RESUMO: O presente artigo trata a respeito dos efeitos irradiados Código de Processo Civil de 2015 nos executivos fiscais. A aplicação da normativa constitucional na normativa processual brasileira, influxo do neoconstitucionalismo, deverá produzir uma modificação do cenário dos executivos fiscais. Exatamente nesse contexto, do reflexo do CPC/2015 sobre a Lei Federal nº 6.830/80 que a análise se debruçará. Sem a pretensão de exaurir a temática, o artigo avaliará quais os potenciais reflexos que o novo códex processual deverá produzir sobre os executivos fiscais.
PALAVRAS-CHAVE: Tributário; Processual; Neoconstitucionalismo; Executivos Fiscais; Efeitos do CPC sobre a Lei Federal nº 6.830/80.
ABSTRACT: This article deals with the radiated effects of the 2015 Civil Procedure Code on tax executives. The application of constitutional rules in the Brazilian procedural rules, the influx of neoconstitutionalism, should produce a change in the scenario of tax executives. Exactly in this context, from the reflection of CPC / 2015 on Federal Law nº. 6.830 / 80 that the analysis will address. Without pretending to exhaust the subject, the article will evaluate what are the potential reflexes that the new procedural codex should produce on the tax executives.
KEYWORDS: Tax; Procedural; Neoconstitutionalism; Tax executives; Effects of CPC on Federal Law nº. 6.830 / 80.
O neoconstitucionalismo, movimento atualmente vivenciado pela sociedade brasileira, constitui-se na preservação e promoção dos direitos fundamentais, revalorizando o direito constitucional, mediante uma nova abordagem do papel da constituição no sistema jurídico. Surgido no segundo pós guerra, é o movimento de superação do positivismo e que representa um avanço do Estado de Direito para o Estado Democrático de Direito.
Nesse viés de avanço de um sistema binário de tudo ou nada do positivismo, o neoconstitucionalismo passou a exigir do legislador e do hermeneuta uma nova base normativa, seja ela material, seja ela processual.
Exatamente nesse diapasão surge o novo Código de Processo Civil. O Novo CPC passou a ter ampla preocupação com os direitos e garantias fundamentais as partes e ao processo. Aliás isso fica expresso já em seu Artigo 1º quando estabelece que “O processo Civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e princípios fundamentais estabelecidos na República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.”
Deixando claro a influência da principiologia constitucional sobre o novo Código, o Professor Elpídio Donizetti discorrer que a constitucionalização do Direito Processual Civil materializou-se através das “características do neoconstitucionalismo: normatividade da constituição (força normativa), superioridade (material) da constituição, centralidade da constituição (a constituição está no centro do ordenamento jurídico), rematerialização da constituição (constituições mais prolixas, já que tratam de diversas matérias), ubiqüidade da constituição (onipresença da constituição em todos os ramos do Direito), constelação plural de valores (adoção de diversos princípios não homogêneos), onipotência judicial (no lugar da autonomia do legislador ordinário), valoração dos princípios (utilização maior da ponderação).”[1]
É exatamente nesse cenário que se avaliará os efeitos da nova codificação nos executivos fiscais e no processo fiscal. O novo cenário processual normativo não trouxe expressas modificações na Lei nº 6.830/80. No entanto as influências são diretas e reveladoras de uma nova forma de enfrentar o processo de execução fiscal.
O presente artigo abordará o efeito da principiologia constitucional no processo civil e as suas repercussões no executivo fiscal.
2 . O CÓDIGO PROCESSUAL E A PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL
O Direito Processual Brasileiro tem, nas palavras do Professor José da Silva Pacheco, raízes históricas anteriores a existência do próprio Brasil (PACHECO, 1999, p. 25).
Ao propósito que se pretende o presente trabalho, importa destacar que o Código de 1973 surgiu no contexto da edição de uma série de leis extravagantes e modificadoras do Código de 1939 e as severas críticas ao seu formato (MIOTTO, 2016, p. 1).
Oscar Pedroso Horta, então Ministro da Justiça, designou ao Professor Alfredo Buzaid a missão de elaborar o anteprojeto do Código de Processo Civil. Severo crítico do Código de 1939[2], o então Ministro da Justiça, Prof. Alfredo Buzaid, em janeiro de 1964, apresentou o projeto do Novo CPC, transformando-se no Projeto de Lei nº 810/1972, convertido na Lei nº 5.869 de janeiro de 1973.
Necessário se contextualizar o momento político e social vivido pela sociedade brasileira naquela época. O Brasil passava pelo golpe Militar. Em 1968 foi editado o famigerado AI-5, com o fechamento do Congresso Nacional e, dentre outras ações, a suspensão de diversas garantias constitucionais. O momento era de instabilidade institucional.
Nesse sentido, diversas são as críticas ao CPC/73. Consoante Cândido Rangel Dinamarco, o CPC/73 não avançou significativamente em relação ao CPC/39. Segundo o autor, “nossos olhos não estavam ainda propriamente abertos, nem nossos sentidos atentos à verdadeira revolução cultural em prol da bandeira da efetividade do processo, então brotando em plagas europeias” (DINAMARCO, 2001, p. 57).
De outro lado, não se pode afastar o importante trabalho de compilação e organicidade que o legislador de 1973 concedeu às normas processuais.
Não bastasse, obviamente, a edição de uma série de normas infraconstitucionais que revogaram parcelas do CPC/73 (ad exemplum, a Lei nº 8.952/94, a Lei nº 9.079/95, a Lei nº 9.099/95, a Lei nº 9.245/95 e a Lei nº 10.444/02), o Codex revogado fora editado à vigência da Constituição revogada.
A edição do novo texto Constitucional, e a garantia de uma série de direitos fundamentais, irradiando os seus efeitos sobre todo o ordenamento normativo, através do que se denomina de neoconstitucionalismo, demandavam a edição de uma nova codificação processual.
Diante disso, o então Presidente do Senado Federal, Senador José Sarney, através do Ato n. 379/2009, institui uma comissão de juristas com a finalidade de elaborar um novo Código de Processo Civil.
Em 8 de junho de 2010, o Projeto do Novo Código de Processo Civil, acompanhado de sua exposição de motivos, foi entregue pelo então Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Luiz Fux, ao Senador José Sarney.
Para o Ministro Luiz Fux, o principal objetivo da comissão era o de “resgatar a crença no judiciário e tornar realidade a promessa constitucional de uma justiça pronta e célere” (FUX, 2010, p. 12).
A comissão de Juristas que elaborou o novo código, nas palavras do Ministro Luiz Fux, tinha cinco objetivos principais:
1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão.
Discutido e aprovado no Senado Federal, o projeto tramitou sob a denominação de PL 8.046/2010, convertido na Lei nº 13.015/2015 (MEDINA, 2014, p. 678).
Dentre os diversos avanços, um deles ressalta aos olhos: a positivação dos princípios constitucionais no Codex Processual. O Professor Elpídio Donizetti leciona:
Tendo em vista a importância dos direitos fundamentais processuais para todo o sistema processual, o novo Código positivou, já nos seus primeiros dispositivos, as normas fundamentais do Processo Civil.
Pode-se pensar que a explicitação infraconstitucional dos direitos fundamentais processuais seja mera repetição inútil (tautologia). No entanto, essa reafirmação tem um importante significado ao disseminar para o ordenamento jurídico em geral o tratamento e a interpretação da legislação infraconstitucional como decorrência direta da constituição. A positivação principiológica no novo CPC demonstra que todo e qualquer processo deve ser permeado pelos direitos fundamentais processuais previstos na Constituição, tornando-o um instrumento de participação democrática e promovendo decisões efetivamente justas.
E exatamente nesse sentido, na irradiação dos princípios e dogmas constitucionais dentro do processo, através não apenas da positivação prevista no capítulo I (artigos 1 – 12), mas na alteração da dinâmica do processo, que se fala nos efeitos do neoconstitucionalismo nos institutos processuais.
Nas palavras do Professor Luís Roberto Barroso (2015, p. 520):
Nesse ambiente, a Constituição passa a ser não apenas um sistema em si – com a sua ordem, unidade e harmonia -, mas também um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito. A constitucionalização identifica um efeito expansivo das normas constitucionais que se irradiam por todo o sistema jurídico. Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Lei Maior passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. À luz de tais premissas, toda interpretação jurídica é também interpretação constitucional. Qualquer operação de realização do Direito envolve a aplicação direta ou indireta da Constituição. Direta, quando uma pretensão se fundar em uma norma constitucional; e indireta quando se fundar em uma norma infraconstitucional, por duas razões: a) antes de aplicar a norma, o intérprete deverá verificar se ela é compatível com a Constituição, porque, se não for, não poderá fazê-la incidir; e b) ao aplicar a norma, deverá orientar seu sentido de alcance à realização dos fins institucionais.
Ainda, nesse mesmo sentido, Uadi Lammêgo Bulos (2015, p. 97), ao tratar sobre o modelo axiológico de constituição normativa, leciona:
O neoconstitucionalismo como modelo axiológico de constituição normativa reconhece, no panorama do constitucionalismo atual, a existência de constituições invasoras, as quais impregnam os ordenamentos de normas constitucionais, promovendo o fenômeno da ‘constitucionalização do Direito’.
A constituição invasora, na imagem de Riccardo Guastini, serviria para mostrar que estamos vivendo a era dos textos constitucionais que interferem na ação dos atores políticos (La ‘constitucionalizacio’ del ordenamento juridico: El caso italiano, p. 153).
Seria, melhor dizendo,uma constituição extremamente invasora, que se mistura com todos os assuntos e setores da vida política, social econômica, cultural, religiosa e jurídica do Estado, condicionando a atividade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
É precisamente nesse contexto que surge o “modelo axiológico de Constituição como norma”, cujos pontos nucleares são os seguintes: a constituição é marcada pela presença de princípios e normas definidoras de direitos fundamentais; as normas e princípios constitucionais têm caráter material, positivando valores arraigados na comunidade, a exemplo da moral, dos costumes e dos hábitos (conteúdo axiológico) e as constituições também possuem denso conteúdo normativo, influenciando toda a ordem jurídica e vinculando a atividade dos Poderes Públicos e dos particulares (eficácia horizontal dos direitos humanos).
Nas lições de Gisele Leite (2015, p. 1):
Por essa razão, é tão salutar a ideia de que o direito processual civil venha consagrar a teoria dos direitos fundamentais, bem como a força normativa da Constituição Federal. Tal fenômeno é designado por renomados autores de neoconstitucionalismo ou pós-positivismo. Assim, o neoprocessualismo se consagra em ser a acepção neoconstitucionalista no direito processual.
Esses avanços, não experimentados no Código de 73, segundo o Ato do Presidente n. 379 de 2009 - que constituiu a Comissão de Juristas que deu início à formulação do anteprojeto, em meados do ano de 2009 - em função de que “os instrumentos processuais de proteção dos direitos fundamentais não gozavam do mesmo desenvolvimento teórico que desfrutam modernamente”.
A partir desse viés foi que finalmente reformulou-se o texto processual. Em vigor atualmente desde 18 de março de 2016, o novo Código trouxe enraizada a tentativa de efetivação dos direitos fundamentais, alçando-os à categoria de “Normas Fundamentais do Processo Civil”, junto ao Capítulo I, Livro I, da Parte Geral, ideia já advinda desde o momento da absorção do neoconstitucionalismo ao sistema processual, segundo as lições de Luis Roberto Barroso (2015, p. 110):
Sedimentado o caráter normativo das normas constitucionais, o Direito contemporâneo é caracterizado pela passagem da Constituição para o centro do sistema jurídico, onde desfruta não apenas da supremacia formal que sempre teve, mas também de uma supremacia material, axiológica. Compreendida como uma ordem objetiva de valores e como um sistema aberto de princípios e regras, a Constituição transforma-se no filtro através do qual se deve ler todo o direito infraconstitucional. Esse fenômeno tem sido designado como constitucionalização do Direito, uma verdadeira mudança de paradigma que deu novo sentido e alcance a ramos tradicionais e autônomos do Direito, como o civil, o administrativo, o penal e o processual.
Veja-se, assim, que não foi despropositada a nomenclatura concedida, já que as “Normas Fundamentais” podem contemplar tanto princípios quanto regras. Isso significa que “a iniciativa quer extrair, da CF, todas as normas (regras e princípios, porque ambos têm inegável caráter normativo) que ela traz com relação ao direito processual Civil.” (SCARPINELLA BUENO, 2016, p. 54).
Com efeito, nesse primeiro capítulo do Código, formatado em 12 artigos, não se exauriu, evidentemente, as normas fundamentais processuais. Há de se ressaltar, inclusive, que certas normas fundamentais de vital importância, como é o caso do devido processo legal, não se fizeram constar expressamente no novo texto processual. E, também, existem outras normas fundamentais encartadas ao longo do novo Código que não foram enumeradas junto ao Primeiro Capítulo.
Sobre a temática, explica Elpídio Donizete (2016, p. 22):
Esclarecemos de antemão que alguns princípios apenas de não estarem positivados no novo Código, continuam a ser aplicados ao processo. Lembre-se que o intérprete não pode se furtar de interpretar as normas jurídicas de acordo com os princípios constitucionais. Por essa razão, mesmo quando não expressos na legislação infraconstitucional, os princípios devem nortear a atividade do julgador. A comissão de Juristas se preocupou em albergar no Código os chamados princípios processuais transnacionais, ainda que não contemplados na Constituição Federal. Assim, a principiologia contemplada no Código é mais abrangente do que a da Constituição. A despeito disso há princípio que não se encontra positivado no Código, embora contemplado na Constituição e há também princípios que não se encontram positivados nem na Constituição nem no Código (...).
Inobstante, a nova Teoria do Processo não mais permite que qualquer análise processual deixe de considerar as normas jurídicas à luz da principiologia constitucional. Nesse sentido, pondera Cassio Scarpinella Bueno (2016, p. 53):
Nesse sentido, por mais paradoxal que possa parecer, é inequivocamente inócuo o art. 1º do CPC de 2015, quando prescreve que: ‘o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos pela Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código’. Inócuo porque, em estreita harmonia com o que vim de escrever, não há escolha entre o direito processual civil ser ou não ordenado, disciplinado e interpretado de acordo com a Constituição. Ele será – sempre compreendido como “deverá-ser”, no sentido prescritivo da expressão – ordenado, disciplinado e interpretado de acordo com a Constituição, queiramos ou não. É esa uma das formas de ver o que Konrad Hesse chama de ‘força normativa da Constituição.
Assim, todas as Normas Fundamentais, reforçadas expressamente ou não pelo novo CPC devem ser observadas plenamente junto ao processo. Sobretudo, pelo grau de relevância, podemos citar o princípio do devido processo legal; da duração razoável do processo e da primazia do julgamento do mérito; princípio do acesso à justiça; princípio da boa-fé processual; princípio da cooperação; princípio da igualdade e da isonomia; princípio do contraditório; princípio da ampla defesa; princípio da função social do processo; princípio da dignidade da pessoa humana; princípio da proporcionalidade; princípio da razoabilidade; princípio da legalidade; princípio da efetividade e princípio da imparcialidade.
3 O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO E OS EFEITOS NO PROCESSO FISCAL
A Execução Fiscal, regulamentada pela Lei 6.830/80, trata-se de procedimento que seguirá aplicação subsidiária do CPC, com o objetivo de perseguir o crédito inscrito previamente em dívida ativa em prol da Fazenda Pública de modo mais célere, dado o caráter de cobrança em que se pretende a obtenção de quantia.
Sobre o assunto, os comentários de Marilei Fortuna Godoi (2015, p. 31) são pertinentes:
Assim, as regras processuais gerais do CPC poderão ser utilizadas no rito da LEF, desde que não sejam incompatíveis com as normas reguladoras do procedimento especial.
A cobrança do crédito fiscal, por meio de um procedimento próprio, foi pensada com o intuito de acelerar a satisfação coativa, em prol do interesse público que se reveste a cobrança das receitas de natureza eminentemente estatal.
Assim, muito embora tratada por procedimento especial previsto em lei ordinária, a Lei de Execução não pode ser interpretada isoladamente em relação a todo sistema, já que hoje a Teoria do Processo não mais comporta que certo instrumento normativo seja compreendido em apartado dos direitos fundamentais.
A este respeito, eis a lição de Eduardo de Avelar Lamy (2016, p. 83):
Deste modo, embora até bem pouco tempo atrás fosse muito comum aplicar e interpretar determinado ramo do direito levando-se em conta apenas a principal Eli ordinária que o regulamentava, como disse Nelson Nery Jr., a atual influência dos direitos fundamentais sobre o Direito Processual tem contribuído significativamente para a paulatina e profunda modificação de seus elementos essenciais teóricos e operativos.
Também argumenta no mesmo sentido Nelson Nery Junior (2003, p. 19):
Era muito comum, pelo menos até bem pouco tempo, interpretar-se e aplicar-se determinado ramo do direito tendo-se em conta apenas a lei ordinária principal que o regulamentava. Assim, o civilista via no Código Civil a única norma que deveria ser consultada na solução de problemas naquela área, o mesmo ocorrendo com o processualista (civil, penal e trabalhista), com o penalista, com o comercialista.”
Desse modo, além de o CPC ser aplicável expressamente ao procedimento de cobrança previsto na Lei de Execução Fiscal, desde que não haja contrariedade aos comandos previstos nesta lei especial, de acordo com a dicção de seu já citado art. 1º, não podemos olvidar, de forma alguma, que a aplicação do procedimento ali previsto demanda análise de todo o conteúdo normativo e valorativo dos direitos fundamentais.
Como consequência, a cobrança procedimentalizada com a finalidade de recuperar crédito fiscal, sobretudo agora com a vigência do CPC/2015 em que reforçada a irradiação dos direitos fundamentais, poderá se revestir de maior utilidade, caso levados a efeito todas as nuances advindas do processualismo moderno.
Nessa mesma ótica, Alexandre Ávalo Santana (2014, p. 1), veio a esclarecer:
Partindo-se do pressuposto de que para um princípio fundamental deve ser dada a máxima efetividade, é possível afirmar que as alterações trazidas no projeto do Novo Código de Processo Civil traduzem, em regra, uma maior concretude para diversos valores constitucionais.
Como corolário, ao processo de execução fiscal agora também se impõe aos atores processuais a adoção de posturas até então refutadas, tudo com o objetivo de vir a conferir exeqüibilidade aprofundada aos direitos fundamentais e, ato contínuo, um resultado efetivo a este procedimento de cobrança especial.
Vale citar, inclusive, as considerações realizadas pelo Professor Eduardo de Avelar Lamy (2016, p. 93):
Percebe-se, portanto, que o direito constitucional à prestação jurisdicional é essencial à efetividade do direito material, uma vez que esse, diante de situações de agressão ou de ameaça, sempre necessita realizar-se plenamente. É por essa razão que o direito à efetividade da prestação jurisdicional merece ser concebido como o mais importante dos direitos, exatamente por representar o direito a tutelar os demais direitos, na lição de Eduardo Couture.
Dessa maneira, em suma, o advento dos direitos fundamentais não apenas modificou o Direito Processual teórica e operativamente, como também impôs preocupação com o direito à efetividade da prestação jurisdicional, servindo para o delineamento de uma teoria geral do processo sob a perspectiva constitucional, consoante reconhecem os arts. 1º e seguintes do CPC de 2015.
Essencialmente, então, as normas fundamentais erigidas junto aos arts. 1º ao 12, trazem efeitos em cascata ao processo de execução fiscal.
De modo exemplificativo, o legislador ordinário reforçou, na redação dada ao art. 1º, a manifestação do processo civil sob a égide dos valores impregnados ao texto constitucional. A Execução Fiscal, portanto, seguirá o rito de cobrança mediante a observância de toda a carga valorativa emanada da Constituição Federal.
E, sem excluir a relevância dos demais princípios, dado o alto de grau de repercussão prática em matéria de execução fiscal, a duração razoável do processo (art. 4º), a boa-fé objetiva processual (art. 5º) e o contraditório (art. 7º e 9º), são sustentáculos que podem garantir maior utilidade ao processo executivo.
Sobrelevam-se, ainda, por constituírem esteio a um modelo de processo organizado sob o espírito cooperativo (art. 8), “que o legislador, por meio do projeto do novo CPC, deixa claro que deve ser posto em prática” (SALOMÃO VIANA, 2014, p. 636).
À evidência, portanto, não se coaduna com o sistema processual mais os processos de execução fiscal intermináveis. Não raras as vezes, os feitos executivos se arrastam por, dez, quinze e – ainda que repudiáveis – vinte anos.
Há incompatibilidade, primeiro, porque a duração de um processo por longos períodos como estes de muito se afasta do que seria razoável à carga temporal da persecução judicial prevista no art. 4º. Segundo, porque, o efeito prático dessa longa duração da cobrança do crédito fiscal recai praticamente na inutilidade do processo de execução, pois, a recuperação do crédito, que é o que de modo geral se pretende, reduz-se ao passar de cada ano, até que se chegue ao ponto de jamais a Fazenda Pública ver a obrigação adimplida.
Ainda sim, a boa-fé objetiva processual e o contraditório, também demandam, de todos os atores processuais, um comportamento ordenado ao processo cooperativo projetado pelo novo CPC.
À guisa de ilustração, não se admite, sob este modelo, contribuintes argüindo, através de exceções de pré-executividade, o reconhecimento de prescrição sequer sem evidências cabais de sua ocorrência junto a impugnação apresentada; e, muito menos, magistrados reconhecendo tal pedido desconsiderando a presunção de liquidez, certeza e exigibilidade conferida ao título executivo, sequer sem a oitiva prévia da Fazenda Pública.
Isso porque, além da deslealdade processual e da ofensa direta ao princípio da ampla defesa, também aqui não se conferirá resultado útil ao processo, face a injustiça da decisão de mérito que será proferida.
Ainda sim, manifestações desse jaez não mais se coadunam ao novo CPC e, com efeito, ao processo executivo fiscal, já que o modelo cooperativo em que foi sistematizado o Código de 2015 exige do magistrado colaboração com as partes, de maneira que se possa ordenar o andamento dos atos processuais ao resultado útil e à justiça do processo de cobrança.
Sob essa percepção, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero asseveram (2016, p. 530):
Em primeiro lugar, do ponto de vista da “divisão do trabalho processual, o processo justo é pautado pela colaboração do juiz para com as partes. Daí a razão pela qual o NCPC positivou expressamente o modelo cooperativo de processo civil e o princípio da colaboração (art. 6º do CPC). O juiz é paritário no diálogo e assimétrico apenas no momento da imposição de suas decisões. Em segundo lugar, constitui processo capaz de prestar tutela jurisdicional adequada e efetiva (arts. 5º, XXXV, CF/1998, e 3º do CPC), em que as partes participam em pé de igualdade e com paridade de armas, em contraditório (arts. 5º, I e LV, da CF/1988, e 7º, 9º e 10 do CPC), com ampla defesa, com direito à prova, perante juiz natural, em que todos os seus pronunciamentos são previsíveis, confiáveis e motivados (arts. 93, IX, CF/1988, e 11 e 489 do CPC), em procedimento público (arts. 5º, LX, 93, IX, CF/1988, e 11 e 189 do CPC), com duração razoável (arts. 5º, LXXVIII, CF/1988, e 4º do CPC) e em, sendo o caso, com direito à assistência jurídica integral e com formação de coisa julgada.
Ao que se depreende, portanto, a principiologia inserta ao CPC/2015 exige mudança no comportamento dos atores processuais junto as ações também praticadas nas execuções fiscais,
4 DA CONCLUSÃO
É de se reconhecer que os efeitos do neoconstitucionalismo e suas nuances de mudança impregnaram o texto do CPC/15. A própria Lei de Execução Fiscal albergou a aplicação do CPC ao procedimento de cobrança do crédito fazendário expressamente. Mais além, a carga valorativa da CF refinou o novo Código à luz desses valores constitucionais. Assim, a execução procedimentalizada pela Lei 6.830/80 deve ser repensada, de modo a atender a estes valores princípiológicos, sem olvidar, evidentemente, de seu objetivo de recuperar o crédito fiscal.
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<http:// http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13015.htm> Acesso em: 12 de jul 2016.
[1] DONIZETTI, Elpídio. <http://atualidadesdodireito.com.br/elpidionunes/2012/04/11/expressa-constitucionalizacao-do-direito-processual-civil-positivacao-do-%E2%80%9Ctotalitarismo-constitucional%E2%80%9D/> 16 de novembro de 2013
[2] Foi obra de vergonhosa improvisação, ao faltar uma preparação científica indispensável não só em relação aos princípios fundamentais que o informam na sua primeira parte, mas, sobretudo, por não evitar a desarmonia com as outras partes, especialmente aquelas que regulam os recursos e a disciplina da execução. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242945/000939985.pdf?sequence=3. Retirado em 14 maio 2016.
Graduada em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (2005). Especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (2008). Especialista em Advocacia Pública. Procuradora do Estado de Rondônia desde 2013. Professora de Direito Tributário, Processo Civil, Direito Constitucional e Administrativo. Atua como advogada na área do Direito Público
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AZEVEDO, Luciana Fonseca. O novo Código de Processo Civil e o efeito da principiologia constitucional nos executivos fiscais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jan 2020, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54142/o-novo-cdigo-de-processo-civil-e-o-efeito-da-principiologia-constitucional-nos-executivos-fiscais. Acesso em: 23 dez 2024.
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