RESUMO: O presente artigo tem por objetivo levantar a discussão acerca da competência para processar e julgar o mandado de segurança impetrado em face de ato de Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis em âmbito estadual. A crescente procura pelo sistema dos Juizados Especiais tem ocasionado sua maior visibilidade, mostrando que alguns pontos ainda estão carentes de regulamentação. O tema abordado é um dos que sofre com a omissão legislativa, visto que dificulta a utilização, pelo jurisdicionado, de um remédio a ele garantido pela Constituição Federal de 1988. Enfatize-se que o estudo a que se procedeu na confecção deste trabalho foi elaborado por meio de pesquisa qualitativa, sendo utilizados escritos doutrinários e jurisprudência.
PALAVRAS CHAVE: Juizado Especial Estadual Cível. Turmas Recursais. Mandado de Segurança. Competência.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Considerações gerais sobre o mandado de segurança. 3 Juizados Especiais Estaduais Cíveis. 3.1 Turmas Recursais dos Juizados Especiais do Estado do Ceará 4 Competência para julgar mandado de segurança impetrado em face de ato de Turma Recursal. 4.1 (In)competência do Tribunal de Justiça. 4.2 (In)competência do Supremo Tribunal Federal. 4.3 (In)competência da Turma Recursal. 5 Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O mandado de segurança é tratado pela Constituição Federal de 1988 como um remédio constitucional, de natureza residual, posto à disposição de quem tiver contra si um ato que fira direito líquido e certo. Tratado no Título II do Texto Constitucional, o qual versa sobre os direitos e garantias fundamentais, é essencial para o Estado Democrático de Direito na medida em que se destina a proteger o particular contra abusos ou ilegalidades por parte do Poder Público.
Em que pese não haja previsão expressa no diploma legal que disciplina os Juizados Especiais em âmbito estadual, em razão de sua importância, a ação mandamental é
admitida neste sistema, mesmo que em caráter excepcional. Diante da omissão, coube aos doutrinadores e aos julgadores emitirem opiniões sobre o tema a fim de tentar regulamentá-lo.
Nesse sentido, a Súmula 376 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) regulamentou o assunto quanto aos atos coatores de Juizados Especiais. Entretanto, no que diz respeito ao ato coator praticado pelo Colégio Recursal e por aqueles que o compõem, a omissão legislativa prevalece, resultando em vários questionamentos sobre a que órgão competiria seu processamento e julgamento, ensejando, consequentemente, o debate sobre o tema a fim de tentar definir uma solução.
Mencionada situação, portanto, pode ocasionar insegurança jurídica devido ao fato de os jurisdicionados não terem conhecimento de a quem devem recorrer para
proteger direito líquido e certo. Some-se a isso, a insegurança que incide sobre os próprios operadores do Direito que atuam, em qualquer nível, nesta Justiça Especializada, visto que também recaem na incerteza pela ausência de direcionamento legal.
Desse modo, com a crescente conscientização das pessoas sobre seus direitos e acerca da possibilidade de buscarem uma efetiva prestação jurisdicional, mostra-se pertinente incitar a presente discussão a fim de indicar a omissão legislativa que os prejudica no exercício de um direito constitucionalmente assegurado.
2 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O MANDADO DE SEGURANÇA
Inicialmente, far-se-á uma breve abordagem histórica acerca do mandado de segurança a fim de compreender a evolução do remédio constitucional no ordenamento jurídico pátrio.
De acordo com Colares (2010, p. 13), “o surgimento do mandado de segurança está ligado à necessidade da elaboração de mecanismo de controle dos atos ilegais ou abusivos emanados do Poder Público”.
No entanto, a primeira garantia constitucionalmente prevista foi o habeas corpus. Nas palavras de Lenza (2013, p. 1115):
O habeas corpus foi inicialmente utilizado como remédio para garantir não só a liberdade física, como os demais direitos que tinham por pressuposto básico a locomoção. Tratava-se da chamada “teoria brasileira do habeas corpus”, que perdurou até o advento da Reforma Constitucional de 1926, impondo o exercício da garantia somente para os casos de lesão ou ameaça de lesão à liberdade de ir e vir.
Logo, o habeas corpus era utilizado para proteger qualquer tipo de direito fundamental, e não apenas a liberdade de locomoção. Após a Reforma Constitucional ocorrida em 1926, o alcance da chamada “teoria brasileira do habeas corpus” foi restringida, ensejando o surgimento do mandado de segurança, o qual foi previsto pela primeira vez na ordem constitucional a partir da Carta de 1934. Nesse sentido, destaca Colares (2010, p. 17):
De fato, com o advento da Constituição Federal de 1934, é consagrado o instituto do mandado de segurança, no instante em que ali é prevista sua utilização “para a defesa de direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade”.
À época, o mandamus foi regulamentado pela Lei 191/1936 e representou um importante avanço contra os arbítrios do Poder Público. Tamanha importância culminou na ausência de previsão do instituto na Constituição de 1937, durante o período que ficou conhecido como Era Vargas, uma vez que inexistia interesse político na sua preservação.
Com o restabelecimento da democracia e a promulgação da Constituição de 1946, o mandado de segurança voltou a ser expressamente previsto. Ensina Colares (2010, p. 24) que “o grande mérito da nova roupagem do mandado de segurança, graças aos adornos atribuídos pelo constituinte de 1946, foi o de ampliar sua utilização no tocante à autoridade de onde poderia emanar o ato ilegal ou abusivo; [...]”.
Em 1964, houve a tomada de poder pelos militares, tendo a Constituição de 1967 mantido a garantia do mandamus e adicionado a expressão “individual, porém com a edição da Emenda Constitucional n° 01/1969, a expressão “individual” foi afastada, o que trouxe de volta a interpretação democrática proposta por meio da Constituição de 1946.
Em 1988, foi promulgada a Constituição cidadã e retomada a democracia no Brasil. A atual Carta Política é marcada pelo extenso rol de direitos e garantias fundamentais previstos no art. 5°, dentre eles o mandado de segurança, que passou a ser regulamentado pela Lei n° 12.016/2009.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;
Colares (2010, p. 19) sintetiza claramente a evolução histórica do mencionado remédio constitucional no ordenamento pátrio da seguinte maneira:
Criado pela Constituição Federal de 1934, ignorado pela Constituição de 1937, ressuscitado pela Constituição de 1946, mantido pela Constituição de 1967, o mandado de segurança recebeu digno tratamento pela Constituição de 1988 que, inclusive, desdobrou sua aplicação para proteger não somente direitos individuais, como também os coletivos.
Destarte, o mandado de segurança é um remédio constitucional dirigido à tutela de direito individual e coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, ameaçado ou lesado em decorrência de ato de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, eivado de ilegalidade ou abuso de poder.
Podem-se apontar três requisitos para que seja possível o ajuizamento da ação mandamental. Primeiramente, o direito do impetrante deve ser líquido e certo, ou seja, todas as provas necessárias a demonstrar os fatos por ele alegados precisam ser acostadas à petição inicial quando do ajuizamento da ação. Elucida Padilha (2013, p. 240):
[...] direito líquido e certo é o conjunto de elementos probatórios que o autor tem que imediatamente apresentar (instruindo a inicial) que permitam ao juiz concluir, desde logo, sobre a existência ou não dos fatos dispostos. Desta sorte, não depende da produção da prova em juízo.
Em segundo lugar, deve-se atentar para a natureza do ato que será objeto da ação. Se este possuir caráter público, independentemente da natureza da entidade que atua, bem como se comissivo ou omissivo, a principio, será adequado o mandamus.
Por fim, seu cabimento é residual, isto é, apenas poderá ser utilizada a ação mandamental caso não se vislumbre nenhum outro remédio constitucional apto a resolver o caso proposto, prevendo a lei um prazo de 120 (cento e vinte) dias para impetração. Este possui natureza decadencial e é contado a partir da data em que o impetrante toma ciência do ato ilegal.
Acerca da competência para apreciar e julgar as mais diversas ações, insta apontar que inúmeras são as situações que implicam em conflitos interpessoais e, devido a isso, apresenta-se necessário organizar um sistema de competências entre os órgãos que integram o Poder Judiciário a fim de distribuir as demandas que venham a ser ajuizadas. Nesse sentido, destacam Cintra, Grinover e Dinamarco (2010, p. 251):
E assim a função jurisdicional, que é uma só e atribuída abstratamente a todos os órgãos integrantes do Poder Judiciário, passa por um processo gradativo de concretização, até chegar-se à determinação do juiz competente para determinado processo; através das regras legais que atribuem a cada órgão o exercício da jurisdição com referência a dada categoria de causas (regras de competência), excluem-se os demais órgãos jurisdicionais para que só aquele deva exercê-la ali, em concreto.
Especificamente em relação à competência em mandado de segurança, esta será definida em razão da hierarquia e da qualificação da autoridade legitimada a praticar o ato, comissivo ou omissivo, que pode ameaçar ou lesionar o direito subjetivo da parte.
A Constituição Federal de 1988 traz em seu texto as competências taxativas do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores, bem como da Justiça Federal de primeiro e de segundo graus. A competência da Justiça Estadual será residual, dependendo da incompetência dos órgãos previamente mencionados.
No âmbito dos Juizados Especiais Estaduais, a Lei n° 9.099/95 não prevê o mandamus. Apesar disso, o Ministro Luiz Fux, posicionando-se sobre o mandado de segurança e o habeas corpus na realidade dos Juizados Especiais, aduz:
[...] em face da eminência constitucional adquirida pelos referidos meios de impugnação, não se pode imaginá-los banidos dos Juizados Especiais, máxime porque há autoridade coatora exigida pela lei como suposta autora da coação que preside esse novel segmento de justiça, sendo possível que ocorram violações reparáveis pelos remédios heroicos.
Finalmente, o mandado de segurança é cláusula pétrea, protegido pelo art. 60, § 4°, IV, da Constituição Federal de 1988, razão pela qual não pode o legislador infraconstitucional erradicá-lo.
3 JUIZADOS ESPECIAIS ESTADUAIS CÍVEIS
A Constituição Federal de 1988 dispõe em seu art. 98, inciso I, acerca da criação dos juizados especiais, estabelecendo, em síntese, que serão compostos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para conciliar, julgar e executar causas cíveis de menor complexidade, bem como infrações penais de menor potencial ofensivo, utilizando-se do procedimento oral e sumaríssimo. Conclui ensinando que serão admitidos a transação e o julgamento de recurso por uma turma de juízes de primeiro grau, quando previsto em lei.
Atendendo à previsão constitucional, foi publicada a Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995, a qual versa sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais em seus noventa e sete artigos e é utilizada no âmbito dos Estados e do Distrito Federal. Em razão do objeto de estudo aqui exposto, restringir-se-á à análise dos artigos que dizem respeito aos Juizados Especiais Cíveis.
Os artigos 1° e 2° trazem disposições gerais, referindo-se, respectivamente, aos entes responsáveis pelos Juizados Especiais no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios e aos princípios que os norteiam.
De acordo com o art. 1°, caberá à União criar os Juizados Especiais no âmbito do Distrito Federal e dos Territórios, do mesmo modo que caberá aos Estados criá-los nas causas de sua competência.
O art. 2°, por sua vez, elenca os princípios que orientam os processos em trâmite nos Juizados Especiais: oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Segundo Gonçalves (2010, p. 397):
Sua aplicação deve ser harmonizada com os estabelecidos na Constituição Federal: devido processo legal, contraditório, isonomia, imparcialidade do juiz e publicidade, entre outros. Mais do que simples orientação ao julgador, eles indicam a necessidade de uma nova mentalidade, na qual se abandone o formalismo dos procedimentos judiciais, sem abrir mão das garantias fundamentais.
O princípio da oralidade decorre da própria Constituição Federal, em seu art. 98, inciso I, exigindo precipuamente a forma oral no tratamento da causa, sem, contudo, excluir a utilização da escrita. O princípio da simplicidade, por seu turno, como o próprio nome sugere, busca simplificar o procedimento das ações em trâmite nos Juizados Especiais, facilitando o acesso à justiça. Já em relação ao princípio da informalidade, os atos processuais devem ser produzidos com o mínimo de burocracia. No que tange ao princípio da economia processual, busca obter o máximo rendimento da lei com o mínimo de atos processuais.
Infere-se, portanto, que um dos principais objetivos dos Juizados Especiais é solucionar de forma breve e eficaz as causas a eles submetidas, sendo de suma relevância, pois, a atenção ao princípio da celeridade, devendo o juiz envidar esforços para alcançar rapidamente a solução para o caso concreto. Não por outra razão, foi previsto o rito procedimental sumaríssimo.
A Seção I do Capítulo II da Lei n° 9.099/95 expõe as regras de competência que devem ser observadas para o correto ajuizamento de demandas. Neste âmbito, a competência pode ser estabelecida em razão do valor da causa, da matéria e das pessoas.
De acordo com o inciso I do art. 3° do diploma normativo, tratando-se de questão em que a pretensão autoral não exceda quarenta vezes o salário mínimo vigente à época da propositura da demanda, poder-se-á optar por ajuizar ação no Juizado Especial.
No que concerne aos incisos II e III do supramencionado dispositivo, as hipóteses ali expostas são de competência do Juizado Especial mesmo que ultrapassem o valor de alçada. Consoante Gonçalves (2010, p. 400), “a exigência de limites ao valor da causa não se cumula com as referentes à matéria. Quando a competência é dada pela matéria, torna-se irrelevante o valor da causa, que pode ultrapassar o limite”.
O inciso IV, a seu turno, cumula os critérios matéria e valor da causa para que sejam cabíveis ações possessórias sobre bens imóveis.
O § 2° do art. 3° lista as causas que não poderão ser analisadas em sede de Juizado Especial, sendo elas: natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial.
Há uma situação trazida pela própria Lei n° 9.099/95 que permite ao autor utilizar-se do Juizado Especial quando sua pretensão ultrapassar o teto permitido, hipótese em que terá que renunciar ao crédito que exceder o limite de quarenta ou de vinte salários mínimos, se ingressar ou não com advogado, respectivamente. Isso, contudo, não se aplica à sentença homologatória de acordo, a qual não se limita ao valor de alçada estabelecido pelo diploma legal.
A competência em razão das pessoas que podem ajuizar demandas no Juizado Especial é limitada no art. 8° da Lei n° 9.099/95, que possui a seguinte dicção: “não poderão ser partes, no processo instituído por esta lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil”.
Em relação à competência territorial, ao autor é facultado escolher, dentre as opções legalmente estabelecidas no art. 4°, onde deseja apresentar sua petição inicial e dar início ao processo. Constatada a incompetência do Juizado Especial, leciona Gonçalves (2010, p. 406):
No Juizado Especial, tanto a incompetência de foro quanto a de juízo implicam extinção do processo sem julgamento de mérito, diferentemente do que ocorre nos processos tradicionais. Jamais haverá a remessa de autos de um Juizado Especial para outro, ou do Juizado Especial para o foro comum, nem deste para aquele, dado seu caráter sempre facultativo.
Em matéria recursal, a Lei n° 9.099/95 dispõe, em seu art. 41, que da sentença caberá recurso para o próprio Juizado, exceto nos casos de homologação de acordo ou laudo arbitral. Deverá a decisão respeitar o limite estabelecido para a competência dos Juizados Especiais, sendo ineficaz no que ultrapassá-lo, além de não poder ser ilíquida, conforme versam o art. 39 e o parágrafo único do art. 38, respectivamente.
O recurso será interposto no prazo de dez dias úteis, em petição escrita que indicará as razões e os pedidos da parte recorrente. Deverá ser efetuado o preparo em até quarenta e oito horas após apresentado o recurso, sob pena de deserção e não conhecimento deste. O diploma legal previu a quem caberia o julgamento do apelo e, nesse sentido, Gonçalves (2010, p. 421):
competência para apreciação é do colégio recursal, composto por uma turma de três juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado. Isso é o bastante para assegurar o duplo grau de jurisdição, já que o recurso é julgado por órgão distinto do que proferiu a sentença.
Logo, obedeceu-se ao mandamento constitucional exposto no inciso LV do art. 5°, ou seja, restou assegurado o princípio do duplo grau, garantindo o contraditório e a ampla defesa, uma vez que os fatos decididos em primeira instância podem ser reanalisados por um órgão revisor.
Percebe-se, entretanto, que a Lei n° 9.099/95 trata das Turmas Recursais Estaduais de maneira genérica, merecendo maior destaque no que se refere a sua organização e funcionamento. Por esse motivo, será utilizado, como exemplo, o Regimento Interno das Turmas Recursais do Estado do Ceará a fim de compreender melhor a estrutura deste órgão colegiado.
3.1 Turmas Recursais dos Juizados Especiais do Estado do Ceará
A Resolução n° 01/2019 do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará dispõe sobre o Regimento Interno das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais e da Fazenda Pública do Estado do Ceará.
O art. 2° do referido Regimento Interno estabelece que as Turmas Recursais são em número de 3 (três), sendo 2 (duas) Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais e 1 (uma) Turma Recursal do Juizado Especial da Fazenda Pública, cada uma delas com 3 (três) membros titulares, com jurisdição e competência na área territorial desta Unidade Federativa, denominadas 1ª, 2ª e 3ª Turmas Recursais.
A presidência de cada Turma Recursal será exercida, em regime de rodízio, por um de seus membros, com mandato de 2 (dois) anos, iniciando pelo mais antigo, sem recondução até que se esgote a ordem de antiguidade de seus integrantes. Dispõe o art. 12, em seus quinze incisos, acerca da competência do Presidente de Turma Recursal, dentre elas: presidir as reuniões do respectivo órgão e submeter-lhe questões de ordem, com direito a voto; decidir sobre a admissibilidade e processamento dos recursos interpostos para o Supremo Tribunal Federal; bem como executar e fazer executar as ordens e decisões da Turma, ressalvadas as atribuições dos Relatores.
O art. 11 enumera a competência das Turmas Recursais, aduzindo o seguinte:
Art. 11. Compete à Turma Recursal:
I - julgar:
a) recurso inominado contra decisões definitivas ou terminativas proferidas nos Juizados Especiais Cíveis e da Fazenda Pública, exceto a sentença homologatória de conciliação ou o laudo arbitral;
b) apelação interposta contra sentença proferida em Juizado Especial Criminal, bem como contra decisão de rejeição de denúncia ou de queixa-crime;
c) agravo de instrumento interposto contra decisões que versem sobre tutela provisória proferidas nos Juizados Especiais da Fazenda Pública;
d) embargos de declaração opostos aos próprios acórdãos;
e) exceções de impedimento e de suspeição de seus membros, do representante do Ministério Público que oficiar perante a turma recursal, bem como de juízes e de promotores de justiça que atuarem nas varas dos juizados especiais;
f) agravos internos contra decisões monocráticas dos relatores.
II - processar e julgar originariamente:
a) habeas corpus impetrado contra decisão dos Juizados Especiais Criminais;
b) mandado de segurança contra decisões monocráticas em matérias cível e criminal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública;
c) conflito de competência entre juízes de juizados especiais, no âmbito da sua competência;
III - homologar os pedidos de desistência e transação nos feitos que se achem em pauta;
Os julgamentos das Turmas Recursais, como se extrai do art. 60, caput, serão redigidos em forma de acórdão. Acerca do tema, interessante abordar o seguinte: o art. 204 do CPC estabelece que “acórdão é o julgamento colegiado proferido pelos tribunais”.
O Ministro do STF, Ricardo Lewandowski, julgando o Recurso Extraordinário 586.789/PR, assim se posicionou acerca deste assunto: “[...] ainda que não seja possível qualificar as Turmas Recursais como tribunais, caracterizam-se elas como órgãos recursais ordinários de última instância relativamente às decisões dos Juizados Especiais”.
Nota-se, portanto, que o exposto no Regimento Interno em debate vai de encontro ao entendimento da Corte Suprema, no sentido de que as Turmas Recursais não são qualificadas como tribunais, mas sim como órgãos ordinários de última instância, motivo pelo qual não se mostra adequado denominar suas decisões de acórdãos, em uma análise restritiva.
Corroborando a questão suscitada, o Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado do Ceará (Lei n° 12.342/94), em seu art. 81, inciso I, com redação dada pela Lei n° 14.258/08, classifica as Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais como um órgão que compõe a justiça de primeira instância. O art. 18, por sua vez, traz apenas o Tribunal de Justiça compondo a justiça de segunda instância.
Outro ponto curioso a ser levantado é sobre o fato de as Turmas Recursais comporem ou não o Poder Judiciário. O STF se pronunciou no sentido de que
“[...] a Constituição não arrola as Turmas Recursais dentre os órgãos do Poder Judiciário, os quais são por ela discriminados, em numerus clausus, no art. 92. Apenas lhes outorga, no art. 98, I, a incumbência de julgar os recursos provenientes dos Juizados Especiais” (STF. RE 590.409-1/RJ. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Data do Julgamento: 26/08/2009. DJe: 28/10/2009).
Em sentido contrário, o Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado do Ceará, no art. 3°, II, o qual também teve sua redação alterada pela Lei n° 14.258/08, enumera as Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais como órgão do Poder Judiciário.
Possível vislumbrar que a Lei Estadual n° 14.258/08, que aprovou alterações na Lei n° 12.342, de 28 de julho de 1994, não seguiu o art. 92 da Constituição Federal de 1988, pelo que, em tese, poder-se-ia considerar o ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) com o objetivo de questionar o dispositivo legal mencionado perante o STF. Pertinente também seria o ajuizamento de uma representação de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Ceará, uma vez que a Constituição deste Estado não prevê, no art. 94, as Turmas Recursais como órgão do Poder Judiciário, em obediência à Carta Magna.
Essas foram algumas considerações sobre as Turmas Recursais dos Juizados Especiais do Estado do Ceará, que servem para melhor ilustrar a maneira como são estruturadas, sendo que o principal questionamento está na competência para apreciar o mandado de segurança impetrado contra tais órgãos e seus membros, objeto central deste estudo.
4 COMPETÊNCIA PARA JULGAR MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO EM FACE DE ATO DE TURMA RECURSAL
Nas linhas vindouras, abordar-se-á a competência para conhecer e julgar o mandado de segurança impetrado contra ato abusivo ou ilegal praticado por Turma Recursal dos Juizados Especiais Estaduais Cíveis, bem como por seus membros, atuando monocraticamente.
Por não existir previsão constitucional, legal ou entendimento sumulado acerca do tema, surgem dúvidas sobre qual, de fato, seria o órgão competente a realizar dito julgamento. Há questionamentos acerca de a competência ser do STF, do Tribunal de Justiça local ou, ainda, ser exercida pela própria Turma Recursal.
4.1 (In)competência do Tribunal de Justiça
As Turmas Recursais, no entendimento do STF, são órgãos recursais ordinários de última instância relativamente às decisões advindas dos Juizados Especiais. Diante disso, qual é sua relação com o Tribunal de Justiça? Indagação pertinente, já que não há revisão recursal das decisões de mérito ali proferidas por parte deste órgão, em atendimento à parte final do inciso I do art. 98 da Constituição Federal de 1988.
Ainda utilizando como exemplo as Turmas Recursais do Ceará, compete ao Juiz Diretor do Fórum das Turmas Recursais, por delegação do Tribunal de Justiça, dar posse e declarar exercício dos juízes do Fórum das Turmas Recursais, além de desempenhar outras atribuições que venham a ser-lhe delegadas pela Presidência do Tribunal de Justiça, sendo que os casos omissos serão resolvidos por ato da Presidência do Tribunal de Justiça, ouvido o Desembargador Coordenador do Sistema Estadual dos Juizados Especiais.
Percebe-se, portanto, que o Tribunal de Justiça não se envolve no tocante à perspectiva jurisdicional, restringindo sua atuação, no que diz respeito às Turmas Recursais, a aspectos estritamente administrativos. Outro não é o entendimento da Corte Suprema:
Com efeito, o art. 21 da Lei 10.259/2001 remete aos Tribunais Regionais Federais não só a faculdade de instituir as Turmas Recursais, como também a de estabelecer a sua competência. Logo, os juízes de primeiro grau e as Turmas Recursais dos Juizados Especiais são instituídos pelos respectivos Tribunais Regionais Federais, estando subordinados a eles administrativamente, mas não jurisdicionalmente. [...] Nesta linha de raciocínio, o Supremo Tribunal Federal entende que as Turmas Recursais não estão sujeitas à jurisdição dos Tribunais de Justiça dos Estados, tampouco, por via de consequência, aos Tribunais Regionais Federais. (STF. RE 586.789/PR. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Plenário. Data do Julgamento: 16/11/2011. DJe: 27/02/2012)
Corroborando o entendimento supradelineado no sentido de não competir ao Tribunal de Justiça o julgamento do remédio constitucional em enfoque:
AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. JUIZADOS ESPECIAIS. COMPETÊNCIA. I - Não se insere na competência do Tribunal de Justiça o julgamento de mandado de segurança contra ato praticado pelo Presidente da Turma Recursal dos Juizados Especiais. II – Agravo regimental improvido. (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Agravo Regimental no Mandado de Segurança 2007002009931-9. Primeira Câmara Cível. Relatora: Desembargadora Vera Andrighi. Data do Julgamento: 12/11/2007. DJU: 15/02/2008)
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO DE TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE RECURSO PRÓPRIO PARA SUSPENDER OS EFEITOS DA REFERIDA DECISÃO. IMPOSSIBILIDADE. RITO PRÓPRIO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. LEI 10.259/2001. PRINCÍPIOS DA CELERIDADE PROCESSUAL E DA INFORMALIDADE. OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. 1. A inexistência de recurso próprio para obstar os efeitos da decisão proferida por Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais não possibilita a impetração de Mandado de Segurança junto ao Tribunal respectivo da Justiça Comum. 2. O Sistema dos Juizados Especiais origina-se do art. 98, I, da CF/88, possuindo rito próprio, nos termos das Leis nºs 9.099/95 e 10.259/2001, dos Juizados estaduais e federais, respectivamente. 3. Os princípios da celeridade e da informalidade prevalecem nos Juizados Especiais, em que tramitam as demandas de menor complexidade, contudo, também são observados os princípios do contraditório e da ampla defesa, nos termos das leis específicas. 4. Liminar cassada e mandado de segurança julgado extinto. (Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Mandado de Segurança 96796-PE (2007.05.00.004730-0). Segunda Turma. Relator: Desembargador Federal Manoel Erhardt. Data do Julgamento: 01/07/2008. DJ: 29/07/2008)
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, existem decisões proferidas pela Terceira Seção e pela Corte Especial que reafirmam o entendimento acima apresentado:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE TRIBUNAL DE JUSTIÇA E TURMA RECURSAL DO MESMO ESTADO. CONFLITO NÃO CONHECIDO. 1. A Terceira Seção desta Corte não reconhece a existência de conflito de competência entre Tribunal de Justiça e Turma Recursal de Juizado Especial Criminal pertencentes a um mesmo Estado, dado que, em 26/8/2009, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 590.409/RJ, com repercussão geral reconhecida, afirmou que a Turma Recursal não possui qualidade de Tribunal, visto que é instituído pelo respectivo Tribunal de Justiça e está a ele subordinada administrativamente. Precedentes. 2. Conflito de competência não conhecido. Remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. (STJ. CC 140.322/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Terceira Seção, julgado em 24/02/2016, DJe 29/02/2016)
[...] 2. Isso porque, mesmo estando os membros das Turmas Recursais subordinados administrativamente ao respectivo Tribunal, estas Turmas devem ser consideradas como órgão independente. Assim, vale ressaltar que, o vínculo administrativo do magistrado, que é membro da Turma Recursal, com o respectivo Tribunal, não determina a competência da referida Corte para julgar o mandado de segurança impetrado contra ato do juiz. (STJ. Agravo Regimental no Mandado de Segurança 11.874/DF. Corte Especial. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Data do Julgamento: 19/12/2007. DJ: 18/02/2008)
De acordo com esses julgados, percebe-se que o STJ possui posicionamento idêntico ao proferido pelo STF, no sentido da subordinação apenas administrativa das Turmas Recursais em relação ao Tribunal de Justiça. Dito isso, passa-se à análise da competência ou não da Suprema Corte para apreciar a ação mandamental.
4.2 (In)competência do Supremo Tribunal Federal
Avançando na discussão aqui exposta, o STF também analisou se seria ou não competente para julgar o writ contra ato do Colégio Recursal.
Inicialmente, Lenza (2013, p. 720) esclarece que “o STF reconheceu o princípio da reserva constitucional de competência originária e, assim, toda a atribuição do STF está explicitada, taxativamente, no art. 102, I, da CF/88”. Nesse sentido, o seguinte julgado:
A competência do Supremo Tribunal Federal – cujos fundamentos repousam na Constituição da República – submete-se a regime de direito estrito. A competência originária do STF, por qualificar-se como um complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional – e ante o regime de direito estrito a que se acha submetida –, não comporta a possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os limites fixados, em numerus clausus, pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, I, da Constituição da República. (STF. Agravo Regimental em Petição 1.738-2/MG. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Data do Julgamento: 01/09/1999. DJ: 01/10/1999)
Dito isso, a Carta Magna prevê, expressamente, na segunda parte do art. 102, I, “d”, que o STF será competente para processar e julgar o mandado de segurança somente contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio STF, não havendo, portanto, hipótese fora destas que foram enumeradas.
Existem decisões proferidas pelo Plenário do STF que discutiram a questão, apontando argumentos que inviabilizaram a apresentação do remédio constitucional perante a Corte.
Exemplificando, cite-se a Súmula 690, que, mesmo quando era válida e o STF se reconhecia competente para apreciar o habeas corpus impetrado em face de membros de Turma Recursal, ainda assim não se considerava competente para julgar o mandado de segurança por entender tratar-se de procedimentos distintos que não mereciam, necessariamente, semelhante tratamento. Assim, anuncia a ementa do referido julgado:
Agravo regimental em mandado de segurança. Impetração voltada contra ato de Turma Recursal de Juizado Especial. Incompetência desta Suprema Corte. Precedentes. 1. Não é competente o Supremo Tribunal Federal para o processamento de mandados de segurança contra atos de Turmas Recursais de Juizados Especiais. 2. Competência para o processamento de habeas corpus contra membros dessas Turmas não induz competência para conhecimento de mandados de segurança que os apontem como autoridades ditas coatoras. 3. Agravo regimental não provido. (STF. Agravo Regimental em Mandado de Segurança 25.614/SP. Plenário. Relator: Ministro Dias Toffoli. Data do Julgamento: 02/03/2011. DJe: 31/05/2011)
Em outro acórdão, os Ministros daquele Tribunal, por unanimidade de votos, também compreenderam por sua incompetência para analisar o remédio, in verbis:
AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO DE TURMA RECURSAL QUE NEGA TRÂNSITO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECLAMAÇÃO. 1. O Supremo Tribunal Federal não é competente para processar e julgar mandado de segurança impetrado contra decisão proferida por Turma Recursal de Juizado Especial. 2. A via adequada para impugnar decisão que, na origem, nega trânsito a agravo de instrumento interposto para destrancar recurso extraordinário é a reclamação, fundada em usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF. Agravo Regimental no Mandado de Segurança 23.605-1/MG. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Eros Grau. Data do Julgamento: 23/09/2004. DJ: 17/12/2004)
Importante comentar sobre a decisão em que o STF, resolvendo questão de ordem, por maioria de votos, discutiu acerca do presente tema, definindo a quem competiria apreciar a ação mandamental quando fosse impetrada em face do Colégio Recursal.
O caso se referia a um mandado de segurança impetrado contra ato de determinada Turma Recursal, em que seu Juiz Presidente requereu o encaminhamento dos autos ao STF, por entender ser este competente para o julgamento, em virtude de aplicação analógica da Súmula 690, então válida.
Tratando acerca da questão, houve divergência de posicionamentos, tendo o voto vencedor, o do Ministro Sepúlveda Pertence, sido no sentido da aplicação do art. 21, VI, da Lei Complementar n° 35/79 – LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), o qual estabelece:
Art. 21. Compete aos Tribunais, privativamente: [...]
VI – julgar, originariamente, os mandados de segurança contra seus atos, os dos respectivos Presidentes e os de suas Câmaras, Turmas ou Seções.
Mesmo não sendo a Turma Recursal considerada um Tribunal propriamente dito, o fato é que, claramente, os Ministros da Suprema Corte incorreram em uma tentativa de suprir a lacuna deixada pelo legislador pátrio, buscando o paradigma mais próximo para solucionar o impasse. Segue ementa do acórdão citado:
Competência: Turma Recursal dos Juizados Especiais: mandado de segurança contra seus próprios atos e decisões: aplicação analógica do art. 21, VI, da LOMAN. A competência originária para conhecer de mandado de segurança contra coação imputada a Turma Recursal dos Juizados Especiais é dela mesma e não do Supremo Tribunal Federal. (STF. Questão de Ordem em Mandado de Segurança 24.691-0/MG. Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para Acórdão: Ministro Sepúlveda Pertence. Tribunal Pleno. Data do Julgamento: 04/12/2003. DJ: 24/06/2005)
Com essa decisão, passa-se ao tópico seguinte a fim de analisar a competência da Turma Recursal, discutindo de forma mais aprofundada o tema.
4.3 (In)competência da Turma Recursal
Ultrapassados os demais órgãos que poderiam ser competentes para apreciar o mandado de segurança impetrado contra ato de Turma Recursal, resta analisar a sua própria competência.
Novamente fazendo uso da regulamentação das Turmas Recursais cearenses, o Código de Divisão e Organização Judiciária (Lei n° 12.342/94), em mais uma alteração redacional sofrida pela Lei n° 14.258/08, passou a apresentar a seguinte dicção no art. 97, § 3°, I:
Art. 97 [...]
§ 3° Compete às Turmas Recursais processar e julgar:
I – mandado de segurança e habeas corpus contra ato de Juiz de Direito do respectivo Juizado Especial e contra seus próprios atos; [...].
O Regimento Interno das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Ceará, ao tratar da competência do órgão, apenas aduz que a ela compete processar e julgar originariamente mandado de segurança contra decisões monocráticas em matérias cível e criminal dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e da Fazenda Pública, não sendo expressa no tocante ao ato do próprio órgão revisor. Entre os artigos 75 e 79, ao tratar sobre o writ, o Regimento Interno também não especifica a competência quando o ato coator for da Turma Recursal.
Interessante comentar sobre processo que tramitou perante o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em que se utilizou o art. 97, § 3°, I, da Lei n° 12.342/94 como base para definir o órgão julgador competente para apreciar a questão proposta.
Tratava-se de mandado de segurança em face de ato de Juiz Relator da 1ª Turma Recursal, que, em decisão monocrática, não deu seguimento a recurso inominado interposto contra sentença de mérito. O impetrante apresentou o remédio constitucional perante o Tribunal de Justiça local, o qual foi normalmente recebido e distribuído, tendo sido, inclusive, deferida a medida liminar requestada.
Ao prestar informações, a autoridade apontada como coatora levantou a hipótese de incompetência daquele Tribunal para processar e julgar a ação mandamental, apontando como competente a própria Turma Recursal.
Os autos seguiram conclusos para julgamento, decidindo o Desembargador Francisco José Martins Câmara com base no art. 97, § 3°, I, da Lei n° 12.342/94, bem como relacionando ao tema a Súmula 376 do Superior Tribunal de Justiça. Na oportunidade, deixou claro inexistirem dúvidas acerca da incompetência de sua relatoria para apreciar a lide, determinando, consequentemente, a remessa do caderno processual à 1ª Turma Recursal. Segue ementa do julgado:
MANDADO DE SEGURANÇA. JUIZADO ESPECIAL. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR. TURMA RECURSAL. 01. Segundo o Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado do Ceará, compete às Turmas Recursais processar e julgar os mandados de segurança e habeas corpus contra ato de Juiz de Direito do respectivo Juizado Especial e contra seus próprios atos. 02. Relacionado ao tema, o colendo Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n° 376, cujo texto reza: “Compete a turma recursal processar e julgar mandado de segurança contra ato de juizado especial”. 03. Reconhecida e declarada a incompetência do relator para atuar no feito. 04. Determinada a remessa dos autos à 1ª Turma Recursal. (Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Mandado de Segurança n° 14547-28.2008.8.06.0000. Relator: Desembargador Francisco José Martins Câmara. Data do Julgamento: 19/11/2012. DJe: 22/11/2012)
Esse posicionamento vai ao encontro das decisões que o STF vem tomando a respeito da temática. Ao encerrar o tópico anterior, foi dito que a Corte Suprema havia decidido pela aplicação analógica do art. 21, VI, da LOMAN ao caso posto, afastando, então, sua competência. No julgamento do Recurso Extraordinário 586.789/PR, por unanimidade de votos, foi confirmado o entendimento, cujo acórdão recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA PARA O EXAME DE MANDADO DE SEGURANÇA UTILIZADO COMO SUBSTITUTIVO RECURSAL CONTRA DECISÃO DE JUIZ FEDERAL NO EXERCÍCIO DE JURISDIÇÃO DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. TURMA RECURSAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. I – As Turmas Recursais são órgãos recursais de última instância relativamente às decisões dos Juizados Especiais, de forma que os juízes dos Juizados Especiais estão a elas vinculados no que concerne ao reexame de seus julgados. II – Competente a Turma Recursal para processar e julgar recursos contra decisões de primeiro grau, também o é para processar e julgar o mandado de segurança substitutivo de recurso. III – Primazia da simplificação do processo judicial e do princípio da razoável duração do processo. IV – Recurso extraordinário desprovido. (STF. Recurso Extraordinário 586.789/PR. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Plenário. Data do Julgamento: 16/11/2011. DJe: 27/02/2012)
Analisando essa questão, Lenza (2013, p. 780) ensina o seguinte: “[...] o precedente para o mandado de segurança se funda na interpretação dada ao art. 21, VI, da LOMAN. E percebam que o dispositivo legal se refere apenas ao MS, e não ao HC, motivo pelo qual surgiram regras distintas para cada remédio constitucional”.
No STJ há julgado que segue idêntico posicionamento, em oportunidade na qual a Corte foi instada a decidir conflito negativo de competência entre o TRF e a Turma Recursal, declarando, por fim, a competência deste órgão colegiado. Em seu voto, a Ministra Relatora assim asseverou:
Na questão de ordem supracitada, o entendimento vencedor considerou que, mesmo estando os membros das Turmas Recursais subordinados administrativamente ao Tribunal respectivo, elas devem ser consideradas como órgãos independentes e de segundo grau de jurisdição. Desta forma, o vínculo administrativo não define a competência do Tribunal para o julgamento do mandado de segurança impetrado contra ato de magistrado que atua em Turma Recursal. Pelo contrário, por serem as Turmas Recursais funcionalmente independentes dos Tribunais, a solução foi dada pela interpretação analógica do art. 21, inciso VI, da Lei Complementar nº 35/79, in verbis: Art. 21 – Compete aos Tribunais, privativamente: [...] VI – julgar, originariamente, os mandados de segurança contra seus atos, os dos respectivos Presidentes e os de suas Câmaras, Turmas ou Seções. (STJ. Conflito de Competência 38.020/RJ. Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Terceira Seção. Data do Julgamento: 28/03/2007. DJ: 30/04/2007)
Vislumbra-se, de maneira cristalina, que ambas as Cortes seguem para a mesma direção, qual seja, considerar a Turma Recursal competente para processar e julgar o mandado de segurança impetrado contra seus próprios atos.
Nas Turmas Recursais do Juizado Estadual cearense, especificamente, as decisões atendem ao estabelecido pelo STF, no sentido de que consideram o art. 21, VI, da LOMAN, entendendo competir à respectiva Turma da qual faz parte a autoridade coatora apreciar o writ. Não é outro o sentido da decisão monocrática abaixo transcrita, em que o Juiz Relator da 4ª Turma Recursal encaminhou os autos para a 1ª Turma Recursal, por ter sido por ela praticado o ato coator:
Em casos como o ora em exame, o Supremo Tribunal Federal tem assinalado competir, à própria Turma Recursal dos Juizados Especiais, a atribuição para processar e julgar, em sede originária, mandado de segurança impetrado contra os seus atos ou os dos Juízes que a integram: Nesse sentido: “Competência: Turma Recursal dos Juizados Especiais: mandado de segurança contra seus próprios atos e decisões: aplicação analógica do art. 21, VI, da LOMAN. A competência originária para conhecer de mandado de segurança contra coação imputada a Turma Recursal dos Juizados Especiais é dela mesma e não do Supremo Tribunal Federal.” (MS 24.691-QO/MG, Red. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE). (Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Ceará. Mandado de Segurança 4256-56.2013.8.06.9000/0. Relator: Juiz Carlos Rogério Facundo. Quarta Turma Recursal. Data do Julgamento: 24/02/2014. DJe: 28/03/2014)
Destarte, é possível aduzir que o entendimento que tem prevalecido no âmbito da Suprema Corte e da Corte de Justiça converge no sentido de que a competência para apreciar a ação mandamental é da própria Turma Recursal, seja o ato praticado por um dos membros que a compõem ou por ela própria.
5 CONCLUSÃO
O tema estudado remete a uma série de questionamentos. Criado para conferir agilidade ao andamento dos processos, já que, entre outras diferenças, não prevê muitos dos recursos que são admitidos na Justiça Comum, os Juizados Especiais contam com um número exorbitante de demandas, resultando, contraditoriamente, em demora na prestação jurisdicional.
Percebe-se que esse sistema ganhou grandes proporções, sendo buscado, recorrentemente, por aqueles que almejam o acesso menos burocrático ao Poder Judiciário. Isso resulta na necessidade de maior atenção aos Juizados Especiais por parte, principalmente, do legislador pátrio.
Sobre isso, abordou-se o fato de as Turmas Recursais não serem qualificadas como órgãos do Poder Judiciário pela Constituição Federal de 1988, que as enumera, segundo o STF, de forma taxativa, no art. 92. Da leitura deste dispositivo, extrai-se que nem mesmo os Juizados Especiais Cíveis e Criminais constam no rol ali exposto.
Quanto à competência para o julgamento do mandado de segurança contra ato coator praticado por Turma Recursal ou por seus membros, mostrou-se que o assunto está carente de regulamentação, em uma verdadeira omissão legislativa que dificulta o cidadão de exercer direito constitucionalmente assegurado.
A Carta Magna prevê o mandamus no rol dos direitos fundamentais e, mesmo que possua caráter residual, não deve ser afastado do sistema dos Juizados Especiais. É perfeitamente possível que os Juízes que atuam nas Turmas Recursais, decidindo colegiada ou monocraticamente, cometam atos ilegais ou abusivos que ensejem a impetração da ação mandamental. Logo, afigura-se necessária a previsão legal acerca de a que órgão competirá seu processamento e julgamento.
Nesse sentido, importante discutir o tema, pois a prática mostra que os jurisdicionados, por vezes, não têm conhecimento de para onde encaminhar o remédio constitucional.
Vislumbra-se, pois, a urgência em regulamentar a situação devido ao aumento da demanda nos Juizados Especiais. O sistema em tela se classifica como uma Justiça Especializada, adotando o rito sumaríssimo e os princípios da economia processual e da celeridade, não sendo prudente a morosidade na prestação jurisdicional.
Enquanto persiste a omissão legislativa, o Poder Judiciário buscou solucionar os casos concretos que surgiram, tendo o Supremo Tribunal Federal considerado como melhor interpretação a que confere a competência à própria Turma Recursal.
Com efeito, a sociedade, neste aspecto, precisa de um retorno. A alegação de que a impetração do mandamus na situação exposta não ocorre com frequência não é apta a afastar a necessidade de sua regulamentação, uma vez que é básico conhecer para onde direcionar uma petição quando dela se necessita. Além disso, nunca se sabe quando um ato coator precisará ser questionado; sabe-se, entretanto, que o direito de combatê-lo existe.
REFERÊNCIAS
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graduada pela Universidade Federal do Ceará e pós-graduada em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Damásio
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARY, Ana Luiza Braun. Competência para julgar mandado de segurança impetrado em face de ato de Turma Recursal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jan 2020, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54099/competncia-para-julgar-mandado-de-segurana-impetrado-em-face-de-ato-de-turma-recursal. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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