo tiver nas legislações, maior será o campo de arbítrio seletivo das agências de criminalização secundária e menores poderão ser os controles e contenções do poder jurídico a seu respeito (ZAFFARONI, 2017, p. 170).
Aqui uma questão simples, porém importante do presente trabalho se impõe. Um inquérito policial não relido e reinterpretado constitucionalmente perante a Constituição Federal de 1988 é um inquérito que continua fincado sobre as bases teóricas e práticas do Estado autoritário de matriz inquisitiva e, portanto, nele predominam as razões de Estado, se esvaziando os direitos e garantias constitucionalmente garantidos.
Destaca-se, portanto, que o aparelho celular em determinadas circunstâncias compõe um corpo de delito, devendo assim ser apreendido para posterior exame de perícia para que se apure pistas do crime em questão. Vale destacar que nessas situações não se encaixa a questão de quebra de sigilo telefônico, considerando que o material é averiguado diretamente como no procedimento convencional de busca e apreensão, não havendo necessidade de requerer a companhias telefônicas nenhum tipo de solicitação. Exemplo disso encontra-se na seguinte jurisprudência:
"O fato de ter sido verificado o registro das últimas chamadas efetuadas e recebidas pelos dois celulares apreendidos em poder do co-réu, cujos registros se encontravam gravados nos próprios aparelhos, não configura quebra do sigilo telefônico, pois não houve requerimento à empresa responsável pelas linhas telefônicas, no tocante à lista geral das chamadas originadas e recebidas, tampouco conhecimento do conteúdo das conversas efetuadas por meio destas linhas. Ademais, consoante o disposto no art. 6º, incisos II e III, do Código de Processo Penal, é dever da autoridade policial apreender os objetos que tiverem relação com o fato, o que, no presente caso, significava saber se os dados constantes da agenda dos aparelhos celulares teriam alguma relação com a ocorrência investigada" (HC 66368; Rel. Min. Gilson Dipp).
Do mesmo modo, o STF se manifesta em decisão de suma relevância, conforme transcrito integralmente:
"Suposta ilegalidade decorrente do fato de os policiais, após a prisão em flagrante do corréu, terem realizado a análise dos últimos registros telefônicos dos dois aparelhos celulares apreendidos. Não ocorrência. 2.2 Não se confundem comunicação telefônica e registros telefônicos, que recebem, inclusive, proteção jurídica distinta. Não se pode interpretar a cláusula do artigo 5º, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito registral. A proteção constitucional é da comunicação de dados e não dos dados. 2.3 Art. 6º do CPP: dever da autoridade policial de proceder à coleta do material comprobatório da prática da infração penal. Ao proceder à pesquisa na agenda eletrônica dos aparelhos devidamente apreendidos, meio material indireto de prova, a autoridade policial, cumprindo o seu mister, buscou, unicamente, colher elementos de informação hábeis a esclarecer a autoria e a materialidade do delito (dessa análise logrou encontrar ligações entre o executor do homicídio e o ora paciente). Verificação que permitiu a orientação inicial da linha investigatória a ser adotada, bem como possibilitou concluir que os aparelhos seriam relevantes para a investigação. 2.4 À guisa de mera argumentação, mesmo que se pudesse reputar a prova produzida como ilícita e as demais, ilícitas por derivação, nos termos da teoria dos frutos da árvore venenosa (fruit of the poisonous tree), é certo que, ainda assim, melhor sorte não assistiria à defesa. É que, na hipótese, não há que se falar em prova ilícita por derivação. Nos termos da teoria da descoberta inevitável, construída pela Suprema Corte norte-americana no caso Nix x Williams (1984), o curso normal das investigações conduziria a elementos informativos que vinculariam os pacientes ao fato investigado. Bases desse entendimento que parecem ter encontrado guarida no ordenamento jurídico pátrio com o advento da Lei 11.690/2008, que deu nova redação ao art. 157 do CPP, em especial o seu § 2º" (HC 91867; Rel. Min. Gilmar Mendes).
Assim, questiona-se o fato de possíveis provas serem apreendidas em manuscritos, por exemplo, e o que difere de anotações deixadas em um celular, ficando o questionamento quanto ao tratamento da prova. Pois, em que sentido seria um elemento diferente do outro?
Assim, o Estado Democrático de Direito impõe a ruptura com o paradigma excessivamente inquisitivo da investigação policial, impondo o paradigma garantista, havendo uma diferença central entre ambos: no primeiro, a investigação policial é focada no interesse do Estado, por isso, afirmações no sentido de que a principal finalidade do inquérito policial seria fornecer provas para o Ministério Público, parte acusatória que representa o Estado. No segundo, a investigação policial embora represente interesses do Estado na apuração da verdade, jamais se distancia e zela intensamente pelos direitos fundamentais de todos os envolvidos, com zelo especial em relação aos direitos humanos e necessariamente uma maior abertura democrática, no sentido de permitir a participação da defesa do investigado.
É preciso que se evolua em termos de garantias do investigado já na fase policial contra eventuais arbítrios do Estado, deve prevalecer a figura de um Delegado de Polícia natural, com imparcialidade assegurada, o direito a uma investigação com duração razoável, dentre outras garantias constitucionais que devem ser compatibilizadas com uma investigação eficiente, o que pressupõe a necessidade de pesquisas mais aprofundadas sobre a temática específica da constitucionalização da investigação policial, isto é, direitos e garantias já passíveis de aplicação nessa fase.
Deve-se atentar acerca da evolução tecnológica que avança em todas as esferas incidindo inclusive no âmbito de novos formatos de provas e alcance das mesmas que anteriormente seriam difíceis de ser alcançadas por meios tradicionais. Diante disso Knijnik, (2014, p.179) destaca:
A menção a elementos tangíveis tendeu, por longa data, a condicionar a teoria e prática jurídicas. Contudo, a penetração do mundo virtual como nova realidade, demonstra claramente que tais elementos vinculados à propriedade longe está de abarcar todo o âmbito de incidência de buscas e apreensões, que, de ordinário, exigiriam mandado judicial, impondo reinterpretar o que são "coisas" ou "qualquer elemento de convicção", para abranger todos os elementos que hoje contém dados informacionais. Nesse sentido, tome-se o exemplo de um smartphone: ali, estão e-mails, mensagens, informações sobre usos e costumes do usuário, enfim, um conjunto extenso de informações que extrapolam em muito o conceito de coisa ou de telefone. Supondo-se que a polícia encontre incidentalmente a uma busca um smartphone, poderá apreendê-lo e acessá-lo sem ordem judicial para tanto? Suponha-se, de outra parte, que se pretenda utilizar um sistema capa? De captar emanações de calor de uma residência, para, assim, levantar indícios suficientes ã obtenção de um mandado de busca e apreensão: se estará a restringir algum direito fundamento do interessado, a demandar a obtenção de um mandado expedido por magistrado imparcial de equidistante, sob pena de inutilizabilidade? O e-mail, incidentalmente alcançado por via da apreensão de um notebook, é uma "carta aberta ou não"? Enfim, o conceito de coisa, enquanto res tangível e sujeita a uma relação de pertencimento, persiste como referencial constitucionalmente ainda aplicável à tutela dos direitos fundamentais ou, caso concreto, deveria ser substituído por outro paradigma? Esse é um dos questionamentos básicos da aqui denominada de prova de terceira geração: "chega-se ao problema com o qual as Cortes interminavelmente se deparam, quando consideram os novos avanços tecnológicos: como aplicar a regra baseada em tecnologias passadas às presentes e aos futuros avanços tecnológicos"." Trata-se, pois, de um questionamento bem mais amplo, que convém, todavia, melhor examinar”.
Por sua vez, Machado (2018, p. 100) apresenta a investigação preliminar como “procedimento cognitivo, iniciado e vinculado a certa notícia crime, que se destina à apuração, em nível indiciário, de fato (passado) aparentemente delitivo, com objetivo de deflagração (ou não) da ação processual penal”. A expressão “ou não” mencionada por Machado, já se dá no sentido de que o objetivo da investigação policial não é tão somente o de deflagrar uma ação processual penal.
A finalidade da investigação de um fato passado não é unicamente o de “promover justa causa para ação penal” como a maioria dos autores processualistas da área Penal ainda apresenta, e sim o esclarecimento da verdade dos fatos, no sentido de se verificar se ele ocorreu, se ele realmente é um fato criminoso, se há materialidade, ressaltando-se, ainda, que durante essa atividade persecutória, há de observar de forma estrita os limites legais, convencionais e constitucionais.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um processo penal e uma investigação policial de matriz inquisitiva, calcada no sistema de busca da verdade real, material e absoluta tem como um dos seus efeitos a hipertrofia Estatal em detrimento dos direitos e garantias individuais, uma vez que em nome da busca da verdade absoluta se cometem atrocidades, se desrespeitam direitos constitucionais e processuais e em nome de um eficientismo utilitário para busca de tal verdade se legitima o Estado a emanar uma suposta punição justa, o que, por sua vez, gera uma contradição em si mesmo, uma vez que, se tal verdade foi obtida mediante violação de normas legais ou em detrimento de direitos constitucionais, a punição é injusta em sua essência, até mesmo por ser baseada em provas ilícitas o que por sua vez fere o direito fundamental insculpido no artigo 5, LVI, da CRFB/88, que as proíbe.
Cabe ao Delegado de Polícia, com dispositivo democrático, filtro de contenção do poder estatal, zelar pela imagem, pela presunção de inocência e toda uma gama de direitos fundamentais na fase policial. O que ainda percebe-se na prática, em alguns casos, é um Delegado ainda não “relido constitucionalmente” que, ao invés de adotar uma postura de contenção, adota uma postura de promoção das razões de Estado típicas de um Estado policial que, para dar vazão à resposta imediata exigida pela sociedade líquida, muitas vezes espetaculariza a investigação policial em detrimento da observação de direitos individuais.
Ao final do estudo verificou-se que se tratando da Constituição Federal, é indiscutível o direito básico e fundamental do cidadão a inviolabilidade das informações de aparelho celular, bem como a interceptação de outros meios de comunicação sem prévia ordem da justiça. Constata-se ainda que para que ocorra o acesso aos dados do aparelho celular qualquer que seja a circunstância, a autoridade policial deve seguir fielmente a determinação da Lei Maior que resguarda os direitos e garantias do cidadão quanto a inviolabilidade.
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Formada em Direito pela Faculdades Integradas Barros Melo. Pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes - UCAM. Especialização pela Escola da Magistratura de Pernambuco. Delegada de Polícia no Estado de Pernambuco. Atualmente no cargo de Gerente de Controle Operacional Metropolitano.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BEZERRA, Morgana Alves de Albuquerque. Investigação criminal e as informações obtidas de aparelhos de celular apreendidos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 dez 2019, 04:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53978/investigao-criminal-e-as-informaes-obtidas-de-aparelhos-de-celular-apreendidos. Acesso em: 23 dez 2024.
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