RESUMO: A presente pesquisa aborda a inovação trazida ao ordenamento jurídico brasileiro por meio da lei 11.900/2009, que alterou o Código de Processo Penal no tocante ao interrogatório do réu, contemplando a possibilidade de sua realização por meio do sistema de videoconferência. Tal mecanismo, que foi idealizado para saciar a necessidade de uma justiça informatizada, sofreu muita resistência desde o seu projeto até sua efetiva inclusão ao citado código, principalmente daqueles que possuem uma visão mais conservadora do Direito. O referido artigo, organizado em tópicos lógicos e didáticos em método dedutivo de pesquisa, busca trazer o posicionamento de todas as partes envolvidas na referida discussão. A posição dos garantistas, que enxergam no mecanismo uma ferramenta efetiva, prática e útil à defesa do acusado, bem como a posição dos conservadores, que, por sua vez, entendem ser um mecanismo violador de regras e princípios regedores do nosso sistema jurídico. Por fim, após o entendimento e exposição do tema, assim como dos argumentos prós e contra sua utilização, buscaremos viabilizar a utilização da referida ferramenta tecnológica através da compatibilização das normas principiológicas envolvidas na discussão, visando à evolução do sistema processual penal brasileiro como um todo.
Palavras-chave: Direito Processual Penal. Interrogatório. Videoconferência.
Sumário: 1 INTRODUÇÃO. 2 SISTEMA DE VIDEOCONFERÊNCIA. 2.1 Conceito. 2.2 Videoconferência no Processo Penal. 3 INTERROGATÓRIO DO ACUSADO. 3.1 Conceito e natureza jurídica. 3.2 Características. 3.2.1 Publicidade. 3.2.2 Pessoalidade. 3.2.3 Oralidade. 3.2.4 Judicialiadade. 3.2.5 Ato não preclusivo. 4 INTERROGATÓRIO ONLINE. 4.1 Histórico. 4.2 Lei Paulista n. 11.819/2005 e o interrogatório online. 4.3 Lei n. 11.900/2009 e o ingresso do interrogatório online ao CPP. 4.3.1 Finalidades da utilização do sistema de videoconferência. 4.3.2 Intimação das partes. 4.3.3 Entrevista prévia e reservada com o defensor. 4.3.4 Dos demais atos processuais e o sistema de videoconferência. 4.4 Justiça informatizada e o conservadorismo da justiça brasileira. 5 PRINCÍPIOS ACERCA DO INTERROGATÓRIO ONLINE. 5.1 Princípios em espécie. 5.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana. 5.1.2 Princípio do devido processo legal. 5.1.3 Princípio do contraditório. 5.1.4 Princípio da ampla defesa. 5.1.5 Princípio da publicidade. 5.1.6 Princípio da celeridade. 5.1.7 Princípio da informalidade. 6 CONFLITO DE PRINCÍPIOS E INTERROGATÓRIO REALIZADO POR SISTEMA DE VIDEOCONFERÊNCIA. 6.1 Conflito de princípios. 6.2 Fundamentos acerca da (in)constitucionalidade do interrogatório online. 7. CONCLUSÃO. 8 REFERÊNCIAS.
É inegável que estamos diante da era da informação. Vivemos em um mundo de muitas transformações, não há como negar a incidência dessa nova era em nossas vidas. A atividade laboral como é feita hoje se assemelha muito pouco com o trabalho braçal realizado na Era Industrial.
A invasão da tecnologia muda constantemente a nossa vida, seja na forma de nos comunicarmos, seja na forma de agirmos. Hoje ela encontra-se inserida em todos os ramos da sociedade, dando-se a conclusão de que a era da informação apresenta-se também como a era da interação, ou seja, o espaço geográfico está cada vez mais integrado à tecnologia, encurtando distâncias, economizando tempo e gerando interação ao redor de todo planeta de forma praticamente instantânea.
O Direito vive de constantes mutações para acompanhar e se adequar à realidade social, pois não o fazendo assim correria sérios riscos de que suas medidas se tornarem ineficazes ao novo panorama social que se apresenta. Sendo assim, não se adequar a realidade tecnológica que o mundo atravessa hoje, seria ir contra a própria natureza de ciência social dinâmica que o Direito possui.
2 SISTEMA DE VIDEOCONFERÊNCIA
2.1 Conceito
Neste capítulo busca-se entender e apresentar o conceito do recurso tecnológico da videoconferência, bem como de sua aplicação no interrogatório do réu.
Tem por conceito de videoconferência a forma interativa de comunicação onde duas ou mais pessoas que estejam em locais distintos possam se encontrar frente a frente em comunicação audiovisual em tempo real. Por tal mecanismo é possível que um participante possa conversar ao mesmo tempo em que visualiza o outro participante através de um monitor ou qualquer outro instrumento tecnológico que possibilite o recurso visual, proporcionando uma interação como se estivessem presentes no mesmo local.
Desta feita, a videoconferência deve ainda ser distinguida da audioconferência e da teleconferência, sendo a primeira uma conferência realizada por meio de áudio, seja por celular ou telefone fixo. A teleconferência, por sua vez, é uma comunicação realizada de forma combinada por meio de telefone e televisão subsidiada via satélite.
A videoconferência seria, portanto, a forma combinada e interativa nos dois sentidos (áudio e visual).
2.2 Videoconferência no Processo Penal
A utilização do sistema de videoconferência em sede processual penal não se esgota no interrogatório do acusado, podendo o método também ser utilizado na prática de outros atos processuais, como, por exemplo, nos atos constantes nos diversos capítulos do Título VII do Código de Processo Penal, que possuem, inclusive, previsão de expressa possibilidade sobre o uso do sistema tecnológico.
Quanto à possibilidade de utilização desse mecanismo nos demais atos do Processo Penal, que não o interrogatório, Fernando Capez disciplina (2012, p. 425):
Interessante notar que a Lei n. 11.900/2009 não se limitou a autorizar o emprego desse recurso tecnológico apenas no ato do interrogatório, pois abarcou todos os atos processuais que dependam da participação de pessoa que esteja presa, como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, e inquirição de testemunhas ou tomados de declaração do ofendido (CPP, art. 185, §8º). Em tais hipóteses fica garantido o acompanhamento do ato processual pelo acusado e seu defensor.
No tocante a prova testemunhal e a possibilidade de sua produção por meio do sistema de videoconferência, o mesmo Fernando Capez afirma (2012, p. 425):
De acordo com o novo § 3º do art. 222 do Código de Processo Penal, na hipótese em que a testemunha morar fora da jurisdição, a sua oitiva poderá ser realizada por meio de videoconferência, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.
Ainda quanto à prova testemunhal e a inovação trazida pela Lei n. 11.900/2009, Edilson Mougenot Bonfim diz (2011, p.410):
A oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento. A medida – facultativa – fortalece o princípio da imediatidade da prova, uma vez que permite ao próprio juiz do processo, diretamente, inquirir a testemunha acerca dos fatos sub judice, sem a figura do juiz intermediário na formação da prova.
Como se percebe, esse sistema pode abranger a prática de vários atos do processo penal. É inegável que a aplicação do sistema de videoconferência possibilita uma forma eficaz e versátil de se realizar atos do processo penal sem lesar a segurança jurídica. Ao contrário, garante até maior credibilidade à procura da verdade real na produção da prova, como, por exemplo, nos casos de inquirição por precatória, em que Edilson Mougenot Bonfim refere (2011, p. 411):
O modelo de inquirição usualmente feito por precatória muitas vezes transforma-se em “ato vazio”, na colheita de um testemunho sem conteúdo, na medida em que o depoente é inquirido pelo juiz da comarca em que mora, não exatamente alheio à questão genérica de mérito, mas às particularidades relevantes, que somente seriam perceptíveis pelo juiz dos autos. Nesse sentido, bem usada a medida, a busca da verdade real se fortalece, permitindo-se ao juiz que conhece do processo uma correta produção probatória.
Desta forma, já é possível visualizar o uso do sistema de videoconferência não apenas no interrogatório do réu, mas em vários atos processuais e, seguindo os ditames de um processo inteiramente informatizado, essa prática será cada vez mais comum no dia-a-dia forense.
3 INTERROGATÓRIO DO ACUSADO
3.1 Conceito e Natureza Jurídica
Antes de tudo, mostra-se necessário conceituar o próprio interrogatório do acusado, bem como sua etimologia e sua natureza jurídica, para que assim se possa aferir a possibilidade de produção desse meio de prova através de videoconferência.
Pelo nosso ordenamento, interrogatório é o ato judicial pelo qual a autoridade argui o acusado, como mecanismo de sua defesa do próprio acusado, ou seja, de forma simplificada, através de perguntas realizadas pelo magistrado diretamente ao acusado para que mediante esta inquirição possa se chegar à verdade real, providência que se insere no conceito maior de ampla defesa.
Edilson Mougenot Bonfim assim conceitua o interrogatório (2011, p. 390):
Chama-se interrogatório o ato processual conduzido pelo juiz no qual o acusado é perguntado acerca dos fatos que lhe são imputados, abrindo-lhe oportunidade para que, querendo, deles se defenda (incidindo nesse caso, o direito constitucional ao silêncio, que não pode ser tomado como prova contra o réu).
Fernando Capez, por sua vez, conceitua o interrogatório como sendo (2012, p. 413):
Ato judicial no qual o juiz ouve o acusado, sobre a imputação contra ele formulada. É o ato privativo do juiz e personalíssimo do acusado, possibilitando a este último p exercício de sua defesa, da sua autodefesa.
Renato Brasileiro de Lima, de forma sintática apresenta o seguinte conceito: “interrogatório judicial é o ato processual por meio do qual o juiz ouve o acusado sobre sua pessoa e sobre a imputação que lhe é feita” (2011, p. 953).
Quanto à natureza jurídica, a doutrina divide-se em três posições: Para uma primeira corrente, o interrogatório é um meio de prova, que busca fornecer convicção ao juiz, pois esta foi a opção do legislador quando inseriu o interrogatório no capítulo referente às provas. A segunda corrente, por sua vez, atribui ao interrogatório um meio de defesa, uma vez que nele o acusado expõe a sua versão sobre o ocorrido imputado a ele, o que, em outras palavras, induz que o interrogatório pode se constituir em fonte de prova. Por fim, a terceira corrente surge para conciliar as duas primeiras atribuindo ao interrogatório uma natureza mista, onde ao mesmo tempo é meio de prova e meio de defesa.
Até meados de agosto de 2008, o interrogatório, para maioria da doutrina, possuía natureza jurídica mista, pois era entendido como um ato judicial que era tanto meio de prova quanto meio de defesa para o acusado. Neste sentido, os professores Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar em sua obra conjunta trazem que (2009, p. 347):
O interrogatório tem natureza jurídica híbrida ou mista, pois, tanto é um meio de defesa, em razão das incontestáveis prerrogativas dadas ao réu pela legislação (direito de calar-se; apresentar sua versão dos fatos), como também é meio de prova, afinal, o magistrado vai realizar as perguntas pertinentes à elucidação dos fatos, assim como a acusação e o advogado do interrogado também o farão. O material eventualmente colhido servirá na formatação do convencimento do julgador. Nessa senda, o magistério de Mirabete, Denílson Feitosa Pacheco, dentre outros. E também o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de justiça.
Com o advento da Lei 11.719/08, que alterou o procedimento comum do interrogatório, ficou ainda mais explícita essa natureza de meio de defesa que o referido ato possui. Isto se dá porque essa reforma processual penal instituiu a audiência única aos procedimentos ordinário e sumário, onde ficam concentrados todos os atos instrutórios do processo, sendo o interrogatório do réu o último ato de instrução probatória dessa nova audiência. Ainda antes da alteração, Scarance Fernandes já trazia o seguinte alerta: “se o interrogatório é meio de defesa, deve-se verificar o melhor lugar para sua inserção na ordem do procedimento, havendo a tendência a posicioná-lo após a inquirição das testemunhas”.
Quanto a esta alteração, Fernando Capez disciplina (2012, p.416):
Mencionada alteração legislativa surtiu alguns reflexos no sistema do interrogatório, na medida em que este, no procedimento ordinário e sumário (bem como na primeira fase do procedimento do júri), era o ato inaugural da instrução criminal e, agora, deixou de sê-lo. Além disso, o mesmo era realizado em audiência isolada, seguida da audiência para oitiva da testemunha de acusação e, posteriormente, da defesa; agora, se insere dentro de uma audiência única, em que são produzidas todas as provas do processo. Importante notar que em alguns procedimentos especiais o interrogatório continua a constituir o primeiro ato da instrução (Leis n. 8.039/90 e 11.343/06).
Hoje, majoritariamente, entende-se o interrogatório como meio exclusivo de defesa para o acusado, não tendo mais natureza mista, pois o juiz não tem competência para obrigar o réu a falar, e também não pode interpretar o silêncio contra ele, pois pelo princípio da ampla defesa e da não autoincriminação, o juiz não pode interpretar esse silêncio em desfavor do réu. Neste sentido, disciplina Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2009, p. 346):
O réu pode invocar o direito ao silêncio, sem nenhum prejuízo à culpabilidade. Ademais, o interrogatório é o momento para o réu, desejando, esboçar a versão dos fatos que lhe é própria, sendo expressão da autodefesa. Pode até mesmo mentir para livrar-se da imputação [...] O interrogatório pode funcionar até como fonte de prova, mas não deve ser enquadrado na vala comum dos meios de provas.
Importante ressaltar que o interrogatório, por ser meio de defesa, torna-se um ato obrigatório no curso da ação penal e sua ausência gera nulidade. Quanto a pena de nulidade por ausência de interrogatório no curso da ação, Fernando Capez assevera que (2012, p. 421):
Há duas posições: os que são pela nulidade relativa e os que defendem a nulidade absoluta. Prevalece a tese de que a ausência de interrogatório no curso da ação constitui nulidade absoluta, cujo prejuízo é presumido, uma vez que violado preceito de ordem constitucional, qual seja, o princípio da ampla defesa.
Desta forma, conclui-se que o interrogatório é um meio de defesa do réu, que poderá optar pela resposta ou pelo silêncio às perguntas elaboradas pela autoridade judicial, sendo vedado ao magistrado interpretar o silêncio em desfavor do réu, por força dos princípios da ampla defesa e da não autoincriminação, pois estas garantias constitucionais não podem ser suprimidas no momento da inquirição no interrogatório.
3.2 Características
São características inerentes ao interrogatório a publicidade, pessoalidade, a oralidade e a judicialidade. Fernando Capez, uma vez mais, ensina que interrogatório, além das características já citadas, é, ainda, ato não preclusivo.
3.2.1 Publicidade
O interrogatório é público porque com exceção daquelas ocasiões em que for imprescindível a decretação do sigilo, ele deve ser conduzido à vista de todos.
Nesse sentido, doutrina Mirabete (2006, p. 274):
O interrogatório é ato público, gozando o acusado de liberdade e da garantia de que não se praticará extorsão das confissões. Mesmo quando realizado no estabelecimento prisional em que estiver preso o acusado, deve-se assegurar a publicidade do ato.
A publicidade, como prevê a Constituição Federal em seu art. 93, é a garantia dada ao povo para fiscalizar o Poder Judiciário. Ela não é exclusividade do interrogatório, pois a publicidade é um princípio que rege o próprio Estado Democrático de Direito.
3.2.2 Pessoalidade
Por essa característica o interrogatório é ato personalíssimo, não admitindo em hipótese nenhuma a intervenção de terceiros na atuação do acusado perante a autoridade judicial.
Quanto à intervenção de terceiros, Edílson Mougenot Bonfim faz a seguinte ressalva (2011, p. 390-391):
É personalíssimo porque a presença do réu não pode ser substituída, inexistindo o interrogatório por procuração e admitindo-se a participação ativa de terceiros no procedimento apenas no caso do interrogado surdo e mudo que não saiba ler e escrever (art. 192, parágrafo único).
Quanto à hipótese de representação no interrogatório Fernando da Costa Tourinho Filho reporta em sua obra (2012, p. 592):
O interrogatório é um ato personalíssimo. Só o imputado é que pode e deve ser interrogado. Não é possível a representação (salvo a esdrúxula hipótese de denúncia contra pessoa jurídica, quando, então, é o seu representante legal que vai ser interrogado...).
3.2.3 Oralidade
A oralidade, por sua vez, é consequência direta da pessoalidade. É por ela que se dá a inequívoca manifestação do réu perante o questionário elaborado pelo magistrado, para que o acusado as responda oralmente.
O ato será devidamente registrado pelo escrivão, o que não vicia a essência da oralidade.
Fernando Capez traz a seguinte exceção (2012, p. 419):
Admitem-se como exceção, as perguntas escritas ao surdo e as respostas igualmente escritas do mudo. Já em se tratando de réu estrangeiro, se o idioma não for o castelhano, deverá ser nomeado um intérprete. Se o réu for surdo-mudo e analfabeto, será nomeado intérprete que funcionará também como curador.
3.2.4 Judicialidade
A judicialidade é o requisito pelo qual somente a autoridade judicial possui competência para interrogar o réu, não havendo hipótese de delegação para nenhum outro sujeito processual.
A divergência que surge é referente à indagação se o ato praticado pela autoridade policial na fase de inquérito, em que esta colhe depoimento do indiciado, se tal depoimento ou ato seria, ou não, feição de interrogatório. Contudo, essa dúvida não prevalece ante o pressuposto de que o interrogatório é ato exclusivo a ser realizado pelo magistrado.
Quanto à possibilidade das partes formularem perguntas ao final do ato (art. 188 do CPP com redação dada pela Lei n. 10.792/2003) Fernando Capez ensina (2012, p. 418):
Convém ressaltar que tais perguntas são feitas em caráter meramente complementar e não obrigam o juiz a repassá-las ao acusado, podendo indeferi-las quando considerá-las impertinentes ou irrelevantes. Diante disso, fica mantida a característica de ser o interrogatório um ato privativo do juiz, mesmo com a possibilidade de as partes sugerirem uma ou outra indagação ao seu final, dado ser esta uma atuação complementar e de caráter excepcional.
Importante destacar a inovação trazida pela Lei n. 11.900/2009 referente ao interrogatório do réu preso realizado em estabelecimento prisional. A nova redação dada pelo §1º do art. 185, alteração feita pela lei supracitada, prevê que será realizado em sala própria, no estabelecimento prisional em que estiver recolhido, desde que garantida à segurança do juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares da justiça, bem como a presença do defensor e a devida publicidade do ato.
3.2.5 Ato não preclusivo
Por fim, Fernando Capez inclui em sua obra a característica da não preclusão do interrogatório, quando insere em seus comentários (2012, p. 419):
O interrogatório não preclui, podendo ser realizado a qualquer momento, dada a sua natureza de meio de defesa. Com efeito, o art. 196 do CPP, com a nova redação dada pela lei n. 10.792/2003, dispõe que “a todo tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório de ofício ou a pedido fundamentado de qualquer das partes”.
4 INTERROGATÓRIO ONLINE
4.1 Histórico
O sistema de videoconferência foi usado pela primeira vez no Brasil em interrogatório realizado no dia 27 de agosto de 1996 na cidade de Campinas, no Estado de São Paulo. O referido ato foi presidido pelo juiz de Direito Edison Aparecido Brandão, que se encontrava presente em uma sala do fórum, enquanto o acusado localizava-se em uma sala no presídio no qual estava recolhido. A generalidade desse pioneiro interrogatório ficou por conta dos dois defensores que acompanhavam o ato. Um primeiro se encontrava ao lado do magistrado na cidade campineira, enquanto o outro estava ao lado do réu efetivando, assim, um acompanhamento presencial, por parte da defesa técnica, tanto das perguntas formuladas, quanto das respostas dadas pelo acusado.
À época, o juiz de Direito Edison Brandão defendeu o uso da nova tecnologia sob o argumento de que “recriminar pura e simplesmente a tecnologia jamais ajudará bem o seu papel no futuro. As resistências ao novo tema servem, ao menos, para enriquecer a discussão e nortear o funcionamento deste novo recurso”.
No mesmo ano, o então magistrado Luiz Flávio Gomes fez uso de tecnologia semelhante para realizar um interrogatório. A distinção se deu pelo mecanismo usado, que neste caso foi feito por e-mail, onde todo o ato se deu por troca de mensagens de texto via internet. Por não permitir interação em contato audiovisual entre o interrogado e a autoridade judicial, a técnica utilizada por Luiz Flávio sofreu duras críticas. O referido magistrado, hoje renomado doutrinador, em obra conjunta com Juliana Fioreze doutrina, quanto ao interrogatório por vídeo conferência (2009, p. 110):
Esse método, além de reduzir drasticamente os custos com o transporte dos presidiários, auxilia o Estado, que pode punir com maior rapidez os criminosos e também beneficia os acusados, porque desburocratiza os pedidos de liberdade provisória. Mais: Nenhum réu será interrogado pelo sistema on-line contra sua vontade, porque comparecer à presença de um juiz é direito dele.
O Estado da Paraíba foi pioneiro no que tange a positivação do interrogatório por meio de videoconferência. Após a devida aprovação pela Assembleia Legislativa, bem como da sanção pelo chefe do executivo estadual, foi baixada pelo presidente do Tribunal de Justiça daquele Estado, à época o Desembargador Marcos Antônio Souto, a Portaria nº 2.210/2002, permitindo aos magistrados interrogarem presos por meio de videoconferência em um canal exclusivo interligado entre uma sala especial no fórum e outra no maior presídio estadual do estado.
Em âmbito federal, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região foi o primeiro a regulamentar o interrogatório por meio de videoconferência, através do Provimento nº 5, de 20 de junho de 2003, expedido pela Corregedoria Geral daquele colegiado.
4.2 Lei Paulista n. 11.819/2005 e sua Importância para o Interrogatório Online
Para um estudo efetivo do interrogatório on-line nos moldes em que é realizado hoje, deve-se fazer breve análise da Lei paulista n. 11.819/2005, considerada como precursora da Lei n. 11.900/2009, que disciplina todo o sistema atual de inquirição por meio do sistema de videoconferência.
Em 2005 foi editada no Estado de São Paulo a referida lei estadual que previa a realização do interrogatório via videoconferência. Com redação sintética, regulava em apenas quatro artigos a utilização da tecnologia conferencial.
O artigo 1º trazia o seguinte texto: “Nos procedimentos judiciais destinados ao interrogatório e à audiência de presos, poderão ser utilizados aparelhos de videoconferência, com o objetivo de tornar mais célere o trâmite processual, observadas as garantias constitucionais”. Os outros três artigos regulamentavam o prazo, os custos e a publicidade da lei em tela.
A partir de sua entrada em vigor, ocorrida em 05 de janeiro de 2005, passaram a ser realizados em todo o Estado de São Paulo, vários interrogatórios por meio da tecnologia da videoconferência. Porém, ao mesmo passo em que o procedimento se propagava, apareciam diversos questionamentos acerca de sua constitucionalidade, fazendo com que a questão chegasse rapidamente aos Tribunais Superiores.
A divergência quanto à constitucionalidade da Lei n. 11.819/2005 se manteve em um primeiro momento nos Tribunais. A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça pronunciou-se no sentido de que o uso da videoconferência no interrogatório do réu não ofendia as garantias constitucionais do acusado, uma vez que o procedimento era realizado com a participação de dois defensores, sendo um na presença do magistrado, e outro no estabelecimento prisional, junto ao réu.
Em sentido contrário, a 2ª Turma do STF, em um caso concreto onde o acusado não fora citado para se defender, concedeu habeas corpus em favor de paciente que tão somente foi instado a comparecer à sala especial do estabelecimento prisional para a realização do interrogatório.
Por fim, foi reconhecida em 30 de outubro de 2008, no plenário do Supremo Tribunal Federal, a inconstitucionalidade formal da Lei Paulista n. 11.819/2005. Vale destacar que a decisão se deu por vício de forma na Lei, pois o pretório Excelso entendeu que a referida matéria processual penal seria de competência exclusiva da União, não podendo o Estado, neste caso, fazer suas vezes.
4.3 Lei n. 11.900/2009 e o Ingresso do Interrogatório Online ao CPP
O Poder Legislativo, diante da decisão de inconstitucionalidade da Lei paulista n. 11.819/2005, por meio do Congresso Nacional, aprovou rapidamente a Lei n. 11.900/2009 que regulamentava o interrogatório do réu, bem como os demais atos processuais por meio do sistema de videoconferência.
A Lei n. 11.900/2009, com vigência em 09 de janeiro de 2009, veio para alterar dispositivos do Código de Processo Penal pátrio. Quanto às mudanças advindas na referida Lei, foi acrescentado texto ao parágrafo 1° do artigo 185 do Código de Processo Penal com o seguinte teor:
O interrogatório do réu preso será realizado, em sala própria, no estabelecimento em que estiver recolhido desde que estejam garantidas a segurança do juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato.
O citado artigo mostra preocupação quanto à preservação da garantia de segurança dos membros que participam do referido ato, e o meio utilizado para isso é a videoconferência. Assim fazendo o Poder Judiciário, ficam diminuídos consideravelmente os riscos de uma eventual fuga do réu no trajeto presídio/fórum, aumentando a própria segurança do magistrado, do promotor e dos auxiliares que, por sua vez, podem realizar o ato no próprio estabelecimento em que o réu esteja recolhido.
Quanto à presença dos defensores do acusado, é necessário estarem presentes um no fórum e outro no estabelecimento prisional, preservando assim a garantia da efetiva publicidade e legalidade do ato de interrogatório, sob pena de nulidade do mesmo.
No que concerne ao aparato tecnológico a ser utilizado, Renato Brasileiro de Lima faz a seguinte ressalva (2011, p. 975):
Apesar de a Lei n. 11.900/2009 nada ter dito quanto ao aparato tecnológico a ser utilizado nas hipóteses de atos processuais praticados pelo sistema de videoconferência, pensamos que algumas premissas básicas devem ser observadas: 1) a transmissão audiovisual bidirecional (two-way), de molde a permitir a efetiva interação entre o acusado (ou a testemunha remota) e os demais participantes do depoimento; 2) um padrão de qualidade e clareza na transmissão durante todo o ato processual; 3) a plena visualização por parte das pessoas situadas na sala de audiências de todos os recantos do recinto onde o acusado ou a testemunha remota se encontram, a fim de evitar a presença de pessoas estranhas, que estejam orientando ou coagindo tal testemunha.
4.3.1 Finalidades da Utilização do Sistema de Videoconferência
Dispõe o parágrafo 2° do mesmo artigo 185 do Código de Processo Penal Brasileiro:
Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:
A lei exige certas finalidades para execução da medida de interrogatório do réu via videoconferência, que poderá ser promovido de ofício pelo magistrado, ou por requerimento de qualquer das partes.
A primeira finalidade da medida se encontra no inciso I do § 2º do artigo 185 do Código de Processo Penal, qual traz:
I- “Prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integra organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento”.
A referida medida se dá como forma de proteção da segurança pública, face à ameaça e ao grande temor causado pelo crime organizado à sociedade.
Quanto a esta finalidade, Renato Brasileiro de Lima entende que (2011, p. 977):
Nesse ponto, é importante que se tenha em mente que todo e qualquer transporte de preso gera certo risco à segurança pública. Logo, não se pode determinar a realização da videoconferência com base nesse risco genérico para segurança pública. Na verdade deve haver um risco concreto fundado na suspeita de que o preso faça parte de determinada organização criminosa (v.g., PCC), ou que possa fugir durante o deslocamento.
O inciso II do mesmo parágrafo mostra a preocupação do legislador em garantir o direito de autodefesa do réu, no sentido que disciplina o interrogatório online com o intuito de:
II- “Viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal”.
É claramente um inciso garantidor do princípio da ampla defesa do acusado, assegurando a participação do réu no interrogatório quando houver considerável dificuldade para o seu deslocamento até o local da prática do referido ato processual.
Quanto à terceira condição de procedibilidade, o inciso III, do § 2º, traz que o interrogatório on-line poderá ser deferido para:
III- “Impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência”.
Neste inciso visa-se proteção à vítima e à testemunha, evitando um constrangimento desnecessário do ofendido, bem como a intimidação da testemunha quando estiverem perante o réu, para que assim, seja possível extrair um depoimento livre de interferências externas. Cumpre ressaltar que a testemunha e o ofendido serão inquiridos por meio de videoconferência, porém, não sendo possível ouvi-los por meio do referido sistema, o magistrado determinará a retirada do réu da sala de audiência, prosseguindo-se no interrogatório via videoconferência com a presença obrigatória de seu defensor.
Por fim, o inciso IV do § 2° do artigo 185 do Código de Processo Penal, traz a possibilidade de realização do interrogatório do réu por videoconferência quando:
IV- “Responder à gravíssima questão de ordem pública”.
A preocupação se dá quando a matéria contida nos autos, por envolver questão de ordem pública muito grave, faz merecer especial atenção do Estado.
4.3.2 Intimação das Partes
A Lei n. 11.900/2009 dá redação ao § 3º do artigo 185 do CPP que, em fiel cumprimento aos princípios do contraditório e da ampla defesa, da decisão que determinar o interrogatório por meio de videoconferência, as partes devem ser intimadas com antecedência de 10 dias.
Há doutrinadores que entendem a violação dessa regra como hipótese de nulidade relativa, pois a falta dessa intimação no prazo destacado, pode não ter ocasionado qualquer prejuízo às partes.
4.3.3 Entrevista Prévia e Reservada com o Defensor
Em se tratando de interrogatório por videoconferência, a Lei n. 11.900/2009 tratou de adequar a entrevista reservada e separada (que já se encontrava prevista no Estatuto da OAB e na Lei Orgânica da Defensoria Pública) ao uso da referida tecnologia audiovisual online.
O parágrafo 5º do artigo 185 do CPP dispõe que: “em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso”. A importância deste “canal de comunicação” reservado ao acusado e seu defensor, está relacionado ao sigilo profissional que existe no exercício da advocacia, e que uma vez violado, importa em nulidade absoluta do ato processual.
Cumpre destacar que, embora exista divergência quanto ao número de defensores necessários ao cumprimento do ato, fazendo-se uma interpretação gramatical do § 5º do artigo 185 do CPP chega-se a conclusão que são necessários dois advogados, sendo um presente no prédio do fórum e outro acompanhando o ato ao lado do acusado.
4.3.4 Dos demais Atos Processuais e o Sistema de Videoconferência
Por fim, fugindo ao interrogatório, mas completando o estudo das alterações trazidas pela Lei n. 11.900/2009, houve ainda a previsão expressa de utilização do sistema de videoconferência para outros atos do Processo Penal, como traz a redação do § 8º do artigo 185 do CPP: “Aplica-se o disposto nos §§ 2º, 3º, 4º e 5º deste artigo, no que couber à realização de outros atos processuais que dependam da participação de pessoa que esteja presa, como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas e inquirição de testemunha ou tomada de declarações do ofendido”.
Nas hipóteses narradas acima, fica garantido ao acusado e seu defensor o acompanhamento do ato processual, respectivo, conforme disciplina o § 9º do mesmo artigo.
4.4 Justiça Informatizada e o Conservadorismo da Justiça Brasileira
A justiça brasileira necessita de evolução para acompanhar os avanços tecnológicos, em especial o Código Processual Penal brasileiro, oriundo da década de 40. Sua informatização trará os mais diversos benefícios para melhor atender a todos que recorrem ao Judiciário para resolução de suas lides.
A utilização da tecnologia por meio de equipamentos modernos de informática na realização de atos processuais busca tornar os procedimentos mais céleres para evitar, talvez, o maior problema que existe no Judiciário brasileiro hoje em dia, que é a morosidade na prestação jurisdicional, o que acarreta enormes prejuízos para a tutela de um bem jurídico, pois não raras vezes a morosidade resulta em impunidade.
Essa morosidade, bem como o alto custo dos processos criminais, não são visualizados, por exemplo, no setor privado, pois a concorrência que existe na iniciativa privada não permite acomodação do particular, uma vez que este deve acompanhar os avanços da tecnologia para que seu produto ou serviço continue competindo em pé de igualdade com seu concorrente. É costumeiro dizer que no setor privado o particular estático está fadado ao fracasso.
O setor público, por sua vez, em razão da ausência dessa concorrência que existe no setor privado, não possui essa necessidade vital de se adequar às tecnologias e, assim, evolui em um ritmo menos acelerado. Quanto ao exposto, Marco Antônio de Barros discorre (2003, p. 424):
As multinacionais, as grandes empresas, os conglomerados financeiros e até mesmo muitas bancas de advocacia desfrutam de avançadíssimos sistemas tecnológicos que não combinam com a ultrapassada estrutura do Judiciário, desgastada pela excessiva quantidade de processos que abarrotam os escaninhos das serventias e pelos parcos recursos que lhe são destinados.
Apesar dessa resistência por parte dos conservadores, podemos visualizar a tecnologia inserida em algumas áreas do Judiciário como, por exemplo, nos processos digitais que já são realidade em vários Estados brasileiros e na Justiça Federal.
É bem verdade que a reforma da Administração Pública, que passou a adotar uma gestão gerencial, onde se busca um aparelho de Estado forte e eficiente, foi um importante passo para a modernização dos sérvios públicos. Porém essas mudanças implementadas sofreram maior resistência para serem aplicadas ao Poder Judiciário, pois os vícios de gestão que existiam historicamente no modelo anterior como, por exemplo, o apego excessivo a papéis se encontram mais enraizados dentro do Judiciário, onde o formalismo exacerbado sempre foi uma marca.
Essa resistência fica ainda maior quando essas mudanças são direcionadas ao processo penal em razão dos bens jurídicos que são tutelados nesse ramo do Direito. Por esse motivo, sempre que surge um novo meio tecnológico para dar cumprimento às garantias constitucionais da duração razoável do processo e da celeridade processual, a doutrina criminalista se mostra mais receosa à sua observação, seja por apego excessivo ao tradicional, seja por maior precaução à adoção de tecnologias que possam lesar outras garantias constitucionais como a ampla defesa e a dignidade da pessoa humana.
Como já citado ao início desta pesquisa, vivemos hoje a Era da informação e a ciência do Direito, ainda que morosa, tende a acompanhar as seguidas evoluções da sociedade, e ir se atualizando cada vez mais para se adequar a essa nova realidade informatizada, sempre buscando a garantia de preceitos constitucionais como a duração razoável do processo, da celeridade e da economia processual.
5 PRINCÍPIOS ACERCA DO INTERROGATÓRIO ONLINE
Antes de iniciar os estudos direcionados aos princípios que norteiam o interrogatório online, mostra-se necessário conceituar os princípios do processo penal de forma ampla, pois conceituar “princípio” de forma genérica se mostra muito difícil, vide a característica vaga e ambígua que tal termo possui, onde, segundo Manuel Atienza e Juan Ruiz Manero, na obra Theory of Legal Sentences (1998, p. 5), podem ser extraídos até onze diferentes conceitos para o termo, e não é o objetivo desta pesquisa adentrar nesse árduo e polêmico campo que envolve a natureza dos princípios jurídicos a luz da Teoria do Direito.
A título de complementaridade, quanto aos princípios em geral, ficamos com o conceito dado por Humberto Àvila (2004, p. 129):
Princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação demandam uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.
Assim posto, Edílson Mougenot Bonfim conceitua princípios do processo penal da seguinte forma (2011, p. 66):
Princípios do processo penal – ou princípios informativos do processo penal – como aquelas normas que, por sua generalidade e abrangência, irradiam-se por todo o ordenamento jurídico, informando e norteando a aplicação e a interpretação das demais normas de direito, ao mesmo tempo em que conferem unidade ao sistema normativo e, em alguns casos, diante da inexistência de regras, resolvendo diretamente os conflitos. Destarte, quando tais normas (princípios) conferem garantias de cunho fundamental (direitos fundamentais) aos jurisdicionados, aludem-se então às garantias fundamentais, que, em sede de processo penal, configuram as garantias processuais.
Ainda quanto ao tema, Fernando da Costa Tourinho Filho acrescenta (2012, p. 57):
Quanto mais democrático for o regime, o processo penal mais se apresenta como um notável instrumento a serviço da liberdade individual. Sendo o processo penal, como já se disse, uma expressão de cultura, de civilização, e que reflete determinado momento político, evidente que os seus princípios oscilam a medida que os regimes políticos se alteram.
Os princípios, portanto, simbolizam mais do que um elemento fundamental de determinado sistema. Eles são a própria força dominante que estrutura as normas jurídicas, pois não basta o conhecimento da prescrição normativa, sendo necessário buscar o fundamento, o espírito que moveu a criação daquela norma.
5.1 Princípios em espécie
5.1.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
Inaugurando o estudo dos princípios acerca do interrogatório online, nada mais adequado que o princípio em tela que, para muitos juristas, é posto como o principal princípio do nosso ordenamento jurídico.
Tal princípio é imensamente amplo, não podendo ser definido em um único sentido.
A dignidade é algo inato ao ser humano, pois pressupõe que ela nasce com o indivíduo e com ele caminha ao longo de toda sua vida por meio de suas ações, pensamentos e relacionamento com seus pares. É a visão antropocêntrica adquirida com o passar dos séculos, onde, nas palavras de Marquês de Beccaria, na obra Dos Delitos e das Penas, “não existe liberdade onde as leis permitem que, em determinadas circunstâncias, o homem deixe de ser pessoa e se converta em coisa” (Dei delitti e delle pene, XXVII, p. 316).
Nas célebres palavras de Luiz Régis Prado, dignidade da pessoa humana é (2010, p. 144):
O homem deixa de ser considerado apenas como cidadão e passa a valer como pessoa, independentemente de qualquer ligação política ou jurídica. O reconhecimento do valor do homem enquanto homem implica o surgimento de um núcleo indestrutível de prerrogativas que o Estado não pode deixar de reconhecer, verdadeira esfera de ação dos indivíduos que delimita o poder estatal.
Ainda, nas palavras de Alexandre de Moraes, o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser conceituado da seguinte maneira (2011, p. 61):
A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo vulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
Sendo assim, entende-se por dignidade da pessoa humana, o atributo que se encontra vinculado à própria existência do ser humano, não podendo ser objeto de abdicação e encontrando limites apenas na própria dignidade da pessoa humana, uma vez que a defesa de nossa dignidade é justificável até a fronteira que envolve o núcleo de dignidade de outra pessoa.
A dignidade da pessoa humana encontra-se positivada no primeiro artigo da Constituição Federal de 1988, e, mais do que um direito fundamental, é classificada como um fundamento da República Federativa.
Por fim, em consonância com o início do tópico, Luiz Régis Prado reforça a importância deste princípio (2010, p. 145):
Observe-se, ainda, que a força normativa desse princípio supremo se esparge por toda a ordem jurídica e serve de alicerce aos demais princípios penais fundamentais. Desse modo, por exemplo, uma transgressão aos princípios da legalidade ou da culpabilidade implicará também, em última instância, uma lesão ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
5.1.2 Princípio do Devido Processo Legal
O princípio do devido processo legal consagrado na Constituição Federal no art. 5º, inciso LIV, dispõe que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Edilson Mougenot Bonfim, quanto à origem da expressão “devido processo legal” (2011, p. 71) ensina:
“Devido processo legal” é expressão que deriva do inglês due process of Law, constituindo, basicamente, a garantia de que o conteúdo da jurisdicionalidade é a legalidade, ou seja, o rigor de obediência ao previamente estabelecido na lei. De fato, a origem histórica do princípio é inglesa (art. 39 da Magna Carta, outorgada em 1215 por João Sem Terra aos barões ingleses), muito embora a concepção moderna do que venha a ser devido processo legal se deva, em grande medida, à construção jurisprudencial da Suprema Corte norte-americana.
Tal garantia constitucional, que também é chamada de due process of Law, na definição de Eduardo J. Couture (1951, p. 45): “consiste no direito de a pessoa não ser privada da liberdade e de seus bens, sem a garantia que supõe a tramitação de um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei”.
O referido princípio, como não poderia deixar de ser, relaciona-se com diversos direitos e garantias constitucionais que precisam necessariamente ser atendidas para a configuração do devido processo legal. Por tal razão, não há de se dizer em devido processo legal sem a observância, por exemplo, da garantia de presunção de inocência, duplo grau de jurisdição, direito de citação de todos os atos relativos ao processo e que comportem recurso, do direito à publicidade, respeito à coisa julgada entre outras, que devem ser cumpridas para a efetivação de um devido processo.
5.1.3 Princípio do Contraditório
É garantido na Constituição Federal no art. 5º, inciso LV que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
O princípio do contraditório possui base na máxima romana audiatur et altera pars, que nada mais é que a exigência de oitiva da parte contrária na discussão da lide, buscando, assim, uma igualdade de direitos e obrigações entre a defesa e a acusação, como ensina Edilson Mougenot Bonfim (2011, p. 73):
O princípio do contraditório significa que cada ato praticado durante o processo seja resultante da participação ativa das partes. Origina-se no brocardo audiatur et altera pars. A aplicação do princípio, assim, não requer meramente que cada ato seja comunicado e cientificado às partes. Relevante é que o juiz, antes de proferir cada decisão, ouça as partes, dando-lhes igual oportunidade para que se manifestem, apresentando argumentos e contra-argumentos.
No entendimento de Joaquim Canuto Mendes de Almeida (1973, p.82), “o princípio do contraditório é ciência bilateral dos atos ou termos do processo e a possibilidade de contrariá-los”.
Deve ser assegurada uma real participação dos sujeitos do processo ao longo de toda a ação, garantindo assim um efetivo e pleno contraditório. É o que a doutrina denomina de contraditório efetivo. Quanto à exigência dessa plenitude, Gustavo Badaró destaca (2008, T.1, p. 1-36):
Quanto ao seu objeto, deixou de ser o contraditório uma mera possibilidade de participação de desiguais, passando a se estimular a participação dos sujeitos em igualdade de condições. Subjetivamente, porque a missão de igualar os desiguais é atribuída ao juiz e, assim, o contraditório não só permite a atuação das partes, como impõe a participação do julgador.
Renato Brasileiro de Lima destaca a distinção entre os processos civil e penal no tocante ao contraditório (2011, p. 20):
Notadamente, no âmbito processual penal, não basta assegurar ao acusado apenas o direito à informação e à reação em um plano formal, tal qual acontece no processo civil. Estando em discussão a liberdade de locomoção, ainda que o acusado não tenha interesse em oferecer reação à pretensão acusatória, o próprio ordenamento jurídico impõe a obrigatoriedade de assistência técnica de um defensor.
Importante destacar que na fase do inquérito policial prevalece na doutrina e na jurisprudência que não há de se falar em igualdade de partes, em razão do sistema inquisitivo que impera nesse procedimento administrativo.
O que se busca na investigação policial é meramente a juntada de provas para subsidiar uma eventual denúncia por parte do Ministério Público, razão pela qual, neste momento, não há de se falar em princípio do contraditório.
Quanto à produção de provas em inquérito policial que, como já citado, não admitem contraditório, Renato Brasileiro de Lima ensina (2011, p. 21):
Por força do princípio ora em análise, a palavra prova só pode ser usada para se referir aos elementos de convicção produzidos, em regra, no curso do processo judicial, e, por conseguinte, com a necessária participação dialética das partes, sob o manto do contraditório e da ampla defesa. Essa estrutura dialética da produção da prova, que se caracteriza pela possibilidade de indagar e de verificar os contrários, funciona como eficiente mecanismo para a busca da verdade.
Sob o escopo do interrogatório online, importante destacar que o referido princípio não ficaria prejudicado pelo uso do sistema de videoconferência, uma vez que o interrogatório acontece em tempo real, como se defesa, acusação e a autoridade judicial estivessem presentes no mesmo espaço geográfico.
5.1.4 Princípio da Ampla Defesa
A garantia da ampla defesa também vem prevista no art. 5º, inciso LV da Constituição Federal quando rege que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Fernando Capez trata a ampla defesa como (2012, p. 65):
Implica o dever de o Estado proporcionar a todo acusado a mais completa defesa, seja pessoal (autodefesa), seja técnica (efetuada por defensor), e o de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados (CF, art. 5º, LXXIV). Desse princípio também decorre a obrigatoriedade de se observar a ordem natural do processo, de modo que a defesa se manifeste sempre em último lugar.
O princípio da ampla defesa costuma ser traduzido como a soma de dois aspectos: autodefesa e defesa técnica.
A autodefesa é a garantia individual conferida ao acusado de argumentar sobre a sua própria inocência ou mesmo de justificar seus atos praticados. A crítica quanto ao uso do sistema de videoconferência no interrogatório do réu se dá, principalmente, nesse aspecto da ampla defesa. Tal corrente entende ser degradante a impossibilidade da pessoa expor sua versão dos fatos perante a autoridade judicial de forma direta, além do fato de que a autodefesa fica prejudicada no interrogatório online pela supressão do direito de audiência, que é aquele conferido ao réu para influir diretamente na formação de convicção da autoridade judicial.
A defesa técnica, por sua vez, é aquela exercida por profissional habilitado, legalmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil e tem por características a irrenunciabilidade e a indisponibilidade. É condição obrigatória para o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa no processo penal, dando cumprimento ao que é chamado por Tourinho Filho (2012, p. 60) de princípio de paridade de armas, que nada mais é que a igualdade de condições para a acusação e defesa.
Quanto à disponibilidade da autodefesa e da defesa técnica, Edilson Mougenot Bonfim ensina (2011 p. 75-76):
A defesa técnica é indisponível. Caso o réu não possa contratar um advogado, o juiz deverá nomear para sua defesa um advogado dativo ou, quando possível, determinar que assuma a defesa um defensor público. Sem isso não poderá prosseguir o processo. [...] a autodefesa é exercida diretamente pelo acusado. É livremente dispensável, e tem por finalidade assegurar ao réu o direito de influir diretamente na formação da convicção do juiz (direito de audiência) e o direito de se fazer presente nos atos processuais (direito de presença).
5.1.5 Princípio da Publicidade
Na seara processual, o processo deve ser público e transparente, salvo as exceções que comportem segredo de justiça e/ou relevante interesse social.
A Constituição prevê este princípio em seu artigo 5°, inciso XV, que disciplina: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigir”.
Segundo Renato Brasileiro de Lima, princípio da publicidade é (2011, p. 41-42):
A garantia do acesso de todo e qualquer cidadão aos atos praticados no curso do processo revela uma clara postura democrática, e tem como objetivo precípuo assegurar a transparência jurisdicional, oportunizando sua fiscalização não só pelas partes, como por toda a comunidade. Basta lembrar que, em regra, os processos secretos são típicos de estados autoritários.
Tal princípio possui enorme relevância por ser um dos princípios base do regime democrático de direito, onde a população exerce um controle indireto sobre os atos públicos, e, esse controle, se dá principalmente por meio da publicidade. Nesse sentido, Antônio Scarance Fernandes diz que com a publicidade “são evitados excessos ou arbitrariedades no desenrolar da causa, surgindo, por isso, a garantia como reação aos processos secretos, proporcionando aos cidadãos a oportunidade de fiscalizar a distribuição da justiça” (2002, p. 68).
Luigi Ferrajoli ainda ensina (2006. P. 567):
A publicidade assegura o controle tanto externo como interno da atividade judiciária. Com base nela, os procedimentos de formulação de hipóteses e de averiguação da responsabilidade penal devem desenvolver-se à luz do sol, sobre o controle da opinião pública e sobretudo do imputado e de seu defensor. Trata-se do requisito seguramente mais elementar e evidente do método acusatório.
O avanço da informática, bem como sua amplitude, proporciona aos cidadãos uma comodidade impensável em outros tempos. Hoje o advogado no conforto de sua casa pode fazer uso do processo digital online para peticionar ao Poder Judiciário, evitando os contratempos do dia-a-dia como, por exemplo, o trânsito congestionado das cidades, a falta de vagas em estacionamentos e filas de atendimento.
A possibilidade de acompanhar os atos processuais por meio do sistema de videoconferência é uma forma extremamente eficaz de garantir, ainda mais, a publicidade do ato, tornando-se uma ferramenta de grande utilidade para aqueles que buscam fiscalizar os atos do Poder Judiciário, concretizando o controle indireto do ato sem nem sequer sair do conforto de sua residência.
Sobre o uso da tecnologia em favor do processo penal, Vilma do Amaral se posiciona no seguinte sentido (2004, p. 136):
O uso racional da inter-rede no processo tende a torná-lo mais democrático, pois qualquer pessoa, em qualquer ponto do mundo, poderá assistir a ele. Essa assistência possibilita maior funcionalidade na prestação jurisdicional, cumprindo-se, assim, o princípio processual da publicidade.
O sistema tecnológico proporcionado pela Era da informação que estamos vivenciando, no campo processual penal, aparece como uma ferramenta que favorece muito a concretização do princípio em tela, garantindo uma verdadeira publicidade dos atos públicos ao alcance de toda e qualquer pessoa que queira fazer valer sua condição de cidadão.
5.1.6 Princípio da Celeridade
O princípio da celeridade processual constitui, em verdade, o principal fundamento da instituição dos Juizados Especiais, bem como da nova modalidade de processo trazida por esses órgãos.
O mandamento em tela teve previsão, inicialmente, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, popularmente conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, especificamente em seu art. 8º, com a seguinte redação (Decreto n. 678, de 6-11-1992):
Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
Posteriormente, a EC n. 45/2004, ao introduzir o inciso LXXVIII ao art. 5º da CF, trouxe expressamente o princípio da celeridade, pelo qual prevê “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Pelo conceito de Edilson Mougenot Bonfim (2011, p. 104):
Trata-se de um princípio pelo qual não só os atos processuais, vistos isoladamente como partículas do procedimento, mas também a concessão da própria tutela requerida, nos casos em que o requerente tenha razão, seja provida com celeridade, privilegiando a eficácia da tutela concedida. O princípio, evidentemente, deve ser contraposto à necessidade de um grau aceitável de segurança jurídica, já que a consecução da função jurisdicional apenas se dará de forma plena se houver equilíbrio entre a eficácia e a correção das decisões.
Pela exposição acima do renomado processualista, podemos visualizar que o uso do sistema de videoconferência no interrogatório do réu se adéqua perfeitamente ao mandamento do princípio. É fácil visualizar a praticidade e a eficácia da medida que, por ser realizada à distância via internet, torna o ato muito mais célere, sem deixar de lado a eficácia do procedimento.
Ainda com base no conceito dado por Mougenot Bonfim, o uso do sistema de videoconferência no interrogatório do réu não põe em risco a citada segurança jurídica exigida pelo princípio, pois mesmo online, o interrogatório não deixa de possuir caráter público, uma vez que qualquer cidadão pode acompanhar o ato por qualquer computador.
O uso da mencionada tecnologia, mais do que a segurança jurídica, garante segurança pública à medida que, sendo o ato realizado dentro do presídio, torna impossível uma eventual fuga do preso no momento do deslocamento ao fórum onde seria realizado o ato processual presencial.
Cumpre destacar a ressalva feita por Pietro de Jesús Lora Alarcón (Reforma do Judiciário, 2005, p. 35):
De certo, o princípio da celeridade complementa o devido processo legal, não o desautoriza. Por isso haverá que examinar, caso a caso, em que circunstâncias o princípio da celeridade cede diante dos postulados adjetivos da cláusula imorredoura. Parece-nos que, por exemplo, quando da celeridade do procedimento possa sobrevir alguma consequência que iniba o exercício pleno da ampla defesa no campo penal, onde se discute a liberdade do acusado, a celeridade cede diante desta última.
Mais uma vez, voltando à ótica do interrogatório online, entendemos não haver nenhum prejuízo à ampla defesa com o uso da tecnologia da videoconferência para realização do interrogatório do réu, pois a lei que introduziu o referido mecanismo no nosso Código de Processo Penal tomou o devido cuidado de garantir essa prerrogativa ao acusado como, por exemplo, quando coloca à sua disposição a possibilidade de entrevista reservada com seu defensor através de acesso a canais telefônicos, como prevê o § 5º do art. 185 do CPP.
Ante o exposto, entendemos pela plena compatibilidade entre o princípio da celeridade processual e o procedimento do interrogatório do réu pelo sistema de videoconferência, não havendo qualquer prejuízo à ampla defesa ou a segurança jurídica tutelada pelo referido mandamento.
5.1.7 Princípio da Informalidade
A formalidade, tão presente na ciência do Direito, se materializa na observância que a lei prescreve como obrigatória para os atos do processo. Alguns atos processuais devem obedecer rigorosamente à forma prescrita em lei, sob pena de ter sua nulidade declarada posteriormente, como, por exemplo, aqueles atos que necessariamente devem ser realizados por escrito, ou mesmo os que devem ser realizados na forma oral.
Fugindo à doutrina clássica, há aqueles que defendem uma ideia de informalidade para certos atos processuais como forma de dar maior eficácia ao ato, ou mesmo para dar celeridade ao processo. Quanto à flexibilização em relação a forma do ato, Edilson Mougenot Bonfim adota a seguinte posição:
A informalidade, em sentido contrário à formalidade, visa a flexibilização dos instrumentos (formas) pelos quais os atos processuais podem ser praticados, abolindo as formas rígidas, já que essas nem sempre se mostram as mais adequadas à consecução de um processo justo e ao mesmo tempo célere.
Embora o princípio da informalidade seja aplicado com mais cautela nos procedimentos ordinário e sumário do processo penal, ele é muito observado nos Juizados Especiais, inclusive expressamente (vide art. 62 da Lei 9.099/95), tornando a análise de mérito muito mais célere, sem deixar de ser eficaz.
O uso do sistema de videoconferência para a prática de atos do processo penal também guarda compatibilidade com o princípio da informalidade. Um dos fundamentos daqueles que são contra o uso de tal mecanismo, é de que o direito de presença em audiência perante o juiz estaria sendo cerceado, porém pela ótica da flexibilização, tal presença física seria mera formalidade de ato e poderia ser relativizada pelo uso da videoconferência, que da mesma forma possibilita ao réu estar presente em audiência, porém, em espaço geográfico distinto.
O interrogatório online, assim, não acarretaria danos à defesa do acusado, ao contrário, reduziria a formalidade excessiva do ato, e por este motivo encontra plena consonância com o princípio da informalidade.
6 CONFLITO DE PRINCÍPIOS E INTERROGATÓRIO REALIZADO POR SISTEMA DE VIDEOCONFERÊNCIA
O sistema normativo brasileiro é formado por uma junção de regras e princípios que formam um conjunto harmônico de normas jurídicas. Os princípios, em síntese, são mandamentos que possuem alto grau de abstração, e devido a sua generalidade e abrangência irradia efeitos por todo o ordenamento jurídico, norteando aplicação e interpretação das demais normas desse mesmo ordenamento jurídico, além de oferecer determinada unidade ao sistema normativo.
As regras, por sua vez, são dotadas de baixo grau de abstração e, ao contrário dos princípios, são aplicadas através do método de subsunção, existindo pouco campo para interpretações.
O problema toma corpo quando ocorrem conflitos dentro desse citado conjunto harmônico de normas jurídicas. A doutrina e a jurisprudência, diante de tal situação, fornecem métodos para a resolução desses conflitos, sendo o primeiro deles visualizar a natureza jurídica dos pontos conflitantes no caso concreto como, por exemplo, se a discordância se dá entre normas, entre norma e princípio ou se o conflito reside em dois princípios.
De forma sintática, o conflito de normas é solucionado por meio de critérios de antinomia. Quanto ao conflito entre norma e princípio, majoritariamente entende-se pela predominância do segundo. Porém, o verdadeiro cerne do problema se encontra nas situações onde o conflito ocorre entre dois ou mais princípios, uma vez que a própria natureza abstrata e interpretativa dessas normas, por si só, já fornece elementos para os mais diversos debates.
É exatamente neste ponto que o interrogatório online encontra bastante divergência, pois ao mesmo tempo em que seus defensores encontram argumentos em princípios constitucionais, os seus críticos também encontram subsídios na mesma espécie de norma jurídica.
Por tal motivo, passamos a direcionar a presente pesquisa aos conflitos de princípios e suas formas de resolução e, posteriormente, aos argumentos pró e contra ao uso do sistema de videoconferência no interrogatório do réu.
6.1 Conflito de Princípios
A grande polêmica que envolve o tema é a classificação dos princípios positivados no ordenamento jurídico processual. Como já citado, as normas jurídicas podem ser divididas em princípios e regras. Porém, quanto à natureza jurídica dos princípios positivados, possuem eles força de norma-regra ou norma-princípio?
Ao considerarmos os princípios positivados no CPP como norma-princípio, há o chamado “conflito de princípios”, que ocorre quando duas ou mais dessas normas jurídicas entram em colisão. Diante de tal situação, devem ser adotados métodos hermenêuticos de ponderação, razoabilidade e proporcionalidade na aplicação ao caso concreto. Esses critérios devem ser adotados porque é consolidado o entendimento de que não existe prevalência de um princípio sobre outro, pois eles coexistem. Logo, diante de um conflito deve ser analisado qual princípio seria mais razoável de ser aplicado àquele caso concreto.
Na contramão, se considerarmos a natureza jurídica dos princípios positivados como norma-regra, geralmente deve-se recorrer à hermenêutica clássica utilizando o critério literal, lógico ou o teleológico para saber qual regra será aplicada ao caso concreto. Neste sentido Edilson Mougenot Bonfim doutrina (2011, p. 70):
Em conflito de normas, uma das regras, portanto, sendo válida, provoca a invalidez de outra, pois as regras são aplicáveis ao modo all or nothing (tudo ou nada) – na lição de Ronald Dworkin -, enquanto os princípios não são considerados inválidos. Ao contrário, continuam vigendo mesmo que não os apliquemos, somente que, em dado caso concreto, cedem passo a outro, reputando maior valor para aquele caso, uma vez feita a ponderação dos valores em jogo.
Quanto à divergência exposta, o renomado doutrinar traz ainda interessante exemplo (2011, p. 70):
[...] se considerada a norma constitucional que veda a utilização de provas ilícitas uma “regra” (o chamado princípio da proibição das provas ilícitas), está não admite flexibilização, ou seja, veda-se terminantemente a utilização de qualquer prova nessas condições; contudo, se entendermos que tal norma é um “princípio” (e não uma regra), em determinadas situações, considerando-se o caso que se julga, pode-se ou não validar a chamada prova ilícita, porquanto se fará uma ponderação entre os valores ou interesses que se opõe.
Voltando ao cerne do interrogatório online, entendemos pela classificação dos princípios positivados no ordenamento jurídico como “normas-princípio”, pois mesmo expresso, entendemos que o princípio não perde seu caráter mandamental, uma vez que entendidos como meras “regras”, eles perderiam, por exemplo, a prerrogativa de preencher lacunas em casos análogos. Quanto a este efeito dos princípios gerais do Direito, Giorgio Del Vecchio ensina (2003, p. 13-14):
[...] o método para determinar os princípios gerais do direito consistirá em remontar às disposições particulares da lei, por via de abstração a preceitos mais amplos, e continuando nessa “generalização crescente”, até atingir aquela que compreenda, na esfera do direito positivo, o caso duvidoso. Esse método poderá talvez parecer sugerido pelo mesmo legislador, porque ele, assim, convida o intérprete a investigar se para dada controvérsia há uma precisa disposição de lei; depois, para hipótese negativa, ordena-lhe que atenda às disposições reguladoras de casos semelhantes ou matéria análoga e somente no termo final, isto é, quando falha esta segunda hipótese, o remete para os princípios gerais do direito.
6.2 Fundamentos Acerca da (In)Constitucionalidade do Interrogatório Online
O interrogatório online, objeto desta pesquisa acadêmica, embora já editada lei regulamentadora, ainda sofre inúmeras críticas que resultam em muitas discussões em sede doutrinária e jurisprudencial acerca da constitucionalidade do interrogatório via videoconferência, tendo em conta as garantias constitucionais consagradas no texto maior que parcela da doutrina alega serem lesadas.
Outra críticas que se faz ao interrogatório online é a “frieza” que referido mecanismo impõe ao acusado, pois, segundo seus críticos, o contato físico entre o réu e o juiz é imprescindível para formação de convicção do magistrado. Neste sentido, Ana Sofia Schmidt de Oliveira (O interrogatório a distância, Boletim do IBCCrim, n 42, p.1): “importa o olhar. Importa olhar para a pessoa e não para o papel. Os muros das prisões são frios demais. Não é bom que estejam entre quem julga e quem é julgado”.
Ainda quanto à distância, importante destacar Tales Castelo Branco que alerta para outras ocorrências que podem viciar um interrogatório realizado de dentro de um estabelecimento prisional (Boletim do IBCCrim n. 124, 2003):
É necessário abandonar a ingenuidade ou o excesso de boa-fé para, honesta e lealmente, avaliar se o interrogatório realizado no interior do presídio garante a liberdade de manifestação do preso, quando todos sabem que as cadeias são dominadas por temíveis facções criminosas. Tanto quanto os riscos de inibir denúncias contra a própria administração do presídio e seus funcionários - guardas de presídio e carcereiros -, haverá, ainda, notória insegurança para aqueles que, para exercitar a autodefesa, necessitassem delatar alguém que estivesse confinado na mesma prisão.
Luiz Flávio D’Urso parte do mesmo pressuposto para fundamentar seu posicionamento contra o uso do sistema de videoconferência no interrogatório do réu (D’Urso, 2004, on-line): “o preso pode sofrer coação, mesmo que psicologicamente, uma vez que estará no ambiente prisional, o que não acontece na presença do juiz”.
A violação, neste caso, se dá em relação aos princípios da publicidade, que ficaria restringido, e do devido processo legal, onde, em razão do ambiente em que o interrogatório é realizado, o juiz não pode aferir a ocorrência de interferências externas que podem intimidar o acusado, resultando, portanto, num interrogatório viciado.
Edilson Mougenot Bonfim entende não haver motivos para temer interferências externas no interrogatório realizado por vídeo conferência, pois, em suas palavras (2011, p. 395):
A obrigatoriedade da presença do defensor, bem como sua prévia e reservada entrevista com o réu, elide o argumento das possíveis pressões externas que possam macula a autodefesa e o valor probatório do ato. É imperioso ressaltar que, de acordo com o art. 185, § 5º, do CPP, faz-se necessária a presença de dois advogados, estando um primeiro no fórum juntamente com o juiz e o promotor de Justiça e o outro no interior do presídio, o que elide a existência de qualquer tipo de coação ou pressão no interior do estabelecimento prisional.
Ainda quanto a esses temores de violação de direitos e garantias constitucionais do acusado, Fernando Capez entende que a Lei 11.900/09 trouxe medidas assecuratórias para esses direitos e garantias constitucionais (2012, p. 426):
[...] percebe-se que a Lei procurou justamente resguardar os direitos e garantias constitucionais do acusado ao prever o direito à entrevista prévia e reservada com o seu defensor; a presença de um defensor no presídio e um advogado na sala de audiência do fórum, os quais poderão comunicar-se por intermédio de um canal telefônico reservado; da mesma fora, o preso poderá comunicar-se pelo canal com o advogado presente no fórum, na medida em que é possível que este faça reperguntas ao réu. Além do que, assegurou-se sala reservada no estabelecimento prisional para realização do ato, a qual será fiscalizada pelo Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil, pelos corregedores e pelo juiz da causa, de forma a garantir a lisura do procedimento, bem como a publicidade do ato. Portanto, na essência, nada mudou, já que o réu poderá valer-se de todos os seus direitos constitucionalmente assegurados, afastando-se qualquer posicionamento contrário à videoconferência.
A distância geográfica entre o acusado e autoridade judicial também é motivo de críticas para alguns autores. Há o entendimento de que estaria sendo violado o chamado “direito de audiência”, prerrogativa à disposição do réu, de estar diante do juiz da causa. O referido mandamento encontra-se positivado no Pacto de San José da Costa Rica, no sentido de que toda pessoa detida deve necessariamente ser levada à presença de um magistrado.
Importante destacar o entendimento de Carlos Weiss, que entende que a supressão do “direito de audiência”, além de ir contra o princípio da ampla defesa (mais especificamente no que concerne a autodefesa), também acarretaria prejuízos no julgamento da causa, pois acredita ser imprescindível esse encontro entre réu e juiz para averiguação da verdade real. Ademais, em sintonia com este entendimento, o princípio da imediação estaria sendo violado, pois, pelo referido princípio, o magistrado deve tomar contato com as provas sem intermediários e o uso da tecnologia dificultaria a percepção da autoridade judicial quanto às nuanças do depoimento do acusado.
Neste sentido, Carlos Weiss propõe (2002, p. 169):
A construção de pequenas unidades judiciais anexas ou próximas aos locais de detenção e prisão, para a oitiva, em caráter excepcional, dos chamados “presos perigosos”, compatibilizando o direito fundamental à preservação da segurança pública, com aqueles relacionados às garantias fundamentais judiciais e à construção do Estado Democrático de Direito.
Embora a solução encontrada pelo referido conselheiro seja suficiente para dar cumprimento aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa, tal medida continuaria preterindo a utilização da ferramenta tecnológica da videoconferência e, por consequência, continuaria indo contra outros princípios norteadores do processo penal como, por exemplo, o princípio da razoável duração do processo.
Entendemos que o deslocamento até a Unidade Judicial idealizada por Carlos Weiss, embora preserve a segurança pública, não garantiria a segurança individual da autoridade judicial e do membro do Ministério Público que se dirigissem ao local do interrogatório, sem dizer, é claro, que tal medida não reduziria custos, mas, ao contrário, seria ainda mais oneroso à Administração Pública providenciar unidades judiciais específicas anexas aos estabelecimentos prisionais.
Neste sentido, Renato Brasileiro de Lima nos traz (2011, p. 979):
A nosso juízo, a realização do interrogatório por videoconferência não atende somente aos objetivos de agilização, economia e desburocratização da justiça. Atende também à segurança da sociedade, do magistrado, do membro do Ministério Público, dos defensores, dos presos, das testemunhas e das vítimas, razão pela qual não pode ser tachada de inconstitucional.
Fernando Capez, por sua vez, vai além e questiona a própria interpretação da expressão “presença da autoridade”, trazida pela Convenção Interamericana de Direitos Humanos, popularmente conhecida como “Pacto de San José da Costa Rica” (2012, p. 427):
A expressão “presença da autoridade” merece uma interpretação consentânea com a evolução tecnológica que se vem processando nos últimos tempos. Quando tais diplomas foram editados, respectivamente, nos idos de 1941 e 1969, nem sequer se cogitava da existência do sistema de videoconferência. É certo que, quando a Lei afirma que o réu tem direito de estar perante um juiz, o ideal é que isso ocorra no plano concreto, mas o Direito não se encontra apenas no plano do ideal, forjado na mente humana, sob ele há um pano de fundo concreto, que exige soluções concretas, viáveis. Estar perante o juiz, dadas as condições da realidade, pode, uma vez garantidos os direitos dos acusados, como o fez a Lei, significar ser interrogado pelo sistema de videoconferência, sem que isso implique aniquilamento desses direitos.
O avanço da tecnologia é tanto, que dada a qualidade de som e imagem que o sistema de videoconferência proporciona, não haveria nenhum prejuízo ao acusado e ao julgador, que possuiria os mesmos subsídios proporcionados pela presença física do réu para formação de sua convicção.
Lopes Júnior ainda entende que o uso do sistema de videoconferência viola, também, o princípio da dignidade da pessoa humana. Para o citado jurista, a presença física é imprescindível no processo penal para garantia de direitos e garantias fundamentais. Neste sentido, Lopes Jr. Destaca (2005, online):
Existe um verdadeiro direito à presença física no processo penal, e isso está consubstanciado no valor dignidade e humanidade. Claro que nos criticarão por essa postura, rotulando-nos de (neo) iluministas – como se isso fosse ofensivo. Assumimos uma posição conservadora, mas coerente para quem até hoje não compreendeu como é que se pode fazer interrogatório on-line ou sexo virtual.
Aqueles que acompanham o entendimento acima defendem que o uso do sistema de videoconferência retira do réu a possibilidade de se defender de forma ampla, uma vez que fica cerceada a oportunidade de demonstrar suas emoções “in loco” frente à autoridade judiciária, desumanizando o processo penal e, por consequência, não oferecendo uma forma digna do acusado se defender da acusação.
Fazemos coro à parcela da doutrina que entende não haver violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que, como já citado, a moderna tecnologia proporciona alta qualidade de som e imagem, que seria mesmo leviano dizer que algum gesto ou emoção restaria prejudicado na transmissão online. Ademais, entendemos ser ainda mais ofensivo à dignidade humana o deslocamento até o prédio do fórum dentro de um camburão escoltado por força policial, que submeter-se ao interrogatório realizado por meio de videoconferência, sem o constrangimento que a primeira situação normalmente gera.
A corrente que defende a constitucionalidade do interrogatório online entende que o processo moderno deve ser efetivo. Essa busca pela celeridade na prestação judicial está inclusive positivada na Constituição Federal. O art. 5º, inciso LXXVIII (acrescentado pela Emenda Constitucional 45/2004) estabelece que: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Pactua desta posição, Edilson Mougenot Bonfim (2011, p. 395):
O interrogatório feito por meio do sistema de videoconferência busca tornar efetiva e célere a prestação jurisdicional. Não há que se falar em afronta aos princípios da ampla defesa e publicidade, uma vez que o acusado, no interrogatório, tem contato direto e irrestrito com o magistrado e com seu advogado, sendo a publicidade garantida mediante a tecnologia.
Marcellus Polastri Lima, por sua vez, defende a constitucionalidade do interrogatório online fazendo menção ao direito comparado (2009, p. 402-403):
Não vemos tal inconstitucionalidade, já que a eficiência do processo está prevista no art. 37 da CF, além de termos previsto o direito constitucional à jurisdição (art. 5º, XXXV, CF), sem falar no princípio do prazo razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF). Aliás, o instituto é abraçado em países como EUA, Canadá, Austrália, Reino Unido, Espanha, Holanda, Itália, além de outros países europeus. Ora, comparecer ao ato não é somente a identidade física perante o juiz em um mesmo ambiente, pois a modernidade nos dá outros meios para tanto, bastando que se tomem providências, como, v. g., a presença de funcionário do juiz ao ato, cientificação do interrogando ou da pessoa a ser ouvida, a publicidade do ato, a presença obrigatória do Ministério Público, dos advogados, etc.
Cumpre ressaltar ainda que alguns tratados internacionais mais modernos já vêm fazendo referência ao uso do sistema de videoconferência nos atos do processo penal. Juliana Firenze traz os seguintes tratados como exemplo: Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (art. 32, § 2º, alínea “a” e 46, § 18) e a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (art. 18, § 18 e art. 24).
Juliana Firenze é outra jurista de renome que entende pela constitucionalidade do interrogatório online, e fundamenta tal entendimento com brilhantismo (2007, pp. 113-114):
[...] a jurisdição, enquanto manifestação de soberania estatal deve orientar-se pelo princípio da eficiência, nos moldes do art. 37 da CF. Trata-se de inequívoca norma de reforço, pois a ineficiência do processo significa a absoluta imprestabilidade do provimento jurisdicional [...] o uso da tecnologia explica-se por razões de segurança ou de ordem pública ou, ainda, quando o processo possui particular complexidade e a participação à distância resulte necessária para evitar o atraso no seu andamento. É o receio da paralisia do processo.
Ante o exposto, respeitando todas as posições trazidas na presente pesquisa, acreditamos que, diante do conflito de princípios que o tema apresenta, deve ser aplicado o princípio da proporcionalidade para assegurar a constitucionalidade do uso do sistema de videoconferência no interrogatório do réu. E porque fazer essa mensuração? Como já trazido neste trabalho, normas principiológicas não se anulam quando em conflito, uma vez que, na condição de mandamentos supralegais, encontram-se num mesmo plano de hierarquia, devendo, por isso, ser analisado cada caso em concreto considerando os pressupostos de proporcionalidade e razoabilidade para se saber qual princípio deverá ser aplicado àquela situação.
Trazendo a discussão para o interrogatório online, de um lado temos o direito de presença do réu, que decorre do princípio da ampla defesa e, do outro, temos a efetiva prestação jurisdicional por meio da celeridade processual, aa segurança pública e a contenção de gastos que o Estado teria com a massiva diminuição de transporte de presos. Quanto a este último aspecto – custo do deslocamento de preços – vale destacar o que vinha ocorrendo há anos no Estado de São Paulo, onde diariamente centenas de veículos e escoltas policiais eram deslocadas pelas estradas paulistas para atender aos atos processuais presenciais dos acusados, impondo aos cofres daquele Estado um dispêndio gigantesco que poderia ser direcionado a outras rubricas.
Fazendo uma ponderação simples, observamos que as vantagens do uso da referida tecnologia são maiores que as desvantagens, e essa diferença toma proporções colossais quando se percebe que o uso do sistema de videoconferência não interfere negativamente na ampla defesa do acusado, uma vez que a autodefesa pode ser exercida normalmente pela ferramenta tecnológica da videoconferência.
No mesmo sentido, Edilson Mougenot Bonfim expõe (2011, p. 396):
Como não existe direito absoluto, a presença física do réu no interrogatório cede em favor do interesse público com fundamento no princípio da proporcionalidade, que nada mais é do que um método interpretativo e de aplicação do direito para a solução da colisão de princípios e do balanço dos valores em oposição.
Ainda quanto à aplicação do princípio da proporcionalidade como meio de viabilizar o interrogatório online, Renato Brasileiro de Lima dispõe (2011, p. 979):
Sendo verdade que direitos e garantias individuais do cidadão funcionam como limites intransponíveis aos poderes persecutórios do Estado, não menos correto é que tais direitos e garantias não são absolutos, podendo sofrer limitações, desde que tais restrições estejam fundamentadas em lei e se mostrem compatíveis com o princípio da proporcionalidade.
Acompanhando o mesmo raciocínio, Juliana Firenze (2007, p. 113):
[...] A compatibilização entre as garantias da ampla defesa e da eficiência do processo deve, entretanto, ser construída a luz do princípio da proporcionalidade que tradicionalmente autua como critério solucionador dos conflitos entre valores constitucionais, realizando o primeiro mandamento básico da fórmula política de um ordenamento, que é o respeito simultâneo aos interesses individuais, coletivos e públicos [...] a participação à distância acarreta evidentemente mitigação do princípio da ampla defesa, notadamente do direito de presença, mas não o inviabiliza, já que o núcleo essencial está preservado pelo princípio da proporcionalidade diante da possibilidade do acusado intervir no ato processual por meio da tecnologia, mas não fisicamente, e sim resguardando o contato com o defensor.
O interrogatório online se mostra uma importante ferramenta nascida da evolução tecnológica, envolvendo enorme complexidade em razão dos diversos princípios constitucionais que o envolve, motivo pelo qual é geradora de inúmeros debates doutrinários e jurisprudenciais, sobretudo porque diz respeito a um bem jurídico de valor extremado.
Já se passaram quatorze anos desde o primeiro interrogatório online em 1996, e, apesar de o tema ainda não estar plenamente pacificado, acreditamos que a ponderação e a razoabilidade indicam para a sua constitucionalidade e, assim sendo, deve ser cada vez mais utilizado dentro do processo penal. Não seria razoável que somente o Direito, enquanto ciência humana, não faça uso das facilidades trazidas pela Era da informação em benefício da nossa sociedade.
7 CONCLUSÃO
A presente pesquisa acadêmica trouxe uma abordagem da compatibilidade constitucional do interrogatório realizado por videoconferência, bem como de sua perfeita adequação aos princípios e normas do Código de Processo Penal.
O instituto em destaque, mais do que cumprir com os mandamentos constitucionais, observa e acompanha o que tem de mais moderno na justiça informatizada, fazendo uso do que de melhor a tecnologia tem a oferecer à Justiça.
É necessário destacar que o uso dessa ferramenta não implica em desconsiderar os princípios e direitos fundamentais conquistados com tanta luta pela sociedade nos últimos séculos. Essa ferramenta vem para complementar esses direitos e garantias fundamentais, dando à prestação jurisdicional maior celeridade e eficiência em suas apreciações.
Em que pese o acalorado debate doutrinário que cerca o tema, parcela considerável da doutrina entende que aliar a tecnologia ao ordenamento jurídico pátrio traz mais vantagens do que desvantagens para o Poder Judiciário, pois reduz burocracias, reduz gastos com transporte de presos, bem como uma infinidade de outros benefícios.
O Direito como ciência dinâmica que o é, não pode se dar ao luxo de virar as costas ao mundo moderno e ao que ele oferece à sociedade. Fazer uso da tecnologia, sem deixar de observar os direitos básicos trazidos por nossa Carta constitucional, é mais do que uma oportunidade, é um verdadeiro dever de seus operadores, aliado sempre à busca de um processo cada vez mais justo e democrático.
8 REFERÊNCIAS
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Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente/SP; Especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina/PR;
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Marcelo Aparecido de. Interrogatório online: generalidades e conflito de princípios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jan 2020, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54121/interrogatrio-online-generalidades-e-conflito-de-princpios. Acesso em: 23 dez 2024.
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