Resumo: O presente estudo tem por objetivo realizar uma análise sobre o Ministério Público, sobretudo, de seus princípios institucionais, no que tange a sua posição constitucional e relevância no ordenamento jurídico. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 dedicou em seu texto que o Ministério Público é a instituição permanente e fundamental à função jurisdicional do Estado. Deste modo, devida a grande posição constitucional assumida pela instituição, é necessário um estudo geral de sua natureza e de seus aportes institucionais. Com intuito de avaliar a relação dos princípios com as atribuições constitucionais desempenhadas pela instituição ministerial, a pesquisa adotou o método dedutivo em conjunto com a pesquisa bibliográfica de jurisprudências, legislações e obras literárias de diversos constitucionalistas pátrios. Em conclusão, acredita-se que o Ministério Público, sob a égide de seus princípios institucionais, é a instituição fundamental para a manutenção dos direitos difusos e individuais indisponíveis, figurando-se assim, na condição de ombudsman, o qual propende a tutela dos direitos inerentes a sociedade.
Palavras-chave: Ministério Público; Princípios institucionais; posição constitucional; Direitos fundamentais
Abstract: The present work aims to perform an analysis of the prosecution, especially its institutional principles, regarding its constitutional position and relevance in the legal system. The Constitution of the Federative Republic of Brazil of 1988 dedicated in its text that the Public ministry is the permanent institution and fundamental to the jurisdictional function of the State. That way, to the great constitutional position assumed by the institution, a general study of its legal nature, especially its institutional contributions, is necessary. In order to evaluate the relation of the principles with the constitutional attributions performed by the ministerial institution, the research adopted the deductive method in conjunction with the bibliographic research of jurisprudence, legislation and literary works of several constitutionalist fathers. In conclusion, it is believed that the Public Prosecution Service, under the aegis of its institutional principles, is the fundamental institution in the maintenance of unavailable individual and diffuse rights, thus being, as ombudsman, which proposes the protection of inherent rights. the society.
Keywords: Public ministry; Institutional principles; constitutional position; Fundamental rights
Sumário: 1. Introdução. 2. Histórico e evolucão institucional. 3. Princípios institucionais. 3.1 Princípio da unidade. 3.2 Princípio da indivisibilidade. 3.3 Princípio da independência funcional. 3.4 Princípio do promotor natural. 4. Considerações finais. 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Popularmente tratado como mantenedor da ordem jurídica e dos direitos coletivos e individuais indisponíveis, é fato consolidado que o Ministério Público é uma das principais instituições responsáveis pelo estabelecimento da ordem social.
No contexto legal, o Ministério Público destaca-se não só pela sua competência constitucional, mas sim pela autonomia e independência lhe assegurada, sendo ainda desvinculada do Executivo, Legislativo e Judiciário.
A relevância da instituição para a sociedade permanece patente e imensurável, ao passo que, a ela foi dado o dever legal de tutela dos direitos e das instituições democráticas, o que em síntese, justifica o estudo dos seus princípios, assim como a compreensão de sua meritória posição no texto constitucional.
Por meio do método dedutivo, o presente trabalho respaldou-se na pesquisa teórico-bibliográfica, com o emprego de leis, jurisprudências e literaturas conectadas ao tema.
Para uma boa compreensão dos estudos, o ensaio foi dividido em dois tópicos. O primeiro apresenta um breve exame histórico do Ministério Público, analisando a sua evolução histórica e constitucional até o presente momento. Já o segundo tópico adentra aos princípios basilares da instituição ministerial, apontando ainda, suas funções, características e importância na efetividade dos serviços ministeriais.
Ao final serão apresentadas as considerações finais do estudo realizado, considerando em sentido amplo, a indissociável relação principiológica da instituição com os preceitos fundados na Constituição, reafirmando a tese de que o Ministério Público é a função indispensável na consecução da justiça.
2. HISTÓRICO E EVOLUÇÃO INSTITUCIONAL
Sobre o surgimento desta instituição ainda há divergências, porém, a maioria dos autores, dentre eles, Bulos (2019, p. 1426) e Marques (1984, p. 10) defendem com tranquilidade que o seu surgimento ocorreu por meio da figura dos procuradores do rei provenientes do direito francês, os quais prestavam o mesmo juramento dos juízes, no fundamento de estarem impedidos de exercer outras funções e defender outras causas, senão as pertinentes aos interesses do soberano.
Tal fato, segundo Moraes (2018, p. 644) foi concretizado pela Revolução Francesa, que estruturou e solidificou o Ministério Público como instituição, ao conferir garantias a seus membros. Por meio do governo napoleônico, a França traçou os elementos institutivos do Ministério Público, impulsionando a literatura francesa na construção da história dessa instituição, claramente visível nos dias atuais com o uso frequente da expressão parquet, ao referir-se à instituição e a seus membros.
No entanto, nas lições de Mendes (2015, p. 1028) as origens do Ministério Público brasileiro são mais atinentes ao direito português do que o francês. A Constituição imperial de 1824 não fazia nenhuma menção sobre as características da instituição, mas, fez certas referências, como exemplo, a Lei do Ventre Livre, que outorgava ao promotor o dever de proteger os filhos libertos dos escravos.
Já a constituinte seguinte, mesmo não prescrevendo dispositivos legais na estruturação do Ministério Público demonstrou um pequeno avanço, ao citar a iniciativa do Procurador-Geral na revisão criminal pro reo, bem como, a sua escolha pelo Presidente dentre os próprios ministros do Supremo Tribunal Federal.
Não obstante, restou a Carta de 1934 o encargo de elevar o Ministério Público para um nível constitucional, o que foi satisfatoriamente atendido, creditando-lhe a função de cooperação nas atividades estatais.
Apesar do gradual crescimento da intuição, a promulgação outorgada da Carta de 1937 instaurou severas mudanças, que constituíram nítido retrocesso para a instituição ministerial. Umas delas, foi a livre escolha e destituição do Procurador-Geral da República, o qual ficava unicamente a cargo do Presidente.
Foi ao longo dos anos 1940 que o Ministério Público se reergueu e começou a ganhar força e notoriedade. Um dos marcos históricos promoventes deste prestígio foi a promulgação do decreto Lei nº 3.689/41, instituindo o código de processo penal e atribuindo a instituição o papel de detentor e titular da ação penal.
Neste mesmo ínterim, observa Bulos (2019, p. 1426) que a Carta Magna de 1946 proporcionou outro salto qualitativo para a instituição ministerial, dispondo em seu texto o ingresso por meio de concurso público e as garantias de estabilidade e inamovibilidade.
Após o golpe militar de 1964, a Carta de 1967 foi editada, não conferindo novas garantias, mas, manteve as conquistas alçadas na constituinte de 1946 e posicionou a instituição na mesma seção do capítulo correspondente ao Judiciário.
Posteriormente, a promulgação do código de processo civil de 1973, de acordo com Mendes (2015, p. 1028) iniciou novos passos, realçando a atuação do Ministério Público como parte e regulamentando as ocasiões em que sua intervenção é obrigatória, nos casos em que se conflitam interesses de incapazes e direitos indisponíveis, ao assumir a posição de fiscal da lei.
Feita essa breve análise histórica, chega-se finalmente à acepção contemporânea da referida instituição. O ordenamento jurídico, mais precisamente, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 apontou a sua conceituação na norma do seu art. 127, ao esclarecer que:
Art. 127 O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. (BRASIL, 2018, p. 44).
Ainda tratando da sua natureza jurídica, Bulos (2019, p. 1427) destaca o progresso da instituição na seara cível e penal. Na esfera cível, no qual a Constituição assegurou-lhe, além da autonomia na propositura de ações interventivas e de inconstitucionalidade, que era de praxe no regime antecessor, o direito de defender, em juízo, interesses de povos indígenas, outorgando-lhe a missão de promover inquéritos cíveis e ações civis públicas na tutela do meio ambiente, do patrimônio histórico e dos outros casos em que há relevante interesse social.
Já na seara penal, concedeu-lhe o encargo privativo na interposição da ação penal pública, o controle externo da atividade policial na forma da lei, o poder de requisitar diligências investigatórias e a determinação de instauração do inquérito policial.
Em conjunto com as disposições constitucionais e infraconstitucionais, o legislador promulgou em 12 de fevereiro de 1993 a Lei n° 8.625, que instituiu a legislação orgânica da instituição e formalizou a sua organização, consolidando por vez, o referido órgão como função essencial à justiça.
Portanto, vislumbrando o histórico e as observações de Mendes (2015, p. 1025), foi com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a promulgação de sua lei orgânica que o Ministério Público encontrou o seu apogeu, reverenciando expressamente a instituição ministerial em sua estrutura orgânico-fundacional, funcionamento e princípios institucionais, expressos respectivamente na norma do art. 127, § 1º do texto constitucional e na norma do art. 1º, parágrafo único da Lei n° 8.625/93 os quais serão estudados a seguir.
3. PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS
3.1 Princípio da unidade
Nos ensinamentos de Moraes (2018, p. 652) pelo princípio da unidade, os membros do Ministério Público atuam de forma integralizada, ou seja, sob uma direção única. A unidade, nesse sentido, visa assegurar a efetividade dos serviços ministeriais.
Nessa conjuntura, Novelino (2019, p. 825) salienta que os membros do parquet não devem ser compreendidos em sua individualidade, mas sim como integrantes de uma instituição única, subordinada e gerida por uma só chefia. Do mesmo modo, não há o que se falar unidade entre o Ministério Público de um Estado e de outro, tampouco, nem entre os variados ramos do Ministério Público da União.
Ressalta-se que ainda que a separação do Ministério Público em vários eixos não é um pressuposto de inviolabilidade do princípio da unidade. A sua divisão em diversos organismos, conforme leciona Bulos (2019, p. 1431) se produz apenas para lograr uma divisão racional do trabalho, mas todos eles são norteadores pelos mesmos fundamentos e com as mesmas finalidades, constituindo, porquanto, uma única instituição.
Dessa feita, é de suma importância destacar que a perspectiva funcional visa atender aos mandamentos impostos na lei, dado que, o Ministério Público possui uma divisão orgânica criada para atender à estrutura federativa adotada no país. Seu fracionamento não tende a deturpar o sentido do princípio da unidade, mas sim a sua adequação ao modelo estrutural admitido pelo Estado com as determinações constitucionais.
3.2 Princípio da indivisibilidade
A despeito do princípio da indivisibilidade, tem-se que este é decorrente da possibilidade de o membro da instituição ser representado por um outro, sem que haja interferência no ato processual, visto que, no instante em que um deles atua, julga-se que é a instituição ministerial exercendo sua função. Em outros termos, resta dizer que o parecer dado no procedimento judicial não é do promotor, mas sim do Ministério Público.
Nesta posição é favorável Bulos (2019, p. 1432) que compreende a indivisibilidade como corolário da unidade, daí que o parquet não pode ser subdividido internamente em várias outras instituições autônomas e desvinculadas entre si. Por esta razão, seus membros não estão adstritos aos procedimentos judiciais nos quais oficiam, podendo perfeitamente serem substituídos uns pelos outros, nos termos da lei.
Através destas observações, compreende-se que o Ministério Público é uno e invisível, no entanto, apenas na medida em que os seus membros estão submetidos a uma mesma chefia. A indivisibilidade e a unidade dizem respeito a cada um dos variados órgãos ministeriais que o ordenamento jurídico brasileiro consagrou. É neste ângulo que o Supremo Tribunal Federal assim entendeu:
AÇÃO PENAL. Denúncia. Ratificação. Desnecessidade. Oferecimento pelo representante do ministério público federal no juízo do foro em que morreu uma das vítimas. Declinação da competência para o juízo em cujo foro se deu o fato. Foros da Justiça Federal. Atuação, sem reparo, do outro representante do MP. Atos praticados em nome da instituição, que é una e indivisível. Nulidade inexistente. HC indeferido. Aplicação do art. 127, § 1º, da CF. Inteligência do art. 108, § 1º, do CPP. O ato processual de oferecimento da denúncia, praticado, em foro incompetente, por um representante, prescinde, para ser válido e eficaz, de ratificação por outro do mesmo grau funcional e do mesmo Ministério Público, apenas lotado em foro diverso e competente, porque o foi em nome da instituição, que é una e indivisível (STF, HC 85.137, Rel. Min. Cézar Peluso, DJ de 28-10-2005).
Destarte, caso a denúncia seja oferecida em foto incompetente, é aceitável a sua ratificação por outro membro da instituição, desde que seja confirmada pelo membro do mesmo Ministério Público e de semelhante grau, haja vista que, como já suscitado, o referido ato foi realizado em nome da instituição e não do seu membro.
3.3 Princípio da independência funcional
A essência do princípio da independência funcional está disposta no texto constitucional, que assegura na norma do art. 127, §2º, autonomia funcional e administrativa ao Ministério Público (BRASIL, 2018, p. 44).
Novelino (2019, p. 825-826) assevera que o mencionado princípio está ligado as garantias e prerrogativas tendentes a preservação da autonomia da instituição, de modo a evitar pressões e interferências externas.
O conteúdo deste princípio é preciso, ao indicar que inexiste subordinação hierárquica entre os membros da instituição, justamente, para que o parquet exerça seu mister, ou melhor, seus deveres profissionais sem restrições ou imposições que impeçam o seu exercício constitucional.
Além disso, tal princípio ganhou tanta relevância que a própria Carta Magna de 1988 constituiu na norma do seu art. 85, II, como crime de responsabilidade do Presidente da República, a prática de atos atentatórios ao livre exercício das atribuições do Ministério Público (BRASIL, 2018, p. 33).
No entendimento de Marques (1984, p. 30) para que a instituição alcance seus objetivos, ela precisa se desvincular do Executivo, Legislativo e Judiciário, no intuito de ser livre e independente no desempenho dos seus deveres, assim, averígua-se que os membros do Ministério Público devem se subordinar apenas às leis e à sua consciência, quer atuando como titular da ação penal ou fiscal da lei.
É nessa justificativa que Bulos (2019, p. 1432) elucida que os seus integrantes só devem satisfações funcionais à Constituição, as leis e aos bons costumes, pois, nem mesmo no ponto de vista interno há de se falar em superioridade hierárquica. Deste modo, a título de exemplo, não pode um Procurador Regional da República obedecer a ordens de um Procurador-Geral da República. Este não possui competência legal para ditar-lhe ordens, na razão de agir dessa ou daquela maneira.
Logo, alcança-se que a única hierarquia vislumbrada no texto constitucional do Ministério Público brasileiro é de natureza administrativa e nunca funcional, onde seus atos estarão submetidos à apreciação judicial apenas nos casos de abuso de poder que possam lesar direitos.
Nesse aspecto, Mendes (2015, p. 1030) anota que paralelamente a inexistência hierárquica, há uma autossuficiência orçamentária e financeira cedida ao Ministério Público que lhe confere a independência necessária para a atuação dos ofícios ministeriais, sendo inaceitável intervenções dispostas à contenção de seus gastos.
O mesmo entendimento em que a preservação da autonomia financeira do Ministério Público não pode ser cerceada, foi recepcionado pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 4.356 que reconhece como “inconstitucional a lei que limita gastos com pessoal do Ministério Público, que estão amparados em previsão de lei orçamentária anual e na lei de diretrizes orçamentárias.” (STF, ADI 4.356, Rel. Min. Dias Toffoli, Dje de 12.05.2011).
Vê-se que a independência funcional e autonomia financeira atribuída a instituição ministerial está em plena igualdade com as garantias estendidas a Magistratura e a Defensoria Pública, assim como estabelece respectivamente, as normas dos arts. 99 e 134, §2º (BRASIL, 2018, p. 36-46).
Desta forma, respaldando-se na mesma autonomia creditada ao Judiciário e a Defensoria Pública, assegurou-se ao Ministério Público as prerrogativas financeiras fundamentais na conjugação de seus deveres, sustentando a premissa de que, sem restrições orçamentárias, este poderá atuar com zelo e empenho no cumprimento de seus encargos.
3.4 Princípio do promotor natural
Espelhando-se nos princípios basilares inerentes ao Judiciário, delineou-se pela instauração do princípio do promotor natural, sendo vedada a designação de promotor ad hoc ou promotor de exceção. Trata-se, portanto, de um princípio implícito imanente ao princípio do juiz natural, mas, com cariz constitucional.
Por meio deste princípio, a atuação dos membros do Ministério Público nas conotações de Novelino (2019, p. 826) é predeterminada por critérios abstratos definidos na lei, anteriormente à ocorrência do evento, assim, contesta-se que a garantia constitucional elencada na norma do art. 5º, LIII do texto constitucional, na qual ninguém pode ser processado e nem sentenciado senão por autoridade competente, deve ser analisada e estendida aos membros do parquet, sendo que, a acusação deve advir de um órgão competente.
Além disso, consoante as considerações de Moraes (2018, p. 654) a norma do art. 10 da Lei nº 8.625/93 dispensa a possibilidade de designações arbitrárias, competindo, excepcionalmente, ao Procurador-Geral a designação de membro para acompanhar inquérito policial ou diligência investigatória, devendo, entretanto, recair a escolha sobre o membro da instituição para oficiar no pleito segundo as regras ordinárias de distribuição de serviços (BRASIL, 2019).
O princípio em comento diz respeito às determinações intrínsecas a Constituição, o que em suma, condiz com outros mandamentos constitucionais, a saber, a norma do art. 129 §2º, a qual estabelece que as funções inerentes ao Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes de carreira (BRASIL, 2018, p. 45).
Sobre a validade do princípio do promotor natural o Supremo Tribunal Federal recentemente reconheceu a importância e relevância do princípio na disciplina dada ao Ministério Público pela Constituição, conforme o seguinte julgado:
"HABEAS CORPUS" - MINISTÉRIO PÚBLICO - SUA DESTINAÇÃO CONSTITUCIONAL - PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS - A QUESTÃO DO PROMOTOR NATURAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 - ALEGADO EXCESSO NO EXERCÍCIO DO PODER DE DENUNCIAR - INOCORRENCIA - CONSTRANGIMENTO INJUSTO NÃO CARACTERIZADO - PEDIDO INDEFERIDO. - O postulado do Promotor Natural, que se revela imanente ao sistema constitucional brasileiro, repele, a partir da vedação de designações casuísticas efetuadas pela Chefia da Instituição, a figura do acusador de exceção. Esse princípio consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu oficio, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determinados, estabelecidos em lei. A matriz constitucional desse princípio assenta-se nas clausulas da independência funcional e da inamovibilidade dos membros da Instituição. O postulado do Promotor Natural limita, por isso mesmo, o poder do Procurador-Geral que, embora expressão visível da unidade institucional, não deve exercer a Chefia do Ministério Público de modo hegemônico e incontrastável. Posição dos Ministros CELSO DE MELLO (Relator), SEPÚLVEDA PERTENCE, MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO. Divergência, apenas, quanto a aplicabilidade imediata do princípio do Promotor Natural: necessidade da "interpositio legislatoris" para efeito de atuação do princípio (Ministro CELSO DE MELLO); incidência do postulado, independentemente de intermediação legislativa (Ministros SEPÚLVEDA PERTENCE, MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO). - Reconhecimento da possibilidade de instituição do princípio do Promotor Natural mediante lei (Ministro SYDNEY SANCHES). - Posição de expressa rejeição a existência desse princípio consignada nos votos dos Ministros PAULO BROSSARD, OCTAVIO GALLOTTI, NÉRI DA SILVEIRA e MOREIRA ALVES. (STF, HC 67.759-2/RJ, Plenário, relator Ministro Celso de Mello, DJ de 06.08.1992).
Nesta senda, considerando a legalidade dos encargos ministeriais e a ligação umbilical com as garantias gravadas na Constituição, a suprema corte definiu pela validade do princípio do promotor natural, ao reconhecer sua excelência no ordenamento jurídico:
HABEAS CORPUS. DENÚNCIA OFERECIDA POR MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ATUANTE EM VARA CRIMINAL COMUM E RECEBIDA PELO JUÍZO DO TRIBUNAL DO JÚRI. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIOS UNIDADE E INDIVISIBILIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRECEDENTES. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 67.759/RJ, de relatoria do Ministro Celso de Mello, reconheceu, por maioria de votos, a existência do princípio do promotor natural, no sentido de proibirem-se designações casuísticas efetuadas pela chefia da Instituição, que criariam a figura do promotor de exceção, incompatível com a determinação constitucional de que somente o promotor natural deve atuar no processo. Hipótese não configurada no caso. 2. Habeas corpus denegado (STF, HC 114.093, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 03.10.2017).
É verídico que o princípio em comento surge diretamente da garantia de imparcialidade dos órgãos julgadores, exatamente, para que o exercício da tutela jurisdicional não se apegue ao subjetivismo. A atual concepção democrática e constitucionalista abraçada pelo ordenamento jurídico advoga no fundamento de que é inconcebível a prática da função jurisdicional de maneira discricionária. Assim, o princípio do promotor natural advém do ponto de vista adotado pelo regime constitucional pátrio, que preza pelos institutos concernentes à aplicação justa, equânime e imparcial do direito no caso concreto.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo exposto, porém sem que se esgote os estudos deste tema, vale a pena a reflexão de alguns pontos.
Com o exame histórico da instituição, averígua-se que o Ministério Público possui certa paridade com a história constitucional pátria, que foi revestida por momentos de avanços e retrocessos. Este movimento reflete-se no caminhar evolutivo da instituição, a qual acompanhou simultaneamente as transformações políticas, sociais e econômicas vivenciadas pelo país.
A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a Lei n° 8.625/93 constituíram o ápice do crescimento do Ministério Público como função essencial à justiça, creditando-lhe o dever legal de tutela dos direitos indisponíveis e manutenção dos interesses difusos e coletivos.
Ainda assim, entende-se que a constitucionalização dos princípios ora estudados foi e será a base sólida necessária para a exteriorização das funções ministeriais às relações jurídicas. A sua organização institucional é estritamente coordenada pelo bojo principiológico carreado pela instituição ministerial, o que demonstra, com segurança, a sua relação com os preceitos gravados no ordenamento jurídico.
A autonomia e a desvinculação do Executivo, do Legislativo e do Judiciário representam a independência necessária para que o parquet exerça seu mister com total independência e imparcialidade. Tais garantias, neste prisma, não devem ser encaradas como privilégios, mas sim como prerrogativas essenciais para o bom desempenho das funções ministeriais, conforme as determinações ditadas pela Constituição.
Sendo assim, conclui-se que a redação constitucional conferida ao Ministério Público lhe aproxima do autêntico ombudsman, que anseia pela estabilidade e tutela das instituições democráticas. A observância dos seus princípios institucionais certamente conduzirá a uma instituição firme, vigorosa, independente e eficiente no cumprimento dos deveres legais.
5. REFERÊNCIAS
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Graduado em Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NEVES, Kelvyn Luiz. Ministério Público: aspectos gerais e princípios institucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jan 2020, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54187/ministrio-pblico-aspectos-gerais-e-princpios-institucionais. Acesso em: 23 dez 2024.
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