RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo realizar uma abordagem acerca do controle de constitucionalidade, trazendo conceitos de relevante importância sobre os sistemas adotados no ordenamento jurídico brasileiro, a evolução histórica e as mudanças legislativas e jurisprudenciais que levaram o Supremo Tribunal Federal a ser uma corte constitucional.
Palavras-chave: Controle de constitucionalidade. Controle concentrado. Controle difuso. Sistema híbrido. Supremo Tribunal Federal.
ABSTRACT: The present work aims to perform an approach on constitutionality control, bringing important concepts about the systems adopted in the Brazilian legal system, a historical evolution and legislative and jurisprudential changes that led or the Supreme Federal Constitutional Court.
Keywords: Constitutionality control. Concentrated control. Fuzzy control. Hybrid system. Federal Court of Justice.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO ORDENAMENTO BRASILEIRO: CONTROLE DIFUSO OU CONCRETO E CONTROLE CONCENTRADO OU ABSTRATO. 2.1. Controle difuso ou concreto de constitucionalidade. 2.2. Controle concentrado ou abstrato de constitucionalidade. 3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO ORDENAMENTO BRASILEIRO. 4 O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ATUALIDADE: CORTE CONSTITUCIONAL E ÓRGÃO DE CÚPULA DO PODER JUDICIÁRIO.5. CONCLUSÕES.
1.INTRODUÇÃO
O controle de constitucionalidade no Brasil sofreu influencias de diversos sistemas, com isso a jurisdição constitucional nas palavras de Gilmar Mendes “pode ser hoje caracterizada pela originalidade e diversidade de instrumentos processuais destinados à fiscalização da constitucionalidade dos atos do poder público e à proteção dos direitos fundamentais, como o mandado de segurança – uma criação genuína do sistema constitucional brasileiro – o habeas corpus, o habeas data, o mandado de injunção, a ação civil pública e a ação popular. Essa diversidade de ações constitucionais próprias do modelo difuso é ainda complementada por uma variedade de instrumentos voltados ao exercício do controle abstrato de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, como a ação direta de inconstitucionalidade, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a ação declaratória de constitucionalidade e a arguição de descumprimento de preceito fundamental”[1].
Fernando Machado da Silva lima conceitua jurisdição constitucional como “a atividade pela qual o Estado, através de seus órgãos, conforme previsão constitucional, interpreta a Constituição e, consequentemente, anula- ou deixa de aplicar ao caso concreto- todo e qualquer ato normativo infraconstitucional que com ela conflite. O objetivo fundamental da jurisdição constitucional é a efetividade da Constituição e ela desempenha as suas atribuições, no Brasil, através do controle difuso e do concentrado, utilizando os inúmeros dispositivos constitucionais previstos” (LIMA, 2005, p. 20).
É interessante observar que a constitucionalidade ou inconstitucionalidade pressupõem uma relação de conformidade ou desconformidade com o paradigma- a Constituição formal e material- e a norma, ato ou um comportamento. A força normativa da Constituição a todos vincula e a todos submete. Juram cumprir e fazer cumprir a Constituição as autoridades do Poder Judiciário, do Poder Executivo e do Poder Legislativo, mas o dever de seguir fielmente os seus preceitos é também das pessoas e entidades privadas. Comete-se inconstitucionalidade não apenas editando normas incompatíveis com a Constituição, mas também por atos individuais ou por omissões a ela contrários (ZAVASCKI, 2012, p. 13).
Cumpre observar que a grande mudança em sede de Direito Constitucional ocorreu a partir da segunda guerra mundial, momento em que houve a necessidade de uma maior valorização dos direitos fundamentais, em nítida consagração ao princípio da dignidade da pessoa humana, em repudio a qualquer forma de despotismo por parte dos governantes. Desse contexto emergiu a supervalorização do Direito Constitucional, em detrimento da velha concepção do direito baseado no princípio da legalidade, acolhendo o postulado da Supremacia da Constituição, no qual tem por base o Direito político moderno. Assim, nasce o Estado protecionista e o Estado Constitucional de Direito[2]
Nesse diapasão, houve por bem criar mecanismos de proteção a esses direitos, e à Constituição, porquanto ser a Constituição a norma fundamental de onde se retira todo o ordenamento jurídico de um Estado democrático de Direito. Para manter a integridade da Constituição protegendo os preceitos nela contidos, criou-se o controle de constitucionalidade. No sistema de controle de constitucionalidade, quanto ao órgão legitimado, há o controle político e o judicial. A princípio, o controle político seria realizado somente pelo Poder Executivo e pelo Poder Legislativo, uma vez que estes são detentores da vontade do povo, vez que representam sua vontade (BULOS, 2009, p.110). Ocorre que, o Poder Judiciário, vem cada vez mais tomando lugar de destaque no âmbito do Estado, na tomada de decisões que envolvam questões políticas.
No ordenamento brasileiro o Supremo Tribunal Federal em termos de controle de constitucionalidade e interpretação da Constituição o Supremo Tribunal federal tem papel de relevo, tornando-se uma corte constitucional.
No ordenamento pátrio adotou-se um sistema híbrido, em que subsistem o controle difuso e o controle concentrado. Esses dois sistemas ao longo dos anos sofreram profundas modificações, notadamente em relação à legitimidade, a forma, a competência e os efeitos, sendo este último o que mais tem se mostrado mutável.
É interessante observar que há uma forte tendência, ante a predominância do controle judicial de constitucionalidade, em atribuir ao Supremo Tribunal Federal nítido poder normativo tendo em vista que suas decisões têm a natureza política de suas decisões e o atributo de definitividade que lhes é conferido, na pragmática jurídica. Isso se dá devido o elevado papel do judiciário de construir interpretativamente o sentido normativo da Constituição.
2.SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO ORDENAMENTO BRASILEIRO: CONTROLE DIFUSO OU CONCRETO E CONTROLE CONCENTRADO OU ABSTRATO
Segundo Paulo Blair, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), o Brasil é um dos poucos países do mundo que utiliza um sistema híbrido de controle de constitucionalidade. Segue a tradição anglosaxônica – cujo controle é feito por meio de atos da primeira instância, com a possibilidade de ingresso de recursos – e a tradição da Europa Continental – onde o controle é efetuado pelas cortes constitucionais, desde que o caso seja remetido pelo primeiro grau à corte suprema[3].
2.1Controle difuso ou concreto de constitucionalidade
O Sistema difuso de constitucionalidade tem origem no direito norte- americano, é praticamente pacífico na doutrina que formalizou-se em 1803, no célebre caso Willian Marbury versos James Madson, relatado pelo chief justice da Corte suprema John Marshall - afirmou a supremacia jurisdicional sobre todos os atos dos poderes constituídos, inclusive sobre o Congresso dos Estados Unidos da América, permitindo-se ao Poder Judiciário, mediante casos concretos postos em julgamento, interpretar a carta Magna, adequando e compatibilizando os demais atos normativos com suas superiores normas (MORAIS, p. 577).
No voto elaborado por Marshall, a argumentação para indeferir o pedido de Marbury vinha da discussão da natureza das categorias de atos do Executivo, ou seja, que não eram passíveis de revisão judicial, sendo estes atos de natureza política e atos que a Constituição ou a lei houvessem atribuído a sua exclusiva discricionariedade. Deste modo, Marshall ainda enunciou três grandes fundamentos que justificam o controle de constitucionalidade, quais sejam, a supremacia da Constituição, a nulidade da lei que contrarie a Constituição, e que o Poder Judiciário seria, sim, intérprete final da Constituição. De todo o modo, a decisão da Suprema Corte foi alvo de inúmeras críticas, como a influência das circunstâncias políticas no julgamento do Judiciário (BARROSO, 2008, p. 9).
Insta trazer à baila a lição de Uadi Lamego Bulos, que reputa ter o controle difuso nascido bem antes do caso Marbury versus Madison. “Antes disso, contudo, a Justiça do Estado de Nova Jersey, nos idos de 1780, já havia declarado que leis contrárias à Constituição reputavam-se nulas. Em 1782, um grupo de juízes da Virgínia declararam, em seus vereditos, que leis inconstitucionais afiguravam-se nulas. No ano de 1787, a Suprema Corte da Carolina do Norte invalidou leis contrárias aos artigos da Confederação” (BULOS, 2009, p.117).
Para Luiz Roberto Barroso "o caso Marbury v. Madison foi a primeira decisão na qual a Suprema Corte afirmou seu poder de exercer o controle de constitucionalidade, negando aplicação a leis que, de acordo com sua interpretação, fossem inconstitucionais. Assinale-se, por relevante, que a Constituição não conferia a ela ou a qualquer outro órgão judicial, de modo explícito, competência dessa natureza” (BARROSO, 2008, p. 5).
No sistema de controle difuso todos os tribunais e juízes podem declarar, incidentalmente, perante o caso concreto sub judice, a inconstitucionalidade da lei a ser aplicada ao caso. Sobre o controle difuso verbera Paulo Bonavides[4]:
O controle difuso, sobre ser de índole jurídica ou judicial, com limites definidos no afastamento de aplicação da norma inconstitucional, é também grandemente democrático, visto que nasce nas bases do sistema, no seu subsolo, na sua horizontalidade, e por ele se irradia com tal amplitude que todo juiz do ordenamento é, na via de exceção, juiz constitucional.
Importa constar, que no direito norte americano existe a doutrina do stare decisis, como princípio que visa regular o sistema do controle difuso. Por esse princípio, os juízes de instâncias inferiores seguem as decisões dos Tribunais Superiores. É o que acontece com a Suprema Corte. Seus vereditos apresentam efeitos vinculantes, em virtude da força dos precedentes do Direito americano, verdadeiros paradigmas que vinculam o entendimento de todos os órgãos judiciais. Trata-se de um mecanismo fiscalizatório da supremacia da Carta americana de 1787, porque, quando a Suprema Corte declara uma lei inconstitucional, todos os juízes passam a considerá-la como morta (BULOS, 2009, p.118).
Sobre a natureza do stare decises aborda Charles D. Cole, citado por Zavascki:
A doutrina do stare decises na cultura jurídica dos Estados Unidos simplesmente significa que, uma vez que a Corte de última instância no sistema judiciário Federal ou estadual decida um princípio de direito para o caso em julgamento, estabelecendo assim um precedente, a Corte continuará a aderir a este precedente, aplicando-o a casos futuros em que os fatos relevantes sejam substancialmente os mesmos, ainda que as partes não sejam as mesmas. Portanto, ‘precedente’ é a regra jurídica usada pela Corte para estabelecer precedente vinculante sigam aquele precedente e ‘não mudem uma questão decidida’. Esse princípio aplicando a doutrina do stare decises para estabelecer precedente vinculante, veio para a cultura do Estados Unidos da tradição do common law inglês (ZAVASCKI apud CHARLES D. COLE, 2012, p. 27).
No Brasil, conforme se verá adiante, o controle difuso foi inserido no ordenamento pela Constituição de 1891, porém o constituinte optou por adotar esse sistema apenas em parte, porquanto as decisões proferidas nesse controle não tem efeito vinculativo e nem eficácia erga omnes. Nesse raciocínio, há de se observar que há, hodiernamente, uma tendência a se atribuir esses efeitos ao controle difuso, notadamente ao Recurso Extraordinário, é o que se verá no momento oportuno.
2.2Controle concentrado ou abstrato de constitucionalidade
Esse sistema de controle tem origem austríaca, mais precisamente na Constituição de primeiro de outubro 1920, revelando uma nova face do controle de constitucionalidade: a fiscalização de normas, exercida por um órgão de cúpula do Poder Judiciário (BULOS, 2009, p. 118).
Para o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, a importância dessas ações de controle abstrato de constitucionalidade “está na segurança jurídica, que é um princípio básico da nossa República”. “Quando o Supremo se pronuncia, nós temos uma decisão passível de ser enquadrada como definitiva. Ou seja, nós exercemos a jurisdição restabelecendo, numa gradação maior, a paz social”[5].
Para Teori Albino Zavascki “os mecanismos de controle em abstrato de constitucionalidade, também chamado, entre nós, de controle concentrado, porque é exercido com exclusividade pelo STF, no que se refere à Constituição Federal, e pelos Tribunais de Justiça, no âmbito da Constituição dos Estados Membros”.
Nos processos de controle abstrato de constitucionalidade, nos dizeres de Teori Albino Zavascki (2012, p. 53) “faz-se atuar a jurisdição com o objetivo de tutelar não direitos subjetivos, mas, sim, a própria ordem constitucional, o que se dá mediante solução de controvérsias a respeito da legitimidade da norma jurídica abstratamente considerada, independentemente de sua incidência em específicos suportes fáticos”.
No ordenamento jurídico brasileiro os processos em sede de controle concentrado de constitucionalidade por ter natureza objetiva, não figuram partes, no sentido estritamente processual, mas entes legitimados a atuar institucionalmente, sem outro interesse que não o da preservação do sistema constitucional.
Conforme orientação firmada e reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal, é lúcida a observação de Teori Albino Zavascki (2012, p. 54), no sentido de que “o controle normativo de constitucionalidade qualifica-se cm típico processo de caráter objetivo, vocacionado exclusivamente à defesa, em tese, da harmonia do sistema constitucional”.
3.EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO ORDENAMENTO BRASILEIRO
Inicialmente, a Constituição de 1824[6] não previa controle de constitucionalidade nos moldes hodiernos, sob a influência do direito francês foi dada a atribuição ao Poder Legislativo de velar pela guarda da Constituição, bem como elaborar leis, interpretá-las, suspendê-las e revoga-las, é o que se infere do artigo 15, n. 8º e 9º, em consagração ao dogma da soberania do Parlamento. Nesse raciocínio, insta trazer à baila a lição do insigne Pimenta Bueno, citado por Gilmar Mendes (MENDES, 2012, p. 22):
Só o Poder que faz a lei é o único competente para declarar por via de autoridade ou por disposição geral obrigatória o pensamento, o preceito dela. Só ele e exclusivamente ele é quem tem o direito de interpretar o seu próprio ato, suas próprias vistas, sua vontade e seus fins. Nenhum outro poder tem o direito de interpretar por igual modo, já que nenhuma lei lhe deu essa faculdade, que seria absurda a que lhe desse.
Não obstante, a instituição do Poder Moderador estabelecido no artigo 98 da Carta Magna Imperial, atribuía ao chefe do Poder Executivo o mister de velar pela manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes. Posteriormente, com a inauguração do regime Republicano, sob a influência do direito norte-americano, instituiu-se o controle de constitucionalidade difuso no ordenamento brasileiro, já consagrado na denominada Constituição provisória de 1890 (art.58, §1º, a e b). Foi também previsto no Decreto n. 848, de 11-10-1890[7], que tratava da organização da Justiça Federal, em seu artigo 3º, estabelecia que na guarda e aplicação da Constituição e das leis nacionais a magistratura só intervirá em espécie e por provocação das partes.
A influência norte-americana na instituição do controle de constitucionalidade é destacada por Gilmar Mendes:
O regime republicano inaugura uma nova concepção. A influência do direito norte-americano sobre personalidades marcantes, como a de Rui Barbosa, parece ter sido decisiva para a consolidação do modelo difuso, consagrado já na chamada Constituição provisória de 1890 (art. 58, §1°, a e b). (MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 1194)
A Constituição de 1891 recepcionou as referidas disposições, consolidando o sistema de controle difuso. O artigo 59, §1º, a e b estabelecia que a competência do Supremo Tribunal Federal para rever as sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, quando se questionasse a validade ou a aplicação de tratados ou leis federais, e a decisão do Tribunal fosse contra ela, ou quando se contestasse a validade de leis ou atos dos governos locais, em face da Constituição ou das leis federais, e a decisão do Tribunal considerasse válidos esses atos ou leis impugnadas. Consagrou-se, com isso, o Recurso Extraordinário como instrumento de controle difuso de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. O Recurso Extraordinário até a promulgação da Constituição de 1988 foi o principal instrumento de controle de constitucionalidade, sendo, por isso, o mais importante processo de competência do Supremo Tribunal Federal. É interessante observar que, embora adotado parcialmente o sistema norte-americano, o Supremo Tribunal Federal fora criado como corte revisora, com a competência de, em última instância, zelar pela integridade da Constituição Federal no caso concreto, não se fazia controle de constitucionalidade in abstracto.
A promulgação da Constituição de 1934, inspirada na Constituição Alemã de 1919, trouxe significativas mudanças no sistema brasileiro de constitucionalidade, em decorrência dos anseios sociais, marcados pelas vicissitudes da época.
Com a finalidade de evitar a insegurança jurídica decorrente das contínuas contradições de entendimento dos tribunais, o artigo 179 estabeleceu que a declaração de inconstitucionalidade somente poderia ser realizada pela maioria da totalidade dos membros dos tribunais (MENDES; COELHO; BRANCO; 2008, p.1036).
O artigo 96, inciso IV, da referida Constituição consagrou a competência do Senado Federal para suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário, atribuindo efeito erga omnes à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (BITTENCOUT, 1968, p.27).
Nesse contexto, verbera com notável clareza o ilustre Gilmar Mendes[8] que “a fórmula inovadora buscava resolver o problema relativo à falta de eficácia geral das decisões tomadas pelo Supremo em de controle de constitucionalidade’’.
Outra inovação introduzida no sistema de controle de constitucionalidade pelo Texto Magno de 1934, foi a representação interventiva de legitimidade confiada ao Procurador-Geral da República (art. 12, V)[9] nas hipóteses de ofensa aos princípios consagrados no artigo 7º, inciso I, alíneas a à h, da Constituição[10].
Tratava-se de peculiar ação de inconstitucionalidade, porquanto condicionava a eficácia da lei interventiva, de iniciativa do Senado (artigo 41, §3º), à declaração de constitucionalidade da lei ou ato estadual, arguida como infringente à Constituição pelo Supremo Tribunal Federal, conforme estabelecia o artigo 12, §2º, ou seja, era um procedimento preliminar do processo de intervenção.
Insta constar que a apreciação feita pelo Supremo Tribunal Federal acerca da lei ou ato estadual, objeto de controvérsia, não era realizada através de um juízo político, mas de juízo exclusivamente jurídico, tendo em vista o disposto no artigo 68 da Constituição de 1934, in verbis:
Art. 68. É vedado ao Poder Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas.
Afigura-se relevante observar que, nessa Constituição, foi apresentado projeto pelo Deputado Nilo Alvarenga de instituição de uma Corte Constitucional inspirada no modelo austríaco. Na fundamentação da proposta referia-se diretamente à conferência de Kelsen sobre a essência e o desenvolvimento da jurisdição constitucional (MENDES, 2012, p. 29).
Conquanto a Constituição de 1934 tenha tido breve vigência, não se pode olvidar a importância desse sistema para o desenvolvimento do controle de constitucionalidade mediante ação direta no ordenamento brasileiro.
Com a outorga da Constituição de 1937, houve grande retrocesso no ordenamento, mormente em relação ao controle de constitucionalidade. Conquanto não tenha introduzido qualquer modificação no controle difuso, conforme estabelecia o artigo 101, inciso III, alínea b e c, ao tratar do Recurso Extraordinário em matéria constitucional, e, preservado, inclusive, o quórum especial para declaração de inconstitucionalidade (art. 96), o constituinte de 1937 introduziu um novo sistema no parágrafo único do artigo 96, segundo o qual, no caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei o Presidente da República poderia submete- la novamente ao Parlamento, segundo um juízo de necessidade ao bem- estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta. Confirmada a validade da lei por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, tornava-se insubsistente a decisão do Tribunal.
Instituiu-se, assim, uma peculiar modalidade de revisão constitucional, pois observado por Celso de Bastos, a lei confirmada passa a ter, na verdade, a força de uma emenda à Constituição (BASTOS, 2001, p. 412).
É interessante observar que, do ponto de vista técnico, a inovação parecia ser desprovida de significado, porquanto o artigo 174 estabelecia que a Constituição era passível de ser emendada pelo voto da maioria nas duas casas do parlamento, estaria ao alcance deste, por emenda constitucional, votada como qualquer lei ordinária, a controvérsia sobre a lei que se houvesse por indispensável. Mas, em verdade, buscava-se, a um só tempo, nos dizeres de José de Castro Nunes citado por Gilmar Mendes, “validar a lei e cassar os julgados” (MENDES, 2012. P.31).
A Constituição de 1946 restaurou a sistemática tradicional do controle judicial no ordenamento brasileiro. Manteve o controle difuso (art. 101, inciso III), preservou-se a exigência da maioria absoluta dos membros do Tribunal para a eficácia da decisão declaratória de inconstitucionalidade (art. 200). Manteve-se a atribuição do Senado Federal para suspender a eficácia de norma declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (art. 64), prevista inicialmente na Constituição de 1934, e, ainda, a ação direta de inconstitucionalidade interventiva, introduzida pela Constituição de 1934, mantendo a legitimidade do Procurador-Geral da República.
Com relação à representação interventiva, ante a ausência de regras processuais que regulassem a referida ação, permitiu-se que o Supremo Tribunal Federal desenvolvesse mecanismos procedimentais que viriam a ser consolidados, posteriormente, pela legislação processual e pela práxis de Corte. E, por isso colocaram-se, de plano, questões relativas à forma da arguição, e à sua própria caracterização processual (MENDES, 2012, p. 33).
É interessante observar que houve diversas indagações acerca da necessidade de se formular o requerimento ao Procurador- Geral da República, que a princípio tinha a competência para, a seu juízo, ingressar com a representação interventiva, quando houvesse norma ou ato emanado de qualquer ente da federação contrário à Constituição.
Nesse contexto, passou-se a exigir que o Procurador- Geral da República, quando houvesse requerimento, submetesse a arguição de inconstitucionalidade interventiva ao Supremo Tribunal Federal, ainda que com parecer contrário, atribuindo ao STF a competência de dirimir o conflito constitucional.
A Emenda Constitucional número 16 de 1965, que alterou os dispositivos referentes ao Poder Judiciário, ao lado da ação de inconstitucionalidade interventiva, inaugurou o controle abstrato de normas estaduais e federais no ordenamento brasileiro.
O artigo 101, inciso I, alínea k, passou a prever a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, de iniciativa do Procurador- Geral da República, com a finalidade precípua de excluir do ordenamento qualquer lei que fosse incompatível com a Constituição. Insta constar, por oportuno, que a Emenda 16/65 instituiu, no artigo 124, XIII, regra que outorgava ao Legislador a faculdade de estabelecer processo de competência do Tribunal de Justiça, para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato municipal em conflito com a Constituição do Estado.
Luis Roberto Barroso aduz que com a representação de inconstitucionalidade houve a instituição definitiva do controle concentrado de constitucionalidade:
O controle judicial de constitucionalidade por via principal ou por ação direta tem como antecedente, embora de alcance limitado, a denominada representação interventiva, criada pela Constituição de 1934. (…) Todavia, foi com a introdução da ação genérica de inconstitucionalidade, pela Emenda Constitucional n. 16, de 26 de novembro de 1965, que o controle por via principal teve ampliado o seu objeto, dando início à trajetória que o conduziria a uma posição de destaque dentro do sistema. (BARROSO, 2009, p. 145)
A Constituição de 1967 não trouxe muitas mudanças ao controle de constitucionalidade, mantendo incólume o controle difuso e a ação direta de inconstitucionalidade tal como previstas na Emenda 16/65.
Insta trazer à baila, a controvérsia gerada em torno da legitimação do Procurador- Geral da República em sede de ação direta de inconstitucionalidade, porquanto inicialmente o Supremo Tribunal Federal preservava o entendimento de que o Procurador- Geral da República poderia, a seu juízo, propor, ou não, a ação de inconstitucionalidade, ou seja, não estava obrigado a fazê-lo quando fosse provocado por entes interessados.
A título de exemplo, em 1970, o MDB, único partido da oposição representado no Congresso Nacional, solicitou ao Procurador-Geral da República a instauração do controle abstrato de normas contra o decreto- lei que legitimava a censura prévia de livro, jornais e periódicos. Este se negou a submeter a questão ao Supremo Tribunal Federal, uma vez que, na sua opinião, não estava constitucionalmente a fazê-lo. O supremo Tribunal Federal rejeitou a reclamação proposta com o argumento de que apenas o Procurador poderia decidir se e quando deveria ser oferecida representação para a aferição da constitucionalidade de lei (MENDES, 2012, p.39).
A imprecisão da fórmula adotada na Emenda n. 16 de 1965 ao estabelecer, no artigo 101, inciso I, alínea k, que a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo procurador, não esconde o intuito inequívoco do legislador constituinte de definir, desde logo, o que seria controvérsia constitucional.
Nesse contexto, autores de renome como Pontes de Miranda, Josaphat Marinho, Caio Mario da Silva Pereira, Themistocles Cavalcanti e Adaucto Lúcio Cardoso, manifestaram pela obrigatoriedade de o Procurador- Geral da República submeter a questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, ressaltando univocamente, a impossibilidade de alçar o chefe do Ministério Público à posição de juiz último da constitucionalidade das leis.
Na prática, o Procurador-Geral passou a oferecer a representação de inconstitucionalidade, ressaltando a relevância da questão e, muitas vezes, opinando em favor da constitucionalidade da norma. Observe- se que é daqui que surge o que mais tarde viria a ser a ação declaratória de constitucionalidade.
Por fim, resta observar que, dentro do contexto histórico, o controle de constitucionalidade carecia de clareza e maior sistematização, o que culminou por afetar o instituto nos dias atuais e que leva a doutrina e a prática forense a adotar meios que atendam melhor à finalidade do instituto, qual seja expurgar no ordenamento jurídico qualquer lei em desconformidade com a Constituição.
Com a promulgação da Constituição de 1988 houve significativa ampliação dos mecanismos de proteção judicial, bem como do controle de constitucionalidade das leis, notadamente o controle difuso tendo em vista que houve significativa ampliação desse instituto.
Preservou-se a representação interventiva, destinada à averiguação da compatibilidade do direito estadual com os denominados princípios sensíveis (artigo 34, VII, c/c art. 36, III)[11] de competência do Supremo Tribunal Federal. Esse processo constitui pressuposto para a intervenção federal, que, nos termos do artigo 36, inciso III e §1º, da Constituição há deve ser executada pelo chefe do Poder Executivo- Presidente da República.
A par de sistematizar o Recurso Extraordinário, que até então era o mais importante processo da competência do Supremo Tribunal Federal, e, também quanto ao critério de quantidade, tendo em vista que apenas em 1986 foram interpostos 4.124 recursos extraordinários foi reduzido o âmbito de aplicação, porquanto confiou ao Superior Tribunal de Justiça a decisão sobre o casos de incompatibilidade entre o direito estadual e o direito federal ordinário (MENDES, 2012, p. 27).
Esse instrumento excepcional, introduzido na ordem constitucional brasileira pela Constituição de 1891, atualmente, pode ser interposto pela parte vencida ou pelo terceiro prejudicado, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição e julgar válida lei local constada em face de lei federal. Conforme se verá, no momento oportuno, houve várias mutações com relação a esse recurso excepcional.
A mudança substancial se verificou no âmbito do controle abstrato de norma, com a criação da ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual (art. 102, I, a, c/c o art.103).
Insta constar, ainda, que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ampliou o significado do controle concentrado que, atualmente, com a disciplina da Lei 9868/99 passou a abranger, também o direito municipal, as normas revogadas e o direito pré-constitucional.
Se a intensa discussão sobre o monopólio da ação por parte do Procurador-Geral da República não levou a uma mudança na jurisprudência consolidada sobre o assunto, é fácil constatar que ela foi decisiva para a alteração introduzida pelo constituinte de 1988, com a significativa ampliação do direito de propositura da ação direta (MENDES, 2012, p. 56).
Nos termos do artigo 103 da Constituição Federal de 1988, dispõem de legitimidade para propor a ação direta de inconstitucionalidade o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de uma Assembleia Legislativa, o Governador do Estado, o Procurador Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Partido Político com representação no Congresso Nacional, as Confederações Sindicais ou entidade de classe de âmbito nacional.
É importante observar que, a ação de inconstitucionalidade introduzida pela Emenda Constitucional 16 de 1965, não provocou grandes alterações no modelo difuso, que continuou predominante à época, diferentemente, no sistema atual, a ampla legitimação com a outorga do direito de ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade a diferentes órgãos da sociedade, nos dizeres do ilustre Gilmar Mendes, pretendeu o constituinte originário reforçar o controle abstrato de normas no ordenamento jurídico brasileiro como peculiar instrumento de correção do sistema geral incidente (MENDES, 2012, p. 56).
A Constituição de 1988 diminuiu o significado do controle de constitucionalidade difuso, ao ampliar a legitimidade para propositura da ação direta de inconstitucionalidade, permite-se, com isso, que a maioria das controvérsias relevantes seja submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle abstrato de constitucionalidade. Posteriormente com a criação da ação declaratória de constitucionalidade em 1993 e seu aperfeiçoamento com a Emenda Constitucional número 45 de 2004 contribuiu para a consolidação do controle abstrato de normas dentro do sistema de controle de constitucionalidade.
É nesse raciocínio que vem à baila a mudança ocorrida em sede de controle de constitucionalidade, tendo em vista a aproximação dos efeitos do controle difuso e abstrato, que devido a força da decisão proferida pelo Supremo em matéria constitucional, tem se tornado instrumento de controle abstrato e não mais de controle difuso.
4.O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ATUALIDADE: CORTE CONSTITUCIONAL E ÓRGÃO DE CÚPULA DO PODER JUDICIÁRIO
O Supremo Tribunal Federal, na jurisdição constitucional tem papel de suma importância. Conforme o artigo 102 da Carta Magna a ele compete “precipuamente a guarda da Constituição”. Desde sua criação em 1890, quando inauguradas as instituições republicanas no Brasil, o Supremo Tribunal Federal, conquanto tenha variado nas Constituições o rol de competências, em todas elas lhe foi reservada a posição de órgão de cúpula do Poder Judiciário, e detentor na última palavra em questão constitucional.
Não é diferente na Constituição de 1988, conforme se pode verificar no rol das competências estabelecidas no artigo 102, nos dizeres do insigne Tori Abino Zavascki (2012, p. 16):
Há um conjunto de atribuições especificamente relacionadas com a jurisdição constitucional: (a) no âmbito da competência originária, as ações de controle de constitucionalidade da atuação legislativa (ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, ação de inconstitucionalidade por omissão) e a arguição de descumprimento de preceito fundamental; e (b) na competência recursal, o recurso extraordinário, cabível quando a decisão contrariar dispositivo da Constituição, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal ou julgar validada lei ou ato local contestado em face da Constituição. É também tipicamente de jurisdição constitucional a competência prevista no artigo 35, III, da CF/88 para julgar a representação do Ministério Público com fins de intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal, em caso de não observância dos princípios constitucionais referidos no art. 34, VII, da CF/1988 (forma republicana, sistema representativo, regime democrático; direitos da pessoa humana; autonomia municipal; prestação de contas da administração pública direta e indireta; aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais na manutenção e desenvolvimento do ensino). Na apreciação dessas questões o Supremo Tribunal Federal aprecia, necessariamente, questões de índole constitucional (...).
O que se observa, nessa esteira, é que o Supremo Tribunal Federal ocupa a posição mais importante no sistema de controle de constitucionalidade, porquanto suas decisões, seja no julgamento do caso concreto ou no julgamento em processo abstrato de normas, ostentam a força da definitividade em matéria de interpretação e aplicação das normas constitucionais.
Com a redemocratização do Estado brasileiro e a promulgação da Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal teve o seu papel institucional ampliado, como bem salientou o Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence, ao afirmar em discurso no plenário da Corte em 19 de setembro de 1988 que:
(..) para alcançar essa realização concreta do projeto de uma sociedade mais democrática e mais justa, poucos textos constitucionais terão confiado tanto no Poder Judiciário e nele, de modo singular, no Supremo Tribunal Federal” (COSTA, 2001, p.188).
A Constituição de 1988, ao ampliar as atribuições do Supremo, principalmente no que concerne ao controle de constitucionalidade, aumentou a sua importância e responsabilidade na tarefa de sua realização institucional.
Nesse sentido verbera Luiz Roberto Barroso[12]:
(..) no Brasil, a Corte desempenha, simultânea e cumulativamente, jurisdição constitucional e ordinária. A jurisdição constitucional, por sua vez, envolve o controle abstrato e concentrado de constitucionalidade (mediante ações diretas, como a de inconstitucionalidade, declaratória de constitucionalidade, de inconstitucionalidade por omissão e arguição de descumprimento de preceito fundamental) e o controle concreto e incidental (exercido, essencialmente, pela via dos recursos extraordinários).
É interessante observar que, com o advento da constituição de 1988 e a consequente criação do Superior Tribunal de Justiça, almejou-se repassar a este algumas competências que antes estavam a cargo do Supremo, com o fito de otimizar a jurisdição constitucional. Não obstante, o Supremo Tribunal ainda cumula as duas posições mencionadas.
Muito embora o Supremo seja uma Corte Constitucional, de acordo com os dados do Supremo em Números[13] 0,51% dos processos distribuídos ao STF envolvem sua atuação como Corte Constitucional; 7,80% como Corte Ordinária; e 91,69% como Corte recursal.
Os dados informam uma certa crise no sistema idealizado para o Supremo Tribunal Federal, sendo esse um dos motivos que está transformando o Recurso Extraordinário em controle abstrato, como forma de limitar a competência recursal do Supremo Em razão dessa cumulação de funções, Paulo Bonavides afirma que o Supremo Tribunal não é uma Corte Constitucional, e assim verbera “o Supremo Tribunal Federal, não sendo aliás Corte Constitucional propriamente dita, é, todavia, órgão de um dos Poderes da soberania formalmente incumbido de guardar a Lei Magna; esta, em rigor, sua função mais nobre e superior, que deveria ser exclusiva e não o é, contudo, por erro do constituinte originário”.
O que se observa, na pragmática, é a valorização cada vez mais acentuada dos precedentes do Supremo, em sede de Recurso Extraordinário, que apesar de não ter efeitos erga omnes e vinculantes como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), passam a ser utilizados como referência para se interpretar a Constituição Federal.
Nesse raciocínio insta trazer à baila a Emenda Constitucional número 45 de 2004, que instituiu a súmula vinculante, a referida emenda inseriu o artigo 103-A na Constituição Federal, e estabelece que “o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, depois de reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei".
O instituto da Súmula Vinculante confere maior efetividade ao princípio da celeridade e da economia processual, tendo em vista que agiliza e aperfeiçoa a prestação jurisdicional, evitando-se, assim que aos juízes singulares e demais tribunais, e ao próprio Supremo Tribunal Federal, o trabalho de reanalisar lides cujo direito discutido são muito similares e cujas soluções já foram objeto de apreciadas pelo Supremo.
Com relação ao Recurso Extraordinário, a EC 45/2004 que incluiu exigência de repercussão geral como requisito de admissibilidade, além de racionalizar o tempo do Supremo, que deixa de se dedicar a questões cuja relevância não ultrapassem o interesse subjetivo das partes, afasta a ideia de ser o Supremo Tribunal Federal uma Corte de Revisão, ao menos com relação a este Recurso Excepcional.
O Novo Código de Processo Civil inaugurou um microssistema de demandas repetitivas, visando principalmente a racionalização do julgamento de recursos advindos de demandas de massa.
Com isso o Supremo Tribunal Federal tem aproximado, e muito, com o sistema do stare decisis, trazendo para o Poder Judiciário um sistema misto, criando certas vinculações aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública, nomeadamente em sede de Recurso Extraordinário. Ademais, o aumento do número de legitimados a propor a ação direta de inconstitucionalidade; o surgimento da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, da ação declaratória de constitucionalidade, da arguição por descumprimento de preceito fundamental e da súmula vinculante, serviram para ampliar a valorização dos precedentes emanados do Supremo Tribunal Federal.
Conquanto a forte tendência nesse sentido, não se tem no ordenamento jurídico brasileiro um tribunal constitucional, que seja superir aos demais poderes, como por exemplo a Alemanha e a Áustria, mas ao contrário um Poder Judiciário que está no mesmo patamar do Executivo e do Legislativo, ainda que seja o guardião da Constituição.
Nos dizeres do ilustre Luiz Roberto Barroso:
“a uma questão delicada associada à expansão do papel do Supremo Tribunal Federal: sua relação com a opinião pública. Todo poder político, em um ambiente democrático, é exercido em nome do povo e deve contas à sociedade. A autoridade para fazer valer a Constituição, como qualquer autoridade que não repouse na força, depende da confiança dos cidadãos. Mas há sutilezas aqui. Muitas vezes, a decisão correta e justa não é a mais popular. E o populismo judicial é tão ruim quanto qualquer outro. Um tribunal digno desse nome não pode decidir pensando nas manchetes do dia seguinte ou reagindo às do dia anterior. Faz parte da sabedoria política universal que tentar agradar a todos é o caminho certo para o fracasso. Sem cair nessa armadilha, o STF tem servido bem à democracia brasileira e merece o reconhecimento da sociedade”.[14]
Gilmar Mendes[15], alerta que “não devemos, porém, cair na tentação da onipotência e da onipresença desta Corte em todas as questões de interesse da sociedade. À esfera da política cabe a formulação de políticas públicas, cumprindo o Poder Judiciário, nessa seara, o papel de guardião da Constituição e dos direitos fundamentais, como obstáculos intransponíveis à deliberação política”.
5.CONCLUSÕES
Do presente estudo se infere que o Direito é eminentemente sociológico e, por isso, deve se adequar às necessidades da sociedade e acompanhá-la em todas as suas mudanças. É de se observar que a sociedade brasileira passou por inúmeras mudanças após a promulgação da Constituição de 1988, tendo em vista que o país deixou para trás um longo período de ditadura militar para se tornar uma democracia. A economia foi aberta às importações e aos investimentos estrangeiros e inúmeras empresas estatais foram privatizadas. Verificou-se um considerável avanço da complexidade das relações estabelecidas entre os indivíduos.
Assim, o judiciário passou por um intenso processo de “massificação” das ações judiciais, exigindo a defesa dos direitos das minorias e dos interesses difusos e coletivos.
Nesse processo social, o Poder Judiciário ganha, cada dia mais, papel de destaque no âmbito do Estado. Atribui-se esse papel de relevo à inércia do Poder Legislativo e à crise do sistema representativo no Brasil.
Esse fato reflete diretamente no alcance da tutela jurisdicional constitucional, nomeadamente no controle de constitucionalidade, que tem sido submetido a várias mudanças, principalmente, com relação aos seus efeitos com a consequente sobreposição do Supremo Tribunal Federal.
O peculiar sistema brasileiro de controle de constitucionalidade definido como sistema misto, coexistindo o controle difuso e concentrado, tido como um dos mais completos no sentido de assegurar a vigência da Constituição, nos conduz à aproximação de sistemas jurídicos que até então eram compreendidos como antagônicos.
Nesse caminhar, o Supremo Tribunal Federal passou a ter papel principal no controle de constitucionalidade, passando de órgão de cúpula do Poder Judiciário para Corte Constitucional, emitindo decisões políticas calcadas na interpretação constitucional.
REFERÊNCIAS
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[1] MENDES. Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional no Brasil: o problema da omissão inconstitucional. Disponível em <http://pt.scribd.com/doc/9574983/Controle-de-ConstitucionalidadeGilmar-Mendes>. Acessado em 10/11/2019
[2] Nesse ponto importa transcrever a lição de Carraza, Roque Antônio, sobre o Estado simplesmente de Direito: “De feito, nos Estados simplesmente de Direito, os atos do Executivo e do Judiciário estão submetidos ao princípio da legalidade e, nesta medida, não se encontram a mercê do Soberano.” Nessa hipótese o Legislativo ficaria livre para atuar, dir-se-ia que nesses Estados o absolutismo do príncipe seria substituído pelo absolutismo do legislativo. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 21ª ed., rev., ampl., e atual. SãoPaulo: Malheiros, 2005, p. 380.
[3] 1 BRASIL. STF. Informativo. Modelo híbrido de controle de constitucionalidade garante mais celeridade à Justiça brasileira. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=115824>. Acessado em 10/09/2019
[4] BONAVIDES. Paulo. Jurisdição Constitucional e legitimidade. p. 134. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/ea/v18n51/a07v1851>. Acessado em 23/10/2019
[5][5] BRASIL. STF. Notícias. Modelo híbrido de controle de constitucionalidade garante mais celeridade à Justiça brasileira. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=115824>. Acessado em 18/04/2019
[6] BRASIL. Constituição de 1824. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao24.htm. Acessado em 10/11/2019.
[7] BRASIL. Decreto n. 848, de 11-10-1890. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1851-1900/l0221.htm>. Acessado 09/10/2019
[8] MENDES, Gilmar Ferreira, O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional, Revista de Informação Legislativa, ano 41, n.162, p149, abr./jun. 2004. Disponível em <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/953>. Acessado em 05/08/2019
[9] Art 12 - A União não intervirá em negócios peculiares aos Estados, salvo: (...) V - para assegurar a observância dos princípios constitucionais especificados nas letras a a h , do art. 7º, nº I, e a execução das leis federais;
[10] Art 7º - Compete privativamente aos Estados: I - decretar a Constituição e as leis por que se devam reger, respeitados os seguintes princípios: a) forma republicana representativa; b) independência e coordenação de poderes; c) temporariedade das funções eletivas, limitada aos mesmos prazos dos cargos federais correspondentes, e proibida a reeleição de Governadores e Prefeitos para o período imediato; d) autonomia dos Municípios; e) garantias do Poder Judiciário e do Ministério Público locais; f) prestação de contas da Administração; g) possibilidade de reforma constitucional e competência do Poder Legislativo para decretá-la; h) representação das profissões.
[11] A Constituição de 1988 introduziu modificações nos chamados princípios sensíveis, em relação constituição de 1934 e 1967 ampliou largamente a enumeração desses princípios, limitou-se o constituinte de 88 a enunciar os seguintes princípios: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da Administração Pública direta e indireta. (CF, artigo 34, VII, a a b)
[12] BARROSO, Luiz Roberto. STF entre seus papéis contramajoritários e representativos. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jan-03/retrospectiva-2012-stf-entre-papeis-contramajoritariorepresentativo>. Acessado em 15/04/2019
[13] VARGAS, Fundação Getúlio. Supremo em números. Disponível em:<http://www.supremoemnumeros.com.br/relatórios>. Acessado em 15/05/2013
[14][14] BARROSO. Luiz Roberto. A ascensão política do Poder Judiciário. Disponível em:<http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/luis-roberto-barroso-a-ascensao-politica-do-judiciario>. Acessado em 20/04/2019
[15] MENDES, Gilmar Ferreira. A Jurisdição Constitucional no Brasil e seu significado para a liberdade e a igualdade. Disponível em <HTTP://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaartigodiscurso/anexo/munster_post.pdf>. Acessado em 04/05/2019,
Pós- Graduada em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes. Pós-Graduanda em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes. Graduada em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos. Estagiária de Pós-Graduação no Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Lázara Cristina Gonçalves Tavares de. Sistemas de controle de constitucionalidade no ordenamento brasileiro e o papel do Supremo Tribunal Federal na atualidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54029/sistemas-de-controle-de-constitucionalidade-no-ordenamento-brasileiro-e-o-papel-do-supremo-tribunal-federal-na-atualidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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